O ensino remoto emergencial em tempos de covid-19

Maiara Araújo Ribeiro dos Santos

Especialista em Gestão Escolar (Esalq-USP), graduada em Psicologia e Pedagogia e assistente de Orientação Educacional

Rosa Maria Mendes de Godoy

Mestre no Ensino de Química (UFSCar), orientadora no curso de MBA em Gestão Escolar (Esalq/USP), servidora da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

Perante a pandemia do novo coronavírus, iniciada no final do ano de 2019 na cidade de Wuhan, China, por ter rápida propagação pelo mundo, ações de distanciamento social foram necessárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública.

Diante desse contexto, também adotado no Brasil, foram implementadas ações, com enfoque nas escolas, com o objetivo de preservar a segurança dos estudantes, dos docentes e de toda comunidade escolar. Uma dessas ações foi efetivada pela publicação da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, do Ministério da Educação (MEC), determinando a substituição das aulas presenciais por aulas remotas, seguindo os mesmos princípios das aulas presenciais e mantendo a rotina da sala de aula durante o período que durasse a pandemia (Brasil, 2020).

Essa substituição gerou um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), nº 5/20, do dia 18 de março de 2020, que considera a situação e esclarece aos sistemas e às redes de ensino a inevitabilidade da reorganização das atividades acadêmicas (Brasil, 2020).

As redes de educação do país instituíram o ensino remoto emergencial (ERE), que difere da Educação a Distância (EaD), por se tratar de uma mudança temporária no desenvolvimento e na entrega dos conteúdos junto aos discentes. É uma alternativa de promover a continuidade das atividades pedagógicas com o objetivo de instaurar soluções de ensino remoto em circunstâncias de crise. As aulas retornarão ao formato presencial ou híbrido assim que a emergência de saúde pública diminuir e a disseminação do vírus estiver mais controlada (Hodges et al., 2020). A intenção com essa ação foi de minimizar os impactos no ensino e na aprendizagem dos discentes.

O uso das TDIC fez-se essencial para que o docente pudesse mediar o processo de ensino-aprendizagem em meio a um cenário de incerteza, utilizando materiais que potencializam a comunicação e possibilitam a aprendizagem dos estudantes (Belloni, 2003). A metodologia foi fundamental no meio educacional, mas não uma prática efetuada por todos os docentes.

Novas formas de ensino e de aprendizagem surgem por meio da interação, da comunicação e do acesso às informações por intermédio das TDIC. Seu uso pelos docentes deve ser adequado ao que se pretende, ou seja, é essencial que se estabeleça a intencionalidade pedagógica para que o ensino tenha objetividade e credibilidade (Kenski, 2003). A escolha cautelosa das metodologias, dos estudos prévios e da realização de um planejamento estruturado dentro das potencialidades das TDIC escolhida, é fundamental para que as aulas sejam eficientes e alcancem o objetivo desejado que é a aprendizagem dos discentes e seu acolhimento diante do cenário pandêmico. Mattar (2012) reforça a importância dessa mediação pedagógica junto ao uso adequado das TDIC, que colabora nesse processo de ensino-aprendizagem.

Nesse momento inédito, é preciso um olhar mais focado para a rotina estabelecida nesta nova realidade, assim como às experiências, às vivências e aos saberes prévios dos docentes e dos gestores no sentido de cuidar de uma formação profissional colaborativa sobre o uso das TDIC. Portanto, o docente realiza a retomada crítica de seus saberes já vivenciados, seleciona, julga e avalia novos saberes diante desse novo cenário (Tardif, 2014).

Considerando as reflexões advindas do contexto pandêmico, essa pesquisa tem como objetivo realizar um levantamento e verificar as ações inovadoras utilizadas pelos docentes nos anos finais do Ensino Fundamental em escolas particulares do Estado de São Paulo, assim como investigar a possibilidade do uso contínuo das TDIC em suas práticas pedagógicas após a pandemia do covid-19.

Material e métodos

Para realização do estudo, foi feita uma revisão bibliográfica no sentido de compreender quais atitudes foram tomadas e quais pareceres do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação, no cenário pandêmico no Estado de São Paulo, foram adotados. Posteriormente, foi realizada uma revisão bibliográfica a respeito da mediação pedagógica no ensino a distância e remoto emergencial no processo de ensino-aprendizagem, mediado pelas TDIC.

