Bullying em ambiente escolar e suas implicações na aprendizagem discente

Fabrício Nicácio Ferreira

Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFS)

José Luis Monteiro da Conceição

Mestre em Educação (UFS)

O bullying é uma palavra inglesa que está relacionada à disseminação de agressões verbais ou físicas que impactam notadamente no indivíduo agredido. No ambiente escolar, o bullying torna-se a realidade de inúmeras crianças e adolescentes em atividades recreativas ou trabalhos em grupo.

No Brasil, esse tema vem ganhando espaço no ambiente acadêmico e sendo discutido por inúmeros autores. Em 2015, Mello et al. analisaram os resultados do inquérito da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense) e constataram que as agressões estão também dentro da escola privada. Os agressores são normalmente filhos de mães solteiras com maior escolaridade; além disso, possuem comportamento de risco com o uso de drogas ilícitas, prática de relações sexuais precoces e problemas mentais, incluindo a insônia e a solidão.

A escola é considerada um ambiente primordial para o desenvolvimento intelectual do indivíduo, mas para que isso ocorra é necessário que esteja alicerçada em boa ambiência estrutural. A qualificação docente e a utilização de novas tecnologias são ferramentas que fortalecem e colaboram na formação discente ao garantirem conhecimentos essenciais ao indivíduo para que construa o seu pensamento crítico, colaborando no desenvolvimento de uma sociedade mais humana.

A família também possui sua responsabilidade durante o processo de construção e reconstrução do saber. Haja vista que os pais se tornam colaboradores da construção intelectual dos seus filhos ao cobrarem e ao instruírem seus filhos na resolução de atividades, observando seus cadernos e perguntando sobre como foi a aula. Neste sentido, devemos atentar aos alunos retraídos, que apresentam maior dificuldade no processo de aprendizagem e são alvos de “brincadeiras” inapropriadas em sala de aula ou no espaço de recreação.

Como o bullying interfere na aprendizagem discente? De que forma a instituição escolar e os pais dos alunos podem atuar para que o bullying não aconteça no ambiente escolar? O que as pesquisas empíricas têm revelado sobre o assunto?

Para que ocorra o processo de aprendizagem, o aluno deve estar livre de medos, tristezas e fatores que o impeçam à concentração e à assimilação dos conteúdos. Observar o que ocorre dentro da escola configura-se como uma tarefa tanto do professor quanto dos demais servidores que devem realizá-la, não se eximindo a responsabilidade dos pais sobre o comportamento adotado por seus filhos.

Assim, é importante tratar das dimensões que o bullying pode atingir, pois ele interfere na construção do saber discente. Entendemos que lidar com o problema não é uma tarefa fácil e exige do pesquisador um olhar multidimensional.

Implicações do bullying na aprendizagem discente

Historicamente, notam-se mudanças significativas nos métodos de ensino-aprendizagem. A narrativa do professor detentor do saber deu espaço àquele que colabora, instrui e orienta o aluno a desenvolver-se intelectualmente, construindo o seu caminho, utilizando de suas habilidades e práticas e desafiando-se a enfrentar entraves que aparecerem durante o processo.

No Brasil, o termo bullying ganhou maior espaço de discussão em meados do século XXI, trazendo à tona a relevância de discutir esse processo deletério ao indivíduo. O que antes era visto como uma brincadeira não intencional que mascarava agressões, hoje mostra-se como algo destruidor que institui a violência na escola e proporciona a desconstrução do propósito real do ambiente escolar (Ferreira; Tavares, 2009). 

Diante desse contexto, cabe aqui tecer discussões quanto ao agressor ou agressores. Infelizmente, vivemos em um mundo em que a agressividade está cada vez mais ganhando espaço. Crianças e jovens vivem em ambiente familiar onde são corriqueiras as práticas da violência verbal, física e psicológica. Muitos pais passaram por esse processo e acabam sendo precursores dessa prática com seus filhos que, consequentemente, passam a disseminar o ato no ambiente escolar.

Todos os problemas que ocorrem no interior da escola podem trazer consigo fatores negativos que interferem tanto no trabalho pedagógico do professor, como no desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Com o bullying não seria diferente. 

A princípio, o ato pode fazer com que os alunos agredidos apresentem baixo desempenho. Muitos alunos, durante a recreação escolar, podem não interagir com outros colegas, apresentando alguns transtornos psicológicos e alimentares. Essas questões podem gerar, no aluno, desgosto pela escola onde estuda e, ainda, contribuir para a evasão escolar.

O isolamento social é uma prática comumente realizada por vítimas de bullying, pois o indivíduo ao isolar-se em seu próprio espaço e tempo, sente-se menos vulnerável. Contudo, o fato contribui para o desenvolvimento de indivíduos mais ansiosos, pessoas depressivas e o uso excessivo de psicotrópicos para o tratamento de problemas mentais.

