Os desafios da alfabetização na pandemia: propostas e soluções encontradas por professoras
Cristiane Gabriela Tudeschini Marques
Mestranda em Educação Inclusiva (Profei/Unesp)
Angela Fonseca
Mestre em Linguística Aplicada (Unitau)
O período pandêmico fez com que as aulas fossem suspensas repentinamente, trazendo grandes desafios para a educação em geral, pois não havia preparação prévia frente ao novo cenário que se formava com os estudantes deixando de frequentar as atividades presenciais nas escolas do Brasil. Assim, os professores tiveram que se reorganizar e pensar como se daria a continuidade do trabalho educativo mediante o distanciamento social obrigatório estabelecido, ainda mais os que realizavam trabalho com as crianças em fase de alfabetização.
Dada essa situação, primeiro estimou-se que as famílias ficassem bem e, logo, houve busca por traçar um plano que atendesse à nova modalidade de ensino e aprendizagem: as aulas remotas. Essa modalidade revelou uma série de dificuldades e fragilidades em âmbito estrutural e condições de acesso além da legitimidade na realização das propostas.
Dessa forma, tem-se como objetivo analisar os resultados observados a partir do levantamento das ações planejadas na busca de atendimento à criança de sete anos visando a continuidade nos avanços em suas hipóteses de escrita, a fim de que seguissem desenvolvendo em seu processo de alfabetização.
Espera-se trazer algumas possibilidades do trabalho de alfabetização mediante os desafios interpostos durante o ano letivo das aulas não presenciais em paralelo às dificuldades enfrentadas e estratégias utilizadas, ainda evidenciando o quanto a mediação e a intervenção são ações de suma importância para a construção do conhecimento e, em elevado grau, na alfabetização.
Este artigo baseia-se nos conceitos do processo de alfabetização da criança de Emília Ferreiro e a concepção de criança, trazendo as práticas encontradas por professoras de classes de 1°ano do Ensino Fundamental de uma rede municipal de ensino no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo para o enfrentamento dessa nova realidade, atuando cooperativamente para a busca de estratégias que favoreçam o avanço das aprendizagens das crianças em relação à alfabetização.
A abordagem deste artigo parte de uma base metodológica qualitativa, apresentada por Creswell (2007) como uma técnica em que o investigador, a partir de perspectivas construtivistas ou reivindicatórias, utiliza experiências individuais, significados sociais e históricos para compor uma teoria com base em estratégias como narrativas, estudos baseados em teorias para entender um fenômeno em seu contexto natural.
Tal abordagem atende à proposta apresentada, pois o contato direto e as experiências vivenciadas pelas autoras revelam os dados de cada etapa do trabalho realizado, desde a as concepções e práticas de ensino em alfabetização e letramento com alunos de seis a sete anos de escola pública municipal de São José dos Campos, passando pelas necessidades e mudanças de ensino-aprendizagem que a pandemia trouxe e as novas perspectivas de trabalho que estão sendo desenvolvidas, com o olhar em como esse processo está contribuindo para os avanços das crianças.
Para tanto serão discutidas neste artigo algumas concepções de alfabetização e letramento e ensino remoto para então discorrer sobre as práticas de alfabetização no ensino remoto e seus resultados.
Alfabetização e Letramento
Ao trazer os conceitos de alfabetização e letramento tem-se importante trajetória a ser considerada, pois o seu processo de ensino-aprendizagem sempre esteve ligado às concepções e necessidades de um tempo histórico social, e diferentes pesquisadores acompanharam e analisaram esse processo evidenciando a contraposição das propostas de trabalho mais recentes com aquelas que as antecederam e que foram realizadas com as gerações anteriores. É nessa perspectiva que o modelo de trabalho com alfabetização mais conhecida e difundida no imaginário de parte dos profissionais em Educação e na grande maioria da comunidade educativa é a alfabetização com cartilha.
