Livro Informativo na escola: um diálogo entre o ensino de ciências, as artes e a literatura infantil

Ananda da Luz Ferreira

Doutoranda em Difusão do Conhecimento (PPGDC/DMMDC), bolsista Fapesb, mestre em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER/UFSB), especialista em O livro para infância: processos contemporâneos de criação, circulação e mediação (A Casa Tombada), pedagoga, educadora e mediadora de leitura

Roberta Nascimento

Especialista em O livro para infância: processos contemporâneos de criação, circulação e mediação (A Casa Tombada), bacharel em Direito (Mackenzie-SP), ilustradora com assinatura artística Lolla Angelucci, fundadora do Espaço Álbum e do projeto Sereias Carecas

O livro para infância como galeria de arte

Diversos pesquisadores de livros infantis destacam que o livro é, muitas vezes, o primeiro museu de arte do qual a criança aproxima-se. A artista e escritora, Květa Pacovská (2013), em uma entrevista à revista Emília, afirma: “Tento fazer livros como objetos de arte em papel, como pequenos museus para as palavras e as imagens”. A pesquisadora Camila Feltre (2017, p. 39), a partir da leitura de Kevta Pacovská, exprime que “o livro ilustrado poderia ser a primeira galeria de arte que as crianças visitam”. Já Suzy Lee (2012, p.177) propõe o livro como “arte que pode ser posta numa estante. Arte do tamanho da estante”. Para nós, o livro, como arte, é experiência, experimentação, percursos e afetos.

A partir dessas reflexões, dentro do contexto de um país com extensões continentais e diferenças tanto culturais como sociais, arriscamos dizer que, para muitas pessoas, as páginas dos livros ilustrados serão a primeira e a única galeria de arte visitada durante toda a vida. Essa hipótese dá-se diante da realidade brasileira, na qual muitas cidades do interior do Brasil não possuem museus ou espaços de preservação da memória artística e cultural. Como podemos ver nos resultados do censo museológico de 2010, ao pesquisar sobre 3.025 instituições, observou-se que existem museus em apenas 21,1% dos municípios brasileiros. A maioria, nas capitais e em seus arredores. Em termos regionais, essas diferenças acentuam-se, pois os museus concentram-se no Sul, com 878, e no Sudeste, com 1.151. Em relação à região Norte, há 146 museus, enquanto na região Centro-Oeste, 218 e na região Nordeste, o número de museus é de 632. Por ser o Nordeste a região mais populosa com o maior número de habitantes por museus, 100.160, esse número é insuficiente. Importante problematizar esses altos números de museus nas capitais e nas regiões metropolitanas. Um número considerável de museus não significa acessibilidade. Indivíduos moradores das áreas periféricas ainda apresentam grandes dificuldades de acesso, seja pela condição financeira ou pela distância do local de moradia.

Diante desses números, pensar sobre o livro como galerias de arte ou museus provoca-nos como educadoras. É preciso que nos atentemos à qualidade dos livros que chegarão às crianças, principalmente nas escolas, pois são espaços da promoção da leitura e do acesso ao livro. Muitas crianças encontram-se pela primeira vez com uma obra dentro do espaço escolar. Há relevantes debates acadêmicos sobre a importância de políticas públicas voltadas para a acessibilidade ao livro nesses espaços. Em 1997, criou-se o PNBE (Programa Nacional de Bibliotecas Escolares) com o objetivo da promoção do acesso à cultura além do incentivo à leitura nas escolas públicas de todo o país com a distribuição gratuita de obras para o desenvolvimento de acervos atendendo a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Conforme explicitação de Siqueira et al. (2021), as bibliotecas escolares vêm florescendo, sendo um apoio importante para as atividades de ensino.

Em 2010, foi criada a Lei nº 12.224/10 que promove a universalização das bibliotecas escolares. De acordo com essa lei, estabeleceu-se um prazo de dez anos para que todas as instituições de ensino do país tivessem uma biblioteca dentro das exigências legais. Atualmente, existem alguns projetos de lei visando a prorrogar este prazo, pois ainda temos um número grande de escolas sem bibliotecas. Mesmo sabendo que ainda há muito a avançar, o acesso aos livros vem sendo ampliado, desde a primeira política pública, de 1997.

