Ludicidade no processo ensino-aprendizagem: motivação para alunos e professores

Tereza Maria da Silva Lucas

Licenciada em Pedagogia (UNIRIO/Cederj - Polo Cantagalo)

Há algum tempo, era comum encontrar crianças brincando nas ruas, em frente às suas casas, enquanto os pais conversavam. Nos dias atuais, está cada vez mais rara esta realidade. Com o advento das novas tecnologias, tanto os jovens como as crianças e até mesmo os adultos e idosos vêm utilizando cada vez mais os aparatos tecnológicos, tais como aplicativos, smartphones, tablets, telefones celulares, videogames, notebooks e muitas outras inovações tecnológicas disponíveis para diversão e comunicação.

Como a comunidade escolar extrapola os muros da escola, as diferenças de vivências se apresentam também no ambiente escolar, pois é na escola que as culturas e as diferenças se encontram.  Nas instituições de ensino, as crianças conversam sobre as programações que assistem na televisão e na internet (por meio do canal Netflix), como desenhos animados, filmes e principalmente as séries, cada vez mais populares entre os jovens.

De modo geral, na atualidade, muitos brinquedos, brincadeiras e diversões utilizadas como elementos lúdicos nas escolas são fruto de interações sociais com as novas tecnologias e mídias, refletindo um novo modo de agir pela sociedade. Contudo, as escolas, por serem um ambiente plural de um modo geral, valorizam tanto brincadeiras antigas como as atuais. Não é incomum ver as crianças conversando e manipulando aparelhos celulares, ligadas ao mundo digital, como também praticando esportes, brincando de roda, pulando corda e correndo umas atrás das outras, brindando de pique, queimado e outras brincadeiras consideradas mais antigas.

Assim, a partir do intercâmbio entre o antigo e o novo, no campo da ludicidade, se constrói o conhecimento por meio de uma rede de motivação entre alunos e professores, refletindo a importância de ensinar partindo da realidade dos alunos, em conexão com a realidade dos professores, que se conscientizam cada vez mais da importância do lúdico na educação.

Neste breve texto, pretendemos refletir sobre as possibilidades de utilização de jogos e brincadeiras na Educação, mormente no espaço escolar. Nosso objetivo principal é compreender quais benefícios a prática da ludicidade, por meio dos jogos, brinquedos e brincadeiras é capaz de promover no ambiente escolar, quais as mudanças geradas a partir dela e como o ensino se beneficia de tais práticas.

A perspectiva da ludicidade por meio dos jogos e das brincadeiras no contexto educacional

O ser humano é cercado de cultura a todo momento e em todos os lugares. Ao olharmos ao nosso redor, percebemos a cultura estampada no jeito de se vestir, de andar e de falar das pessoas, nas ruas e nos ambientes mais diversos. E na escola isso não é diferente, pois as crianças, como seres humanos, também são produtos desse meio, pois interagem o tempo todo com ele.

Os jogos, o modo de brincar e de se divertir, tanto para meninos quanto para meninas, a maneira de se portar e de compartilhar seus brinquedos, ou mesmo de guardá-los, em regra geral são exemplos de abordagens culturais. Essa maneira de ser e de se portar foram concebidas antes do existir das próprias crianças, que se apropriam dessas regras no viver e no brincar. Como destaca Lima (2008, p. 19), “Assim como o mundo da percepção infantil está marcado pelos vestígios da geração mais velha, com os quais a criança se defronta, assim também ocorre com seus jogos”.

Cada grupo social tem uma concepção daquilo que deve ou não aceitar em seu meio social. Mesmo com tantas diferenças entre gerações por causa da idade, as crianças refletem, de forma geral, as culturas dos povos com os quais convivem.

No seu dia a dia, os grupos sociais vão se modificando e aceitando ou não os novos regramentos. E isto também é um elemento que pode ser percebido na maneira de jogar e de brincar das crianças. Segundo Lima (2008), as crianças formam seus valores, regras, aprendizagens e comportamentos a partir daquilo que recebem, e vão modificando esses elementos na convivência com os outros. Essa realidade pode ser vista no dia a dia, mesmo nos casos onde está presente o bullying, que, diríamos, é a forma nociva desta apreensão e de sua prática.

