O uso da língua de sinais pelos pais: uma abordagem para aprendizagem do aluno surdo

Normilton Oliveira da Silva Junior

Graduado em História (UPE), especialista em ensino de Libras (Univasf), graduando em Letras- Libras (Univasf)

Maria do Socorro Araujo de Freitas

Docente (IF do Sertão Pernambucano), mestre em Ensino (Univates)

Muito se tem falado no campo educacional sobre a educação das pessoas surdas, mas poucos estudos trazem como foco a participação dos pais no seu desenvolvimento escolar e como essa participação pode colaborar no processo de aprendizagem. O presente trabalho visa mostrar o papel dos pais de alunos surdos, investigando se o fato de os pais possuírem fluência em língua de sinais traz benefícios na vida escolar desses discentes.  

Essa temática, apresentada por esse viés, é pouco debatida nos meios acadêmicos. Alguns estudos trazem a percepção que os pais têm do ensino que seus filhos recebem como alunos do ensino regular em uma classe de alunos ouvintes. No entanto, são escassos os estudos que demonstrem a importância e a relevância da fluência dos pais de alunos surdos em língua de sinais.

Diferentemente da criança ouvinte, que desde cedo tem contato com a linguagem oral, a criança surda está inserida num contexto no qual as interações linguísticas não são compartilhadas, considerando que 95% são filhos de pais ouvintes, os quais, em geral, desconhecem ou rejeitam a língua de sinais. A falta de contato com adultos que compartilhem uma língua pode significar desvantagem no desenvolvimento educacional da criança surda (Quadros; Cruz, 2011).

Diante disso, temos a importância do assunto analisado, pois permeia a vida dessa pessoa surda e visa demonstrar que ter no seu convívio próximo pessoas que se comuniquem com ela por meio da língua de sinais trará muitas vantagens em relação àquelas pessoas que não têm essa oportunidade de contato com a língua de sinais com seus familiares próximos.

A resposta do problema formulado foi respondida com base em entrevistas realizadas com pais fluentes ou não em língua de sinais e o desempenho escolar de seus filhos, que também fizeram parte do questionário implantado para realização do estudo; ainda foi realizada leitura de autores que versam sobre o tema escolhido para auxiliar no desenvolvimento do trabalho.

Caminhos percorridos

Para desenvolver o trabalho, foram realizadas pesquisa de campo e pesquisa bibliográfica. Como instrumento de coleta de dados, foram utilizadas as entrevistas semiestruturadas, constituídas por questões relacionadas ao problema da pesquisa; foi escolhido esse modelo de entrevista pela sua versatilidade na aplicação e o modo dinâmico com que se efetiva, como destacam Boni e Quaresma (2005, p. 75).

As entrevistas semiestruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, em que o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que lhe interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele.

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede estadual de Pernambuco, na cidade de Petrolina, com o nome fictício de Escola Rio São Francisco, no período de outubro a novembro de 2019. Foram investigados alunos surdos, pais de alunos surdos e professores intérpretes de língua de sinais; a escolha foi feita da seguinte forma: dois alunos cujos pais sabem língua de sinais e dois alunos cujos pais não sabem língua de sinais; dois pais que sabem língua de sinais e dois pais que não sabem língua de sinais; e dois professores intérpretes de língua de sinais da instituição de ensino, totalizando dez participantes.

As entrevistas foram gravadas em áudio; para os participantes surdos houve a tradução do intérprete. Além disso, foi firmado um termo de consentimento livre esclarecido (TCLE) com todas as partes envolvidas no trabalho, garantindo total sigilo aos participantes do estudo. Dessa forma, os procedimentos da pesquisa não ofereceram riscos ou desconfortos aos envolvidos no estudo.