Embora as políticas públicas de aquisição de livros para a infância estejam sofrendo um desmonte - como vimos na qualidade do material produzido no programa “Conta Pra Mim”, lançado pelo Governo Federal, em dezembro de 2019 - é seguro dizer que a escola é o lugar onde a criança vai encontrar as obras de arte do tamanho de uma estante, como Lee (2012) se refere aos livros ilustrados.

O livro informativo e o ensino da Ciência

Quando refletimos sobre a qualidade do livro ilustrado, estamos dialogando com muitos pontos focais. A produção literária para a infância é diversa, porém, como vamos apresentar livros informativos para o ensino das Ciências, evidenciaremos, nesse artigo, a qualidade estética das informações.

Com uma boa qualidade estética, o livro incentiva a criatividade do leitor, sem dar todas as respostas. A ilustração, a escrita e o design, realizados juntos e cuidadosamente trabalhados, causam encantamento no leitor. Plínio Martins Filho (2008, p. 10), apresenta-nos o designer do livro como a arte do invisível e provoca-nos, afirmando que “Da mesma forma que uma casa deve ser construída para que nela se possa morar, o livro também deve ser construído para que possa ser lido”. Assim, aponta que é preciso alcançar uma qualidade técnica e estética no processo de criação a fim de que a leitura seja uma experiência singular. A qualidade da informação torna-se importante, porque livros informativos dialogam com o ensino das Ciências, ou seja, promovem a CienciArte. Compreender a Literatura como Arte e o seu uso para a sensibilização dos leitores nas Ciências, faz-nos dialogar com a CienciArte, como podemos ver em Araújo-Jorge et al. (2018), a perspectiva de que todos os saberes podem ser acessados por intermédio da Arte. Ao levarmos para o campo da Ciência, é possível alcançar uma completude maior sobre os conhecimentos científicos.

Fazer uso do termo CienciArte para falar de livros informativos para o ensino das Ciências, é acolher o debate proposto anteriormente e inserir, por meio da Literatura, a interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade rompe com a fragmentação dos saberes levando à compreensão do todo, em sua complexidade (Morin, 2000), além da percepção de que o conhecimento científico não é a única forma de explicação do mundo.

A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para considerá-la melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão porque privilegiamos hoje uma forma de conhecimento que assente na previsão e no conteúdo dos fenômenos nada tem de científico. É um juízo de valor (Santos, 2008, p. 83).

Para compreender esse universo, Ana Garralón (2015), aponta o livro informativo como um gênero composto por vários elementos, entre eles, o de não ser um livro ficcional. Ao conceituarmos o livro ilustrado informativo, é importante compreender que não se trata de uma tarefa fácil. Como sinaliza Sophie Van Der Linden (2011), as fronteiras de classificação para esse livro são de difícil demarcação, pois ao dizer, por exemplo, que é um livro de não-ficção, não podemos ignorar que, muitas vezes, a obra mencionada dialoga com as estruturas narrativas próprias das obras ficcionais e poéticas. As biografias, por exemplo, são amostras de livros informativos que trazem uma estrutura narrativa que informa sobre a vida da pessoa biografada. Um outro ponto que comprova o quanto as fronteiras são difíceis de serem demarcadas é o fato de serem obras que trazem informações. Para essa discussão, Ana Paula Campos (2016, p. 81) lembra que “informações também podem ser adquiridas em livros de ficção ou de literatura em geral, dependendo da leitura que se faça”. A autora declara que, ainda que pareça difícil (re)conhecer um livro informativo, é importante

acreditamos que, para conhecer um livro informativo, o mais apropriado seja olhar bem de perto para ele, tentando identificar seus propósitos fundamentais, munidos do conhecimento sobre os elementos que genericamente os caracterizam e de algumas variáveis de análise coletadas nas referências consultadas (Campos, 2016, p. 81).

Com isso, alguns aspectos são elencados para que possamos olhar para um livro e reconhecê-lo como um livro informativo. Entre estas, podemos citar informações consistentes advindas de pesquisas e de histórias reais, não-ficcionais. Garralón (2015) aponta que o livro informativo é concebido para informar sobre um tema. Afinal, é possível aprender sobre piolhos em um livro que conta uma história ficcional de uma menina que pegou piolho, a exemplo de Os Piolhos da Princesa, escrito e ilustrado por Rosinha, de 2016. Mas ensinar sobre piolho não é o foco da obra ficcional. Já no livro O que está te devorando, escrito por Nicola Davies e ilustrado por Neal Layton, publicado pela editora WMF Martins Fontes, em 2016, há informações diversas sobre criaturas que habitam o corpo dos seres vivos, pois o objetivo é ensinar sobre parasitas, entre eles, o piolho.

