Resenha do artigo: “A escola no mundo hiperconectado: redes em vez de muros?”
Layla Mariana Sucini Coury
Mestranda em Ensino em Educação Básica (PPGEB/UERJ), especialista em Ensino da Matemática (CPII), licenciada em Pedagogia (UERJ), professora do Colégio Pedro II
Clayton Tôrres Felizardo
Mestrando em Ensino em Educação Básica (PPGEB/UERJ), licenciado em Ciências Biológicas (UERJ), mediador presencial (UERJ/Cederj), professor de Biologia do Pré-Vestibular Social (UERJ/FEBF)
O artigo A escola no mundo hiperconectado: redes em vez de muros?, de Paula Sibilia, professora do programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense, tem como um dos objetivos discutir, de um ponto de vista cronológico, o que a autora chama de “crise na escola”. A obra versa ainda sobre como se dão as transformações do papel da escola, da relação com a sociedade da época em que a instituição está abarcada e como essas transformações ora atendem expectativas de uma lógica mercantilista ora vão além desse papel, mais recentemente falando. A autora levanta questões acerca do modo como a escola, criada em outra época, ainda atua – em pleno século XXI, com os mesmos mecanismos e as mesmas lógicas remotas –, o que faz hoje da escola uma instituição em crise. De acordo com Sibilia (2012), a escola tradicional que conhecemos surgiu no século XIX e no século XX se consolidou como instituição de ensino-aprendizagem. Então nesse período gerou corpos e subjetividades para à época. Quando chegou ao século XXI, esses corpos e subjetividades são outros, advindos de experiências além dos muros das instituições.
Se retomarmos uma perspectiva histórico-social, a escola como instituição que conhecemos hoje nem sempre existiu. E, quando da sua fundação, o papel central que cabia a ela era promover instrução para os sujeitos que dali faziam parte a fim de desempenharem papéis na vida em sociedade, demarcando a tão velha dicotomia: ensino para aprendizagens intelectuais para os filhos das famílias mais privilegiadas econômica e socialmente, enquanto, para os filhos das classes subalternas, um ensino restrito em que eles pudessem apenas desempenhar os papéis a que foram relegados desde o seu nascimento.
A autora traz uma metáfora atribuindo à escola o conceito de tecnologia que fora criada para produzir algo em determinado momento da história. Destaca, a partir desse ponto de vista, que tal tecnologia (criada há séculos) não é mais compatível com os sujeitos que hoje frequentam as escolas no que diz respeito aos corpos e às subjetividades das crianças da atualidade. Há um encaixe quase perfeito entre notebooks e smartphones, por exemplo, e desses com esses corpos e suas subjetividades, o que faz com que a disparidade entre a escola e esses discentes aumente em proporções que às vezes nem se pode mensurar, segundo uma ótica do docente presente nesse espaço-tempo. A esse fato também é dada a justificativa para que hoje haja tantos conflitos entre a instituição escola e as crianças e jovens que nela se encontram, havendo, portanto, incompatibilidade entre os sujeitos e a escola, independente das particularidades dos alunos e das escolas, tal como suas classes sociais e econômicas. Os alunos e as alunas da contemporaneidade estão cada vez mais próximos das novas tecnologias, salientando a incompatibilidade citada: uma escola do século XIX, com professores do século XX e estudantes do século XXI. Teria como não ocorrerem conflitos? A escola por si só é um local de disputas e negociações, sejam elas de currículos prescritos, projetos político-pedagógicos, valores estéticos, e dentre tantas outras possibilidades que os cotidianos revelam no seu dia a dia.
A escola estaria, de um lado, com seu formato ainda próximo aos moldes dos séculos passados, enquanto, por outro lado, os alunos e as alunas, imersos e imersas em um mundo hiperconectado, assumindo outros modos de ser contemporâneos.
Nesse contexto, o professor e a professora têm o desafio de, não estando imersos nesse novo contemporâneo, aproximarem-se dele para quebrar os paradigmas e desafios impostos por uma escola tradicional e pouco convidativa, a fim de tornar o espaço de ensino e aprendizagem mais próximo aos modos de ser contemporâneos. Como desafio, entendemos que não só aproximar-se dos estudantes seria suficiente, mas sim ouvi-los e torná-los sujeitos de ação do espaço-escola, como no mundo hiperconectado eles são os sujeitos e sujeitas de ação em relação às novas tecnologias.
É importante salientar que, como dito, a escola é uma tecnologia que fora criada em um momento histórico para demandas pontuais daquela época. Hoje, as demandas e necessidades mudaram ao ponto de que os sujeitos que a ocupam são outros, além de ter a urgente necessidade de repensar quais são os papéis e objetivos da instituição escola na atualidade.