Em relação ao ensino remoto, foi consultada a obra de Hodges et al. (2020). Sobre a revisão referente ao uso das tecnologias digitais de comunicação e de informação, destacou-se Kenski (2003); sobre a mediação de aprendizagem, os autores Belloni (2003), Mattar (2012) e Tardif (2014).

A pesquisa exploratória de abordagem qualitativa empregada fortalece a importância imprescindível dos relatos dos sujeitos envolvidos, considerando a descrição em detalhes dos fenômenos e seus elementos (Vieira; Zouain, 2005). Assim, pretende-se compreender e descrever os fenômenos sociais de maneiras diferentes a partir das experiências individuais ou coletivas (Flick, 2009).

Segundo Godoy (1995), o ambiente é a fonte direta dos dados coletados e não requisita o uso de técnicas e métodos estatísticos. O foco da abordagem qualitativa é o significado e a interpretação do fenômeno estudado.

A pesquisa elaborada tem como objetivo apresentar as concepções, percepções e perspectivas dos docentes dos anos finais do Ensino Fundamental de escolas particulares do Estado de São Paulo, sobre suas ações acerca do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem dos alunos mediados pelas TDIC. Essa etapa, dos anos finais do Ensino Fundamental, requer o aprofundamento, a ampliação do repertório dos discentes e o fortalecimento da sua autonomia. Desse modo, conhecer como se deram as ações dos docentes e como se reorganizaram para minimizar o impacto que o distanciamento pode ter causado nessas interações com os discentes, é de suma importância para registros educacionais (BNCC, 2018).

Para o levantamento dos dados sobre o assunto, foi aplicado um questionário. De acordo com Marconi e Lakatos (2003), este representa um instrumento composto por perguntas respondidas sem a presença do entrevistador e uma das suas vantagens é a garantia do anonimato, dando maior liberdade e segurança às respostas.

O questionário foi publicado no LinkedIn, em grupos específicos de docentes do Estado de São Paulo do Facebook e enviado por WhatsApp para docentes que, à época, enquadraram-se no perfil da pesquisa.

A participação desses docentes foi voluntária e sem identificação dos(as) respondentes. Após a leitura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), os docentes que concordaram com os termos preestabelecidos e com os objetivos da pesquisa puderam continuar com o questionário eletrônico caracterizado como uma investigação empírica composta por 20 questões, sendo cinco questões abertas e não obrigatórias, justificando a variação no número de respostas para certas questões.

As questões de 1 a 4 caracterizam o público-alvo da pesquisa com dados a respeito da idade, do sexo, da escolaridade e do tempo de atuação. Já as perguntas de 5 a 13 abordam os modelos em que as aulas foram disponibilizadas, as ferramentas utilizadas pelos respondentes no uso das TDIC – antes e durante a pandemia – e se foi necessário adquirir novos equipamentos para a prática pedagógica. Da questão 14 à 20, as perguntas direcionam-se à formação dos respondentes em relação às TDIC, se acreditavam ser efetiva a aprendizagem e se continuariam com o seu uso após o retorno das aulas presenciais.

Caracterização do público

Perante as informações coletadas dos 80 docentes, público-alvo na realização da pesquisa, foi feita uma análise dos resultados, os quais contribuíram para o entendimento da percepção dos docentes em relação ao ensino remoto com discentes dos anos finais do Ensino Fundamental em escolas particulares do Estado de São Paulo.

Diante dos resultados, observou-se que o número de entrevistados do sexo feminino foi de 73%, enquanto o do sexo masculino, de 27%. As idades apresentaram grande variação, sendo que 37% ficou na faixa etária entre 31 e 40 anos.

Em relação à escolaridade, 39% dos docentes têm especialização (Figura 1) enquanto 4% possuem doutorado. 64% dos respondentes possuem outro curso além da formação inicial. Boa parte dos docentes, ao longo de suas carreiras, têm buscado aperfeiçoamento em sua trajetória profissional, legitimando a ideia de Imbernón (2010) a respeito da formação continuada como parte do desenvolvimento profissional, possibilitando um novo sentido, ressignificando a prática docente e articulando novos saberes.

