Pedagogias do esporte e práticas pedagógicas docentes

Éderson Andrade

Doutor em Educação (Unesp), mestre em Educação (UFMT), licenciado em Educação Física (UFMT), professor de Educação Física na rede estadual de ensino de Mato Grosso, professor do curso de Educação Física do Univag

O esporte tem alcançado dimensões talvez pouco pensadas. Ele tem atravessado espaços-tempos das vidas cotidianas de todas as pessoas em praticamente todas as sociedades. Ele marca a vida das pessoas, seja em formas de lazer, de brincar, de se divertir, seja em formas de práticas de rendimento com os sonhos de jovens atletas, com as tensões e vibrações de um torcedor. O esporte é o fenômeno contemporâneo marcado por interesse cada vez maior das pessoas (Bento, 2016).

Nesse cenário, o trabalho com as pedagogias do esporte pode potencializar sentidos diferentes quanto a esse fenômeno tão importante na vida das pessoas. As pedagogias do esporte se configuram como estratégias que permitem a formação humana dos sujeitos por meio do esporte (Reverdito, 2009), ou seja, podemos, a partir das pedagogias do esporte, promover o ensino de esportes que valorizem as vivências e os desejos de cada pessoa nesse meio. Por isso recorremos à questão: como a formação continuada no contexto das pedagogias do esporte podem potencializar as práticas pedagógicas no ensino do esporte em uma escola vocacional para o esporte?

Salientamos que este texto é um recorte da pesquisa Pedagogias do Esporte na Arena da Educação, a qual teve como objetivo principal analisar a concepção e a construção das práticas esportivas no contexto da Escola Arena da Educação, escola vocacional para o esporte. Neste trabalho temos como objetivo problematizar a importância da realização de momentos teóricos e práticos no processo formativo docente para o ensino de esporte em uma escola de educação básica vocacional para o esporte.

A Escola Arena da Educação, local da pesquisa, é uma escola de Educação Básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio) que funciona com tempo integral vocacional para o esporte. A escola possui uma matriz curricular com todas as disciplinas obrigatórias da base comum e disciplinas especiais. Dentre estas, a escola possui disciplinas esportivas (luta greco-romana, judô, vôlei de praia, basquete, futsal, natação, ginástica rítmica, atletismo, tênis de mesa e xadrez). Assim, os alunos são destinados a uma dessas dez modalidades esportivas, além de estudar as disciplinas obrigatórias.

Em nossa pesquisa na Escola Arena da Educação, operamos com a pesquisa-ação, que consiste em um “tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo” (Thiollent, 2011, p. 14). Esta pesquisa buscou construir uma relação intrínseca entre pesquisadores e participantes para a problematização do ensino do esporte traçando de forma coletiva e colaborativa possibilidades profícuas para a formação dos alunos dentre de um contexto crítico e reflexivo.

Desse modo, foi formado um grupo de estudos com onze professores que ensinam esportes na Arena da Educação, provocando neles a discussão sobre o ensino do esporte e as relações com as pedagogias do esporte. Propomos assim uma pesquisa-ação na escola vocacional.

Como instrumento para a coleta de dados, foi feita observação e registro durante o encontro teórico-prático com os onze professores de Educação Física que trabalham exclusivamente com o ensino de esporte na Escola Arena da Educação.

A seguir apresentamos nosso referencial teórico sobre as pedagogias do esporte, discussões a partir das observações e anotações em caderno de campo de um dos encontros formativos da pesquisa-ação e finalizamos com algumas considerações.

Pedagogias do esporte no contexto escolar

As pedagogias do esporte vêm tensionando o ensino do esporte para a construção de um sujeito autônomo e crítico, ou seja, elas não visam uma simples repetição de movimentos técnicos do esporte; buscam um trabalho voltado para formação humana durante o ensino do esporte (Reverdito; Scaglia; Paes, 2009).

Nesse sentido, a formação continuada para professores que trabalham com o ensino de esporte em uma escola vocacional, com base na pesquisa-ação, problematizando as pedagogias do esporte como fundamento pedagógico, pode potencializar a formação dos alunos pertencentes à escola.

O esporte, como um dos maiores fenômenos sociais e culturais da nossa contemporaneidade, pode ser transformador na vida das pessoas a partir de processos pedagógicos formativos. Não podemos mais tratar o esporte como simples entretenimento e/ou fonte de exclusão dos menos “aptos” para os padrões esperados no esporte espetacularizado.

É preciso traçar novos/outros caminhos que possibilitem a formação cidadã por meio desse fenômeno mundial. Sendo as pedagogias do esporte possibilidades profícuas para essa transformação do esporte como fonte do pensamento crítico e reflexivo (Reverdito; Scaglia; Paes, 2009), é preciso que os professores de Educação Física, ao ensinar esportes, se dediquem ao trabalho pedagógico, ensinando bem o esporte, o esporte para todos, de forma que todos gostem da prática esportiva.