Os dados foram analisados por meio da abordagem qualitativa, na medida em que tentam descrever a complexidade de determinada hipótese, analisando e interpretando, entre as variáveis, dados, fatos e teorias (Rodrigues, 2006). Os dados obtidos por meio das entrevistas foram confrontados com o levantamento bibliográfico feito no inicio do estudo para respaldar a elaboração de texto que respondesse ao problema da pesquisa. Segundo Bardin (2011), hipóteses são explicações antecipadas do fenômeno observado; em outras palavras, informações iniciais que podem ser comprovadas ou refutadas ao final do estudo.

História da língua de sinais

As pessoas surdas, em diferentes épocas históricas, foram consideradas incapazes de pensar ou tomar decisões por si. Em Esparta, elas eram atiradas de penhascos; na China, eram lançadas ao mar; na Grécia, eram abandonadas em praças públicas. O preconceito contra os surdos foi algo muito forte e cruel, que resultava, muitas vezes, na exclusão deles da sociedade, privando-os dos direitos básicos constitucionais (Strobel, 2007).

Com o passar dos anos e o progresso do pensamento das sociedades em relação ao surdo, fundou-se a primeira instituição pública especializada em educação de “surdos-mudos”, em 1770, na França; um dos seus fundadores foi o abade L’Epée, um educador filantrópico que foi um dos grandes responsáveis pelo progresso da educação de surdos em Paris. Ele buscou ligar sinais às figuras e palavras escritas, instruindo-os na leitura; assim, ele apresentava um novo mundo aos que não podiam ouvir (Strobel, 2007).

Esse importante estudioso começou seu trabalho alfabetizando duas irmãs gêmeas surdas que se comunicavam por meio de gestos, iniciou e manteve contato com os surdos carentes e humildes que perambulavam pela cidade de Paris, ficou conhecido como “Pai dos Surdos” (Silva, 2006). Seu modelo de ensino foi amplamente divulgado, porque ele fazia questão de que estudiosos de outros países visitassem sua instituição a fim de aprender suas técnicas.

Inspirada no modelo francês de ensino para surdos, em 1817 fundou-se a primeira escola para surdos nos Estados Unidos; em 1856 foi criado o primeiro curso superior para surdos na Gallaudet University, reconhecida como a única faculdade de Ciências Humanas do mundo para os surdos que oferece educação em todos os níveis, desde a escola primaria até o doutorado; esse estabelecimento de ensino tem reconhecida liderança mundial (Silva, 2006).

A língua de sinais que conhecemos hoje no Brasil teve origem na sistematização realizada por religiosos franceses, desenvolvida a partir de 1760 (Reily, 2013). No Brasil, o ensino da língua de sinais teve início no reinado de D. Pedro II. Segundo Strobel (2008, p. 89), “deduz-se que o imperador D. Pedro II se interessou pela educação de surdos em razão de seu genro ser parcialmente surdo”; então ele trouxe o professor seguidor do abade L’Epée, o francês Ernest Huet, que fundou o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, que mais tarde viria a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Conforme Ciccone (1996), surdos de várias regiões do país que para lá se dirigiam em busca de ensino foram educados por meio do ensino da escrita, do alfabeto digital e da língua de sinais.

Desse modo, a língua de sinais e o alfabeto digital utilizado por Huet na educação dos surdos passaram a ser reconhecidos e usados em todo o Brasil. No entanto, a língua de sinais teve sua predominância questionada muitas vezes ao longo de sua história. Houve na Itália, mais especificamente em Milão, um congresso em que sua utilização foi proibida e foi instituído que os surdos deveriam ser treinados para falar e usar sua voz ou a leitura labial para se comunicar. Felipe (2005, p. 157) lembra que

os professores surdos já existentes nas escolas naquela época foram afastados, os alunos desestimulados e até proibidos de usar as línguas de sinais de seus países, tanto dentro quanto fora da sala de aula. Era comum a prática de amarrar as mãos das crianças para impedi-las de fazer sinais.

Entretanto os surdos resistiram a esse movimento que os impedia de usar a língua de sinais para se comunicar, e ao longo do tempo outros estudos foram sendo aprimorados. Assim, identificou-se que língua de sinais seria a melhor forma de comunicação entre eles.