O livro informativo é pensado para um leitor não familiarizado com temas científicos, levando-o a caminhar por uma linguagem acessível e precisa. O lema é simplificar sem ser simplista. Para tanto, os dados precisam ser confiáveis, científicos e rigorosos. Garralón (2015) diz que o livro informativo não apresenta o mundo como ele é, mas como a ciência o concebe. Essas informações científicas são postas de forma lúdica e interessante para o leitor (crianças, jovens e adultos) que não tem conhecimentos sobre o assunto.

Não se pode restringir o livro informativo a apenas um veículo de informação confiável. É importante, também, observar a estrutura verbovisual da obra para identificar elementos na imagem e na palavra que despertem o interesse e a curiosidade das crianças (Belmiro; Martins, 2019, p. 66).

Portanto, um bom livro informativo transmite o gosto pela leitura. Caso o livro seja chato, o autor não conseguirá atingir o seu objetivo. A informação organizada, diagramada e pensada para crianças, além de ricamente ilustrada, torna o livro uma verdadeira obra de arte pronta para ser explorada por pequenos (e grandes) leitores. O conjunto das informações que compõem o livro informativo, imagens e design, formam um verdadeiro artefato como Garralón (2015) explica. O livro traz novas perguntas essenciais para ampliar o conhecimento e aguçar a curiosidade na busca por informações mais aprofundadas. Assim, a leitura não acaba quando se fecha o livro e o leitor poderá continuar sua pesquisa nos livros indicados na bibliografia, nos locais indicados no agradecimento. Por exemplo, se um livro sobre animais agradece ao diretor do zoológico, o leitor entende que é possível conseguir mais informações sobre aqueles animais no zoológico. Com isso, a criança leitora ao acessar o livro informativo constrói um diálogo com seus conhecimentos prévios sobre a temática e a busca de novos saberes. O livro informativo também cumpre o papel de difundir conhecimentos para o público em geral, que não possui aprofundamento sobre o tema. Silva e Carneiro (2006), em consonância com Bueno (1984), apresentam essa difusão como um ato de trazer informação científica e tecnológica tanto para o especialista como para o público em geral (no caso dos livros informativos pensados para crianças e jovens).

Qualquer assunto pode ser objeto de um livro informativo, desde obras biográficas até obras sobre cavernas, escavações e sumidouros. Como exemplos, Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta, de Sonia Rosa e Luciana Justiniani Hees, livro editado pela Pallas, em 2011, conta a história de Esperança Garcia, a primeira pessoa a escrever uma petição no Brasil, e Buracos, de Jonathan Litton e Thomas Hegbrook, livro editado pela 360 Degrees, em 2018, sobre cavernas. O artigo, portanto, pretende apresentar algumas obras literárias que promovem diálogos com o ensino da Ciência, tanto para o uso do docente quanto para o uso do estudante.

Olhando bem de perto os livros

Apresentaremos, a seguir, quatro livros para a infância que são informativos e que dialogam com o currículo de Ciências proposto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Como critério de escolha, apresentamos livros que podem ser usados em todas as etapas da Educação Básica, dialogando com conteúdos obrigatórios e com temas transversais. É importante reforçar que todos os livros apresentados podem ser utilizados em qualquer etapa da Educação, desde crianças da Educação Infantil até a EJA. Um livro de qualidade transborda a classificação etária, podendo promover conversas com pessoas de diferentes idades. O diferencial no debate serão as trajetórias vividas pelo leitor e suas associações com a leitura. É significativo destacar que a despeito de serem informativos, são obras literárias, portanto trazem linguagens artísticas que merecem tempo de apreciação. Toda obra deve ser lida e relida, ou seja, não é algo que se usa somente uma vez para ensinar. O leitor necessita de tempo e de espaço para fazer conexões com seus saberes e promover outros novos.  