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) vem sendo associado a crianças e adolescentes que sofrem violências no ambiente escolar, impactando em sua vida adulta, tanto na realização de atividades laborais como no convívio dentro do ambiente familiar. Em pesquisa realizada por Albuquerque et al. (2013) ainda não se sabe, ao certo, quais as contribuições do bullying no aparecimento de transtornos mentais, porém é notório o quanto o TEPT é preocupante por causa do seu impacto na vida do indivíduo.

Outra questão está no aparecimento de sinais e sintomas da síndrome de Borderline. Dentre esses sintomas estão as mudanças de humor, a irritabilidade, a ansiedade e a instabilidade das relações, tantas vezes confundida com outros transtornos psicológicos como esquizofrenia e bipolaridade.  

A evasão escolar é um dos meios que as crianças e os adolescentes adotam para fugirem do bullying. Ela apresenta um dos maiores problemas da atualidade, contribuindo para o aumento do número de analfabetos funcionais. Evitar essa prática é um dos grandes desafios do ambiente escolar para professores e gestores educacionais.

Além disso, é importante que tenhamos uma visão geral do problema e não nos fechemos apenas a um ou outro aspecto. Notamos que o bullying não destrói apenas o agredido, mas dissemina uma corrente de agressão que perpassa o ambiente escolar e chega ao ambiente familiar.

Cabe aqui destacar que a violência praticada no ambiente familiar, como correção, vai de encontro ao papel da família, que é de ajudar os filhos, sejam eles vítimas ou não. É papel da escola, por seu turno, prevenir essa prática, propiciando ao aluno o desenvolvimento de um comportamento oposto à violência causada pelo bullying.

Para que haja o processo de aprendizagem, o aluno deve estar em um ambiente harmonioso e desprovido de agressões para que possa construir a sua própria história, tirando dúvidas dos conteúdos e das atividades propostas pelo professor e compartilhando com os demais colegas do seu conhecimento.

O professor, nesse contexto, desempenha papel primordial. Isso porque ele será também o agente ou o sujeito responsável para acompanhar e mediar todo o processo que envolva a situação. Sua função será de orientador ou conselheiro. É por intermédio dele que tanto o agredido como o agressor têm a possibilidade e a oportunidade de dialogar, entrando em consenso para resolverem o problema da melhor maneira possível.

Ao professor cabe também observar a existência dessa prática agressiva que tanto desconstrói o papel da escola. O professor deve ser o agente pacificador das discussões inapropriadas que venham ocorrer em sala de aula, não permitindo que o bullying ganhe espaço ou adeptos. Com o apoio dos pais e dos alunos, o educador pode desenvolver projetos que priorizem discussões sobre o tema. As crianças e os adolescentes, vítimas dessa prática agressiva, devem entender que o agressor se conscientize acerca da sua prática a fim de garantirem um ambiente escolar sadio e mais seguro (Neto, 2005).

Por conseguinte, não podemos esquecer que é no ambiente familiar que os pais devem repassar seus valores éticos e morais, valores essenciais para o convívio em qualquer meio social. Quando não há essa possibilidade, cabe à escola promover a discussão sobre os valores fundamentais (Rosa, 2010).

Interferência do bullying na aprendizagem escolar: uma visão qualitativa

Para compreender o que se vem pesquisando sobre o tema no meio científico, fez-se um levantamento na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, BDTD, no dia 18 de julho de 2021, com a palavra-chave ‘bullying’, utilizando como filtro o período de 2016 até 2021, com 224 trabalhos encontrados. Dentre esses trabalhos, após a leitura de títulos e resumos, excluíram-se 220 trabalhos. Desse modo, foram selecionadas quatro publicações acadêmicas, com textos completos.

Na Tabela 1 está a quantidade de publicações, distribuídas por tipo de pesquisa acadêmica e ano de publicação.

Tabela 1: Quantidade de dissertações e teses referentes ao objeto de estudo de 2016 a 2021

Ano

Dissertações

Teses

2016

00

01

2017

01

00

2018

01

00

2020

01

00

Total

03

01

Em sua pesquisa, Ribeiro (2016) investigou em uma escola da rede estadual de ensino sobre a relação existente entre o nível de desenvolvimento cognitivo e moral dos praticantes de bullying com o fato de eles apresentarem dificuldades na aprendizagem. O autor constatou que o bullying pode possibilitar lacunas no nível de desenvolvimento cognitivo do aluno. Além disso, diminui a qualidade das relações interpessoais nos discentes, assim como diminui a sensibilidade moral deles, afetando na aprendizagem e promovendo, consequentemente, a queda do rendimento escolar.