Segundo Tardif et al. (1991), os saberes docentes não se reduzem à simples função de transmitir conhecimentos sobre temas e conceitos, mas à integração de diferentes saberes. Na junção de disciplinas, saberes da formação e saberes da experiência que acreditamos ser construído o saber para ensinar. Isso foi evidenciado quando percebemos que mais da metade dos docentes entrevistados buscaram, além de sua formação inicial, saberes que julgavam necessários para exercerem sua identidade profissional, dentro e fora do cenário escolar, atrelando a formação inicial à realidade das escolas e à formação contínua. Nesse sentido, os dados dessa pesquisa promoveram importante reflexão sobre o que se sabe, o que se deve saber e o que é importante aplicar e desenvolver no ensino remoto emergencial, referente ao uso das TDIC.

Além disso, é importante que a gestão conheça as necessidades dos docentes para que as práticas mediadoras nas formações continuadas tenham sincronicidade e os docentes não se sintam despreparados pelas mudanças que são recorrentes no cenário escolar (Orsolon, 2001). 

Sobre o tempo de atuação na área, a maior prevalência foi de 6 a 10 anos, com 24%, seguida de 11 a 15 anos, com 22% dos respondentes, e apenas 9% com 21 a 25 anos. As respostas obtidas demonstraram que 61% dos docentes têm mais de 10 anos de experiência e vivência na área, fazendo com que suas concepções sejam de grande valia para a compreensão dos fenômenos estudados, agregando valor ao olhar desses profissionais.

Figura 1: Nível de escolaridade dos docentes

Fonte: Resultados da pesquisa.

Formas de utilização das TDIC

Todos os respondentes possuem computadores em suas casas e acesso à internet. Em relação à formação inicial (Figura 2), 81% afirmaram que em sua primeira graduação não tiveram disciplinas voltadas à aprendizagem e à utilização das TDIC. Somente 19% tiveram a disciplina na grade curricular. Desse modo, verificamos que por mais qualificada que seja a formação inicial dos docentes, é possível que essa formação não consiga respaldar todas as situações enfrentadas ao longo de suas carreiras profissionais, justamente pelo dinamismo disposto aos profissionais da educação, assim como a pandemia da covid-19. Importante destacar que a formação inicial precisa estar articulada à realidade escolar e à formação contínua (Costa, 2003). Embora 81% dos respondentes não tenham cursado disciplinas voltadas ao uso das tecnologias, boa parte deles (61%) é formada há menos de 15 anos. Isto posto, é possível vê-los como participantes da era digital, evidenciando que os cursos de formação não tiveram olhar diferenciado para as TIC, mesmo já presentes na realidade escolar como um todo. A formação inicial desses docentes pode, então, ser vista como falha, quando percebemos que as TDIC estão cada dia mais presentes no cotidiano escolar, ressaltando a importância de o docente estar apto para abraçá-las e desenvolvê-las em sua prática pedagógica. Kenski (2003) afirma que as atividades relacionadas às tecnologias em práticas docentes devem ser feitas o quanto antes, de preferência nas licenciaturas, levando em conta sua complexidade. Corroborando esse pensamento, a formação inicial é um dos principais obstáculos. Por vezes, não consideram a importância das TDIC, no segmento (Libâneo, 2003).

Seguindo esse pensamento, Gatti e Barretto (2009) constatam que os saberes relacionados às TDIC são pouco presentes nos currículos da formação inicial dos docentes, não potencializando as possibilidades do uso das tecnologias a serem inseridas no processo de ensino-aprendizagem (Santos, 2009). Isso pode caracterizar uma certa dificuldade do docente em estabelecer uma nova identidade profissional, assim como uma resistência ou até mesmo um afastamento das formações contínuas (Pimenta, 1999).

Figura 2: Disciplinas voltadas para o uso das TDIC na primeira graduação

Fonte: Resultados da pesquisa.

No cenário pandêmico, fizeram-se necessárias ações em relação à forma de entrega das aulas remotas, quando o docente assume, então, o papel de motivador e mediador, estabelecendo uma interação humana positiva e entendendo que a educação é um processo de humanização (Goulão, 2012).