Quando foi fundada, a instituição escola seguia os direcionamentos para que fossem instituídos padrões e normas que vigorassem à luz das tecnologias da época. Uma crítica pontual feita por Sibilia (2012) com a qual concordamos é de que a escola se institucionalizou para atender à demanda da burguesia para uma sociedade industrializada. Cada corpo foi visto como uma peça dessa engrenagem e, sendo assim, a escola foi um dos componentes que a sociedade industrial utilizou para moldar seus cidadãos para seus interesses.
Fundava-se, naquele momento, a Era Moderna de maneira global, em que não só a escola era instituída de maneira isolada, mas outros comportamentos que giravam em torno da sociedade fabril que visavam o progresso universal da sociedade. Destaca-se, nessa sociedade, a importância que a escola teve no processo de criar corpos adequados àquela época, capazes de aprender habilidades e aptidões que seriam devolvidas à sociedade por meio do trabalho, ou seja, sujeitos treinados para viver nesse novo formato da Era Moderna, numa sociedade urbana, dentro do projeto histórico do capitalismo industrial.
Após a Segunda Guerra Mundial, o cenário sócio-político-econômico mudou, havendo desde então uma modificação na maneira de pensar o ser-estar no mundo. Dentre essas modificações, passou-se a ver novas possibilidades de pensar o modo de ser a escola. Com o avanço das novas tecnologias eletrônicas e digitais, a sociedade passou a ter uma nova forma de vida. Tendo outro formato, a sociedade passa a mudar seu modo de operar no sentido do consumo, do marketing e da publicidade. Nesse mesmo momento, o modelo empresarial assume destaque nos mais diversos campos da sociedade, inclusive atinge a escola: passa a existir a necessidade do destaque individual dos corpos subjetivos que estavam nessa instituição. A escola passou, portanto, a não mais ser suficiente para a formação subjetiva dos corpos que responderiam às necessidades que a sociedade demandava. Passa-se a requerer outras habilidades laborais, as quais desdenham das habilidades fabris outrora valorizadas pela instituição escola, além de características que antes eram valorizadas já não serem mais tão importantes, assim como outras características e formas de ser e agir no mundo do trabalho, como a criatividade e a espontaneidade; passam a ter valor as características que deveriam buscar acompanhar a lógica do desenvolvimento tecnológico globalizado.
Dessa forma, a subjetividade dos/as estudantes daquela escola que tinha por objetivo torná-los homens-máquinasjá não é mais suficiente para atender à nova lógica do mercado tecnológico global contemporâneo. Ao passo que isso acontece, outras formas dos sujeitos se relacionarem com o mundo vão surgindo, as quais também são outras formas de fortalecer suas subjetividades.
A autora destaca a importância dos aparelhos eletrônicos e tecnológicos da atualidade como meios fundamentais nesses processos de mudanças do pensamento e do modo de agir (objetiva e subjetivamente) dos sujeitos de hoje em dia. Esses avanços na área da tecnologia promoveram transformações no modo de entretenimento, na cultura e na educação, e em como o processo de ensino e aprendizagem vem se desenvolvendo (Moran, 2000). Embora tais tecnologias venham aparecendo já há algum tempo, perpassando algumas gerações, os jovens de hoje são capazes de envolver-se de maneira mais intensa com elas, pois nasceram e cresceram imersos nesse momento histórico-tecnológico, não precisando passar por nenhuma transição.
Procurar entender essa nova geração que se apresenta nas salas de aula é abrir portas para que se dialogue mais e melhor com ela, e podemos fazer isso a partir de uma reflexão de como aconteceram essas mudanças históricas, passando desde a geração baby bommers (geração “paz e amor”, nascidos entre 1946 e 1964), pela geração X (geração “hippie e a revolução sexual”, nascidos entre 1965 e 1979), pela geração Y (geração “revolução tecnológica”, nascidos na década de 1980), pela geração Z (geração “internet”, nascidos a partir da década de 1990) e pela geração Alfa (geração “conectada”, nascidos a partir de 2010). As gerações Z e Alfa são chamadas por Veen e Vrakking (2009) de geração “Homo zappiens”. Segundo esses autores, as crianças e jovens dessas duas gerações cresceram utilizando muito de perto a tecnologia (notebooks, tablets, controles remotos etc.), e buscam de forma ativa soluções para as suas demandas – sejam elas problemas das mais variadas naturezas –até mesmo para seu entretenimento, tudo isso sendo feito de forma dinâmica.
Outra questão do artigo de Sibilia (2012) aqui resenhado é que são esses jovens (nascidos na mais desenvolvida era tecnológica que a sociedade já teve) que são os submetidos aos espaços escolares ainda caracterizados pelos modelos ultrapassados. Isso nos remete à perspectiva de Lévy (1999), na sua obra Cibercultura, em que apresenta conceitos e definições, e dentre eles destacamos o que ele chamou de cibercultura, que é a junção de duas palavras que se somam e explicam a noção de transformação da noção de cultura, agora amplamente atravessada pela interconexão mundial de computadores. Isso foi possível graças ao desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, e mais recentemente das tecnologias digitais de informação e comunicação, o que permitiu o aumento do fluxo da inteligência coletiva desses sujeitos-tempos, o que acaba, nesse contexto, aumentando a participação do ponto de vista de um protagonismo nunca antes visto na história com relação ao processo de ensino-aprendizagem. Questionamos, portanto, para que servem as escolas na atualidade se a sociedade tanto mudou e a escola continuou com os mesmos formatos e objetivos de outrora? Que objetivos a atual sociedade tem para as escolas?
