Mulheres negras das letras: reflexões sobre a produção literária feminina negra no nordeste brasileiro
Ruberlândia Araújo de Farias
Licenciada em Letras (UERN), especialista em Psicopedagogia Institucional (FIP), mestranda em Ciências da Educação (Facem), professora da rede pública municipal e estadual em Alto do Rodrigues/RN
A historicidade da literatura brasileira foi consolidada predominantemente pela figura masculina. Instantaneamente, invocamos escritores como Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Rui Barbosa, entre outros ilustríssimos nomes cujas obras se imortalizaram nos anais da Academia Brasileira de Letras (ABL). Porém, nesse contexto intelectual épico e literário, surgem timidamente, no fim do século XVIII e início do século XX, as primeiras produções textuais de mulheres cujas vozes foram silenciadas, excluídas ou subjugadas pela cultura da subserviência aos padrões ideológicos estabelecidos culturalmente pelo homem. Assim sendo, este trabalho tem como objetivo geral retratar a importância das mulheres negras escritoras e refletir sobre a produção literária feminina negra no Nordeste brasileiro mediante um resgate histórico que contribui para delinear lutas e conquistas dessas heroínas no “fazer” literário nordestino.
Segundo Campos (2008, p. 3), no meio literário, elas não aparecem como heroínas de uma raça, musa ou protagonista de um romance. Poucas ganharam visibilidade, mas também tiveram que enfrentar grandes desafios e preconceitos para que seus escritos fossem publicados, vendidos e lidos. Auta de Souza, Esperança Garcia, Militana Salustino do Nascimento, Maria Firmina dos Reis, Jenyffer Nascimento, Jarid Arraes, Waleska Barbosa, Odailta Alves, Joy Thamires, Bel Puã, Maria Beatriz do Nascimento, Raimunda Frazão, Calila das Mercês, Sara Messias, Taylane Cruz e Luna Vitrolira – mulheres negras de séculos diferentes, que fizeram e fazem suas vozes ecoarem nas linhas e entrelinhas de um livro em forma de poesia ou prosa.
Representatividade de 16 mulheres negras nordestinas na literatura dos séculos XVIII ao XX
A literatura nordestina, ao longo dos séculos, foi representada pelo sexo dominante de um círculo literário fechado e estruturalmente condicionado pelo patriarcalismo dominante. É importante destacar o que é ser mulher negra no Nordeste brasileiro, e a literatura é uma das fontes de apresentação histórica, em que há a prevalência de ser estereotipada à condição de esposa-dona de casa, fortemente marginalizada, excluída e/ou vítima de preconceito. E, aliada a esse sistema, tem-se a exclusão das mulheres do acesso à educação, ainda mais sendo negra numa sociedade escravocrata, em que a escolarização não era permitida aos escravizados e o coronelismo predominava nos interiores e no meio rural das pequenas cidades, provocando seu ocultamento e sua invisibilidade intelectual na escrita.
Considerando que é no espaço literário que muitas mulheres negras têm atuado e vêm se tornando produtoras de uma literatura própria, é válido destacar a representatividade dessa literatura com base na ótica de dezesseis mulheres escritoras negras nordestinas do século passado e do atual.
O racismo atrelado às dificuldades de reconhecimento é um dos problemas enfrentados pelas mulheres negras no cenário da escrita, tornando o acesso à literatura ainda escasso, o que dificulta a realização de estudos e trabalhos sobre elas. É evidente que existem outras; no entanto, elas servem de parâmetro e de símbolo de lutas e conquistas por igualdade racial, de gênero e de classe.
Auta de Souza
Poeta oitocentista potiguar, da segunda geração romântica (1876-1901), Auta escreveu poemas românticos impregnados de misticismos e sob forte influência simbolista; ela nasceu no dia 12 de setembro de 1876 na cidade de Macaíba, então umas das principais cidades da Província do Rio Grande do Norte. Sendo a única mulher no meio de quatro irmãos homens, criada no seio de uma cultura patriarcal e religiosamente católica, Auta teve de superar barreiras de gênero e raça em uma época preconceituosa, principalmente para com as mulheres que se dedicavam à leitura e à escrita.
