O estágio pré-operacional: uma breve discussão acerca da aplicação de testes piagetianos

Gênesis Guimarães Soares

Bacharel em Psicologia, especialista em Análise do Comportamento, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação (UESB)

Geisa Guimarães Soares

Licenciada em Pedagogia, (UESB), pós-graduanda em Atendimento Educacional Especializado e Educação Inclusiva

Kaique Borel de Jesus

Licenciado em Pedagogia, especializando em Atendimento Educacional Especializado e Educação Inclusiva, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação (UESB)

O desenvolvimento humano é um processo que perdura por todo o ciclo de vida dos sujeitos. Desde os primórdios da existência humana, os bebês têm que se adaptar a um "novo mundo", cheio de novas descobertas e desafios essenciais para a sua evolução em diversos aspectos, tanto físicos como cognitivos. Desse modo, os trabalhos de Jean Piaget têm se destacado sobretudo no âmbito da Educação e suas interfaces com a aprendizagem da criança. De acordo com Pádua (2009, p. 22), “Jean Piaget ganhou notoriedade como psicólogo infantil, mas não era à criança que sua atenção científica estava voltada; sua preocupação era pela capacidade do conhecimento humano e pelo seu desenvolvimento”.

Pádua (2009) acredita que Piaget propõe que a inteligência pode avançar e assim mudar os seus atributos, pois cada estágio indicado por ele concebe uma qualidade da inteligência, de modo que os estágios sinalizam um encadeamento de acordo com o seu desenvolvimento.

Posto isso, o presente trabalho tem como objetivo expressar a funcionalidade dos testes piagetianos na verificação da aprendizagem segundo os estágios de desenvolvimento propostos por Piaget e compreender como podem ser utilizados atualmente em contextos escolares.

Revisão teórica

Bee e Boyd (2011) enfatizam que devido ao fato dos estágios de Piaget representarem um encadeamento fixo, o pesquisador indicou que há um componente inato referente ao desenvolvimento cognitivo. Todavia, o indivíduo está sujeito a fatores ambientais no que diz respeito a sua expressão. Desse modo, no que concerne ao período da infância, Piaget (1983) descreve que o desenvolvimento perpassa estágios.

No estágio sensório-motor, o bebê apresenta um comportamento reflexo inato. Não há diferenciações dos objetos. O ato de segurar tudo que lhe toca à mão, de sugar e levar até a boca, são exemplos de comportamentos reflexos inatos. Nesta fase, a criança é extremamente egocêntrica, uma vez que não realiza concreta diferenciação entre si e os demais objetos. A capacidade de representação começa a funcionar de maneira primitiva apenas no final do desenvolvimento sensório-motor. Não há noção de causalidade, pois ainda não existe a consciência de existir de objetos independentes de si. O afeto também ainda é inexistente e a criança chora quando quer suprir uma necessidade ou sorri quando a necessidade é satisfeita.

No estágio pré-operacional, a criança começa a representar os objetos. Isso possibilita uma maior exploração do meio. Já diferencia a si mesma dos outros objetos e começa a formar os primeiros sinais de afeto. Nessa fase, junto com a capacidade representacional, origina-se também a capacidade de representar o passado por meio da imitação e a habilidade de construir símbolos. Aqui, a criança tem a si mesma como plateia. A linguagem começa em torno de dois anos de idade, sendo que aprender a falar é de grande importância para o aprendizado representacional e para a organização das ideias por meio da assimilação e da acomodação.

No estágio das operações concretas, a criança desenvolve a capacidade de pensar logicamente, passando a dar mais valor a ideias lógicas do que às perceptuais. Nessa fase, a criança deixa o egocentrismo e compreende que outras pessoas têm ideias diferentes das suas. A criança desenvolve uma superioridade lógica em relação à percepção. Começam a atentar-se para outros fatores disponíveis à percepção, resolvendo problemas de forma lógica.

Naturalmente, as centenas de estudos feitos desde que Piaget propôs pela primeira vez os estágios revelaram inúmeras deficiências em seu relato original do desenvolvimento cognitivo. Contudo, o esboço básico que ele descreveu pela primeira vez há mais de 70 anos sobre as mudanças cognitivas da infância para a adolescência parece ser razoavelmente preciso (Bee; Boyd, 2011, p. 167).