Na contemporaneidade existe uma diversidade de brincadeiras, que variam conforme o lugar e o momento histórico. Uma das perspectivas de utilização das brincadeiras e dos jogos pelas crianças é a competitividade, que ajuda a demonstrar a necessidade de a criança aprender e vivenciar, na prática, o modo como interage com o mundo. Contudo, tal motivação deve ser acompanhada e utilizada pelo professor com cautela, para que não cause disputas que levem à desvalorização do outro, mas que possibilitem a construção de um ambiente fraterno, onde valores como justiça, caráter, igualdade, sejam aprendidos pelas crianças ao brincar (Lima, 2008).

A competitividade, quando usada como uma ferramenta incentivadora da aprendizagem na construção do conhecimento e de novos saberes e práticas é um elemento saudável, pois ajuda a desenvolver bons relacionamentos entre os semelhantes, mostrando entre as crianças a necessidade de, como seres humanos, aprenderem, com as experiências, novas formas de interagir umas com as outras e com o mundo ao seu redor. O contato consigo e com o outro leva ao contato com o mundo, fazendo-as perceberem seus valores, emoções, sentidos, limites e possibilidades de interagir, afetar, aceitar e aprender a conviver.

O educador terá também de saber lidar com essas tais características para alcançar sucesso no ensino. Desta forma, ressalta Lima (2008, p. 28),

a proposta de utilizar de forma complementar o jogo e as tarefas escolares exige do professor, por meio do processo de formação e de estudo, uma mudança de concepção, que o leve a aceitar a criança como um ser interativo, imaginativo, ativo e lúdico e descubra o potencial de desenvolvimento que está por trás das brincadeiras e dos jogos.

Conforme salienta Lima (2008), pode-se perceber que é perfeitamente possível ao professor, no ambiente escolar, trabalhar novos saberes por meio da ludicidade, tendo-a como importante aliada na sua prática educacional é possível, desde que se aceite o aluno como um ser dotado de capacidades, valorizando suas diferenças e utilizando-as para o bem comum entre os demais alunos

O jogo faz parte da vida da criança. Aliás, podemos dizer que a vida é um jogo, onde estratégias são utilizadas o tempo todo para que as situações vividas pelos indivíduos sejam contornadas. No entanto, utilizar o jogo como disputa requer cuidado, principalmente em um ambiente coletivo como a escola, onde o que se requer é a aprendizagem dos saberes de forma coletiva.

A sociedade é produto de interações. Por isso, ao jogar, a criança poderá perceber o jogo como uma maneira de ajudar o outro a conseguir superar seus obstáculos, ou mesmo a vencer individualmente, não se preocupando com os demais à sua volta. Tudo isto dependerá dos valores que são trabalhados pelo professor em sala de aula. 

Quanto mais conhecimento os educandos tiverem, mais ricas e diversas serão as brincadeiras. Contudo, quanto mais valores lhes forem ensinados, mais e maiores serão os benefícios da aprendizagem. Tudo dependerá da perspectiva para a qual os jogos e as brincadeiras serão utilizados pelo professor, que será sempre o agente, o mediador desta prática.

De acordo com Lima (2008), os alunos refletem seu conhecimento em suas atividades de diversas formas. Os jogos e as brincadeiras permitem que todas as formas de ser sejam aproveitadas. Por exemplo, com atividades de dramatização, atividades artísticas, lógicas, comunicativas e de observação, o professor poderá desenvolver as atividades dos seus alunos nos mais diversos campos do conhecimento, e em todas as disciplinas, pois os saberes não têm fronteiras.

Refletindo sobre o que assevera Fialho (2008), os jogos e o fazer docente praticados nas escolas podem ser vistos como atividades totalmente paralelas, que nunca se encontrariam em um mesmo contexto, como ocorre no ensino tradicional. Todavia, o brincar gera interesse nos discentes, e essa motivação torna a aprendizagem mais prazerosa, sendo consolidada na ação discente. As crianças amam brincar, e se são estimuladas pelos professores com práticas saudáveis, elas responderão a esses estímulos com todas as suas potencialidades e qualidades afetivas.

