Base Nacional Comum Curricular: Educação Especial em foco

Daniela Camila Froehlich

Educadora Especial (UFSM), mestranda em Geografia (UFSM)

Ane Carine Meurer

Doutora em Educação (UFSM)

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento implantado para guiar práticas escolares no âmbito nacional. Para isso, apresenta em seu decorrer metas, campos de experiências, etapas de ensino e suas áreas, como referência obrigatória na elaboração e adequação curricular e proposta pedagógica.

Com isso, cabe considerar todas as etapas e modalidades que estão fazendo uso dela em seus currículos e práticas pedagógicas, considerando seus sujeitos, para assim direcionarmo-nos a essa discussão, com o foco na Educação Especial (EE).

Pensar o contexto educacional da EE aborda diferentes elementos importantes para o seu desenvolver, políticas públicas específicas para essa área, como também voltadas a seus diferentes público-alvo, e agora também a BNCC como orientadora nesse espaço.

Para iniciar esta escrita, é de suma relevância ter conhecimento sobre esse documento de modo geral, para então voltar o olhar à modalidade específica aqui tensionada, a Educação Especial.

Base Nacional Comum Curricular

A educação nacional, no decorrer dos anos, foi se constituindo e consolidando por meio de políticas públicas; a BNCC faz parte dessas construções políticas. Ela foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) pela Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, e homologada pelo então ministro da Educação, José Mendonça Filho. Esse documento contempla a Educação Infantil e o Ensino Fundamental e afirma, ao se aproximar dos mais conceituados sistemas de educação mundiais, inaugurar uma “nova era” na educação do país.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Art. 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/96), e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN) (Brasil, 2017, p. 9).

Prevista na Constituição de 1988, na LDB de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2014, a BNCC foi preparada por especialistas de cada área do conhecimento, com a valiosa participação crítica e propositiva de profissionais de ensino e da sociedade civil. Em abril de 2017, considerando as versões anteriores do documento, o Ministério da Educação (MEC) concluiu a sistematização e encaminhou a terceira e última versão ao Conselho Nacional de Educação (CNE). A BNCC pôde então receber novas sugestões para seu aprimoramento, por meio das audiências públicas realizadas nas cinco regiões do País, com participação ampla da sociedade (Brasil, 2017, p. 7).

A vocação normativa é evidenciada já em sua introdução, como pode ser visto na citação acima, que a caracteriza como um documento progressivo de aprendizagens essenciais, que se destina a todos os alunos ao longo das etapas da Educação Básica.

O principal objetivo da BNCC é garantir a equidade na aprendizagem dos estudantes do país. Conforme o texto do MEC, a BNCC não é um currículo, mas um documento que deve servir de referência para o currículo. No entanto, é importante lançar um olhar crítico e cuidadoso sobre ela, uma vez que, como toda proposta curricular oficial, de imediato, é “uma promessa, por certo, tentadora, de igualdade e inclusão” que requer análise.

Compreendendo a construção dessa normativa e suas finalidades, tenciona-se      a necessidade de ela ir ao encontro das demandas escolares, de atender as necessidades dos educandos para que as aprendizagens sejam significativas.

Educação Especial

A Educação Especial no Brasil apresentou marcos importantes, envolvendo conceitos e perspectivas que demarcaram seus espaços e significações; para isso abarco breve conceituação e percurso histórico dela pelo viés da instituição de políticas educacionais.

A Educação Especial é definida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu Capítulo V, Art. 58, como “a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos portadores de necessidades especiais” (Brasil, 1996).

No âmbito das Políticas de Interesse à Educação da Pessoa com Deficiência no Brasil, vale salientar a concepção de Educação Especial apresentada no Art. 3° da Resolução CNE/CEB nº 02/01:

Modalidade da educação escolar, entende-se um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica (Brasil, 2001).

Para isso também, “a Educação Especial está [...] baseada na necessidade de proporcionar a igualdade de oportunidades, mediante a diversificação de serviços educacionais, de modo a atender às diferenças individuais dos alunos, por mais acentuadas que elas sejam" (Mazzotta, 1982, p. 10).

No ano de 2011, foi promulgado o Decreto n° 7.611, que dispõe sobre o atendimento educacional especializado (AEE), além de outras providências. Em 2013, a Lei n° 9.394/96 sofreu alterações em seu Art. 4, inciso III, alterado pela Lei n° 12.796/13, em que fica estabelecido o “atendimento educacional especializado gratuitos aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil, 2013).

Em 2015 foi promulgada a Lei n° 13.146, denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (Brasil, 2015).

É possível compreender que o direito da Educação da pessoa com deficiência no Brasil é historicamente recente; em decorrência disso, as Políticas Públicas de Interesse à Pessoa com Deficiência são promulgadas com o intuito de oferecer e garantir efetivamente a igualdade (de direitos e oportunidades) e a acessibilidade a esses sujeitos.

Com isso, pensar a BNCC instituída recentemente requer tensioná-la voltada a essa modalidade educacional e de como os sujeitos público-alvo da Educação Especial estão sendo contemplados por ela.