Cagliari (1998) explica que as cartilhas trabalham com uma concepção de língua escrita como transcrição da fala. Seus textos são construídos com a função de tornar clara essa relação de transcrição tendo palavras-chave e famílias silábicas usadas repetidamente. Nesse contexto de trabalho, a alfabetização não ocorre de forma significativa e o trabalho de letramento é comprometido, conforme afirma o próprio PCN de Língua Portuguesa:
O ensino de Língua Portuguesa tem sido marcado por uma sequenciação de conteúdos que se poderia chamar de aditiva: ensina-se a juntar sílabas (ou letras) para formar palavras, a juntar palavras para formar frases e a juntar frases para formar textos. Essa abordagem aditiva levou a escola a trabalhar com “textos” que só servem para ensinar a ler. “Textos” que não existem fora da escola e, como os escritos das cartilhas, em geral, nem sequer podem ser considerados textos, pois não passam de simples agregados de frases (Brasil, 2001).
Cagliari (1998) diz que, na alfabetização, o processo de ensino é coletivo e tem grande importância. Já o processo de aprendizagem é individual e de plano secundário. Assim, o trabalho com cartilhas expõe alunos exclusivamente ao processo de ensino, pautado num método fragmentado em níveis de dificuldades e medido continuamente, a fim de reproduzir o conhecimento transmitido.
Diante desse modelo de alfabetização o trabalho de letramento fica comprometido, tendo o seu valor e ensino ocorrendo somente depois de o aluno dominar a leitura e a escrita. O trabalho de letramento como compreendido a partir do conceito introduzido por Kato (1986) implica uma mudança na expectativa social: não é suficiente saber ler e escrever, é preciso saber fazer usos sociais e significativos do ler e escrever, saber responder adequadamente às demandas de leitura e de escrita feitas pela sociedade.
Na busca em compreender como se dá a aquisição da leitura e da escrita, educadores e pesquisadores trouxeram um novo paradigma teórico, baseado numa proposta construtivista. De acordo com esse modelo, o conhecimento não é concebido como cópia do real, decorado diretamente pelo aluno, e pressupõe uma atividade por parte de quem aprende, organiza e integra novos conhecimentos aos já existentes. Ambos, professor e alunos, são agentes ativos e construtores da aprendizagem. É nessa perspectiva que os estudos se voltam, contando com bases teóricas pautadas no interacionismo socioconstrutivista.
Grandes colaboradoras dessa perspectiva construtivista, principalmente na aprendizagem da leitura e escrita, foram as educadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), com o trabalho sobre a psicogênese da língua escrita, que desvendou o que pensam as crianças quando são alfabetizadas.
Essas autoras demonstraram com o trabalho que, do ponto de vista cognitivo, as crianças evoluem de modo semelhante na apreensão do sistema de representação escrita: todas passam por hipóteses sucessivas sobre o que é a escrita, suas propriedades e sua relação com a fala. Emília Ferreiro descreveu esse processo cognitivo:
Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de diversas situações educativas e de diversas línguas. Aí, podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões:
• distinção entre o modo de representação icônico e o não icônico;
• a construção de formas de diferenciação (controle progressivo das variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo);
• a fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e culmina no período alfabético) (Ferreiro; Teberosky, 1985, p. 19).
Assim, a criança cria hipóteses acerca da escrita de uma palavra que vão se desconstruindo e reconstruindo para outras mais adequadas conforme os estímulos, experiências e intervenções. Segundo as autoras, a criança deve escrever do jeito que sabe para que o professor venha conhecer em qual nível de escrita ela se encontra para então planejar e levar à sala de aula as atividades pertinentes para que ela venha a progredir na sua hipótese.
O letramento, independente da alfabetização, vai em direção à capacidade do uso da leitura e escrita. É a função, a organização das informações, a intenção, a produção de sentido que se cria e se faz a partir da escrita, dadas as circunstâncias.
Soares (1998) faz a diferenciação entre alfabetização e letramento e entre alfabetizado e letrado:
um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que saber ler e escrever, já o indivíduo letrado, indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita (Soares 1998, p. 39-40).
Assim, a conquista alfabética não garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir de forma competente textos em linguagem escrita. Essa aprendizagem exige um trabalho pedagógico sistemático. A criança, ao ingressar na escola, traz conhecimentos em construção adquiridos em suas relações por meio da fala. Esta última é que se constituirá como fator importante para o trabalho de letramento.
Estando a criança inserida num ambiente de vivências, formas e meios de comunicação, o uso de textos de circulação real e social é fonte para o desencadeamento do trabalho da linguagem escrita, pois se aproxima da realidade vivida e caracteriza em suas funções.