As regras ajudam os educandos a compreenderem a necessidade de organização na vida, na sala de aula, nas brincadeiras. Sem ordem é impossível realizar o que se pretende. Todos, mesmo as crianças, precisam compreender e executar seus direitos e deveres, na escola como na sociedade. E a ludicidade cumpre um importante papel para a efetivação dessa prática humana e social. Em uma perspectiva de ensino que tome os discentes como seres sociais, sendo a aprendizagem o motor de construção de novos conhecimentos e interações com os alunos, o professor pode se valer de brincadeiras e jogos visando alcançar motivação e eficácia no ensino. Como frisa Fialho (2008, p. 2),

os jogos educativos com finalidades pedagógicas revelam a sua importância, pois promovem situações de ensino-aprendizagem e aumentam a construção do conhecimento, introduzindo atividades lúdicas e prazerosas, desenvolvendo a capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora.

Em outras palavras, a “pedagogia da ludicidade”, por meio de jogos e brincadeiras, permite que a criança seja atraída a um ambiente de motivação e de saudável construção do conhecimento, conforme já frisamos. Tal fato ocorre porque a participação e a vontade de vencer são intrínsecos à Humanidade, e são elementos muito presentes entre as crianças no Ensino Fundamental, sendo características que se integram ao lúdico e à realidade pedagógica na medida em que as propostas de ensino sejam claras e sejam elementos de fortalecimento no papel coletivo e valorativo das crianças.

Um aluno consegue perceber o que lhe é ensinado e reproduz naturalmente tal saber quando compreende sua finalidade, se envolvendo e desejando aprender o que lhe é ensinado pelo professor, pois faz sentido para ele. E os jogos e as brincadeiras são instrumentos pedagógicos que podem ser inseridos em várias situações tais como aplicação dos conteúdos, verificação da aprendizagem, ser instrumento motivacional etc.

A diversidade de brincadeiras favorece, sobretudo, a adaptação de inúmeras práticas ao fazer docente. O lúdico, com todo o seu potencial motivador, auxilia grandemente no desenvolvimento biopsicossocial. A maturação motora, que se apresenta em todas as fases da vida, se beneficia da ludicidade para o desenvolvimento saudável do organismo. De igual maneira, as questões emocionais, relacionadas à autoconfiança e os valores morais de igualdade entre os indivíduos também são elementos que se fortalecem com a prática da ludicidade.

Seguindo esse princípio, os muitos jogos e brincadeiras motivam e formam a personalidade do indivíduo, por exemplo, dando-lhe confiança e segurança de receber ensino e aprendê-lo realmente. Neste contexto, Fialho (2008, p. 3) elucida que

os jogos podem ser empregados em uma variedade de propósitos dentro do contexto de aprendizado. Um dos usos básicos e muito importantes é a possibilidade de construir-se a autoconfiança. Outro é o incremento da motivação.

Nessa direção, os jogos e as brincadeiras são um grande atrativo ao processo ensino-aprendizagem, visto que favorecem adequação do conteúdo à prática lúdica, e melhoram a linguagem dos educandos em práticas de vivência ao simular a realidade.

A escola, como local de socialização, não abriga seres nos quais se deposita o conhecimento, mas aprendizados valiosos para a vida adulta. Ela abarca pessoas que já possuem relações sociais desde a mais tenra idade, e delas se utiliza ao dar continuidade ao desenvolvimento, tanto de discentes quanto de docentes.  Neste aspecto, a ludicidade é uma ferramenta democrática, pois se insere no contexto pedagógico como elemento de trocas e à união dos educandos, fortalecendo, inclusive, a boa convivência e, portanto, substituindo o bullying pela cooperação, respeito e afetividade, construindo valores altruístas e solidários entre os educandos, como seres humanos que são.

Jogos e brincadeiras conforme o desenvolvimento infantil

Segundo Moraes (2012, p. 47-48), Wallon classifica as brincadeiras em funcionais, de faz-de-conta, e de fabricação. As funcionais se referem às atividades de realização de movimentos motores e produção de sons. O faz-de-conta, por sua vez, traduz uma interpretação da realidade, ajudando à criança a assumir papeis e a desempenhar funções, como ser uma professora, recriar o cotidiano do lar etc. As de fabricação ajudam a combinar peças, modificando-as.

