Por uma educação escolar que valorize o desenvolvimento psicológico do sujeito adolescente

Juliana Gomes de Souza

Graduanda em Psicologia (Faculdade da Região Sisaleira)

É na escola que se constrói espaço importante para a produção do saber científico e para o desenvolvimento da formação da cidadania. Espaço privilegiado capaz de reproduzir, em suas modalidades de currículo – formal, real e oculto – os anseios e os valores da sociedade na qual o sujeito está inserido, como um espelho tanto das suas vitórias, como das suas adversidades.

As desigualdades sociais, por exemplo, retratadas no âmbito da educação escolar, foi tema de estudo do sociólogo francês, Pierre Bourdieu. Em um dos textos, Hey e Catani (2018) destacam que Bourdieu desvela a crueza da desigualdade social e, ao mesmo tempo, como ela é simulada no sistema escolar e entranhada nas estruturas cognitivas dos participantes desse universo (professores, alunos e dirigentes). De acordo com as autoras, o sistema escolar institui fronteiras sociais análogas àquelas que separavam a grande nobreza da pequena nobreza e a pequena nobreza dos simples plebeus ao instaurar uma ruptura entre os alunos das grandes escolas e alunos das faculdades.

Durante muito tempo, a visão sobre os agentes presentes nas salas de aula pairava somente sobre aspectos intelectuais e físicos que garantissem uma padronização de ideias e, em alguns casos, uma homogeneização das habilidades como uma “oficina do conhecimento racional”, como afirmou Anísio Teixeira (1989). Com os avanços sociais e tecnológicos, o reconhecimento de indivíduos únicos e multifacetados provocou, nos centros de discussões acadêmicas, o surgimento de uma defesa da construção e da implantação de um currículo escolar que estimulasse um projeto de vida nos discentes.

Conceitos como “unidade”, “molde” e “regra” entraram em choque com as novas mudanças cognitivas, sociais, emocionais e culturais exigidas pela sociedade emergente. Cabia, então, a construção também de uma escola, com um novo modelo de educação, que cumprisse os objetivos básicos, como um local de preparação para o mundo do trabalho, mas que olhasse ainda para os aspectos emocionais dos sujeitos em desenvolvimento.

Atualmente, reconhecemos que a situação e as preocupações dos estudantes mudaram. Hoje, o estudante encontra-se no dilema de escolher entre o que dele se pede, que é preparar-se para a competição no mercado profissional, e o ímpeto da sua empatia social, que o leva a desejar mudar uma ordem político-cultural geradora de excessivas desigualdades, trazendo pobreza e sofrimento material e espiritual, conforme as palavras de Maturana (1998, p. 12).

São comuns e frequentes, no período da adolescência, questionamentos como “A escola não tem nada que me atraia”, “Eu nunca vou usar esse assunto na minha vida”, “Eu quero ser engenheira… pra que aprender Biologia, professora?”, principalmente, em salas de aulas de Ensino Médio. Nossos alunos vivem a contradição de perceberem de forma diferente o mundo em que estão inseridos. Ao mesmo tempo, encontram-se na condição de não poderem opinar de modo concreto sobre os temas que lhes interessam da forma como gostariam por não obterem “legitimação da sociedade para exercer tal tarefa”, como atesta Anjos (2017). Para o autor, a falta de voz nos adolescentes reflete um modelo de estrutura social que vê esta fase da vida como um período de crises, instabilidades e conflitos. Com isso, a educação escolar passou a pensar nas construções de seus paradigmas fora dos modelos de adolescentes passivos dentro do processo de aquisição de conhecimento, pois “fazemos educação para eles e não com eles” (Santomé, 1995). Santomé (1995) chama este ato de silenciar as vozes juvenis de “adultocentrismo”, em nossa cultura. A situação leva-nos a uma grande ignorância acerca do mundo peculiar adolescente, período entre a infância e a juventude.

É preciso que se abram campos de discussão e estudo multidisciplinar para que a adolescência possa ser entendida e vivida de maneira plena e sadia. Para isso, é necessário que a forma de se fazer educação, volte-se para essa fase de desenvolvimento não apenas observando-a sob os aspectos cognitivos, mas observando-a sob o prisma biopsicossocial, pois o contexto de inserção do adolescente precisa ser parte do currículo.

Para Saviani (2008), a especificidade da educação escolar é a transmissão, de forma sistematizada, de conhecimentos mais desenvolvidos que foram construídos historicamente por gerações precedentes. Ele ainda destaca a relevância do trabalho educativo ao afirmar que ele “é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 1995, p. 17).

Nossos adolescentes não veem a escola como um elo com a sociedade. Eles, em sua grande maioria, não veem ligação prática entre o que é ensinado na escola e o que é experienciado fora dos muros da escola. Para o processo de aprendizagem, isso gera muitos ruídos significativos. É durante o processo de aprendizagem que a produção de conhecimento científico aparece como produto da educação escolar. Segundo Duarte (2001), a instituição escolar reforça seu papel de mediação entre o cotidiano e o não cotidiano na formação do sujeito e “o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”, como defendeu Vygotsky.

