Por práticas pedagógicas motivadoras que despertam o prazer pela construção do conhecimento

Rosiane de Oliveira da Fonseca Santos

Mestranda em Educação, especialista em Tecnologias e Educação a Distância (Centro Universitário Barão de Mauá) e em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF), graduada em História (UNIRIO), e em Pedagogia (Faveni), professora (Seeduc/RJ), tutora e coordenadora do curso de História da UNIRIO, no polo UAB/Cederj de Cantagalo

Ao começar a discorrer sobre o filme, uma palavra vem à minha mente: emocionante. Logo, também o pensamento de como seria maravilhoso ter um professor como o Nikumbh em cada escola. Quantas histórias de vida teriam sido mudadas. 

A narrativa de Como estrelas na Terra desenrola-se na Índia ao redor do protagonista, o menino Ishaan Awasthi. Com apenas nove anos de idade, é visto como uma "criança problema” pelos pais e pelos professores. Ele apresenta dificuldade de concentração, afirmando ver as letras a dançar, por isso é considerado um mau aluno, um desinteressado. Ninguém fazia nada para entender o porquê de suas notas baixas e das dificuldades no aprendizado, apenas o castigavam e o excluíam das aulas. Por estar correndo risco de reprovação, pela segunda vez na mesma série, é ameaçado de expulsão.

Como contraponto, seu irmão mais velho é estudioso. Seus pais, ao conversar com os professores e com a direção da escola, diante de Ishaan, exaltam as qualidades do seu irmão. Assim, por não acompanhar a turma, seus pais decidem que Ishaan deve ir para um colégio interno. O pai, que não aguenta mais as reclamações sobre o filho, o considera teimoso. A mãe, mesmo tentando ajudá-lo nas tarefas escolares – em meio a uma rotina desgastante de acúmulo de serviços –, não consegue compreender o porquê de Ishaan cometer os mesmos erros.

Na nova escola, as coisas não são diferentes. O menino é humilhado, recebe castigos físicos e é considerado burro. Os professores nada fazem para ajudá-lo a aprender. Em determinado momento do filme, o menino vê as letras como insetos e sente medo.

Essa realidade é próxima de muitas escolas. Há professores autoritários, que buscam a eficiência do aluno, a produtividade em tarefas feitas de acordo com o que é determinado, fazendo com que os alunos percam suas identidades e acabem imitando o professor obedecendo suas ordens. Essa uniformização educacional é criticada por Rubem Alves. Alves os compara a “urubus diplomados”. Urubu é esse tipo de professor que se alimenta da morte identitária, pois deseja tirar a alegria e a vivacidade das crianças, transformando-as em seres tristes. 

Retornando ao filme, embora encontre um amigo no internato, Ishaan passa por um processo de depressão diante daquela realidade escolar tão dura e distante da família. Sente-se incapaz de aprender, por isso também desmotivado para a pintura, sua paixão. Sua autoconfiança está baixa e sua família o considera um peso.

Nesse momento do filme, chega à escola um professor substituto de Arte, Nikumbh. Sua forma de interagir com as crianças e ensinar é diferente, totalmente fora do padrão tradicional. Nikumbh ensina com música, usa fantasia, faz mágica, dança, levando as crianças a pensar de modo divertido. Em suas práticas pedagógicas, o expectador percebe o estímulo à liberdade criativa dos alunos e o respeito ao ritmo de cada indivíduo, por isso o professor torna-se alvo de críticas dos demais professores.

Ao ensinar a ler o mundo, a esperançar, a despertar a curiosidade e a leitura crítica, as práticas pedagógicas do professor dialogam com o pensamento de Paulo Freire. O professor, como observador, percebe que algo está acontecendo com Ishaan, pois ele não se deixa motivar. Assim, procura compreender o que está acontecendo com o menino, entendendo que o silêncio do aluno é um pedido de ajuda.

Muitas vezes, há alunos que agem na defensiva, com comportamento agressivo ou indisciplinado para expressarem um pedido de socorro. O educador precisa estar atento e disposto a ajudar o discente a fim de que ele se sinta seguro para o aprendizado e a superação das suas dificuldades.

Desse modo, Nikumbh investiga as atividades do aluno, observando sua forma de escrever. Por ser estudioso, ter vivências e conhecimentos profundos da área da Educação Especial, consegue diagnosticar a dislexia de Ishaan, um distúrbio de aprendizagem que torna esse processo da aprendizagem mais lento, principalmente no que diz respeito ao aprendizado de novas palavras, causando atraso tanto na leitura quanto na escrita.

Como professores, precisamos construir um olhar atento aos alunos a partir de capacitações e formações continuadas, que contribuam na identificação das suas dificuldades. Desse modo, teremos condições de encaminhá-los, intermediados pela intervenção da coordenação e da orientação educacional, aos tratamentos adequados.