A afetividade enunciada por Wallon, segundo Moraes (2012, p. 47-48), como um dos elementos presentes na comunicação, está igualmente aparente na brincadeira, já que uma criança brinca com a outra a partir do que o meio oferece como instrumento e conhecimento para agir na brincadeira.

Segundo Moraes (2012), para Piaget, o desenvolvimento humano ocorre em estágios que avançam na mesma ordem para as pessoas de modo geral. Contudo, tal desenvolvimento poderá ocorrer em idades um pouco divergentes para cada indivíduo. As fases por ele descritas são o período sensório motor, o período pré-operatório, o período operatório concreto e o período operatório formal.

De acordo com Moraes (2012), o período sensório-motor ocorre de zero a dois anos, onde o ser infantil exerce seus reflexos e habilidades motoras, tais como chutar, bater em objetos, pegar e andar. Segundo Piaget, a repetição desses atos gera prazer na criança, e a faz fortalecer sua “musculatura cognitiva”, ou seja, sua capacidade de desenvolver aprendizagens múltiplas e cada vez mais complexas.

Por exemplo, o desenvolvimento da comunicação com o entendimento da linguagem verbal, expressão facial, e possibilidades de enunciar o que deseja, bem como buscar meios de conseguir alcançar o local ou brinquedo desejado ilustram a interação com o outro e com o ambiente como formas de aprendizagem do relacionamento e descoberta de si.

O pedagogo, como estudioso das práticas educativas e das teorias educacionais, deve reconhecer a importância dessas práticas e valorizá-las nas atividades destinadas à criança. Os jogos de encaixe, circuitos, descobertas utilizando os sentidos, dentre outras atividades lúdicas que favoreçam o exercício da motricidade, além do e o pensamento para resolver conflitos, como os procedimentos necessários para realizar a ação pretendida, devem ser estimulados nesta faixa etária.

Conforme salienta Moraes (2012), no período pré-operatório, comumente vivido entre os dois e os sete anos da criança, predomina a evolução da sua linguagem oral. A criança se vale desta fase para desenvolver a comunicação e entendimento de seu redor, especialmente por meio de jogos simbólicos, o faz-de-conta. Nesta fase, a brincadeira faz com que ela assimile questões que são contempladas. Ao brincar, a criança passa a interpretar e a traduzir significados daquilo que vê, conceituando tais significados e equilibrando-os em sua assimilação.

Nas brincadeiras de faz-de-conta, o professor deve se utilizar objetos que ganharão novos contornos para criança durante a brincadeira. Para tanto, é muito importante que o professor conheça tais elementos que irá utilizar, pois, assim fazendo, saberá como o aluno aprende a partir de sua própria vivência. Uma brincadeira de faz-de-conta pode ser meio de entender a realidade, pois passa a ser a realidade vivida na própria brincadeira. E as crianças, quando brincam, substituem o real pelo fictício, mas que, para elas é sempre real. Esses momentos podem ter a intervenção docente nos diálogos ou outras propostas para as crianças pensarem a sua realidade.

Moraes (2012) destaca que no período operatório concreto definido por Piaget, que é compreendido dos sete aos doze anos de idade, o aluno consegue pensar a partir da perspectiva de outras pessoas. Seu processo de amadurecimento já lhe permite assimilar significados e significantes. Nesta fase, os jogos de cooperação ou de competição são os seus preferidos. Essas crianças tendem a desenvolver capacidades de agrupamento, compreendendo melhor as regras dos jogos e também o aspecto ético dessas regras (por que devem respeitá-las). O jogo deve ser utilizado como elemento para uma boa convivência, aliado a uma competição que não venha a desestimular os participantes, lidando com a capacidade de competitividade de cada um e lhes mostrando a importância de se compreender o ganhar e o perder como elementos constituintes da vida. A cooperação deve ser trabalhada para estimular um equilíbrio na competição, levando-os a aprenderem conhecimentos pela aula que o professor planejou.

Finalmente, de acordo com Moraes (2012), o período operatório formal, que segundo Piaget abrange dos doze aos dezesseis anos, é um estágio em que o aluno tende a alcançar ao máximo as suas potencialidades, como capacidade de abstração, relacionamento, imaginação, separação das coisas, dos níveis simples aos mais complexos.