Deste modo, o relato de experiência objetiva descrever o uso dos testes piagetianos aplicados a duas crianças da Educação Básica que, de acordo com Piaget, fazem parte da primeira infância, período em que ocorrem o desenvolvimento  e aprendizagem através das experiências por meio da interação com o ambiente em que vivem, sobretudo, com o contexto escolar, cenário para a aquisição e para o desenvolvimento de muitas das habilidades fundamentais para os estágios seguintes nos períodos da adolescência e da vida adulta.

Procedimento metodológico

Por intermédio de um relato de experiência, optou-se por um estudo descritivo com a finalidade de observar, registrar, descrever e analisar os fatos. De acordo com Gil (2002), esse tipo de estudo abarca a análise teórica e a experiência realizada. Sendo assim, selecionamos duas crianças, com idades próximas e em fase de alfabetização, para realizar a intervenção e averiguar a funcionalidade dos testes piagetianos para a aprendizagem.

Dito isso, o primeiro sujeito do relato será chamado de R, com idade de sete anos, estudante do segundo ano do Ensino Fundamental, do sexo feminino. O ambiente de aplicação dos testes deu-se em uma sala com cores fortes, vários estímulos visuais, uma mesa e quatro cadeiras. Cada teste teve a duração de aproximadamente três minutos.

No início, foram dadas à criança as instruções sobre os testes que seriam aplicados. Em seguida, foi dito que ela faria parte de uma brincadeira. Assim, foi perguntado se a criança gostava de brincadeiras com massinhas de modelar. Ela respondeu que sim. A mesma pergunta foi feita para R com relação aos testes realizados com os copos de água que serão descritos, a seguir.

O segundo sujeito será chamado B, com idade de seis anos, do sexo feminino e cursando o primeiro ano do Ensino Fundamental. O ambiente de aplicação dos testes foi em uma sala com uma mesa grande e alguns outros móveis. O ambiente estava calmo e livre de circulação de adultos ou crianças. O tempo total de aplicação dos experimentos foi de cinco minutos. Foi dito para a criança que seria realizada uma brincadeira e as mesmas perguntas feitas para R foram dirigidas para B.

Por fim, é importante destacar que apesar de se tratar de uma experiência ainda em formato piloto e com a participação de poucos participantes, o estudo assegurou total integridade e sigilo dos sujeitos que participaram da pesquisa, não ocasionando em prejuízos ou danos aos responsáveis ou aos sujeitos que participaram das aplicações.

Resultados e discussões

Foi observado no teste aplicado sob a teoria de Jean Piaget, que R encontra-se no estágio pré-operacional. De acordo com Piaget, crianças nesse estágio não possuem aptidão para acompanhar variações. Foi percebido que R não é diferente das crianças descritas por Piaget e que, de fato, não possuem noção de conservação de massa e volume.

O primeiro teste aplicado em R foi o de conservação de massa para avaliarmos se a criança reconhece que a massa de um objeto não varia quando a sua forma muda. Para tanto, foram apresentadas duas bolinhas de massinha de modelar de tamanhos iguais e perguntou-se à criança se ambas tinham a mesma quantidade de massa. A criança respondeu: “sim, as duas são iguais”.

Prosseguimos, então, com o segundo passo, que foi transformar uma das bolinhas em forma de cilindro e foi perguntado à criança se as duas possuíam a mesma quantidade de massa. R respondeu: “a bola tem mais”. Quando indagada sobre o motivo da bola possuir mais massa, a criança respondeu: “porque é uma bolinha”.

Avançamos para o terceiro passo, transformando o cilindro em bolinha novamente. Depois de amassá-la para que se tornasse achatada, foi feita a pergunta à criança se ambas possuíam a mesma quantidade de massa e a criança respondeu: “são iguais, porque as duas são gordinhas”.

A próxima prova aplicada foi a de conservação de volume, quando colocamos dois copos iguais e com a mesma quantidade de água sobre a mesa, em frente a criança, então, perguntou-se se os copos possuíam a mesma quantidade de líquido e a criança respondeu “sim”. A etapa seguinte foi distribuir o líquido de um dos copos em outros três recipientes bem menores, porém com o mesmo formato. A pergunta feita foi a seguinte: “você acha que esses três copinhos tem a mesma quantidade que esse outro copo?”. A criança respondeu: “os três copinhos têm a mesma quantidade, é só juntar”.

O passo seguinte foi despejar o líquido dos copinhos em um recipiente fino e alto e a pergunta foi “se o líquido que continha nos copos era o mesmo”. A criança apontou para o copo alto e fino e disse: “nele tem mais, porque é maior”.