Por isso, a proposta ora apresentada buscou o fortalecimento e a problematização do processo formativo dos profissionais de Educação Física que trabalham com o ensino do esporte na Escola Arena da Educação. Como ensina Nóvoa (2009), os professores, para serem bons professores, precisam de formação inicial e continuada sólidas, que lhes deem sustentação teórico-prática acerca dos processos pedagógicos daquilo que cada um deve ensinar; dessa forma, ensinar esporte deve assumir a cada dia formas pedagógicas no contexto escolar.

Nesse sentido, acreditamos que os avanços e tendências em pedagogia do esporte podem potencializar a reflexão e a otimização da operacionalização do ensino esportivo em acordo com os sentidos, significados e culturas diferentes.

As aproximações da prática do professor/treinador esportivo com as tendências em pedagogia do esporte permitem estratégias conscientes para a exploração de caminhos educacionais capazes de ofertar, com qualidade, experiências que vão favorecer o desenvolvimento biopsicossocial e esportivo das pessoas imersas em processos educacionais a partir da prática de algumas modalidades esportivas (Scaglia; Reverdito; Galatti, 2014).

Formação no contexto da prática: aplicando pedagogias do esporte

Dentro do processo formativo desencadeado pela pesquisa-ação, um dos momentos importantes foi a discussão coletiva em torno da aplicação de pedagogias do esporte no contexto da prática. A pesquisa-ação desenvolvida na Escola Arena da Educação gerou uma série de discussões interessantes quanto ao processo formativo dos professores que ensinam esporte na escola, pois podemos perceber, por meio das observações, que os professores de Educação Física que ensinam esportes puderam compreender que na Educação Básica é preciso ensinar esportes para além da repetição de gestos técnicos de forma exacerbada.

A decisão de um encontro teórico-prático foi proposto pelo grupo de participantes da pesquisa. Assim, os professores pesquisadores, juntamente com os alunos de iniciação científica, planejaram o encontro com duas atividades práticas de ensino do esporte por meio de pedagogias do esporte.

O encontro formativo, parte da pesquisa-ação geral, foi realizado no ginásio Aécim Tocantins (equipamento esportivo para as práticas esportivas dos alunos da Escola Arena da Educação). O espaço apresenta condições favoráveis para a prática esportiva, com piso, teto e sonorização/acústica adequada para a realização das atividades propostas para o ensino de esporte por meio de pedagogias do esporte.

Participaram da formação teórico-prática em pedagogia do esporte os professores que ensinam esportes na Escola Arena da Educação, os professores pesquisadores e os alunos de iniciação científica. Ressalta-se que esse encontro foi visto pelos participantes da pesquisa como uma oportunidade de reflexão teórico-prática sobre as pedagogias do esporte no ensino de esporte.

Para a realização do encontro, a equipe de pesquisadores reuniu-se a fim de planejar as atividades práticas. Foram escolhidas duas atividades para o ensino do esporte handebol. Primeiro foi realizado um jogo de rouba bandeira e, em seguida, uma queimada. Como salienta Freire (2003), planejar pedagogicamente o ensino de esportes exige compreensão dos aspectos formativos e técnicos, ou seja, ensinar esporte com pedagogias esportivas significa ensinar as crianças e jovens a gostar de esporte e a se sentir bem com o esporte e ensinar os movimentos técnicos e táticos do esporte.

O ensino do esporte com pedagogias do esporte potencializa a formação humana (Reverdito; Scaglia; Paes, 2009), ou seja, enceta o entendimento do esporte como transformador da vida das pessoas. Nesse sentido, vivenciar, compreender e problematizar as atividades teórico-práticas permitiu que os professores da Escola Arena da Educação repensassem as suas práticas para o ensino de esportes.

A atividade prática desse momento formativo da pesquisa ação foi o jogo de rouba bandeira, que consiste na disputa de duas equipes que buscam acessar o campo do adversário para conquistar a bandeira; a cada vez que uma equipe consegue “roubar” a bandeira marca um ponto. A segunda prática foi um jogo de queimada, que consiste na disputa de duas equipes que buscam eliminar os adversários lançando uma bola; caso a bola lançada toque no adversário, ele deverá fazer parte da equipe lançadora.

Após a realização das duas atividades práticas, todos os participantes foram analisar, refletir e discutir o ensino do handebol utilizando as duas estratégias pedagógicas de ensino do esporte. Na primeira, os professores apontaram que a atividade permitiu o ensino de elaboração de táticas para invasão da equipe adversária; na segunda atividade os professores salientaram o ensino do arremesso.

Nos discursos dos professores percebemos um deslocamento fundamental para a transformação de práticas pedagógicas no ensino do esporte, pois, de forma unívoca, todos os professores disseram que é possível ensinar o esporte por meio de jogos, que é possível deixar de usar os jogos apenas como forma de distração e aquecimento para a prática repetitiva de movimentos esportivos, pois todos puderam analisar que muitos jogos podem ensinar tanto aspectos táticos quanto aspectos técnicos no ensino do esporte.