Estudou em um colégio religioso do Recife destinado à formação de meninas, em que eram preparadas para serem freiras ou esposas, o que evidencia o patriarcalismo da sociedade daquela época. Por ser mulher e negra, Auta venceu a resistência dos grupos literários masculinos e teve que se adequar a parâmetros para que seus escritos, duplamente segregados por barreiras de gênero e raça, fossem aceitos. Assim sendo, aos 17 anos iniciou sua produção poética e aos 18 publicou suas poesias na revista Oásis, de Natal.
Ficou conhecida como a principal poeta potiguar por seu único livro de poemas: Horto. Publicado em 1910, é um marco na literatura brasileira. Sua saúde fragilizada pela tuberculose, doença adquirida desde os seus tenros 14 anos, veio a falecer precocemente aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901.
Súplica
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;
Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;
Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o Ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...
Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor!, por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
(Souza, 1970).
Esperança Garcia
Precursora da literatura afro-brasileira, Esperança nasceu no município de Nazaré do Piauí, numa fazenda de propriedade dos jesuítas. Sendo alfabetizada, escreveu uma carta ao governador da Província do Piauí em 1770, na qual constam denúncias de maus-tratos sofridos por ela e demais membros de sua família e reivindica direitos. Segundo Souza, em seu artigo A carta da escrava ‘Esperança Garcia’ de Nazaré do Piauí: uma narrativa testemunho precursora da literatura, a epístola “é certamente um dos escritos mais antigos da escravidão no Brasil, escrito pelo próprio escravo negro, no caso uma mulher negra e cativa” (Souza, s/d).
Sem dúvida, Esperança Garcia é a primeira voz feminina a representar a escrita da literatura nordestina e afro-brasileira, pois até o presente momento não há outro registro mais antigo que pudesse corroborar essa escrita, de forma que foi dado o devido reconhecimento como “uma escritura literária afro-brasileira”.
Eu sou hua escrava de V.S. dadministração do Capª m Ant° Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capªmpª Lá foi adeministrar, q. me tirou da fazdª dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira da sua caza, onde nella passo mt° mal. A Primeira hé q. ha grandes trovadas de pancadas en hum Filho meu sendo huã criança q. lhe fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q Sou hucolcham de pancadas, tanto q cahyhuã vez do Sobrado abachopeiada; por mezericordia de DsesCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tresannos. E huã criança minha e duas mais por Batizar. Pello q Peço a V.S. pello amor de Ds. e do Seu ValimT° ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Porcurador que mande p. a Fazdª aonde elle me tirou pª eu viver com meu marido e Batizar minha Filha de V.Sa. sua escrava EspPeranCaGarcia (Souza, s/d).
Maria Firmina dos Reis
É considerada a primeira romancista brasileira e a primeira professora concursada no Estado do Maranhão; nasceu no dia 11 de outubro, na capital maranhense, São Luís. Em 1859, publicou a obra inaugural da literatura afro-brasileira, o romance abolicionista Úrsula, escrito em meados do século XIX, o primeiro a ser produzido por uma mulher negra brasileira. Constitui-se em importante obra documental histórica por retratar a estética cotidiana de homens e mulheres escravizados por ricos fazendeiros no Brasil oitocentista.
Publicado com o pseudônimo “Uma Maranhense”, Úrsula é considerado um romance precursor na literatura brasileira de abordagem abolicionista em seu enredo. Ao ler o primeiro parágrafo do livro, o leitor percebe a condição de inferioridade na qual Maria Firmina dos Reis deixa transparecer a visibilidade do negro, ainda mais do sexo feminino, em um círculo literário predominantemente representado por homens brancos da aristocracia, educados nas melhores universidades europeias, quando diz “pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados”. Ela foi uma mulher guerreira e muito à frente de sua época; publicou vários livros e participou ativamente da vida intelectual maranhense, contribuindo para educação da população negra. Como afirma Mary Del Priore:
A professora morava e lecionava em casa, como era de costume. Era reconhecida como “Mestra Régia”, o que na época significava professora formada e concursada, em contraposição à professora leiga. [...] Um ano antes de se aposentar, com trinta e quatro anos de magistério público oficial, Maria Firmina dos Reis fundou, a poucos quilômetros de Guimarães, em Maçaricó, uma aula mista e gratuita para alunos que não pudessem pagar. Estava então com 54 anos (Priore, 2007, p. 410).