Em se tratando do segundo sujeito do experimento, B foi submetida às mesmas provas que a primeira criança. Foi mostrado para B duas bolinhas de massinha de modelar de tamanhos iguais, e foi perguntado se as duas possuíam a mesma quantidade de massa. Ela respondeu: “não, porque uma é grande”.

Então, avançamos com o segundo passo, transformando uma das bolinhas em um cilindro e foi perguntado à criança se as duas possuíam a mesma quantidade. B faz um círculo no ar com o dedo e responde: “a bolinha tem mais, porque é uma bolinha”.

O próximo passo foi transformar o cilindro em bolinha de novo amassando-a em seguida. Igualmente, foi feita a pergunta se ambas possuíam a mesma quantidade de massa e a criança aponta para a bola achatada e mostra a extensão de bola na mesa e responde: “essa, (apontando para a bola achatada), porque essa é assim, (mostrando que tem maior dimensão), ficou mais larga”.

A próxima prova aplicada foi a de conservação de volume, quando colocamos dois copos iguais e com a mesma quantidade de água sobre a mesa, com o líquido colorido em cor vermelha. Foi perguntado à criança se os copos possuíam a mesma quantidade de líquido e ela respondeu: “sim, porque os copos são do mesmo tamanho”.

A etapa seguinte foi distribuir o líquido de um dos copos em outros três recipientes bem menores e a pergunta feita: “você acha que esses três copinhos têm a mesma quantidade que esse outro copo?” A criança respondeu: “tem, porque tu pegou o copo daqui e dividiu”.

O passo seguinte foi despejar o líquido dos copinhos em um recipiente fino e alto e perguntou se os líquidos que estavam nos copos eram iguais. Então a criança observa atentamente os dois copos e aponta para o copo grande, respondendo: “esse tem mais”. Quando indagada sobre o motivo, respondeu: “porque tem mais”.

R e B demonstraram estar no estágio pré-operacional. As duas crianças deram respostas bem semelhantes sobre a conservação de massa e volume, mesmo sendo de escolas e turmas diferentes.

Percebe-se que ambas as crianças possuem o pensamento limitado e que muitas vezes enganam-se com as dimensões dos objetos, esquecendo da sua forma anterior. No entanto, foi observada uma semelhança bastante forte na pergunta: você acha que esses três copinhos têm a mesma quantidade que esse outro copo? Ambas as crianças afirmaram que sim, pois houve a divisão do líquido disposto no copo maior, demonstrando a divisão do mesmo líquido em copos pequenos ou, por experiências anteriores, ambas percebem que a quantidade do líquido foi apenas dividida entre os copinhos.

Considerações

De acordo com as teorias de Jean Piaget, em cada estágio a criança possui habilidades cognitivas diferentes, que proporcionarão uma forma diferente de enxergar as diversas mudanças que podem acontecer tanto nas experiências vivenciais escolares quanto nos diversos ambientes que as cercam.

Durante a aplicação das perguntas, percebe-se uma grande atenção das crianças para com os objetos. No entanto, as mudanças bruscas de formato acabaram as confundindo, por isso deixaram-se levar pela aparência e não realizaram as operações mentais necessárias para encontrar as respostas. Dessa forma, compreendemos que as características das crianças em estágio pré-operacional são limitadas.

Essas reflexões são importantes, uma vez que é possível realizar atividades semelhantes em sala de aula e com todas as crianças no intuito de que juntas possam desenvolver tais habilidades de forma vivencial e concreta, por meio de modelação ou modelagem.

Referências

BEE, Helen; BOYD, Denise. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2011.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

PÁDUA, Gelson Luiz Daldegan. A epistemologia genética de Jean Piaget. Revista Facevv, nº 2, p. 22-35, 2009. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3538813/mod_resource/content/1/Artigo_A% 20epistemologia%20gen%C3%A9tica%20de%20Jean%20Piaget.pdf. Acesso em: 01 ago. 2020.

PIAGET, J. Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

Publicado em 29 de março de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SOARES, Gênesis Guimarães; SOARES, Geisa Guimarães; JESUS, Kaique Borel de. O estágio pré-operacional: uma breve discussão acerca da aplicação de testes piagetianos. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 11, 29 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/11/o-estagio-pre-operacional-uma-breve-discussao-acerca-da-aplicacao-de-testes-piagetianos

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