Aplicação do jogo Animais em Ação durante o ensino remoto síncrono: uma experiência com um aluno autista

Elisangela de Souza Cunha

Doutoranda em Ensino de Ciências (PROPEC-IFRJ), docente de Biologia

Thiago Rodrigues de Sá Alves

Doutorando em Ensino de Ciências (PROPEC/IFRJ), mediador presencial da Licenciatura em Química (UFRJ/Cederj)

Considerando este momento de pandemia, em que o mundo foi acometido pela covid-19, os professores buscaram se atualizar, aprendendo a utilizar algumas ferramentas digitais, tendo um olhar mais preocupado em despertar maior interesse do aluno, no intuito de aproveitar melhor os recursos tecnológicos para que a aprendizagem do discente ocorra de forma eficaz. É perceptível que o professor tenha que se reinventar e buscar informações que ajudem na elaboração de atividades lúdicas, com o objetivo de tornar o ensino remoto síncrono mais atraente e dinâmico para seus educandos.

As atividades lúdicas devem ser bem elaboradas pelo professor, com um planejamento adequado e com intencionalidade lúdica orientada de forma adequada ao equilíbrio do aspecto prazeroso e pedagógico dessa estratégia que será desenvolvida com os alunos (Garcez, 2014). Esses instrumentos são ideais para serem aplicados, tanto nas aulas presenciais, quanto no ensino remoto síncrono. Diante disso, repensar estratégias metodológicas se torna um fator crucial para prosseguir com a utilização de atividades lúdicas, visto que elas são mecanismos fundamentais para incentivar os estudantes aos estudos, melhorando sua atuação e autoestima, evitando a exclusão.

Diante deste momento difícil que a sociedade vivencia, levando em conta que o aluno e o professor passaram a utilizar o diálogo por meio de plataformas digitais síncronas e assíncronas como, por exemplo, Zoom, Google Classroom, Google Meet (antigo Hangouts Meet) e Microsoft Teams, percebemos o desafio que nos foi colocado ao ter que manter o educando focado, com atenção durante as aulas, visto que permanece por horas em frente à tela de um computador ou celular, realizando, muitas vezes, avaliações sem a participação do educador e com a interação somente no momento do chat, além de se sentirem reprimidos e com vergonha de questionarem algo ao docente ou de interagirem com os colegas de turma.

Vale a pena, portanto, refletir sobre a possibilidade de repensar outras estratégias de abordagens, com o intuito de estabelecer espaço para o diálogo, como tentativa de compreender melhor o alunado, oferecendo a ele oportunidades na participação de atividades mais dinâmicas e interativas. E quando se trata de um aluno com transtorno do espectro autista (TEA), o professor precisa ter uma atenção redobrada, repensar seus métodos, ao desenvolver aulas e estratégias inclusivas, e saber estimular a autonomia, a comunicação e a criatividade desses alunos.

O professor precisa trabalhar em sala de aula a aceitação e o respeito que os alunos devem ter com os colegas autistas, evitando os preconceitos, ressaltando que os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) precisam ser acolhidos e respeitados, não podendo em nenhum momento se sentirem diminuídos. Conforma apontam Stainback e Stainback (2009, p. 29),

em uma sociedade cada vez mais diversificada, o ensino inclusivo ensina os alunos a aceitar as pessoas que são diferentes. Colocar os alunos com deficiência em escolas especiais impede essa socialização benéfica e transmite uma mensagem destrutiva de intolerância.

Diante disso, o presente trabalho busca relatar as experiências vivenciadas com a aplicação do jogo “Animais em Ação” em uma aula remota de Biologia, em uma escola privada no Rio de Janeiro, para a motivação e o aprendizado de um aluno autista.

Percurso metodológico

Este trabalho é uma pesquisa qualitativa, apoiada na observação sistemática a partir da descrição de um relato de experiência de uma professora de Biologia durante a pandemia. A pesquisa foi desenvolvida no ano de 2020 com um aluno autista do1º ano do Ensino Médio de uma escola privada do Rio de Janeiro.

Foi elaborado um jogo (Figura 1) priorizando as características de alguns animais, e o tema do trabalho foi intitulado “Animais em Ação”. Toda a etapa da pesquisa foi desenvolvida on-line, então, antes da aplicação do jogo, o aluno teve aula teórica sobre os animais (invertebrados e vertebrados) com a turma e individualmente, pois a professora faz atendimento individual a esse aluno, realizando atividades mais práticas. Assim, consegue tirar dúvidas, já que durante as aulas com os colegas de turma, o discente se mostra tímido, não conseguindo se expressar com facilidade.

Figura 1: Leiaute inicial do jogo Animais em Ação

A atividade lúdica foi elaborada no Microsoft PowerPoint, que oferece a opção link, e que facilitou a organização de toda a estrutura do jogo, deixando-o mais didático e dinâmico. O jogo, constituído de 20 perguntas específicas de determinado animal, abordou assuntos relevantes ao conteúdo do currículo de Biologia do 1º ano do Ensino Médio.

Durante o jogo, a docente esclareceu outras questões relevantes a respeito de cada proposta, assim conseguiu inserir diversas informações daquele contexto. Podemos pontuar, por exemplo: hábitat, características específicas, alimentação, mecanismos de defesa e comparação com outros animais de outras regiões. Cada questão com quatro opções, algumas com respostas diretas e/ou imagens para representar as opções (Figura 2).

Figura 2: Exemplo de uma questão do jogo Animais em Ação

A docente realizou a leitura de cada questão, fazendo uma breve reflexão sobre cada uma. O estudante teve que optar por apenas uma questão; não acertando a opção, teve a possibilidade de retornar à questão anterior, tendo a oportunidade de refazer a atividade até acertar a mesma. O educador não marcou tempo para finalizar cada proposta, tendo o aluno a oportunidade de interagir e questionar os possíveis erros cometidos com o docente.