Mesmo quando ainda não é alfabetizado, o aluno é capaz de produzir textos. Cagliari (1998) diz que uma criança deve levar a sua habilidade de produzir textos orais para a sala de alfabetização e usar isso como ponte para aprender a produzir textos escritos nos estilos esperados pela escola e pela cultura. Nesse ponto, é o próprio trabalho desenvolvido que fará a diferença.
Dado que a criança ingressa na escola com vivências e experiências permeadas pela linguagem oral e com certas ideias a respeito da escrita, é papel da escola e função do professor sistematizar e oferecer meios para que tais conhecimentos sejam estruturados e ampliados. No caso do letramento, o professor tem papel fundamental, pois é ele o leitor que dará voz aos textos. A importância em conhecer e trabalhar com gêneros textuais está no fato de que eles propiciam a escolha adequada do que produzir textualmente nas situações comunicativas. Koch e Elias (2009) destacam a expressão “capacidade metatextual”: a competência de diferenciar diversos gêneros e identificar as práticas sociais que os solicitam. É essa capacidade que vai orientar a construção de um texto. Nesse contexto, Bakhtin (1992), citado por Koch e Elias (2009), escreve:
todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana [...]. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional (Bakhtin, 1992 apud Koch; Elias, 2009).
Assim, todas as produções orais ou escritas se configuram em formas-padrão relativamente estáveis de estruturação, que são os gêneros.
Entendendo que a capacidade de produzir um texto de forma competente está no oferecimento de variadas situações de leitura, produção e reflexão da linguagem, o texto deve ser posto como objeto de estudo e, assim, seguir uma série de etapas de trabalho.
Ensino remoto
A imprevisibilidade que a pandemia trouxe exigiu mudanças em diferentes áreas de trabalho, como na Educação, que em curto tempo necessitou de equipamentos que possibilitassem acesso às reuniões e aulas on-line, como microfones, câmeras e computadores, além do aprendizado rápido para utilizar essas tecnologias como meio de interação e mediação das aulas. Além das necessidades, também evidenciou sérios problemas de desigualdade, como a ausência dos estudantes nas aulas por falta de rede de internet ou equipamentos, como expressado por Aragón (2020, p.16): “a pandemia nos colocou ‘cara a cara’ com as desigualdades e fragilidades de nosso sistema educacional”. Com o distanciamento social, fez-se necessário que os professores criassem meios para garantir a acessibilidade de todos os estudantes, sendo preciso que também se ajustassem a essa nova realidade, buscando objetivos adequados, selecionando os métodos e os materiais para atingir e avaliar todos os estudantes e fazendo, assim, das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) uma das principais ferramentas de trabalho.
Para Aragón (2020), depois de superar as dificuldades das TDIC sendo usadas sem planejamento e metodologias adequadas, uma análise das experiências deveria ser feita examinando as boas práticas para integrá-las aos currículos, não contrapondo o estudo presencial com aquele a distância, mas sim associá-los para compor novos ecossistemas pedagógicos com a inclusão das TDIC, abrindo mais caminhos para os professores em relação à formação de cada estudante, sendo melhor que a compra das soluções prontas pelas empresas educacionais, que acabam trazendo propostas diferentes da realidade local.
Ao considerar o público em fase de alfabetização, foi necessário pensar em atividades para as crianças com intermédio dos familiares; para isso, as atividades deveriam ser organizadas claramente, acompanhadas de orientações simples e objetivas para as famílias. Na busca por atingir o maior número de crianças, as atividades poderiam ser acessadas de forma digital ou impressa, retirada na escola, o que também exigia a mediação de algum familiar.
Nós, como professores, somos imigrantes digitais aprendendo a interagir com toda essa gama de possibilidades que as TDIC vêm nos proporcionando, diferente de nossos estudantes, que são nativos digitais, pois já nasceram com a presença do wi-fi em suas casas e acesso a diversas tecnologias. Por isso, ao longo desse processo foram sendo incorporados às atividades semanais jogos digitais, vídeos, criação de propostas interativas pelo mural virtual e encontros síncronos com videochamadas. A presença das TDIC na escola vem para mudar toda a concepção de ensino e aprendizagem e, na citação abaixo, Goedert expõe algumas dessas contribuições:
No campo educacional, as TIC, particularmente as digitais, podem contribuir para transformar o trabalho pedagógico do professor, auxiliando e ampliando competências (comunicativas, por exemplo) e metodologias de ensino e aprendizagem. Entretanto, a sua inserção no contexto escolar deve contribuir para estimular, nos alunos, o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e a aprendizagem cooperativa e colaborativa. Para que isso se efetive, a mediação pedagógica do professor é fator essencial (Goedert, 2019, p. 45).