Maria Firmina Reis foi uma voz da resistência feminina negra maranhense na sociedade paternalista e escravocrata vigente no século XIX; morreu cega, aos 92 anos, em 11 de novembro de 1917, na cidade de Guimarães/MA, onde morou e atuou como professora concursada e escritora.
Militana Salustino do Nascimento
Mais conhecida como Dona Militana, norte-rio-grandense, nasceu no sítio Oiteiros, na comunidade de Santo Antônio dos Barreiros – São Gonçalo do Amarante/RN, em 19 de março de 1925. É considerada a maior romanceira do Brasil e a principal guardiã do romanceiro medieval nordestino. Herdou do pai, Atanásio Salustino do Nascimento, o dom do canto; embora ele a tenha proibido de cantar, memorizava os romances nas horas de trabalho nos campos de plantação de agricultura de subsistência, onde cultivava mandioca, milho, hortaliças e feijão. Sua privilegiada memória guardava da tradição oral romances da cultura medieval, o que fez dela uma enciclopédia viva da cultura popular. Em 2005, ela recebeu a Comenda Máxima da Cultura Popular das mãos do então presidente Lula. No palco do Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, chegou a entoar:
Lá nos ribeiros onde eu nasci,
Em São Gonçalo onde eu me criei,
Eu vou voltar pra meu sítio Oiteiro,
Adeus Rio de Janeiro, adeus.
Dona Militana gravou um CD, Cantares, lançado em São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2007, foi incluída no livro Mulheres negras do Brasil, das Editoras Senac e Redeh. Faleceu em 19 de junho de 2010, deixando um legado nos anais da literatura brasileira.
Jenyffer Nascimento
Escritora pernambucana nascida em 1984, ativista, feminista, educadora, poeta negra e nordestina, é a porta-voz de milhares de mulheres negras que investem em transformar a imagem que lhes foram estereotipadas, construindo diálogos visando o fortalecimento de sua autoestima. Terra fértil é o seu primeiro livro de poesias, lançado em 2014 pela Editora Mjiba. O tema do amor entre pessoas de diferentes classes sociais é abordado no poema Samba jazz. Questões sociais e representatividade feminina negra estão presentes em sua obra.
Identidade
Cansei de ser uma foto 3x4
Acompanhada por uma sequência de dígitos.Cansei de ser número
No RG, CPF, Título de Eleitor
Passaporte, Carteira de Trabalho.
A burocracia nunca me enxerga como gente.Eles não sabem da cor azul
Que fui à Bahia e vi Dona Canô na Festa de Reis
Que choro quando leio A Cor Púrpura
Nem que passo as tardes ouvindo Benito de Paula.Cansei de ser número
Engrossando as estatísticas
De mãe solteira sem superior completo
De mulher negra que sofreu violência doméstica
Que agora sou parte dos 56% de classe C
Segundo a revista Exame.
Vexame[…]
(Nascimento, 2014, p. 18).
Jarid Arraes
Escritora, cordelista e poeta, Jarid nasceu em 12 de fevereiro de 1991 em Juazeiro do Norte/CE, na região do Cariri, terra de forte tradição religiosa e de peregrinações de fé; define-se como uma “jovem mulher do sertão”. É autora do livro de contos Redemoinho em dia quente e dos livros Um buraco com meu nome e Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. Aos vinte anos de idade, publicou seus primeiros escritos no blog Mulher Dialética. As lendas de Dandara, livro que narra a história de Dandara dos Palmares com misto de lendas e fatos das lutas dos quilombos na era da escravatura no Brasil, é o seu primeiro livro em prosa. Até o momento, tem mais de 60 livros publicados em Literatura de Cordel; sua trajetória literária tem sido dedicada a pesquisar histórias de mulheres negras que fizeram a História do Brasil.
Waleska Barbosa
Escritora e jornalista paraibana, Waleska nasceu em 15 de março de 1976; é autora do livro de crônicas Que o nosso olhar não se acostume às ausências, de 2019. Criou o blog www.umpordiawb.com.br, pelo qual a identidade como mulher negra é fortalecida num constante esforço de reconhecimento, em uma consciência educativa, de que a mulher negra tem o seu espaço na literatura.
Odailta Alves
Pernambucana, nascida em 14 de julho de 1979, Odalita é conhecida como uma escritora de “letras pretas”; é educadora e mestra em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Seus escritos criticam uma sociedade brasileira racista, classista e heteronormativa. A literatura de Odailta Alves aborda o compromisso com as questões sociais e raciais.