Começaremos com o livro Aqui dentro: guia para descobrir o cérebro, escrito por Isabel Minhós Martins e Maria Manuel Pedrosa, ilustrado por Madalena Matoso (Figura 1), de 2017, da editora portuguesa Planeta Tangerina, reeditado no Brasil, no ano seguinte, pela editora Sesi-SP. Em sua ficha catalográfica está classificado como livro de anatomia humana, cérebro e sistema nervoso central. Mesmo trazendo temas tão complexos é um livro para ser lindo na infância, recheado de ilustrações e informações acessíveis. 

Figura 1: Capa do livro Aqui dentro

Fonte: Minhós et al., 2017.

É possível explorar esse misterioso órgão que dá sentido para muitas coisas que vivenciamos por meio do livro. Como as autoras escrevem, “O cérebro conversa continuamente com o corpo. O corpo conversa continuamente com o cérebro”.  Assim, durante a leitura, um universo de informações vai se abrindo de forma dialógica com as ilustrações apresentadas. A linguagem torna-se assim acessível e os conhecimentos vão ganhando sentido. O que tantas vezes explicado por um pesquisador é de difícil compreensão, nas mãos das autoras torna-se acessível, pois o lúdico das ilustrações auxilia na escrita, como podemos ver na explicação sobre o cérebro do adolescente comparado com uma orquestra em ensaio ou quando mostra o cérebro visto por um especialista em fenomenologia:

Podemos comparar o cérebro do adolescente com uma grande orquestra sinfônica que ainda não está funcionando cem por cento. Os violinos estão desafinados e os contrabaixos emitem sons graves descoordenados. No grupo dos metais, os trompetes parecem discutir com as tubas, enquanto os instrumentos de percussão – pum, pah, bum! – soltam uns estrondos de vez em quando... E, para além de tudo isso, o maestro ainda não chegou! O maestro é o córtex pré-frontal. É a parte do cérebro que amadurece na adolescência para decidirmos sozinhos a nossa vida (Martins; Pedrosa; Matoso, 2018, p. 51).

Este livro é um convite prazeroso para a criança aprofundar seus conhecimentos sobre o cérebro humano. Importante pontuar que toda obra possui uma equipe de revisores responsáveis pela qualidade das informações ali dispostas. Para a construção do livro, as autoras contaram com a revisão técnica de uma doutora em Neurociência, de uma médica neurologista, de uma pesquisadora em Filosofia, de uma pós-doutora em Neuropsicologia, de uma pesquisadora em Neurociência e de um professor universitário da área de Educação. Todos os revisores deram respaldo para a construção artística das escritoras e da ilustradora que transformaram o conhecimento das pesquisas científicas em Arte ou, como citado anteriormente, CienciArte.

Figura 2: Páginas 328 e 329 do livro Aqui dentro

Fonte: Minhós et al., 2017.

Enquanto o Aqui dentro vai agradar crianças maiores do Ensino Fundamental até pessoas adultas da EJA, há livros que vão conquistar as crianças da primeira infância. Desde os primeiros anos de vida, as crianças devem ser estimuladas ao desenvolvimento do pensamento científico, considerando-se que a alfabetização científica, tão em voga nos dias atuais, refere-se à capacidade do estudante em desenvolver o pensamento científico, aplicando-o em sua vida cotidiana. O que vale para o ensino das Ciências da Natureza e, também, para o ensino das Ciências Humanas, vale para a formação de pessoas com capacidade para o pensamento crítico.

O Ensino Médio exige maior complexidade do pensamento científico, pois, como aponta a BNCC (2018, p. 548) “envolve aprendizagens específicas, com vistas a sua aplicação em contextos diversos”. Na Educação Infantil, o documento oficial indica a importância de ações que dialoguem com os campos de experiências, que indicam as experiências que são imprescindíveis para o desenvolvimento da criança e perpassam noções, habilidades, atitudes, valores e afetos. Para isso, uma proposta é o livro de Wangari Maathai, a mulher que plantou milhões de árvores, escrito por Franck Prévot e ilustrado por Aurélia Fronty, publicado pela editora Galerinha Record, em 2013 (Figura 3). É uma biografia sobre Wangari Maathai, mulher queniana, ativista política do meio ambiente e professora, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2004. Primeira mulher do continente africano a ganhar a premiação, Wangari fundou a organização não governamental Green Belt Movement que desenvolve um trabalho de conservação ambiental e reflorestamento dialogando com os direitos das mulheres.