Nessa faixa etária, o corpo já está bem modificado, tanto no aspecto cognitivo quanto no aspecto físico. A puberdade chega e os valores tendem a ser consolidados. A ludicidade alcança o seu limite máximo, pois os conhecimentos, conforme afirmamos, em níveis mais complexos, levam ao amadurecimento, onde o professor deve buscar extrair deles basicamente tudo, o máximo de suas potencialidades. É uma fase de definições, onde a estratégia nos jogos deve ser enaltecida e a competição estimulada para o alcance dos objetivos.

Outro fator que deve ser estimulado nessa faixa etária dos doze aos dezesseis anos é a coletividade. Aliás, em todas as faixas etárias, ela deve ser fator de estímulo, mas, especialmente nesta faixa etária, ela é posta à prova. É quando os valores aprendidos tendem a ser exteriorizados. Nestes aspectos, a valorização dos jogos em meio às características dos participantes, permite ao professor conhecer os valores, as habilidades e as dificuldades de cada aluno.

Conforme assevera Scherer (2013, p. 12), Vygotsky

desassocia desenvolvimento e aprendizagem, naturalizando o processo de desenvolvimento, que ocorre através das experiências vivenciadas pela criança associadas a conhecimentos prévios e sem a interferência do aprendizado escolar.

Desse modo, podemos afirmar que Jean Piaget se aproximou das teorias inatistas quando condicionou o fator de desenvolvimento aos estágios etários. Analisando as teorias de Vygotsky, Scherer (2012, p. 14) afirma que

o conhecimento da zona de desenvolvimento proximal é importante, pois se forem identificadas as funções que estão ainda em desenvolvimento é possível prever o que poderá acontecer com a criança em seus próximos anos de vida, desde que não sejam alteradas as condições de desenvolvimento em que ela se encontra, podendo reconhecer também problemas de desenvolvimento mental e educacional.

Para Vygotsky, a aprendizagem acontece em zonas de desenvolvimento. Nesse sentido, o educador poderá agir como um elemento de mediação na chamada “Zona de Desenvolvimento Proximal”, onde levará o educando de sua “Zona de Desenvolvimento Real”, que é onde está, até a sua “Zona de Desenvolvimento Potencial”, que é a zona que o educando poderá alcançar.

Assim, segundo Scherer (2013), neste sentido, podemos arriscar que Piaget e Vygotsky se complementam, pois enquanto Piaget, por meio de sua teoria, fornece elementos para análises dos jogos e brincadeiras no tocante às faixas etárias dos educandos, Vygotsky ensina ao educando enxergar as proximidades dos conteúdos os quais pretende compartilhar.

Os instrumentos lúdicos para a realidade de ação e motivação

Caminhamos até aqui elucidando a perspectiva dos jogos e das brincadeiras para a educação, em um contexto geral, e abordando os jogos e brincadeiras no desenvolvimento infantil, onde tivemos o apoio incondicional de Wallon, Piaget e de Vygotsky e suas teorias de desenvolvimento.

Nesta seção, abordaremos, de forma bem rápida e sob a ótica de teóricos do campo da psicologia e da ludicidade, a importância dos instrumentos lúdicos de aprendizagem como fatores de realidade de ação e de motivação.

Os instrumentos lúdicos como atividade de ação

Caracterizamos como atividade de ação a maneira que a criança se utiliza dos instrumentos de ludicidade (brinquedos, brincadeiras etc.), para transformar sua nostalgia em realidade.

Vygotsky (apud Scherer, 2013), em sua teoria, aborda a importância de instrumentos de aprendizagem como o brinquedo, afirmando que: "Ainda que o brinquedo não somente proporcione prazer para a criança [...] é indispensável sua utilização, pois através dele a criança completa seu desenvolvimento" (Scherer, 2013, p. 16). Nesse sentido, avançando na proposição de Vygotsky e pedindo licença a ele, pensamos que, de qualquer maneira, o brinquedo, como fator de realidade de ação deve ser interpretado como o objeto que traz suporte para a brincadeira, pois ao estimular a aprendizagem de qualquer forma ele traz prazer e satisfação à criança.

Ao abordar especificamente o aspecto real do brinquedo, Kishimoto (apud Scherer, 2013) destaca que a criança não tem sempre, em seu imaginário, a presença do brinquedo, pois seu mundo não é o mesmo mundo do brinquedo. A criança faz uma ligação entre o significado do brincar e suas ações, pois assim fantasia o objeto e a forma como gostaria que ele representasse.