Educação Especial na BNCC

Para esta análise, a busca direcionou-se à Educação Especial e a práticas inclusivas no contexto da Base Nacional Comum Curricular. A análise inicial partiu da apresentação e do sumário do documento, no qual, dentro das divisões das etapas, Educação Infantil e Ensino Fundamental apresentavam subdivisões por áreas do conhecimento, e dentre elas em nenhum dos momentos foi apresentada a Educação Especial.

Considerando os objetivos ao buscar a Educação Especial na BNCC, pode ser visualizado que ela foi mencionada apenas duas vezes no documento e que nos momentos em que foi mencionada não há direcionamentos específicos nem propostas de práticas educativas nesse contexto. Nas Figuras 1 e 2 podem ser visualizadas essas colocações.

Figura 1: Educação Especial na BNCC (página 17)

Fonte: Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017).

Figura 2: Educação Especial na BNCC (página 325)

Fonte: Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017).

Com isso, passamos a observar elementos que nos remetam à EE no documento, como posicionamento sobre a Educação Inclusiva. Nessa busca, encontramos apenas uma menção: um referencial utilizado na escrita da BNCC que não remete diretamente a propósitos da base para/com essa modalidade educacional. Pode ser visto na Figura 3.

Figura 3: Inclusão na BNCC

Fonte: Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017).

Observando os fragmentos trazidos, vê-se que não há enfoque voltado à Educação Especial nem ao seu público-alvo, trazendo ofuscada essa modalidade. As pequenas colocações, vagas, trazem a Educação Especial de forma frágil, sem a atenção necessária.

Os objetivos trazidos no documento trazem o que tem de ser atendido e quais competências os alunos devem desenvolver; entretanto, pensando a Educação Especial, os objetivos seriam todos iguais? As metas a serem atingidas são as mesmas? As aprendizagens trazidas como essenciais seriam as mencionadas?

Questionar esse documento não significa trazer todas as respostas nem impor verdades absolutas, mas sim fazer com que os sujeitos que estudam, trabalham ou se interessam pela área possam se ocupar dessa discussão, para que possamos pensar os currículos de maneira a atender às necessidades dos educandos: “o que se aprende deve ser abordado de forma dinâmica, instigante e estar relacionado à vida real do estudante de forma que faça sentido para sua experiência humana” (Ferreira, 2015, p. 314).

A Educação Especial, como modalidade da Educação Básica, compartilha os pressupostos teóricos e metodológicos dos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino apresentados no documento. O desafio está na prática da flexibilização curricular, na adequação de objetivos propostos, na adoção de metodologias alternativas de ensino, no uso de recursos e materiais específicos, no redimensionamento do tempo e do espaço escolar, entre outros; são aspectos necessários para que estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação exerçam o direito de aprender com oportunidades e condições.

Aos currículos elaborados nas escolas é delegado um papel complementar; no entanto, é ele o responsável pelas ações para “assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica” (Brasil, 2017, p. 16). Com isso, pensar a BNCC para a Educação Especial torna-se necessário, pois as alterações curriculares que são estabelecidas pelo documento se refletem no contexto educacional e nos sujeitos público-alvo da EE.

Considerações Finais

A visão de Educação Especial presente no documento da BNCC representa uma perspectiva de inclusão sem garantias suficientes para a permanência na escola, com qualidade social, na medida em que não volta o olhar a essa modalidade, muito menos torna o currículo acessível para todos.

Pensar um currículo inclusivo requer atenção e uma proposta que vá ao encontro das necessidades dos educandos; a perspectiva inclusiva rejeita qualquer proposta de currículo recortado e empobrecido, resgata uma proposta de recriação da própria escola ao garantir uma educação de qualidade que reconhece as diferenças e valoriza a diversidade. Também traz ganhos inegáveis à aprendizagem dos estudantes com deficiência, pois implica educá-los com base em seu próprio marco de referência, definido pelos condicionantes histórico-sociais que definem sua experiência de sujeitos sociais (González, 2002).

A BNCC, apesar de mencionar o caráter de transversalidade da Educação Especial, não realiza grandes avanços nessa ação. As lacunas e os equívocos existentes reforçam a ideia de que a Educação Especial é apenas um apêndice da Educação Básica.

Portanto, a BNCC está no centro de um campo de conflitos e disputas que prenunciam quão difícil é a construção de um sistema educacional inclusivo e com equidade escolar, o que nos leva a tensionar políticas e currículos elaborados para ela, instigando os sujeitos que se ocupem da área a tensionar, pensar e elaborar práticas pedagógicas que atendam às necessidades dos alunos público-alvo da Educação Especial.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC/Consed/Undime, 2017.

______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: Presidência da República, 2015.

______. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da Educação e dar outras providências. Brasília: Planalto Central, 2013.

______. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001. Brasília: CNE/CEB, 2001.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 23 dez. 1996.

FERREIRA, W. O conceito de diversidade na BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Retratos da Escola, Brasília, v. 9, nº 17, p. 299-319, jul./dez. 2015.

MAZZOTTA, Marcos J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.

Publicado em 02 de março de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

FROEHLICH, Daniela Camila; MEURER, Ane Carine. Base Nacional Comum Curricular: Educação Especial em foco. Revista Educação Pública, v. 21, nº 7, 2 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/7/base-nacional-comum-curricular-educacao-especial-em-foco

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.