A ONG é uma continuidade da semente plantada por Wangari Maathai, falecida em 2011. A ativista deixou um legado que promove debates sobre questões ambientais, gênero e racial.  Como livro informativo biográfico, apresenta às crianças a história da mulher que “descobriu que uma árvore é imensurável e resolveu plantar vidas, esperanças, gratidão, cuidado, cores, amores e beleza em forma de bonsais, figueiras, sequoias. Assim, Wangari Maathai plantou milhões de árvores e uniu muitas pessoas na causa que acreditou” (Ferreira, 2017).

Figura 3: Capa do livro Wangari Maathai: a mulher que plantou milhões de árvores

Fonte: Prevot, 2013.

Para crianças da Educação Infantil ao Fundamental, esta é uma obra que promove diálogos diversos, convocando a olhar para questões ambientais próximas de todos. Importante ressaltar que a BNCC (2018, p. 9) destaca, como uma das competências gerais para a Educação Básica, o desenvolvimento da “consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta”. Sem contar que a Educação Ambiental é lei e provoca às escolas reflexão sobre um currículo que discuta a Educação Ambiental de forma integral compreendida como Educação Cidadã, responsável, crítica e participativa, como aponta o Parecer CNE/CP nº 14/12: “A Educação Ambiental avança na construção de uma cidadania responsável voltada para culturas de sustentabilidade socioambiental”.

O livro suscita temas sobre o desmatamento e seus impactos no meio ambiente, assim como sobre a importância do reflorestamento a partir de árvores nativas. Ainda ressalta o desenvolvimento social e econômico como necessidades que devam andar de mãos dadas com o desenvolvimento ambiental, com a ação coletiva e a responsabilidade social. Nós, seres humanos, somos parte da natureza, como alerta Ailton Krenak (2019, p. 22), “A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é absurda”.

O livro abre o debate sobre questões de gênero quando informa sobre meninas que não têm acesso ao estudo ou sobre o Movimento Cinturão Verde, criado por Wangari Mataai, em 1977, sobre o importante papel desempenhado por mulheres no Quênia, plantadoras de árvores (Figura 4).

Figura 4: Livro Wangari Maathai: a mulher que plantou milhões de árvores. Representação do coletivo de mulheres plantando árvores

Fonte: Prevot, 2013.

Também contribui para o desenvolvimento de uma educação para a diversidade, como convoca a Lei nº 11.645/08, que modifica a LDB e a Lei nº 10.639/03, trazendo a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura indígena, africana e afro-brasileira. Quando convocamos a educação para a diversidade, entendemos a necessidade de os espaços escolares mudarem seus currículos e suas abordagens para evidenciarem a diversidade étnico-racial existente nas Ciências. É importante apresentar cientistas, descobertas, investigações, ações feitas por homens e mulheres negras e indígenas em um país onde o racismo constrói o apagamento de produções realizadas por mulheres, por pessoas pertencentes ao núcleo LGBTQIA+, por pessoas negras e por pessoas indígenas. Apresentar a biografia da Wangari Maathai é produzir uma ação dialógica junto à pedagogia da diversidade proposta por Nilma Lino Gomes (2017, p. 135). Gomes afirma que “a pedagogia da diversidade pode ser considerada produto da luta contra hegemônica no campo educacional e está no cerne do processo de emancipação social na educação”.

Ao apresentar questões ambientais é possível e necessário trazer a Literatura indígena como forma de apresentar diferentes nações que se relacionam com a natureza. Julie Dorrico (2019) convida a conhecer outros mundos que não foram contados para nós quando sai das narrativas estereotipadas dos vários povos indígenas e apresenta uma novidade. Para isso, é necessário ouvir-olhar-ler de forma diferente. A autora, Macuxi, narra sobre a pintura, a escultura, o canto e as contações de histórias dos povos indígenas tradicionalmente estéticos. É preciso mais do que ler as letras com os olhos. É preciso ler as imagens, ouvir as histórias indígenas, deixar emergir as memórias. Julie Dorrico alerta que a Literatura indígena é anterior à escrita alfabética, lembrando-nos “o que é a Literatura senão uma boa história contada?”. Porém, na contemporaneidade, há produções de livros sobre a literatura indígena que mostram as diferentes etnias, hoje, desprendendo-se da visão do índio de 1500. A Literatura indígena é um bom caminho para isso.