Segundo Kishimoto (apud Scherer, 2013), os brinquedos, como instrumentos lúdicos para a efetivação da realidade de ação na infância, complementam o imaginário humano, ora retratando o que são, ora ganhando novas finalidades, usos e aplicações. Portanto, ao utilizar um determinado brinquedo como instrumento, a criança o fará se transformar naquilo que deseja fantasiar. Neste aspecto, uma vassoura poderá ser transformada um cavalo para cavalgar; um chapéu poderá servir para criança em príncipe, princesa, ou mesmo em um pirata.

Destarte, os instrumentos para realizar as atividades lúdicas são de muita valia, pois trazem nostalgia à realidade de ação das crianças, sem deixar de atribuir a esta ação seu real sentido, mesmo que de brincadeira, tornando tal ação, portanto, uma realidade.

Os instrumentos lúdicos como realidade de motivação

Para nós, a realidade de motivação é aquela que atribui incentivos aos significados dos instrumentos de ludicidade.

Nesse sentido, Bianchi (2011, p. 12) destaca: "a falta de significados dos conteúdos ensinado em sala de aula é uma das causas da desatenção por parte dos alunos, da desmotivação, desinteresse, e falta de memorização”.

Se as atividades lúdicas fossem planejadas de acordo com o perfil da turma, e se fossem incrementadas às atividades realizadas em sala de aula instrumentos de ludicidade que causassem motivação nos estudantes, aproximando os estudantes dos sentidos destas atividades, as possibilidades de fracasso escolar como resultado das aulas pouco atraentes aos discentes seriam muito reduzidas.

Os jogos, como instrumentos reais de motivação possuem grande capacidade de favorecer o aprendizado em conjunto e trazer estímulo aos alunos quando sua prática está ligada à ação. Nesse sentido, salienta Bianchi (2011, p. 19), a motivação

intrínseca configura-se como uma tendência natural no aluno para buscar novidades e desafios, é uma orientação motivacional que tem por característica a autonomia do aluno e a autorregulação de sua aprendizagem. Já a motivação extrínseca tem sido definida como a motivação para trabalhar em reposta a algo externo a tarefa, como a obtenção de recompensas materiais e sociais.

Segundo Bianchi (2011), a motivação precisa vir do aluno, ser intrínseca a ele, e também vir do exterior, como aulas planejadas para serem mais atrativas. Quanto a isso, Lima (2008, p. 142-143) atesta que atividades lúdicas se constituem de

dois elementos essenciais: a situação lúdica e a atitude lúdica, isto é, o jogo e o jogador. A situação lúdica é caracterizada, considerando os seguintes aspectos: em primeiro lugar, não é uma atividade imposta, a participação é livre e voluntária. Os participantes criam para si um mundo diferente do mundo habitual e estabelecem certos limites de tempo e espaço, que devem ser respeitados. Após o término do jogo, tudo volta a ser do jeito que era antes; ele não promove alterações ou modificações na realidade. Quem participa de jogos está em busca do prazer e da satisfação que a própria atividade proporciona, não está preocupado em produzir bens estáveis, riquezas, lucros ou alcançar resultados que causam consequências para a realidade. É uma situação de natureza incerta quanto ao produto; não é possível determiná-lo com antecedência, pois tal atitude tiraria o caráter imprevisível do jogo, que excita e fascina os jogadores. Pode predominar, nessas situações, a imaginação ou a regra, dependendo do desenvolvimento individual ou do estágio de desenvolvimento da sociedade. Os jogadores podem alterar, no decorrer do processo, os meios e os objetivos, antecipadamente acordados, por meio de novos consensos. A atitude lúdica é outro fator que colabora na compreensão de certa atividade como jogo, pois os participantes demonstram de forma bastante visível, nas suas atitudes, indícios de divertimento, fascinação, distração, excitação, tensão, alegria e profundo envolvimento emocional na atividade.

Pensando nos instrumentos como realidade de motivação, o professor precisa pensar com base em seus alunos o que trará benefícios para a sua turma, conhecendo bem os objetivos que deseja alcançar com as atividades, de acordo com as características de seu alunado.