Na forma síncrona de entrega das aulas (Figura 3), 61% dos respondentes afirmaram que atuam exclusivamente com plataformas em tempo real, pois acreditam essa seja a maneira melhor de interagir e como se sentem mais presentes, podendo auxiliar os discentes nas dúvidas, em tempo real. 20% utilizam a forma síncrona e citaram que a construção e o fortalecimento do vínculo, juntamente com a colaboração dos discentes, auxiliam para alcançar o conhecimento desejado. 33% não justificaram o motivo pela escolha da forma síncrona. Somente 8% utilizam a forma assíncrona, com vídeos previamente gravados. Quando perguntados sobre o motivo da escolha, comentaram que foi a melhor opção que a escola encontrou para assegurar a carga horária anual exigida. Outro fator interessante refere-se ao fato de 8% utilizarem a forma assíncrona, 67% por exigência da escola e 17% não informaram o motivo pelo qual utilizam o modelo de entrega das aulas assíncronas.

Já 31% das 80 respostas recebidas utilizam as duas maneiras de entregar as aulas. 40% dos 31% dos docentes gravam seus conteúdos previamente e tiram dúvidas dos discentes, corrigindo os exercícios em tempo real e garantindo que discentes com dificuldades de acesso à internet possam assistir ao conteúdo disponibilizado posteriormente. De acordo com Dotta et al. (2014), o ideal é unir a forma síncrona com a assíncrona, com o objetivo de os discentes terem um ensino completo. Conforme Mattar (2012), para que o docente elabore e conduza as atividades, é necessário que tenha um letramento relacional com o conteúdo que será trabalhado. Outro fator observado nas respostas, está relacionado à escolha da instituição escolar sobre a forma de entrega das aulas, sejam síncronas, assíncronas ou ambas.

Figura 3: Formato das aulas disponibilizadas

Fonte: Resultados da pesquisa.

A maioria dos docentes entrevistados (89%) ministra suas aulas de casa. Somente 11% ministram dentro do espaço escolar. No tocante à compra e locação de equipamentos para otimizar o trabalho remoto, 61% compraram algum equipamento e, em algumas falas, 6% dos respondentes que compraram algum equipamento apontam que a escola não auxiliou financeiramente. A aquisição dos equipamentos teve como objetivo otimizar o trabalho (Figura 4). É possível verificar que o equipamento mais adquirido foram os headset ou headphones visto que o ambiente doméstico sofre diversas interferências de sons, seguido de computadores e notebooks, além de melhorias na banda larga, reforçando a procura incansável e contínua de melhoria na entrega das tarefas e do tempo de execução das aulas remotas. Essas ações dos docentes evidenciam que as instituições escolares poderiam ter elaborado ações para oferecer oportunidades, auxiliando no acesso a esses equipamentos.

Figura 4: Equipamentos adquiridos pelos docentes para otimizar seu trabalho

Fonte: Resultados da pesquisa.

Em suas práticas docentes, 80% dos entrevistados afirmam que já faziam uso das TDIC em suas aulas. Em relação aos recursos utilizados antes da pandemia (Figura 5), percebe-se que as plataformas mais utilizadas eram o YouTube e o PowerPoint, seguidos pelo uso de sites educativos, imagens e pesquisa na internet. Percebe-se que as plataformas de interação com os discentes eram usadas, mas, em menor escala.

Figura 5: Recursos utilizados antes e durante a pandemia

Fonte: Resultados da pesquisa.

Durante a pandemia, os recursos mais utilizados (Tabela 5) permanecem sendo o Youtube e o PowerPoint, mas, é visível o aumento do uso de outras plataformas como o Google Classroom, Google Formulário, Google Drive, Google Meet. Corroborando Mattar (2012), o Google revolucionou a área digital por integrar diversas ferramentas, possibilitando o compartilhamento e maior interação com os discentes. Além disso, os docentes podem gravar mais vídeos autorais, utilizando outras plataformas para o uso síncrono como o Zoom e o Microsoft Teams. Isso reforça a visão dos respondentes, pois dessa forma sentem-se mais presentes no processo de ensino, destacando o quanto precisavam se reinventar e se adaptar constantemente ao ensino remoto, mesmo diante de toda adversidade e das cobranças impostas pelo cenário vivenciado (Barreto e Rocha, 2020).