O trabalho remoto mostrou que há possibilidades de mudanças no cotidiano da sala de aula com o professor sendo mais interativo, ou seja, “um formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipe de trabalhos, sistematizador de experiências” (Silva, 2001, p. 9).
Práticas de alfabetização no ensino remoto
O trabalho nas escolas da rede municipal de São José dos Campos em 2020 fora organizado da seguinte forma: férias e recesso escolar aos professores a partir de março, com a Secretaria da Educação organizando um material semanal de acesso às famílias até o mês de maio, quando finalizou o período de isolamento dos professores, retornando à escola a fim de preparar materiais para atender os alunos. Cada equipe escolar se organizou de uma maneira, preparando atividades impressas que também poderiam ser acessadas digitalmente pelas famílias. Com o objetivo de registrar a presença dos alunos, também foram preparadas atividades semanais pelo Formulário Google.
Com essa nova organização, o trabalho seguiu para melhor atender o currículo e principalmente as necessidades dos alunos. Os professores atuaram de maneira colaborativa, cooperando, trocando ideias e realizando parcerias, criando uma grande equipe em prol da aprendizagem dos estudantes do 1°ano de nossa escola. Pensando em uma alfabetização analítica e com base nas culturas infantis, foram preparados vídeos para que as crianças e as famílias pudessem entender como de fato funciona esse processo com a utilização de propostas com quadrinhas, parlendas, adivinhas e listas, explicando cada gênero e como proceder nas atividades tentando ao máximo auxiliar alunos e familiares na execução das tarefas. Aos poucos descobriram-se outros recursos que poderiam ser utilizados nesse período, aprendendo a gravar vídeos e elaborando jogos virtuais, que foi um dos recursos a que as crianças responderam com bastante entusiasmo.
Para os jogos virtuais, foram indicados alguns jogos prontos, como os da Plataforma Luz do Saber, da Seduc do Ceará, e o recurso do site Wordwall, que permite a criação de atividades conforme a necessidade da aula, como anagrama, palavras cruzadas e caça-palavras, entre outros.
Figura 1: Videochamada, com jogos de alfabetização
Outra prática que também foi proveitosa foram as atividades síncronas com videoconferência, as quais foram organizadas em encontros semanais de uma hora no máximo, propondo brincadeiras e jogos de alfabetização e Matemática, de modo que as crianças pudessem manter o vínculo com a turma e a escola – afinal esse era o primeiro ano delas na escola. Aproveitaram-se as interações das crianças para refletir sobre a escrita.
Utilizando o trabalho de Ferreiro e Teberosky (1999) e Ferreiro e Gomes Palacio (2003), podemos ressaltar que o professor, ciente da evolução da escrita, terá condições de entender as hipóteses e as estratégias utilizadas, conforme percepção e entendimento da criança. Como consequência, as intervenções pedagógicas irão se apresentar de forma mais direcionada e concreta, atingindo com maior precisão o nível de desenvolvimento dos alunos.
Apesar da variedade de recursos utilizados nesse período, algo que trouxe angústia durante todo o ano é que vários alunos não participavam; um grande complicador foi que algumas atividades eram notadamente realizadas por alguém que não a criança.
Em razão disso, foram realizadas videochamadas individuais em outubro, atingindo quase todos os alunos; percebeu-se que, apesar de todos os percalços enfrentados, todos os alunos avançaram (mesmo que pouco) em seus conhecimentos sobre o Sistema de Escrita Alfabética (SEA). Alguns alunos ainda se encontravam na hipótese inicial de escrita, e para atendê-los foi organizado um material com jogos, letras móveis e livro de atividades, chamado “Sacola Alfabetizadora”, enviado para casa dos alunos. Em paralelo, foi organizado com a professora de apoio à alfabetização que atendesse esses alunos em chamadas individuais de vídeo realizando os jogos e as atividades, configurando mais uma estratégia.
Figura 2: Sacola Alfabetizadora entregue aos estudantes
Percebendo o interesse das outras famílias por mais atividades, organizaram-se outras Sacolas Alfabetizadoras, conforme a hipótese de escrita da criança. Vários alunos conseguiram se alfabetizar em meio a essa nova realidade, configurando um reflexo conjunto do trabalho escolar, da família e da dedicação das crianças.
