A importância das feiras de ciências na educação e alfabetização científica: um relato de experiência com alunos da Educação Básica
Thiago Rodrigues de Sá Alves
Doutorando em Ensino de Ciências (Propec/IFRJ), mediador presencial da licenciatura em Química (UFRJ/Cederj)
Alda Ernestina dos Santos
Doutora em Química (UFRJ), professora (IFMG - câmpus Bambuí)
Apesar de tantas transformações significativas no ensino ao longo do tempo, é comum ainda encontrarmos estudos evidenciando a prática de um ensino de Química no molde tradicionalista, descontextualizado com o cotidiano dos alunos, isento de significados e que prioriza a reprodução do conhecimento, de forma que os conteúdos acabam, portanto, sendo transmitidos, em muitos momentos, por memorização e exemplificação (Schewtschik, 2017; Santos; Ferreira, 2018; Alves, 2020).
Diante dessa realidade, muitos alunos se sentem desmotivados e desinteressados quando o conhecimento é transmitido em sala de aula na forma de regras de nomenclatura, fórmulas, resolução de problemas e com isso, os professores acabam “deixando de lado a importante formação do conhecimento científico dos estudantes e a correlação entre o conhecimento químico e o cotidiano” (Machado; Wollmann, 2020, p. 3).
Conforme aponta Weber (2016), para que a construção do conhecimento seja significativa o aluno deve ter participação ativa no processo de ensino-aprendizagem. Desta forma, o professor deve estar ciente que ensinar Química, especialmente na educação básica, requer planejamento, problematização da realidade por meio do diálogo, busca por diferentes estratégias de ensino que possibilitem o protagonismo dos estudantes, dentre tantos outros caminhos que possam contribuir para a sua formação crítica e transformadora.
Diante desse contexto, nós professores devemos repensar nossa prática docente e trabalharmos por meio de uma vertente no qual o letramento científico esteja presente, assim como a possibilidade de uma ênfase para a função social com o propósito de rompermos com o modelo de ensino tradicionalista ainda praticado em muitas escolas. Neste sentido, a alfabetização científica surge como um elemento essencial no processo educacional e deve ser incentivada na educação básica a partir de ações que promovam a autonomia dos alunos e o exercício de uma prática docente que não seja pautada na repetição de conteúdos e reprodução do conhecimento (Chassot, 2003; Oliveira, 2013).
As feiras de ciências como eventos escolares no Brasil tiveram início na década de 1960 e ao longo do tempo foram ganhando espaço e forma, tornando-se uma prática de ensino difundida em muitas escolas e se consolidaram como espaços diferenciados de ensino-aprendizagem que promovem a interdisciplinaridade, a contextualização e a divulgação científica (Mancuso; Filho, 2006; Farias; Gonçalves, 2007; Silva; Almeida; Lima, 2018).
A realização de feiras de ciências constitui uma prática pedagógica eficiente para despertar a curiosidade e interesse dos alunos, bem como para incentivar a pesquisa (Rodrigues et al., 2019). Dessa forma, as feiras de ciências representam importante espaço de aprendizagem que contribui para o desenvolvimento das mais diversas habilidades e competências pelos estudantes (Weber, 2016), além de promoverem a aproximação entre a comunidade e a escola por meio da divulgação científica e da socialização do saber acadêmico (Araújo, 2015).
Considerando-se a importância das feiras de ciências como estratégia de ensino e suas contribuições na alfabetização científica dos estudantes, este artigo tem por objetivo relatar as experiências vividas por dois professores de Química com a realização de uma feira de ciências em duas instituições de ensino. Com este relato de experiência pretende-se promover uma reflexão acerca das contribuições das feiras de ciências na educação e alfabetização científica de estudantes da educação básica, bem como da importância desses eventos escolares na contextualização e aplicação dos conteúdos teóricos desenvolvidos em sala de aula.
Percurso metodológico
Este relato de experiência é resultado das experiências vivenciadas por dois professores de Química durante a realização de uma feira de ciências com alunos do ensino médio em duas instituições de ensino, uma pública e uma privada.