Na pesquisa de Alencar (2018), o bullying manifesta-se no espaço escolar pelo desrespeito às diversidades, por intolerância às diferenças e por uma tentativa de hegemonia por meio do poder. Neste sentido, acarreta sérias complicações ao desenvolvimento psíquico dos alunos, na autoestima e no aprendizado, além de interferir na missão e no significado da escola.

Na pesquisa de Valle (2017), os resultados evidenciam que o envolvimento em bullying tem impactado e influenciado diretamente, de forma negativa, na relação professor-aluno. A autora aponta a necessidade de se promover relações sociais positivas na escola para que as ações pedagógicas fluam.

Ferreira (2020) realizou uma pesquisa com 247 estudantes que frequentam os anos finais do Ensino Fundamental, especificamente alunos que estudam do 7º ao 9º ano em uma escola estadual do interior paulista, a fim de verificar situações de conflitos entre alunos, a relação deles com os casos de intimidação que acometem o ambiente escolar, bem como a satisfação dos estudantes com relação ao vínculo que possuem com os colegas.

A pesquisa revelou que 73,7% dos alunos apontam a predominância de situações de bullying entre os alunos. Quando questionados se já foram agredidos, maltratados, intimidados, ameaçados, excluídos ou humilhados por algum colega da escola, 11,8% dos estudantes responderam que isso acontece de forma frequente.

Considerações finais

É indiscutível a necessidade de pais, professores, gestores e alunos estarem em constante diálogo para que haja um combate efetivo ao bullying no ambiente escolar. A discussão e o desenvolvimento de projetos e ações não devem se restringir aos muros da escola, mas ultrapassá-los, chegando ao espaço familiar. Vemos, aqui, um desafio ainda maior: sensibilizar os pais a se tornarem parte fundamental no desenvolvimento do protagonismo dos seus filhos.

A ausência do apoio familiar ou a presença de professores desatentos aos problemas que cercam os alunos agressivos, são fatores impeditivos à construção de um processo efetivo de ensino-aprendizagem. Não podemos e nem devemos deixar que o bullying ganhe espaço, pois o seu impacto na saúde humana é extenso.

Observa-se a necessidade de novos estudos sobre o tema para identificar as reais causalidades que levam os alunos a se utilizarem da prática do bullying dentro da escola. Neste estudo, apresentamos e discutimos como o bullying implica o ensino sendo apontado como o principal fator do não aprendizado.

Referências

ALENCAR, E. R. D. Bullying e desempenho escolar de alunos do Instituto Federal do Piauí, Campus Parnaíba: um estudo de caso. 155f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2018.

ALBUQUERQUE, P. P. et al. Efeitos tardios do bullying e transtorno de estresse pós-traumático: uma revisão crítica. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 29, nº 1, p. 91-98, jan./mar. 2013.

FERREIRA, J. M.; TAVARES, H. M. Bullying no ambiente escolar. Revista da Católica, Uberlândia, v. 1, nº 2, p. 187-197, 2009.

FERREIRA, J. N. A percepção de elementos constituintes do bullying a partir de situação de intimidação na escola. 107f. Dissertação (Mestrado em Ensino e Processos Formativos), Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2020.

MELLO, F. C. M. et al. A prática de bullying entre escolares brasileiros e fatores associados, na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, nº 9, p. 2.939-2.948, 2017.

NETO, A. A. L. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, v. 81, nº 5 (supl.), p. S164-S172, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jped/a/gvDCjhggsGZCjttLZBZYtVq/abstract/?lang=pt. Acesso em: 14 jul. 2021.

RIBEIRO, M. C. O desenvolvimento cognitivo dos autores de bullying: implicações para aprendizagem escolar. 208f. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.

ROSA, M. J. A. Violência no ambiente escolar: refletindo sobre as consequências para o processo ensino-aprendizagem. Gepiadde, Itabaiana, ano 4, v. 8, jul./dez. 2010. Disponível em: http://www.conhecer.org.br/download/BULLYING/LEITURA%202.pdf. Acesso em: 14 jul. 2021.

VALLE, J. E. A influência do envolvimento em bullying e da relação professor-aluno no engajamento escolar. 77f. Dissertação (Mestrado em Psicologia), Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2017.

Publicado em 05 de abril de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

FERREIRA, Fabrício Nicácio; CONCEIÇÃO, José Luis Monteiro da. Bullying em ambiente escolar e suas implicações na aprendizagem discente. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 12, 5 de abril de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/12/bullying-em-ambiente-escolar-e-suas-implicacoes-na-aprendizagem-discente

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