No filme, o educador decide ajudar o menino e viaja à procura da família da criança. Chegando até a sua casa, explica, de uma forma muito didática, a dificuldade do menino com o aprendizado das letras. Os pais relutam um pouco para compreender a situação.

Escola e família precisam estabelecer entre si uma parceria, pois são os principais núcleos sociais do aluno. Embora cada uma dessas instituições tenha o seu papel educador específico, é necessário haver uma sintonia entre ambas a fim de somarem forças para promover o bem-estar do discente, impulsionando-o ao seu pleno desenvolvimento. O verdadeiro educador acredita no potencial do seu aluno e respeita o seu ritmo. Então, na tela, o professor Nikumbh pede ao diretor para dar aulas extras ao menino como um meio de ajudá-lo a superar as suas dificuldades.

Nesse processo, de uma forma encantadora, o professor utiliza-se de exemplos de cientistas e de personalidades famosas com dificuldades de aprendizagem. Como olhavam o mundo de uma forma diferente, esses exemplos conseguiram levantar a autoestima do menino, fazendo com que a turma o compreendesse, sem constranger a criança.

O professor abaixa-se ao nível do menino para falar com ele. Conta sua história e fala que tem a mesma dificuldade. Assim, cativa o menino e o encoraja a aprender.

Diante de uma escola que não quer o menino, o professor faz a diferença em acreditar que ele só precisa de uma chance para mostrar seu potencial, por isso dedica-se de forma especial àquela criança. Nas tutorias, o professor faz uso de materiais didáticos diversos e de obras de arte, sempre aliando aprendizagem e diversão para despertar o prazer em aprender. O educador encoraja o menino a criar e a explorar a sua criatividade. Estudar torna-se algo leve e prazeroso. Nesse sentido, Paulo Freire afirma:

Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação (Freire, 2001, p. 267).

Nikumbh é um educador que tem amor e paixão pelo que faz. Leva em conta as características próprias de cada aluno, as suas paixões, as suas esperanças e os seus conflitos. Não reproduz os sermões prontos e acabados, mas desperta consciência, motivando para a existência, fazendo do educando o principal agente no processo de ensino-aprendizagem. Transforma a vivência na educação em uma atividade criadora, trazendo à existência aquilo que ainda não existe.

Nesse sentido, Rubem Alves (apud Gadotti, 2004) ressalta a necessidade da formação de um educador comprometido consigo mesmo e com o aluno, superando a burocratização e a uniformização às quais é frequentemente submetido. Em sua prática docente, o professor deve posicionar-se como um sujeito que estimula em seus alunos a construção do conhecimento de forma autônoma, rumo à libertação.

Sobre essa temática, temos grandes contribuições de Paulo Freire ao conceber a educação de forma a conscientizar o aluno sobre a condição do oprimido. Para isso, torna-se fundamental pensar a relação professor/aluno de forma dialógica, criticando a educação bancária na qual o aluno é mero receptor do conhecimento depositado pelo professor, pois, como Freire afirma, “nosso papel não é falar ao povo sobre nossa visão de mundo ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa” (Freire, 1987, p. 49).

O carinho dedicado ao aluno tem poder de cura. É importante que o adulto mostre o quanto se importa. O pai de Ishaan quase nunca demonstra carinho aos filhos ou o apoio necessário nos momentos que precisam, afetando sua autoestima e, consequentemente, sua aprendizagem. Não devemos classificar os alunos como preguiçosos ou folgados, mas procurar olhá-los de forma acolhedora, compreendendo suas reais necessidades. Assim como o educador do filme, precisamos ainda usar uma abordagem pedagógica na linguagem que o nosso aluno entenda.

Quase na cena final, há um evento de Arte promovido pelo educador com a participação de toda a escola. Um momento muito especial quando o menino se emociona ao ver o seu desenho pintado pelo professor. Ele sente o quanto é amado. A escola pode constatar o quanto Ishaan era talentoso. Ao vencer o concurso com sua pintura, o professor o acompanha ao palco para receber o prêmio. Ishaan é aplaudido de pé.

Com o seu trabalho, o educador ajudou a criança a despertar para o prazer de aprender, além disso, cativou a família e influenciou os demais professores, fazendo a diferença no seu local de trabalho e impulsionando todos para outras grandes transformações. Sejamos esses educadores!

Referências

Como estrelas na Terra (Like stars on Earth, Taare Zameen Par. Drama, Índia, 2007. 140 min.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.

______. Carta de Paulo Freire aos professores.  Estudos Avançados, v. 15(42), p. 259-268, 2001.

GADOTTI, Moacir. Pensamento pedagógico brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2004.

Publicado em 22 de março de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Rosiane de Oliveira da Fonseca. Por práticas pedagógicas motivadoras que despertam o prazer pela construção do conhecimento. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 10, 22 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/por-praticas-pedagogicas-motivadoras-que-despertam-o-prazer-pela-construcao-do-conhecimento

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