Uma das feiras de ciências foi realizada numa instituição de ensino pública federal da cidade de Governador Valadares/MG como parte das atividades locais da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Na oportunidade, um dos professores envolvidos orientou cinco grupos de alunos do ensino médio que elaboraram projetos científicos relacionados à temática Bioeconomia, divididos em três modalidades diferentes: estudo, experimento e inovação. Os projetos foram propostos e submetidos pelos alunos e passaram por uma avaliação prévia pela comissão científica do evento, que selecionou e aprovou os projetos a serem apresentados dentro de cada uma das modalidades da feira de ciências. A realização do projeto envolveu a produção textual, por meio da submissão de resumos dos trabalhos, a pesquisa e condução das atividades relacionadas ao projeto e a culminância do trabalho, que se deu com a apresentação oral do projeto para a comunidade escolar.
A outra feira de ciências foi realizada em uma escola privada situada em Cascadura, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, e envolveu a temática Luz – Vida, Energia, Essência e Arte, sendo aberta a toda a comunidade. Uma das propostas do evento era que a temática em questão fosse abordada em todas as turmas, desde o Ensino Fundamental II até o Ensino Médio, por professores de todas as áreas. Diante disso, os alunos poderiam discutir assuntos diversos, desde luz, Teoria da Relatividade, até consumo de energia, dentre tantos outros que foram sendo mediados pelo professor de Química durante o ano letivo.
Nesse projeto participaram 43 alunos da 2ª série do Ensino Médio, que foram divididos em sete grupos. Cada grupo teve que elaborar um diário de bordo, onde deveriam relatar todas as suas ações fora ou dentro da escola para a confecção do trabalho. O documento solicitava o objetivo de cada reunião feita, os assuntos que foram abordados, de forma detalhada. Para o plano de pesquisa os grupos deveriam expor a questão ou problema identificado com relação à pesquisa, as hipóteses, a descrição detalhada dos materiais e métodos, incluindo os procedimentos que seriam realizados e as referências bibliográficas de acordo com as normas da ABNT.
No relatório de pesquisa, terceiro documento a ser apresentado pelos grupos, deveria constar a identificação da escola, da equipe, sumário, resumo do projeto realizado, introdução, objetivos, relevância do trabalho, desenvolvimento do projeto, resultados e conclusões e as referências bibliográficas no formato ABNT. E, por fim, os alunos deveriam construir um banner com todas as ideias presentes no relatório de pesquisa. Além disso, foi solicitada a cada grupo a elaboração de um experimento a ser apresentado no dia da exposição dos projetos. A avaliação dos projetos apresentados foi realizada por professores externos, através do preenchimento da ficha de avaliação.
Resultados
As feiras de ciências realizadas nas duas instituições de ensino contaram com a apresentação de projetos científicos que contemplam diferentes áreas do conhecimento, permitindo o desenvolvimento de conteúdos de forma interdisciplinar. Conforme apresentado na Figura 1, dentro da temática Bioeconomia foram apresentados projetos de grande relevância que apontaram a importância e viabilidade de práticas sustentáveis tais como: a produção de tintas a partir de pigmentos naturais, a produção de repelente e preparações medicinais à base de plantas, a reciclagem de materiais, dentre outras.
Figura 1: Projetos apresentados na feira de ciências da instituição pública: (A) Produção de tintas a partir de pigmentos vegetais; (B) Preparações medicinais à base de plantas
Por sua vez, como pode ser observado na Figura 2, a temática Luz – Vida, Energia, Essência e Arte possibilitou a apresentação de trabalhos que permitiram aos alunos exercitar sua criatividade, colocando em prática boa parte dos conhecimentos adquiridos em sala de aula ao longo do ano letivo, assim como discutir sobre sustentabilidade, fontes de energia renováveis e não renováveis, decomposição da luz e reciclagem.
Figura 2: Projetos apresentados na feira de ciências da instituição privada: (A) Refração e reflexão da luz; (B) Arco-íris caseiro com DVD; (C) Parque eólico
Em ambas as instituições de ensino a realização da feira de ciências contribuiu para a motivação e interesse dos alunos no estudo dos mais diversos conteúdos de Química relacionados aos projetos propostos, além de aproximá-los do método científico, por meio de questionamentos, experimentações, formulação de hipóteses e discussões em sala de aula sobre as temáticas abordadas.
O contato com o método científico é de extrema importância para a formação científica dos alunos e as feiras de ciências têm papel relevante nesse sentido, pois é por meio desses eventos que a maioria dos alunos tem o seu primeiro contato com a pesquisa. Conforme aponta Macedo (2017), as feiras de ciências, além de facilitarem o processo de ensino-aprendizagem, contribuem para a alfabetização científica dos alunos, uma vez que possibilitam a eles colocar em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula ou a partir de suas observações.