Formação voltada para as TDIC

Ao serem questionados sobre como aprenderam a utilizar as tecnologias digitais de informação e comunicação (Figura 6), 43% registraram que aprenderam de forma intuitiva ou através de editoriais. Outros 29% apontaram que aprenderam com seus colegas de profissão. Apenas 16% afirmaram ter realizado cursos de aperfeiçoamento oferecidos pela instituição escolar na qual atuam, fato que demonstra certo descaso das instituições e reforça a necessidade de investimentos em capacitação e em treinamentos dos docentes a fim de aprimorar seus conhecimentos relacionados às TDIC (Chiavenato,1999).

Figura 6: Como aprenderam a utilizar as TDIC

Fonte: Resultados da pesquisa.

Em relação à importância da capacitação e do treinamento da questão anterior, 43% realizaram algum curso voltado para as TDIC antes da suspensão das aulas; 57% afirmaram não terem participado de cursos voltados para essa formação, fortalecendo a necessidade de incentivo das instituições escolares em olhar e cuidar dessa formação dos docentes. Validando o pensamento na situação atual, Nóvoa (1992) afirma que ser docente é um processo que demanda tempo, estudo contínuo e aprendizagens significativas para auxiliar na compreensão das práticas pedagógicas utilizadas, desenvolvendo a intencionalidade pedagógica assim como estratégias assertivas para a promoção de uma aprendizagem significativa (Carmo, 2016).

Os professores também foram questionados sobre o fato de terem realizado algum curso de formação (Figura 7) para o uso das TDIC depois da suspensão das aulas. Em 80% das respostas recebidas, 43% não realizaram nenhum curso, 33% realizaram cursos oferecidos pela instituição escolar e 24% fizeram algum curso por conta própria.

Figura 7: Realização de algum curso de formação no uso das TDIC antes da suspensão das aulas

Fonte: Resultados da pesquisa.

Questionados sobre os principais obstáculos para o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, 36% dos docentes pontuaram a questão da instabilidade de conexão como um fator de dificuldades enfrentadas tanto pelo aluno como pelo professor. Já 34% citaram a falta de autonomia, de colaboração, de atenção e de participação dos discentes como os maiores obstáculos. Outro ponto citado por 8% dos respondentes foi em relação ao tempo de preparo das aulas. Todos concordaram que o tempo aumentou consideravelmente e que não houve remuneração sobre esse tempo a mais gasto com as aulas. A falta de hábito, assim como a falta de domínio, também foram pontos relevantes na pesquisa. 19% dos docentes não se sentem preparados para o uso das TDIC. Apenas 3% dos docentes disseram não ter qualquer obstáculo e 1% demonstrou preocupação em relação à escrita mecanizada dos discentes na retomada das aulas presenciais.

Já em referência aos aspectos positivos do uso das TDIC, 39% dos 72 respondentes apontaram que as aulas têm maior versatilidade e ludicidade. Além disso, tornaram-se mais atrativas aos olhares dos discentes, com feedbacks positivos, tendo em vista as diferentes ferramentas usadas para mediar o ensino e trabalhar a criatividade dos alunos. 4% dos docentes afirmaram que as aulas dão maior possibilidade para os discentes criarem autonomia em seu processo de aprendizagem e 24% dos respondentes confirmaram ser esta a única possível forma de continuar o processo de ensino-aprendizagem em contexto pandêmico. Como não se tem a certeza em como será desenvolvida a volta às aulas presenciais ou se haverá um novo ciclo de isolamento das atividades escolares, é possível manter a proximidade com os discentes por meio da ferramenta. Apenas 3% disseram que não veem aspectos positivos no uso das TDIC.

Em relação à continuidade do uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, das 80 respostas, 80% afirmaram que continuarão a utilizar as TDIC quando retornarem para as aulas presenciais. 15% disseram que talvez continuem e apenas 5% afirmam que não as utilizarão. Segundo Moran (2012), para promoção da aprendizagem do discente, é preciso ir além do planejamento. É importante ter flexibilidade e criatividade, pois adaptações sempre são necessárias no dia a dia. O papel do docente é mobilizar os discentes para que tenham vontade de conhecer e aprender cada vez mais, reforçando a importância do papel do docente na manutenção da sensação de pertencimento e de proximidade social, em especial neste momento, apresentando um ensino personalizado (Bacich, 2020).