Dessa forma, com muitas lutas das comunidades surdas do Brasil, foi conquistado o reconhecimento da língua de sinais como meio legal de comunicação entre os surdos, por meio da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. A Língua Brasileira de Sinais passou a receber cada vez mais atenção por parte dos pesquisadores e de educadores; tem sido crescente o número de adeptos e defensores do seu uso.

O aluno surdo e a escola

O Decreto nº 5.626, no seu Art. 22, define que as instituições de ensino são responsáveis pela inclusão dos surdos na Educação Básica; no seu Capítulo II, dispõe que deve haver a organização de escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino abertas a alunos surdos e ouvintes. Nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio ou na Educação Profissional, o ensino deve ser ofertado com docentes das diferentes áreas do conhecimento cientes da singularidade linguística dos alunos surdos; a lei indica a obrigatoriedade da presença de tradutores e intérpretes de Libras-Língua Portuguesa.

O referido decreto pressupõe que deve ser considerada a condição de diferença de língua entre a Libras e o Português no ensino em sala de aula, e que essa discrepância deve ser minimizada para o aluno surdo por meio da presença de tradutores intérpretes de língua de sinais.

Na sala de aula, o aluno surdo deve ter o apoio de um intérprete mediando a comunicação tanto com o professor regente como com os alunos ouvintes. Sobre a organização da sala de aula, para uma melhor compreensão dos alunos surdos, a intérprete explica:

O professor esta lá, fazendo a explicação do conteúdo, eu fico afastada, na frente a gente localiza os meninos na frente das carteiras, para facilitar inclusive esse contato com o professor, no momento que ele está explicando, surgiu uma dúvida, eu posso pedir ao professor que esclareça, tanto a dúvida para que eu como intérprete possa fazer a tradução correta, como às vezes a dúvida do próprio aluno, se ele não entender e eu posso também fazer uso do quadro em algumas situações, o professor sempre deixa um espaço do quadro para a gente escrever caso haja necessidade (Intérprete de língua de sinais 1).

A sala é organizada para que o aluno surdo tenha ampla visão e consiga ver o professor e o intérprete ao mesmo tempo, para com isso entender o que lhe é ensinado. O maior destaque vai para o intérprete que está falando a língua natural do aluno surdo, mas muitas vezes esse entendimento das disciplinas é prejudicado pela metodologia do professor em sala de aula; ele é o regente da disciplina. O professor ouvinte, em muitos casos, não tem conhecimento da língua de sinais; a intérprete explica a dificuldade de entendimento de alguns alunos surdos:

Pela questão da metodologia, a pessoa surda é visual, então são poucos os professores que fazem uso do recurso visual, tirando o professor de Geografia que leva um mapa, ou às vezes um slide com imagens, porque a tecnologia facilita isso, com um datashow você pode dar uma aula usando muitas imagens, mas muitas vezes o professor prepara a aula, coloca os tópicos sem imagens, então isso de alguma forma dificulta a aprendizagem, uma imagem para uma pessoa surda faz uma diferença muito grande (Intérprete de língua de sinais 2).

Os surdos “escutam com os olhos”; então quanto maior for o número de imagens na explanação da aula, mais fácil será a compreensão do assunto estudado; a aula é pensada apenas no aluno ouvinte. Muitos professores ignoram que eles são os responsáveis pelo ensino dos alunos surdos, esquecem que o papel do intérprete é fazer a mediação entre surdos e ouvintes. Os professores ignoram o fato de esses alunos apreenderem as informações pelo canal visual. Outro agravante na educação dos alunos surdos diz respeito à escrita do português em sala de aula; os conteúdos que são sinalizados são interpretados e entendidos pelo aluno, mas quando o aluno surdo está lendo a explicação redigida, ou seja, uma apostila ou um livro, sua compreensão é dificultada; sobre isso, Harrison e Nakasato (2004, p. 64) discorrem:

Os surdos percebem que existem diferenças marcantes entre a forma de apresentação, explicação e desenvolvimento dos conteúdos em sala de aula e o tratamento dado a eles nos livros e apostilas; no entanto, aquilo que é dito em sala de aula pelo professor dificilmente pode ser reconhecido pelos surdos nos textos.