Resultados e discussão

Durante os resultados da pesquisa, o aluno considerou a relevância da atividade lúdica, e demonstrou certa preocupação com os animais, pois segundo ele “devemos preservar a Natureza e as espécies de animais”. Por isso, a importância de demonstrar sempre que possível interesse em ouvir o discente, levantar sua autoestima, estimular sua participação e relatar que sua percepção é relevante para o desenvolvimento da aula. De acordo com Bebel (2011, p. 28), o professor “deve adotar a perspectiva do aluno, deve acolher seus pensamentos, sentimentos e ações, sempre que manifestados, e apoiar o seu desenvolvimento motivacional e capacidade para autorregular-se”.

Percebemos que a maior dificuldade apresentada pelo aprendiz, no contexto da atividade, foi a parte da funcionalidade dos órgãos, que é uma abordagem mais específica da Biologia, levando em conta que apresenta vários termos com uma linguagem bem específica, sendo realmente de difícil compreensão para os alunos.

No momento da pandemia, o estudante relatou que não procurou nenhuma ferramenta digital para reforçar as aulas de Biologia, sendo o único contato a professora da disciplina. Isto reforça a ideia de que devemos apresentar e estimular o uso de tais ferramentas; assim, ele poderá manusear e aprimorar seus conhecimentos, interagindo mais com os colegas de turma. Mediante o contexto retratado, foi apresentado a este discente três ferramentas digitais: Canva, Kahoot e Pixton. De fato, a proposta teve como objetivo apresentar as variedades de recursos tecnológicos, mostrando ao aluno as possibilidades e recursos educacionais que a Web 2.0 oferece e que poderão ser utilizados em seu cotidiano.

Na visão de Costa et al. (2019), o autista aprende com mais facilidade quando utiliza mais o sentindo visual, porém muitas escolas públicas e particulares se preocupam em práticas verbais, em que o mesmo tem dificuldades por causa de dados obtidos pela acuidade relacionada à audição. Em nosso estudo, tivemos esta preocupação, pois todas as questões que foram elaboradas tinham alguma imagem que era fundamental para representar um determinado animal.

A escola é o único local de socialização que compartilha com os pais a incumbência de educar, na busca de oferecer ao educando um ensejo de conduta mais social, fornecendo um momento transitório entre as divergências individuais e as necessidades do grupo. Então, é preciso verificar as possíveis necessidades específicas de cada aluno, apresentando aos pais a realidade daquele indivíduo, que pode ser estimulado desde o início para que possa ser mais independente e proativo. Segundo Serra (2010, p. 47),

a inclusão dos portadores de necessidades especiais, devem ser respeitadas as características de sua natureza, visando à aquisição de comportamentos sociais aceitáveis, porém, observando as necessidades especiais de cada educando e, sobretudo, trazendo os pais para um comportamento mais realístico possível, evitando a fantasia da cura, sempre tão presente.

Em tal caso, acreditamos, com essa experiência, que a atividade lúdica proporciona um momento em que o aluno pode atuar, tornando-se mais ativo e participativo. O professor precisa entender que é necessário permitir este espaço ao seu discente, para que ambos possam se conhecer melhor; assim, poderá interpretar as vozes e os gritos, observar os olhares, os gestos, atentar às suas perguntas e questionamentos.

E, sabendo que essa interação entre aluno e professor é fundamental para que possamos compreender os diversos processos de aprendizagem que ocorrem durante os momentos lúdicos, o docente precisa ficar, portanto, mais antenado a tais eventos.

Considerações finais

Acreditamos que as atividades lúdicas são importantes no processo de ensino-aprendizagem, devendo ser práticas bem elaboradas e organizadas com o objetivo de servirem como ferramentas para outros professores e também sugestões de modelo para serem reestruturados de acordo com o interesse pessoal de cada educador.

A aproximação com os alunos com transtorno do espectro autista (TEA) deve ser uma peça fundamental, pois o vínculo que é criado possibilita uma certa confiança, segurança e conforto para este educando, sendo assim, o professor consegue com mais facilidade desenvolver sua atividade, obtendo mais êxito.E sabendo que haverá, possivelmente, uma maior interação entre discente e docente, aos poucos conseguirá obter um aprendizado mais significativo.

E, por fim, não podemos deixar de mencionar que precisamos de políticas públicas sérias que desenvolvam projetos educacionais que sejam aplicados e seguidos para atender a todos, pois a inclusão implica a aceitação do efetivo de todos quanto à questão da Educação. A Educação Inclusiva não deve ser tratada como um direito do portador de deficiência, e sim como um direito de todos.

Referências

BEBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 32, nº 1, p. 25-40, jan./jun. 2011.

COSTA, L. R. O. da.; BRANDÃO, L. R. S.; GOMES. S. da S.; VIERA, M. Lucia. Os desafios do docente frente a educação inclusiva: autismo. Revista Interdisciplinar do Pensamento Científico, nº 2, v. 5, jul./dez. 2019.

GARCEZ, E. S. C. O lúdico em ensino de Química: um estudo do estado da arte. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014.

SERRA, D. Autismo, família e inclusão. Polêm!ca, v. 9, nº 1, p. 40-56, jan./mar. 2010.

STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Publicado em 09 de março de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

CUNHA, Elisangela de Souza; ALVES, Thiago Rodrigues de Sá. Aplicação do jogo Animais em Ação durante o ensino remoto síncrono: uma experiência com um aluno autista. Revista Educação Pública, v. 21, nº 8, 9 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/8/aplicacao-do-jogo-animais-em-acao-durante-o-ensino-remoto-sincrono-uma-experiencia-com-um-aluno-autista

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