Ao perguntar aos professores se consideram os recursos tecnológicos empregados em suas aulas remotas como suficientes aos discentes para que aprendam com qualidade e eficácia, 59% dos 80 docentes disseram que não e comentaram que nada substitui os momentos presenciais, o contato visual e a relação mais próxima que a sala de aula proporciona, enriquecendo o aprendizado. É preciso refletir a todo instante, visto que boa parcela dos discentes identificou-se e melhorou seu desempenho com o modelo remoto. Contudo, a tecnologia por si só, segundo os respondentes, não é suficiente. A apatia dos discentes fez-se presente, muitas vezes. Corroborando com as respostas apresentadas, Moran et al. (2013) citam que os discentes têm que ultrapassar o papel passivo para se tornarem críticos, atuantes, parceiros na aprendizagem com os docentes, buscando uma auto-organização e uma autonomia do próprio conhecimento. Essa postura evidencia-se nas ações propostas pelos docentes em seu dia a dia.

Em contrapartida, 41% das 80 respostas acreditam que o uso das TDIC é suficiente para que os discentes aprendam, uma vez que, por meio de algumas estratégias aplicadas por eles, as dúvidas são refletidas e sanadas e o planejamento realizado potencializa a interação. Além disso, veem os diversos recursos tecnológicos de modo positivo para a continuidade na ministração de aulas de qualidade.

Por fim, citam nas respostas abertas que os discentes têm papel fundamental para que a aprendizagem aconteça. Isso reforça a visão de Freire (1996), pois ensinar não é apenas uma transferência de conhecimentos, por isso, o ensino não pode ser resolvido somente com o uso das tecnologias. É preciso olhar o processo de aprendizagem em sua complexidade já que cada discente aprende de uma forma.

É necessário também reforçar a importância da prática da gestão nas instituições escolares com foco na aprendizagem e na formação continuada, visto que são dependentes e interligadas. O momento da formação, coletiva e individual, com a mediação e o incentivo da gestão, permite que os docentes entendam como qualificar seus saberes profissionais diante do cenário escolar ao participarem de reflexões, exercendo seu papel de pertencentes (Nadal, 2000).

Os dados coletados nesta pesquisa demonstram que é fundamental que os gestores promovam e incentivem cada vez mais as formações crítico-reflexivas e autorreflexivas, promovendo ações protagonistas e colaborativas no sentido de não só qualificar o docente, mas promover a ressignificação dos saberes profissionais. As práticas participativas propiciam a formação contínua da qual o primeiro nível é a formação inicial desses docentes (Pimenta, 1999).

Conclusão

Considerando o objetivo da pesquisa e os dados levantados com os docentes respondentes, o uso das TDIC tem aspectos positivos que serão levados adiante e fortalecidos para o ensino e para a aprendizagem, mesmo quando as aulas retornarem ao modelo presencial.

A partir da experiência, da aquisição de equipamentos e do uso diário das ferramentas disponíveis, os docentes sentiram-se mais habilitados e pertencentes ao seu uso e a sua disseminação, elaborando aulas de qualidade e com intencionalidade pedagógica, mesmo sofrendo cobranças internas e externas das instituições escolares e da comunidade, sabendo que, por vezes, a aprendizagem não foi totalmente efetiva, o que ocorreria também no ambiente presencial.

Para que as práticas e as ações dos docentes em relação ao uso das tecnologias digitais de informação e comunicação sejam mais consistentes, é necessário e urgente que os cursos voltados à formação docente abordam temas relacionados à questão para que os professores se sintam mais seguros no uso, inclusive em momentos de crise e mudanças repentinas. O vínculo afetivo na relação docente e discente é significativo e, sem dúvida, ultrapassa as barreiras tecnológicas colaborando positivamente no processo de aprendizagem, principalmente em momentos atípicos. Isso confirma a importância do docente na vida dos discentes o que quase não se valida, não apenas no aprendizado do conteúdo, mas também em sua totalidade. A categoria dos professores está sempre disposta a aprender e a reaprender quantas vezes forem necessárias, buscando sempre melhorias em sua didática e em sua prática para o processo de ensino-aprendizagem.

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Publicado em 29 de março de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Maiara Araújo Ribeiro dos; GODOY, Rosa Maria Mendes de. O ensino remoto emergencial em tempos de covid-19. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 11, 29 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/11/o-ensino-remoto-emergencial-em-tempos-de-covid-19

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