Dessa forma, segundo Lacerda (2000), é fundamental, em todos os níveis de escolarização, que seja desenvolvida uma parceria entre professores e intérpretes, a fim de que conteúdos e dúvidas dos alunos possam ser contemplados e resolvidos. Então, para que o aluno surdo conquiste seu lugar na sociedade, é preciso que seus direitos sejam garantidos, que ele realmente tenha acesso a uma educação completa, de acordo com as suas especificidades, respeitando suas particularidades linguísticas.

Acompanhamento da vida escolar dos filhos surdos

Em uma família de ouvintes com filho surdo, tem-se a necessidade da aprendizagem da língua de sinais, que é a língua natural da pessoa surda, para obter melhor comunicação entre todos os membros da família. É por meio da língua de sinais que o surdo vai se integrar à família, tendo acesso às informações, às orientações e aos valores compartilhados entre os familiares.

Desse modo, a família na figura dos pais tem grande responsabilidade na criação desse filho surdo; é preciso quebrar essa barreira na comunicação entre pais e filhos, pois no seu seio inicia-se a formação do ser humano. É importante que os pais dominem a língua de sinais para exercer a sua paternidade, aconselhando seus filhos, mantendo diálogo aberto sobre todos os assuntos pertinentes à vida desse filho, estreitando cada vez mais esse laço afetivo familiar. Além de transmitir conceitos e conhecimentos para aprimoramento da educação da criança surda, Skliar (1998, p. 38) assinala que

os surdos formam uma comunidade linguística minoritária caracterizada por compartilhar uma língua de sinais e valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios. Inúmeras investigações já comprovaram com dados científicos rigorosos que a língua de sinais é a língua natural de pessoas surdas e que cumpre todas as funções de qualquer outra língua.

A aprovação de leis que garantem o acesso do surdo à língua de sinais em todos os espaços em que ele circular, tendo sua utilização ampliada e difundida, trouxe às famílias dos surdos maior facilidade de acesso a essa língua.

O reconhecimento da relevância da família para o processo educacional se mostra óbvia em vários artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que estabelece a responsabilidade das instituições de ensino e seus professores de se articularem com a família, objetivando integrá-la à escola e auxiliando a fortalecer os vínculos familiares. No entanto, na educação dos alunos surdos a participação dos pais infelizmente não é constante, principalmente na execução de atividades que os alunos levam para casa; acerca desse tema, a intérprete da sala regular de ensino tece o seguinte comentário:

O aluno cujos pais sabem língua de sinais consegue se concentrar melhor, consegue desenvolver melhor a atividade, porque quando chega em casa os pais ajudam a fazer a atividade, só que são bem poucos, pouquíssimos os pais que conseguem dar apoio (Intérprete de língua de sinais 1).

De acordo com o documento Educação Inclusiva: a família (Brasil, 2004, p. 51), “os pais ouvintes devem procurar aprender a língua de sinais e, ao mesmo tempo, devem facilitar a comunicação com seu filho surdo, no intuito de gerar equilíbrio que satisfaça as necessidades de todos”. Nessa proposta, a família não deve tratar a criança surda como o centro das atenções, mas como parte da família e, em parceria com a comunidade escolar, fazer com que a criança sinta prazer em interagir com outros, tendo algo a aprender e a ensinar.

O apoio dos pais nas atividades de casa e no próprio estudo de conteúdo ministrado em sala de aula tem enorme diferença na aquisição de conhecimento do aluno surdo. Apesar de todas as dificuldades que enfrenta no entendimento das disciplinas na escola, ter o apoio dos pais é um fator que faz com que eles superem essas dificuldades e consigam absorver as informações passadas pelos docentes.