Conhecemos um autor e o seu povo. Por exemplo: Daniel assina como Munduruku, Ailton assina como Krenak, Aurita assina como tabajara e em cada um desses livros passamos a conhecer suas histórias ancestrais, seus ritos, suas línguas maternas e as suas mensagens. O que eles têm a nos dizer. Então podemos dizer que cada livro é uma aldeia (Dorrico, 2019).

Abarcando esse debate, um livro informativo excelente para trabalhar o ensino de Ciências é Coisas de Índio, escrito por Daniel Munduruku, ilustrado por Camila Mesquita e editado pela Callis (Figura 5) fazendo uso da proposta de Ana Garralón (2015), que afirma ser o livro informativo a porta de entrada para as crianças terem acesso às obras mais complexas, acolhendo a pergunta “Por que não fazer livros como esses para nós também?” (Garralón, 2015, p. 47).

Figura 5: Capa do livro Coisas de Índio - versão infantil

Fonte: Munduruku, 2010.

O livro escrito por Daniel Munduruku é Coisas de Índio - versão infantil. Além de desconstruir visões preconceituosas sobre indígenas, apresenta modos de vida dos povos originários com muitas informações e conhecimentos científicos. É possível acessar informações sobre alimentação que dialoga com a temática ambiental, com a cultural e com a alimentação saudável para os estudantes. O autor traz um pouco da medicina realizada pelos povos indígenas (Figura 6), provocando-nos a refletir no quanto a nossa sociedade é voltada aos medicamentos alopáticos sem observar outras possibilidades de promover a saúde, com comprovação científica. Ele afirma que “A farmácia indígena é a natureza. É da natureza que os indígenas tiram tudo que precisam para tratamentos.” (Munduruku, 2010, p. 46).

Figura 6: Livro Coisas de Índio - versão infantil

Fonte: Munduruku, 2010.

Neste momento, é possível fomentar um debate sobre a visão ampliada de saúde e sobre como o Sistema Único de Saúde (SUS) já acolhe práticas alternativas de saúde. Essas questões podem ser abordadas tanto no Ensino Fundamental I e II como no Ensino Médio ou na EJA.

Ao apresentar para os estudantes livros informativos, tenta-se apresentar outras formas de ver o mundo, a partir de outras culturas e sociedades. Amplia-se, então, a discussão sobre o tema trabalhado, contribuindo para uma análise crítica sobre o que está sendo ensinado. Ao levar os livros informativos para sala de aula os professores também problematizam a quão diversa é a construção dos conhecimentos, porque estimulará o leitor a buscar por outros saberes e outros questionamentos:

Todas essas contradições, que se apresentam em diferentes áreas do conhecimento, também estão presentes nos livros informativos e mostram que as dúvidas também fazem parte do próprio processo científico e social. É dessa forma que os leitores aprenderão que a ciência não é algo fechado e que é possível explorar os pontos de vistas dos pesquisadores para se chegar às suas próprias conclusões (Garralón, 2015, p. 22).

Outro livro informativo que pode contribuir no ensino de Ciência é Aqui estamos nós, notas sobre como viver no planeta Terra, de Oliver Jeffers (Figura 7), editado no Brasil pela Salamandra, em 2020. O livro parte do pressuposto da apresentação do mundo a um bebê que acaba de nascer. Um ótimo gancho para discorrer a respeito de conceitos básicos presentes na Educação Infantil, nos anos iniciais. Partindo da ludicidade, a obra aguça a criatividade dos pequenos conduzindo-os à construção do conhecimento dos conceitos apresentados. A frase escrita pelo autor é a seguinte: “Você vai desvendar muitas coisas sozinho. Mas lembre-se de anotá-las para outras pessoas", é um convite para que a criança explore o mundo e faça suas próprias descobertas, também aponta o quanto os registros das observações e investigações são importantes.

Figura 7: Capa do livro Aqui estamos nós

Fonte: Jeffers, 2020.

Em Aqui estamos nós, notas sobre como viver no planeta Terra, há informações básicas sobre diversos assuntos relacionados à vida, desde o fundo do mar até às estrelas. A obra é organizada de forma divertida e didática, especialmente para os pequenos leitores, introduzindo o conceito de infográfico.