Joy Thamires
Joy é uma mulher negra, nordestina, nascida no Estado de Pernambuco há 26 anos. É poetisa, ativista e escritora. Ela diz: “moro na periferia de Recife Ibura. Não sou poeta só nas letras, recito com meus olhos também". Publicou dois livros de maneira independente: Fiz da minha senzala poesia e da minha poesia meu jardim e Terra negra. Suas poesias aprofundam as vivências das mulheres negras que vivem nas periferias urbanas, seus sonhos e lutas, a legitimidade cultural dessas mulheres para reafirmar sua existência diante do racismo e do machismo.
Eu não sou poeta
Porque recito lendo,
Gaguejo, erro minha poesia?
Eu não sou poeta
Porque não interpreto
Não recito com raiva
Não aponto o dedo na cara?
Bel Puã
Mestra em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bel é uma jovem poetisa e escritora pernambucana de 27 anos, que em 2018 lançou seu primeiro livro, É que dei um perdido na razão, e em 2019 publicou Lutar é crime, pela Editora Letramento. Na obra se fazem ouvir as vozes de mulheres subjugadas nas ideologias do patriarcado e do racismo. Traduz lutas, histórias, anseios e memórias.
Segundo Bel Puã,
Lutar é crime veio de um sentimento de intimidação com várias questões que vivenciei ao longo de minha trajetória, desde preconceitos que eu mesma sofri até coisas que testemunhei. São histórias minhas e de pessoas próximas a mim. Além disso, ele também parte de algumas reflexões que dizem respeito a um processo de autoconhecimento, a partir de minha experiência na universidade, como bacharel em História, de coisas que abriram meus horizontes para novas visões de mundo (2019).
Maria Beatriz do Nascimento
Sergipana, historiadora, professora, roteirista, poeta e ativista pelos direitos humanos de negros e mulheres, Maria Beatriz dedicou-se à pesquisa das temáticas relacionadas ao racismo e aos quilombos. Seu trabalho ganhou projeção nacional com o filme e documentário Ori (1989, 131 mim), de sua autoria, narrado por ela e dirigido pela socióloga e cineasta Raquel Gerber. Teve importantes trabalhos publicados em revistas e periódicos com temáticas como corporeidade do negro, a perda da imagem que atingia africanas e africanos escravizados e seus descendentes em diáspora e a situação das mulheres negras no Brasil, analisando sua condição social inferior fruto de heranças escravistas com ideologias racistas.
Raimunda Frazão
Cordelista negra maranhense, Raimunda nasceu em 14 de março de 1951. Defensora da Literatura de Cordel, dentre seus livros publicados destacam-se São Luís em poesias (1997), São José de Ribamar lendas em versos II (2003), Lugares e momentos (2003) e Beija flor de meu colibri (2011).
Calila das Mercês
Esta é uma jovem escritora e jornalista baiana; idealizadora do site Escritoras Negras da Bahia. Em entrevista à revista Cult publicada em 17 de julho de 2017, ela disse:
Sempre senti falta de mulheres que me representassem no campo literário. Na Bahia, um estado em que a população negra é maioria, prestigiamos grandes escritores homens, mas temos também grandes mulheres negras escrevendo. Ao reconhecer a invisibilidade das mulheres negras, tanto em legitimidade no campo literário quanto na representação em obras, nota-se que a lacuna segue diretamente proporcional em relação ao que a sociedade já oferece a nós (Mercês, 2017).
Calila recebeu o Prêmio Pesquisa Literária da Fundação Biblioteca Nacional em 2015 pelo projeto de dissertação e, em 2016, o Prêmio Antonieta de Barros – Jovens Comunicadores Negros e Negras, pelo projeto Escritoras Negras da Bahia.
Sara Messias
Mulher negra, brasileira, nordestina do Estado da Bahia, nasceu em 1981. Sua primeira obra é uma saga afro-brasileira quilombola cheia de coragem, luta e orgulho da raça negra, em uma trama forte e emocionante, de luta pela liberdade. Aqualtune: um sonho chamado liberdade retrata, através da trajetória da lendária heroína, a história de um povo marcado pela diversidade, riqueza cultural e pela mistura, fruto da interseção entre indígenas, negros e europeus.