Quando os pais sabem língua de sinais, a compreensão e a interação deles com os filhos flui melhor. Podemos constatar esse fato na fala do aluno José (todos os nomes são fictícios), filho de mãe sinalizadora, quando expressa sua fala: “Minha mãe voltou a estudar, agora estou ensinando Matemática para ela e eu aprendendo com ela Português”. Isso demonstra como é importante a interação de pais e filhos na construção dos seus conhecimentos. Em contrapartida, o aluno Pedro, cuja mãe não sabe língua de sinais, fala sobre o desejo da participação de sua mãe na sua vida escolar: “seria interessante se pudesse me ajudar mais, porque ela me ajuda muito pouco, me incentiva pouco, está sempre ocupada”.

A fala desses alunos mostra claramente a diferença da aprendizagem e motivação ao estudo entre um e outro. José demonstra satisfação maior que seu colega Pedro, pelo fato de contar com o apoio de sua mãe e trocar conhecimentos na realização das atividades escolares, algo que só é possível pelo fato de mãe e filho saberem Libras. O aluno José, inclusive, é estagiário de uma instituição federal, mostrando que essa comunicação plena exercida em sua casa traz benefícios para sua vida profissional.

A intérprete de língua de sinais detalha sua percepção acerca dos alunos surdos, relacionando os pais que sabem língua de sinais aos que desconhecem essa língua:

Observamos que aqueles pais que aprendem língua de sinais, que se esforçam para se comunicar com seus filhos e consequentemente não só incentivam a participação do filho na escola, mas também colaboram através de atividades, esses alunos têm um desempenho melhor, tanto eles são melhores no sentido de aprender, de compreender os conteúdos, como também até em nível de contatos com os outros, eles são mais simpáticos; aqueles surdos que não têm de fato comunicação em casa de forma alguma são mais retraídos, como se eles se sentissem inferiores, são pessoas mais trabalhosas nesse contato com o outro (Intérprete de língua de sinais 2).

Castro (1999) considera que, para uma boa formação, há necessidade de participação efetiva por parte dos pais, visto que o apoio da família constitui a base para a socialização do surdo, sua compreensão das coisas e o entendimento de suas diferenças.

Diante disso, fica clara a importância da participação dos pais no ensino dos alunos surdos. Essa necessidade se nota tanto para ouvinte como para surdos, mas, no caso especifico dos discentes surdos, se impõe a barreira da comunicação entre professor e aluno, que é amenizada com a participação dos intérpretes em sala de aula; contudo, esse momento é restrito à sala de aula e a alguns momentos em atendimentos fora do expediente escolar, que infelizmente em alguns casos é o único momento que eles têm para fazer suas atividades de casa, visto que na sua residência não têm apoio dos pais, como detalha a intérprete:

Eles têm um atendimento aqui, o atendimento educacional especializado, eles deixam tudo para aqui, como em casa eles não têm esse apoio, então eles se concentram aqui e fazem em horário oposto (à sala regular), mas eles fazem e tiram suas dúvidas com a pessoa que faz o atendimento aqui na sala de atendimento especializado (Intérprete de língua de sinais 1).

Essa ocasião no atendimento educacional especializado é a etapa em que os alunos tiram dúvidas sobre a aula que aconteceu na sala regular; na maioria dos casos, é o momento que eles têm para fazer suas atividades de casa, visto que não terão apoio em casa para resolvê-las.

Quando a família acompanha o desenvolvimento do filho surdo na escola, ela vai gradativamente rompendo com a visão de incapacidade, de deficiência e de negação da língua de sinais; com isso tem a oportunidade de adentrar o universo da sua criança. Essa criança não pode ser uma estranha dentro da sua própria casa, onde todos se comunicam, e a sua condição de surda a faz ficar retraída em um cômodo da casa; ela não pode ser excluída do convívio familiar por ser surda. Esse fato pode ser constatado no relato de um aluno quando indagado se havia comunicação com seus familiares; ele então declara, “não tem comunicação nenhuma, eu fico só em casa; a gente mora junto, mas cada um tem suas obrigações, mas a comunicação de fato não tem” (Aluno surdo 2).