A formação continuada vivenciada por meio da pesquisa-ação trouxe ferramentas potentes para o enfrentamento da dificuldade vivenciada por muito tempo quanto às tentativas de pensar no esporte de outra maneira que não fosse embasada nos aspectos técnicos (Betti, 1995).

Com esse recorte da pesquisa buscamos evidenciar o impacto positivo que a formação provoca na transformação de práticas pedagógicas inovadoras e humanizadoras. Além disso, destacamos que a reflexão teórico-prática por meio das atividades vivenciadas foi fundamental para que os professores de ensino de esporte da Escola Arena da Educação pudessem problematizar as suas práticas, buscando por meio das pedagogias do esporte ensinar esporte de forma humanizadora.

Considerações finais

O recorte da pesquisa aqui apresentado com a formação no contexto teórico-prático mostrou como um fenômeno que atravessa a vida das pessoas, o esporte, tem tanta dificuldade para se firmar com ações que o atinjam de forma qualitativa, ou seja, um avanço na busca do ensino pedagogizado esportivo.

A Escola Arena da Educação foi um grande ganho para o esporte em Mato Grosso. Ter uma escola vocacional para o esporte potencializa sua promoção para a vida, o esporte como processo educativo, a formação para uma vida em coletividade, com respeito e colaboração, além de permitir uma boa iniciação ao esporte de rendimento para crianças e jovens.

Ao final do encontro, da análise, reflexão e discussão das atividades práticas, os professores que ensinam esportes na Escola Arena da Educação puderam evidenciar que a formação continuada no contexto teórico-prático no ensino do esporte potencializa o afastamento dos modelos tecnicistas repetitivos.

Destarte, o processo formativo desencadeou na Escola Arena da Educação um movimento de transformação no ensino do esporte. Isso aponta que a formação continuada faz total diferença no avanço de necessárias mudanças para o ensino do esporte de forma crítica e reflexiva.

A pesquisa-ação desenvolvida na Escola Arena da Educação foi de suma importância para o início de uma transformação rumo ao ensino do esporte de forma crítica e reflexiva; contudo, foi apenas o pontapé inicial para essa mudança, sendo necessário um contínuo processo formativo com os professores que ensinam esportes.

Referências

BALBINO, H. F. Pedagogia do treinamento: método, procedimentos pedagógicos e as múltiplas competências do técnico nos jogos desportivos coletivos. 2005. 262f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.

BENTO, J. O. Corpo e desporto: reflexões em torno dessa relação. In: MOREIRA, W. W. Século XXI: a era do corpo ativo. Campinas: Papirus, 2006.

______. Pedagogia do desporte: definições, conceitos e orientações. In: TANI, G.; BENTO, J. O.; PETERSEN, R. D. S. (Orgs.). Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 3-97.

BETTI, I. C. R. Educação física escolar: a percepção discente. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 16, nº 2, p.158-167, 1995.

COLAVOLPE, Carlos Roberto. O esporte como conteúdo na formação de professores: realidade e possibilidades. 2005. 212f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.

FERREIRA, Henrique Barcelos; GALATTI, Larissa Rafaela; PAES, Roberto Rodrigues. Pedagogia do esporte: considerações pedagógicas e metodológicas no processo de ensino e aprendizagem do basquetebol. In: PAES, Roberto Rodrigues; BALBINO, Hermes Ferreira. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

FREIRE, J. B. Pedagogia do futebol. Campinas: Autores Associados, 2003.

GALATTI, L. R.; PAES, R. R. Fundamentos da pedagogia do esporte no cenário escolar. Movimento & Percepção, Espírito Santo do Pinhal, v. 6, nº 9, jul./dez. 2006.

GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. (Orgs.). O ensino dos jogos desportivos. 2ª ed. Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e da Educação Física, 1995.

GRECO, P. J. Iniciação esportiva universal: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

KRÖGER, C.; ROTH, K. Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos esportivos. São Paulo: Phorte, 2002.

MATOS, Z. Contributos para a compreensão da pedagogia do desporto. In: TANI, G.; BENTO, J. O.; PETERSEN, R. D. (Orgs.). Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 154-184.

NOVOA, A. Professores: imagens de um futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

PAES, R. R. Pedagogia do esporte: contextos, evolução e perspectivas. Revista Brasileira de Educação Física, São Paulo, v. 20, nº 5, 2006.

PARLEBÁS, P. Perspectivas para uma Educação Física moderna. S. L. P. Umisport and Alucia, 1987.

REVERDITO, R. S. Pedagogia do esporte: jogos coletivos de invasão. São Paulo: Phorte, 2009.

______; SCAGLIA, A. J.; PAES, R. R. Pedagogia do esporte: panorama e análise conceitual das principais abordagens. Motriz, Rio Claro, v. 15, nº 3, 2009.

SCAGLIA, A. J. O futebol que se aprende e o futebol que se ensina. 1999. 242f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2011.

Publicado em 24 de maio de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

ANDRADE, Éderson. Pedagogias do esporte e práticas pedagógicas docentes. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 19, 24 de maio de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/19/pedagogias-do-esporte-e-praticas-pedagogicas-docentes

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.