Nesse ponto, a autora destaca que a escola hoje é vista como chata e por vezes desinteressante pelas educandas e pelos educandos, também pelo fato de a cultura social hoje estar atravessada pelas mídias visuais, as quais atropelam o modus operandi de a escola lidar com os mecanismos de leitura e escrita, tornando o fato de frequentar a escola um peso para as crianças de hoje em dia, que são dinâmicas em seus processos de interagir com o outro e com o mundo. A escola passa a ser um local de confinamento para elas, com seus muros altos e até com grades, o que remete a um projeto arquitetônico que mais se assemelha a prisões para esses sujeitos, ao passo que as mídias tecnológicas de entretenimento tornam-se cada vez mais atrativas a eles. Dentre toda essa perspectiva na qual docentes e discentes estão inseridos hoje em maior ou menor grau, muitos desses sujeitos em formação terminam os estudos da escola básica ainda analfabetos funcionais, não tendo cumprido, na maioria das vezes, a função inicial da escola, que seria propiciar o desenvolvimento do cidadão crítico, e com isso aumentar a sua participação e a efetivação plena da sua cidadania, o que seria esperado da função social da escola básica atualmente.
Hoje existem algumas estratégias para fazer uso das tecnologias digitais de informação e comunicação visando à sociedade do controle (tentando manter a disciplina que era estabelecida pelas escolas), como câmeras que filmam o que ocorre nas escolas em tempo real para os responsáveis ou até mesmo, em alguns países como o Japão, o uso de chips colocados nos corpos dos alunos. Entretanto, aos alunos é negado (ou algumas vezes, negociado) o direito de fazer uso de tablets, smartphones ou notebooks nos espaços escolares. Paira, portanto, uma situação controversa no uso das tecnologias diante do cenário escolar. Um caminho de que o docente poderia lançar mão, nesse cenário, seria o da mediação tecnológica para fins pedagógicos, o que também pode contribuir para que as relações entre docente e discente se façam de modo mais horizontalizado, para uma educação dialógica e não mais verticalizada (Freire, 2011). Ou seja, o papel do professor não ficar relegado àquele espaço-tempo de detentor de todo o conhecimento, a figura central desse processo, e sim possibilidades múltiplas de ressignificações do conhecimento que é socialmente construído e não destacado da sua realidade vigente.
Por outro lado, mídias tecnológicas das quais os discentes fazem bastante uso, como as redes sociais Twitter e Facebook, apresentam uma falsa liberdade, por permitir que os usuários conectados a um smartphone façam uso quando quiserem, em qualquer lugar e horário, até mesmo dentro da escola, enquanto, por trás de toda essa dinâmica interativa, há muito mais controle do que se imagina, uma vez que todas as plataformas são facilmente vigiadas e controladas para diversos fins, como o de envio de propaganda que estimula o consumismo, o que acaba por revelar um paradoxo da liberdade versus vigilância. Além disso, os algoritmos dessas plataformas elencam os temas acessados pelos usuários dessas redes sociais para envio maciço de conteúdos relacionados à finalidade de manter esses usuários conectados cada vez mais pelo maior tempo que for possível. Ou seja, a forma de existir nesse espaço-tempo hoje acaba por se tornar cada vez mais virtualmente digitalizada.
Recomendamos, assim, a leitura do artigo original para que outras críticas possam ser tecidas, bem como reflexões acerca do uso das tecnologias e sua interface com os espaços escolares e como as mutações desencadeadas ao longo dos séculos, desde a fundação e institucionalização da escola tradicional até os dias de hoje, vêm ocorrendo. Assim, esta resenha não esgota os diversos olhares aqui lançados e sim procura suscitar novas percepções advindas dos futuros leitores para que possam dialogar com o texto da autora.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MORAN, José Manuel. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.
SIBILIA, Paula. A escola no mundo hiperconectado: redes em vez de muros? Matrizes, v. 5, nº 2, p. 195-211, jan./jun. 2012.
VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Publicado em 09 de março de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
COURY, Layla Mariana Sucini; FELIZARDO, Clayton Tôrres. Resenha do artigo: “A escola no mundo hiperconectado: redes em vez de muros?”. Revista Educação Pública, v. 21, nº 8, 9 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/8/resenha-do-artigo-ra-escola-no-mundo-hiperconectado-redes-em-vez-de-murosr
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