Nessa escola, os sujeitos surdos têm a oportunidade de se comunicar entre si e juntos descobrem e constroem coletivamente uma identidade surda; contudo, isso não é o suficiente. O surdo precisa construir uma relação de comunicação com seus familiares para fortalecer seus laços afetivos, sociais e culturais; por esse motivo é tão relevante para o progresso escolar. Mesmo com todos os obstáculos, o importante é que haja interesse dos pais em participar da rotina dos filhos, a família deve trabalhar a capacidade do surdo se desenvolver; isso faz com que esse sujeito se sinta aceito não só no ambiente familiar, mas em qualquer lugar da sociedade. Nesse sentido, uma mãe sinalizadora salienta sobre o fato de ela se comunicar com o seu filho por meio da língua de sinais: “facilita tanto na escola quanto em casa, quanto na vida, porque podemos tirar dúvidas, às vezes eles estão com alguma dificuldade”.

Então é notório que, quando a criança tem a oportunidade de ter os pais presentes na sua trajetória escolar e eles dominam a língua de sinais, no caso da criança surda, a dimensão do seu processo educacional será outro. A aprendizagem está presente em todos os momentos da vida, e quando a família se propõe a participar desse processo as conquistas são positivas; uma delas é a aquisição da linguagem que exerce papel fundamental em todo o desenvolvimento pessoal.

Considerações finais

Esta pesquisa demonstrou que a qualidade de aprendizagem de alunos surdos cujos pais sabem língua de sinais e participam das atividades dos seus filhos é bem mais satisfatória do que a daqueles alunos cujos pais desconhecem a língua de sinais. Isso deixa claro que a língua de sinais deve ser inserida na vida da criança desde a mais tenra idade, pois facilita não só a sua educação na escola, mas também o seu desenvolvimento e o convívio social.

Pode-se compreender que uma das maiores dificuldades dos surdos na escola é a leitura dos textos em português. Essa dificuldade se dá mesmo com a participação dos intérpretes em sala de aula e o apoio recebido nas salas de atendimento educacional especializado. Contudo, pode ser atenuada com a participação dos pais auxiliando nas atividades de casa, no estudo diário e promovendo acesso à literatura em momentos de leituras cotidianas.

O que muito se discutiu neste texto foi a melhor forma de ofertar aos alunos surdos meios para obter desenvolvimento e aproveitamento educacional satisfatório. Nesta investigação, concluiu-se que a participação dos pais é fundamental, mas não é o bastante. É preciso começar a pensar em formas de fomentar o reconhecimento da cultura surda e a valorização da língua de sinais para que os seus usuários possam ser instruídos tendo-a como primeira língua em paralelo com o português como segunda língua. Não se pode mais aceitar como acontece hoje, que os surdos precisam se adaptar ao modelo de ensino vigente, no qual a instrução é dada em português e intermediada pelo intérprete fazendo a tradução/interpretação para sua língua natural.

O momento pede urgência na promoção de políticas públicas que implementem a  Lei nº 14.191/21, que insere a Educação Bilíngue de Surdos na Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). A oferta da Educação Bilíngue de Surdos, uma luta antiga da Comunidade Surda, prevê, entre outas medidas, a oferta de ensino com professores bilíngues capacitados e materiais didáticos que atendam às especificidades dos alunos surdos.

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Publicado em 05 de abril de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA JUNIOR, Normilton Oliveira da; FREITAS, Maria do Socorro Araujo de. O uso da língua de sinais pelos pais: uma abordagem para aprendizagem do aluno surdo. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 12, 5 de abril de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/12/o-uso-da-lingua-de-sinais-pelos-pais-uma-abordagem-para-aprendizagem-do-aluno-surdo

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