As feiras de ciências possibilitam aos alunos a oportunidade de vivenciarem a pesquisa de uma forma prática, já que por meio da realização dos projetos científicos os alunos pesquisam, formulam hipóteses, experimentam, fazem observações e interpretam os resultados obtidos. Segundo Araújo (2015, p. 31),
a interação com métodos, técnicas e procedimentos, bem como a sistematização de ideias, questionamentos e hipóteses, aproxima ainda mais o aluno do saber científico, do que somente por meio de conceitos estanques e previamente elaborados.
Destaca-se ainda a contribuição das feiras de ciências ao exercício da interdisciplinaridade e do fortalecimento do diálogo entre os professores das mais diversas disciplinas. Promover a interdisciplinaridade não é uma tarefa fácil, pois exige planejamento e dedicação dos professores das disciplinas envolvidas. Costa (2017), destaca a importância das feiras de ciências na promoção da interdisciplinaridade, e as classifica como eventos de caráter interdisciplinar e altamente contextualizadores, que possibilitam, dentre outros, a ampliação dos conhecimentos e a formação crítica dos alunos.
Acredita-se que a realização das feiras de ciências em ambas as instituições de ensino tenha contribuído ainda para o desenvolvimento de habilidades e competências importantes dos alunos, os quais demonstraram-se empolgados com a oportunidade de divulgarem suas pesquisas para a comunidade escolar, mantendo-se seguros e confiantes durante as apresentações dos projetos.
Os alunos, ao final de cada apresentação, tinham a oportunidade de exporem para os avaliadores as principais dificuldades enfrentadas na execução do projeto, bem como os aprendizados adquiridos, e com isso identificamos relatos de que esse tipo de estratégia possibilitou que eles se organizassem melhor, que aprendessem a trabalhar em grupo, respeitando as limitações de cada componente, aceitassem as críticas como sugestão de melhoria e que a Química, de fato, passou a ser vista por eles como uma Ciência não tão distante de suas vidas.
Por fim, dado o envolvimento e grande entusiasmo dos alunos nas feiras de ciências, pudemos observar que, apesar de terem sido realizadas em escolas com realidades bem diferentes, os resultados foram satisfatórios e muito parecidos, visto que em ambas as feiras de ciências os alunos demonstraram-se mais participativos, interessados e motivados que o habitual, o que evidencia a importância deste tipo de evento na motivação e alfabetização científica dos alunos da Educação Básica.
Considerações finais
O professor atuante na Educação Básica, além de estar munido de um bom planejamento com estratégias e recursos didáticos que contribuam para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, deve possibilitar que os conteúdos de Química sejam problematizados por meio de diferentes temáticas que contribuam para formação não só acadêmica, mas também científica e cidadã do aluno
Pensar nas feiras de ciências como uma estratégia que contribui para a alfabetização científica do aluno, o despertar de seu interesse em aprender e o reconhecimento de seu papel ativo na sociedade, é que nos fez refletir sobre a relevância deste tipo de atividade para o processo de ensino-aprendizagem. As experiências vivenciadas permitiram concluir que, as feiras de ciências, mais do que eventos escolares, constituem-se momentos riquíssimos que possibilitam o protagonismo dos alunos no processo de construção do conhecimento.
Com base nas experiências vivenciadas pudemos perceber que independente da esfera em que o professor atue – pública ou privada –, ele deve sempre buscar estratégias que possibilitem o protagonismo dos alunos. Nesse sentido, as feiras de ciências se mostraram fundamentais para que os alunos se tornassem mais participativos, questionadores, passando a se informar mais sobre a Química em suas vidas, o que consideramos um grande legado, já que essa Ciência contribui não apenas para uma visão mais crítica do mundo, mas também para a resolução de muitos problemas que são tão atuais em nossa sociedade.
Referências
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Publicado em 16 de março de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
ALVES, Thiago Rodrigues de Sá; SANTOS, Alda Ernestina dos. A importância das feiras de ciências na educação e alfabetização científica: um relato de experiência com alunos da Educação Básica. Revista Educação Pública, v. 21, nº 9, 16 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/9/a-importancia-das-feiras-de-ciencias-na-educacao-e-alfabetizacao-cientifica-um-relato-de-experiencia-com-alunos-da-educacao-basica
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