As imagens, sozinhas, já oferecem ao leitor muitas informações. É possível entender que a baleia é maior que o barco e que alguns animais vivem mais no fundo do oceano (Figura 8), mas o artista vai além, usa setas e uma caligrafia própria para dar outras informações importantes ao leitor. O desenho e as informações são bastante simplificados, mas não são simplistas, como é a meta de um bom livro informativo. É um livro que desperta na criança a vontade de conhecer mais.

Figura 8: Imagem interna do livro Aqui estamos nós

Fonte: Jeffers, 2020.

Algumas páginas parecem ter sido pensadas para o deleite das crianças, mas a informação visual é evidente. Apenas um desses animais fala, outros são muito maiores que os outros e um animal está um pouco perdido. Quem é este animal? Onde ele vive? As perguntas podem não estar tão evidenciadas, mas rapidamente surgem do pequeno leitor ao conectar a imagem ao texto, observando as informações paralelas e associando-as às suas experiências. Afinal, não são as boas perguntas que fazem um bom livro informativo? Não são as perguntas que movem boas pesquisas científicas?

Figura 9: Imagem interna do livro Aqui estamos nós

Fonte: Jeffers, 2020.

Considerações finais

Existe um grande número de livros informativos escritos no Brasil e traduzidos que podem contribuir diretamente com o ensino das Ciências. Selecionamos alguns que representam uma pequena parte desse universo. Porém, ilustram o quão grandioso é para um professor fazer uso desse material disponível nas bibliotecas escolares. Nas bibliotecas, torna-se um material acessível para que a criança seja introduzida, de forma autônoma, no assunto tratado no livro. Contudo, não podemos ignorar que um mediador de leitura preparado pode promover outras conversas, contribuindo para organizar as questões que o livro suscitou, incentivando mais pesquisas, como provoca Garralón (2015) sobre o assunto, afirmando sobre a necessidade da motivação do mediador junto ao aluno.

Muitos artistas dizem que um livro é um museu de arte na estante. Desse modo, aludimos o livro informativo, esse artefato, como um pequeno museu de Ciência à mão de quem dialoga com o tema proposto, apresentando ao público em geral um conhecimento científico, que se não fosse por um processo de difusão do conhecimento, não seria popularizado.

Ao trazermos os livros informativos para as salas de aula de Ciências, oportunizamos aos estudantes irem além do que foi ensinado, estimulando à pesquisa e contribuindo para que o processo de busca do conhecimento não se encerre. Essa união entre o ensino de Ciências e as Literaturas, no caso dos livros informativos, traz o lúdico para a sala de aula e apresenta conceitos de forma acessível à compreensão. As Literaturas, para os professores, apresentam-se como uma outra possibilidade metodológica para que a linguagem científica não fique distante da criança, como afirmam Romanatto e Viveiro (p. 15, 2015), “a linguagem científica precisa ser trabalhada adequadamente com as crianças para que não se torne um obstáculo à compreensão de conceitos, princípios e procedimentos científicos”. Sem dúvida, as Literaturas têm potencialidades para serem aliadas do ensino das Ciências.

É fato que um livro ilustrado, com um cuidadoso projeto gráfico, provoca o desejo de passear mais pelo livro, tornando o conteúdo dinâmico e agradável de se ver, segurar e folhear. Os textos literários ou de informações nas mãos dos autores da Literatura Infantil envolvem o leitor em uma consonância artística, mostrando que a Ciência é parte da vida e está em todos os lugares, basta olharmos com atenção.

Referências

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Agradecimentos

Gostaríamos de deixar nossos sinceros agradecimentos às professoras-pesquisadoras do livro para infância Camila Feltre e Cristiane Rogério, que nos provocaram nessa jornada de pesquisar as literaturas infantis. Estendemos os nossos agradecimentos à A Casa Tombada (SP), território onde encontros literários se fazem possíveis. 

Publicado em 22 de março de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

FERREIRA, Ananda da Luz; NASCIMENTO, Roberta. Livro Informativo na escola: um diálogo entre o ensino de ciências, as artes e a literatura infantil. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 10, 22 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/livro-informativo-na-escola-um-dialogo-entre-o-ensino-de-ciencias-as-artes-e-a-literatura-infantil

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