Atividades lúdicas não devem ser impostas, e sim devem ser utilizadas como fatores secundários, que provoquem nos alunos o desejo de aprender. Como vimos nesta seção, os instrumentos lúdicos não devem ser meros objetos para enchimento de uma aula, mas devem ser utilizados com regramento e finalidade objetiva, para que proporcionem um ensino eficaz e produzam conhecimento a todos os que, de forma prazerosa e consciente, se utilizem de seus benefícios para aprender, sendo estimulados, não pelo brinquedo ou pela brincadeira, mas pelo produto que eles trazem: conhecimento, reflexão e ação.

Considerações finais

Os jogos e as brincadeiras destinados às crianças estão atrelados à cultura e ao meio onde vivem, devendo ser utilizados como instrumentos de socialização na escola e para além dela.

Uma vez que a sociedade produz os conhecimentos que os sujeitos brincantes usam como base para brincar, a cultura determina as brincadeiras a serem perpetuadas. Assim, os jogos, os brinquedos e as brincadeiras que fazem sentido no tempo e no espaço vivido por cada criança são aquelas capazes de modificar, de estimular e de fazer sentido ás suas realidades, não existindo, portanto, brincadeiras ultrapassadas que não sejam úteis, ou novas que sejam “tecnológicas” demais.

Compreender a importância da ludicidade para a educação e para a escola, veiculada pelos jogos, brinquedos e brincadeiras, pode munir o educador de ferramentas para exercer seu trabalho de educar, partindo da realidade do aluno, visto que brincar é intrínseco à criança.

Pelo explanado, os estágios de desenvolvimento pelos quais passam os aprendizes são marcados por potencialidades por eles alcançadas, igualmente por preferências e características próprias de suas brincadeiras, jogos e atividades lúdicas.

Afiná-las na escola com a realidade do tempo é tarefa do professor, que deve estimular o aluno a compreender cada vez mais a sua razão de ser, frente às situações que, vivendo de forma real ou fictícia, deve lutar para transformá-las.

Referências

BIANCHI, Sara Rebecca. A importância da motivação na aprendizagem no Ensino Fundamental. TCC (Licenciatura em Pedagogia) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011. Disponível em: http://www.pedagogia.ufscar.br/documentos/arquivos/trabalhos-de-conclusao-de-curso/tcc-2008/a-importancia-da-motivacao-na-aprendizagem-no-ensino-fundamental. Acesso em: 10 dez. 2017.

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FIALHO, Neusa Nogueira. Os jogos pedagógicos como ferramentas de ensino. VIII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - EDUCERE, 2008. Pontifícia Universidade Católica, Curitiba. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/293_114. Acesso em: em: 9 mar. 2017.

LIMA, José Milton. O jogo como recurso pedagógico no contexto educacional. São Paulo: Cultura Acadêmica/Unesp, 2008. Disponível em: http://www.culturaacademica.com.br/_img/arquivos/O%2520Jogo%2520como%2520recurso%2520pedag%25F3gico%2520fINAL.pdf. Acesso em: 10 mar. 2017.

MORAES, Ingrid Merkler. A Pedagogia do Brincar - intercessões da ludicidade e da Psicomotricidade para o desenvolvimento infantil. Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2012. Disponível em: http://unisal.br/wp-content/uploads/2013/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ingrid-M-Moares.pdf. Acesso em: 11 dez. 2017.

SCHERER, Anelize Severo. O lúdico e o desenvolvimento: a importância do brinquedo e da brincadeira segundo a teoria vygotskiana. 2013. 35f. Monografia (Especialização em Educação: Métodos e Técnicas de Ensino) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2013. Disponível em: http://repositorio.roca.utfpr.edu.br:8080/jspui/bitstream/1/4233/1/MD_EDUMTE_2014_2_10.pdf. Acesso em: 10 mar. 2017.

Publicado em 09 de março de 2021

Como citar este artigo (ABNT)

LUCAS, Tereza Maria da Silva. Ludicidade no processo ensino-aprendizagem: motivação para alunos e professores. Revista Educação Pública, v. 21, nº 8, 9 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/8/ludicidade-no-processo-ensino-aprendizagem-motivacao-para-alunos-e-professores

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