Resultados e discussão
O ano de 2020 foi tempo de se reinventar, criar, buscar, pensar, ter ideias, tentar de diversas maneiras garantir a aprendizagem dos alunos, revendo as práticas vigentes em sala de aula, pois muitas não eram mais possíveis. Observou-se a necessidade de fortalecer a parceria com a família, tendo ela que compreender melhor o que é realizado dentro da escola. A única certeza era que não se podia desistir, mesmo se sentindo perdido, mas foi o momento de fortalecer as parcerias, voltar aos estudos e conhecer novas ferramentas, aprendendo muito e sempre tendo em mente o principal objetivo, que foi garantir o desenvolvimento das aprendizagens das crianças em relação à alfabetização e ao letramento.
Verificou-se que muitos fatores que interferem nesse processo não dependem dos professores e sim de políticas públicas para dar condições aos estudantes.
Os resultados alcançados com a alfabetização das crianças foram inferiores ao que já se sabe que é possível alcançar presencialmente, mas os resultados obtidos foram positivos, haja vista que tudo fora inédito.
Considerações finais
O domínio da linguagem da escrita envolve dois processos paralelos: a compreensão das características e do funcionamento tanto da escrita alfabética quanto da linguagem que se usa para escrever (letramento). Sob essa perspectiva, é importante oferecer propostas em que a criança organize os conhecimentos já construídos, conseguindo demonstrar o que já sabe para que lhe seja ofertado aquilo que possa impulsionar seus progressos.
Não sendo tarefa fácil, cabe ao professor mobilizar uma série de informações somadas às práticas vigentes, de modo que componha um planejamento e, logo, propostas de atividades que realmente promovam aprendizagem, sendo totalmente reformulado quando algo inédito ocorre – como a pandemia.
Considerando os saberes de como se dá a construção do conhecimento da criança e o processo de ensino e da aprendizagem da linguagem escrita – alfabetização e letramento – a partir dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), foi necessária uma readaptação para uma nova aprendizagem para esse trabalho remotamente.
Aragón (2020) explicitou de forma clara as dificuldades prováveis nessa forma de trabalho, que não dependiam do professor, mas que ele teve que contornar em busca do seu objetivo. Além do aspecto estrutural, outro fator que o professor teve que desconstruir foram os paradigmas conceituais dos familiares; como Cagliari (1998) explica, o ensino por cartilha é o modelo de trabalho com alfabetização mais conhecida, e observou-se que é também pelos pais, fazendo com que se pensasse também numa formação para quem iria auxiliar as crianças.
Assim, ainda que as ações fossem sendo elaboradas e executadas à medida que as situações e problemas apareciam, a prática e o conhecimento do professor, somados à parceria e às trocas de ideias, contribuíram muito no planejamento e movimento de cada proposta, atingindo bons resultados, mesmo com aqueles alunos pouco presentes e/ou participativos, pois em algum momento o contato, interação, atividade ou vídeo chegou até ele e pôde-se observar um avanço mesmo que tímido.
Outro aspecto que merece atenção é a mediação e intervenção do professor no trabalho de alfabetização e letramento, pois, conforme Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), os avanços nas hipóteses de escrita ocorrem a partir de uma ação sistemática e dialética e de atividades que questionem o que cada criança realizou para que busquem novas resoluções. Tal ação não seria possível ser delegada aos familiares e, mesmo com os vídeos em que se buscou sanar um pouco essa condição, verificou-se o quanto ela é importante nesse processo e o quanto ainda temos que adequar e aprimorar para que o trabalho de ensino-aprendizagem a distância seja tão eficiente quanto o presencial, como descrito por Aragón (2020), em que essas experiências deveriam ser avaliadas e as boas práticas integradas no currículo para compor novos ecossistemas pedagógicos com a inclusão das TDIC.
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Publicado em 26 de abril de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
MARQUES, Cristiane Gabriela Tudeschini; FONSECA, Angela. Os desafios da alfabetização na pandemia: propostas e soluções encontradas por professoras. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 15, 26 de abril de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/15/os-desafios-da-alfabetizacao-na-pandemia-propostas-e-solucoes-encontradas-por-professoras
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