Taylane Cruz
Escritora e jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe, Taylane em 2015 lançou seu primeiro livro, Aula de dança e outros contos. Seu segundo livro de contos foi lançado em 2018, A pele das coisas (Editora Multifoco, RJ). Em entrevista publicada em 7 de agosto de 2020 no blog comoeuescrevo.com.br, ela afirmou:
Sou uma devota da literatura. Cada palavra, cada texto que escrevo é como uma joia para mim. Então eu adoro o processo de revisão dos textos. É como lapidar um diamante. Antes de publicar, costumo mostrar a uma ou duas pessoas muito íntimas. Fora isso, guardo como se fosse um segredo. A literatura é meu jardim secreto, só mostro mesmo quando publico (Cruz, 2020).
Luna Vitrolira
Nascida em 1992, é poeta pernambucana, pesquisadora da literatura oral, produtora e idealizadora dos projetos de circulação nacional Estados em Poesia, De Repente uma Glosa e Mulheres de Repente. Estreou na poesia com Aquenda — O amor às vezes é isso (2018). Desde criança, Luna se encantou pela poesia popular e pela arte da declamação. Sua poesia nasce no sertão de Pernambuco e se consolida como uma das vozes mais ativas da literatura nordestina.
Considerações finais
Diante do exposto panorâmico que descortina uma escrita literária produzida por mulheres afrodescendentes do Brasil, citamos a estudiosa da literatura afro-brasileira Moema Parente Augel: “a mulher negra, ao escrever, tematiza ela mesma a sua própria experiência, seus próprios problemas, suas angústias, necessidades e desejos” (Augel, 2018).
Conforme foi dito, podemos constatar que as mulheres negras escritoras escrevem ou escreveram para externar de uma forma ou de outra marcas deixadas na alma e no corpo por anos de discriminação e preconceito racial e social sentidos na própria pele, vivências de agonias e humilhações sofridas; então clamam por justiça, para garantir às futuras gerações a memória restaurada dos mitos e estereótipos que estigmatizam-nas. Assim, é no espaço literário que elas atuam para lutar e garantir a igualdade de classe, gênero e raça.
Na Literatura Brasileira, nomes de notáveis escritoras negras não têm a mesma visibilidade de grandes escritores da nossa literatura, cujos nomes estão gravados nas honrosas e imortais cadeiras da Academia Brasileira de Letras. Constatamos isso na formação histórica, política e social; entretanto, as vozes dessas mulheres se fazem ouvir em cada linha e entrelinha escrita em seus textos ficcionais de diferentes gêneros textuais, em defesa de seus valores e direitos estabelecidos na Constituição Federal.
Observamos que nessa longa trajetória de submissão estereotipada à margem do gozo de seus direitos em uma sociedade patriarcal, sexista e preconceituosa, as escritoras negras, anônimas ou não, vêm delineando seu caminho na inserção do universo dos cânones da Literatura Brasileira. Mulheres de fibra, talentosas, criativas, verdadeiras guerreiras do solo nordestino tão castigado pela seca, mas que em meio ao sol causticante faz florescer perfumadas rosas em forma de mulheres negras para embelezar a estética da vida literária tão escassa de leitura que emana da essência dessas mulheres.
A singularidade deste artigo, paralelamente à oportunidade de sua leitura, não pode ser medida apenas por representações de mulheres negras das letras e da literatura do Nordeste brasileiro. Há muitas Autas, Marias, Saras, Lunas, Joys, Calilas, Raimundas que estão clamando em meio ao deserto de injustiças sociais e preconceitos por direitos que não podem ser-lhes negados!
Assim, ler sobre essas heroínas nordestinas nos faz mergulhar na trajetória de suas autolibertações de algemas racistas e machistas impostas na literatura da Região Nordeste e de nosso país. Elas escrevem para perpetuar o legado de sonhar e acreditar que o impossível pode tornar-se possível: “uma mulher negra no cânone da Academia Brasileira de Letras”!
Referências
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Publicado em 02 de março de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
FARIAS, Ruberlandia Araújo de. Mulheres negras das letras: reflexões sobre a produção literária feminina negra no nordeste brasileiro. Revista Educação Pública, v. 21, nº 7, 2 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/7/mulheres-negras-das-letras-reflexoes-sobre-a-producao-literaria-feminina-negra-no-nordeste-brasileiro
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