Anjos, ao citar Elkonin (1960), salienta que uma das particularidades dos interesses do adolescente é o seu caráter ativo. Este caráter conduz o adolescente, algumas vezes, a desprezar os conhecimentos científicos e técnicos por considerar que tais habilidades não têm significado prático. Seria aqui o outro lado da definição de Anísio Teixeira (1989), relacionada à “oficina prática da vida em sociedade”. No entanto, esses posicionamentos não anulam o papel da instituição escolar na formação da personalidade do jovem, bem como em relação ao espaço de produção do conhecimento sistematizado. Pelo contrário, concordam que a educação escolar deve transpor o senso comum.

Qual papel a escola tem exercido no processo de difusão do que chamamos de conhecimentos clássicos e sistematizados que alicerçam, de forma concreta, os verdadeiros conceitos científicos? Como sinalizou Anjos (2017), a educação tem papel fundamental na mediação entre os conceitos espontâneos (senso comum e cotidiano) e os conceitos científicos.

Outra teoria, com grande contribuição quanto à construção de um currículo escolar, que envolva de forma ativa os estudantes, especificamente adolescentes, é a trazida por Santomé (1995) no artigo As culturas negadas e silenciadas no currículo. No artigo, o autor afirma que a instituição escolar deve ser entendida não apenas como o lugar onde se realiza a reconstrução do conhecimento, mas, além disso, como um lugar onde há a oportunidade de se refletir, criticamente, acerca das implicações políticas do conhecimento. Deste modo, observamos que a descoberta de um novo caminhar que oportunize a mediação, na formação do sujeito, entre o cotidiano, o não cotidiano e o fazer ciência a partir da ampliação das necessidades do indivíduo, permitirá uma educação escolar significativa para os discentes.

De acordo com Anjos (2017), neste cenário, a figura do professor é ser ponte, ser elo e agente de mediação, apto a trabalhar com teorias e conhecimentos científicos, observando o desenvolvimento de acordo com o nível de maturação dos indivíduos, levando-os a um nível de consciência e apropriação voluntária sobre esses conceitos.

Desse modo, o contato do adolescente com os conhecimentos científicos ocorrerá por meio do conteúdo clássico e sistematizado, compartilhado pelo professor em parceria com o aluno, gerando o que Vygotsky chamou de “educação eficiente”. Partindo dessa premissa, Anjos (2017) enfatiza que a adolescência é um período propício para a apropriação das esferas mais elevadas de objetivação do gênero humano, englobando a Ciência, a Arte e a Filosofia.

Santomé (1995) chama a atenção para a importância da construção de programas escolares que possibilitem a inserção do mundo juvenil nas disciplinas acadêmicas presentes nos currículos.

Os programas escolares que rejeitam o reconhecimento à cultura popular e, mais concretamente, às formas culturais da infância e da juventude (cinema, rock and roll, rap, quadrinhos etc.), como veículos de comunicação significativos ao alunado, estão perdendo uma oportunidade maravilhosa de aproveitá-los como bases para a realização de um trabalho docente relevante no cotidiano das salas de aula. Uma instituição escolar que não consegue conectar a cultura juvenil – que tão apaixonadamente os estudantes vivenciam em seus contextos diversos – com as disciplinas acadêmicas do currículo está deixando de cumprir seu objetivo maior, qual seja ajudar os discentes a compreender a sua realidade, incentivando-os a comprometer-se com a sua transformação (Santomé, 1995, p. 159).

Destarte, cabe à escola fazer o seu papel na formação e no desenvolvimento da personalidade do jovem, desde os seus primeiros anos da vida escolar, baseando-se na produção do conhecimento conforme as suas necessidades a fim de priorizar seu aprendizado e sua apreensão dos conteúdos científicos, de maneira profunda e envolvente. O discente, assim, será capaz de aplicar seu aprendizado na comunidade onde se encontra inserido. Para tanto, o mediador deve, junto à escola, levar em consideração os anseios, as opiniões, a formação crítica e cidadã do aluno, buscando meios para a concretização das suas competências e das suas habilidades para a concepção de um mundo com adolescentes e para adolescentes.

Referências

ANJOS, Ricardo Eleutério dos. A educação escolar de adolescentes e a formação dos conceitos científicos. Temas em Educação e Saúde, v. 7, mar. 2017. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/tes/article/view/9556. Acesso em: 05 ago. 2020.

DUARTE, N.  O debate contemporâneo das teorias pedagógicas.  In:  MARTINS, L.  M.; DUARTE, N. (Orgs.). Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 33-49.

HEY, A. P.; CATANI, A. M.; MEDEIROS, C. C. C. de. A Sociologia da Educação de Bourdieu, na revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales. Tempo Social, v. 30(2), p. 171-195, 2018. Disponível em:  https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.122400.

MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Trad. José Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

SANTOMÉ, J. T. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 159-177.

SAVIANI, Dermeval. Dossiê Dermeval Saviani: cinquenta anos de trabalho e educação, Interface, v. 21(62), jul./set. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0922

TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 70, nº 166, p.435-462, 1989.

Publicado em 19 de abril de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, Juliana Gomes de. Por uma educação escolar que valorize o desenvolvimento psicológico do sujeito adolescente. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 14, 19 de abril de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/14/por-uma-educacao-escolar-que-valorize-o-desenvolvimento-psicologico-do-sujeito-adolescente

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