O protagonismo do aluno em projetos interdisciplinares: o Eixo Integrador da Rede SESI/SP de Educação Básica

Anderson Zanetti

Doutor em Educação, docente dos Departamentos de Ciências Humanas e Linguagens (Faculdade SESI/SP de Educação)

Ana Paula dos Santos Silva

Licenciada em Ciências Humanas (Faculdade SESI/SP de Educação)

Camila Ariadine do Nascimento Neves

Licenciada em Ciências Humanas (Faculdade SESI/SP de Educação)

Juliana Esteves de Oliveira

Licenciada em Ciências Humanas (Faculdade SESI/SP de Educação)

Apesar do predomínio de posições positivas naquilo que ajuda a entender o protagonismo do aluno nos projetos do Eixo Integrado, uma parte dos entrevistados não se vê como protagonista durante a escolha do tema, pois o material disponível é limitado a apenas dois temas. Um aluno do 1º ano do Ensino Médio de Campo Limpo Paulista acerca da ideia de protagonismo do aluno respondeu: “Em parte há protagonismo do aluno, pois fomos nós que escolhemos os temas. Por outro lado, essa escolha foi reduzida porque só tínhamos duas opções”. Nessa passagem, percebemos que talvez um papel protagonista mais efetivo por parte dos alunos poderia ocorrer se houvesse um momento anterior à execução do projeto no qual os próprios alunos levantassem temas de interesse para depois escolher um.

Referindo-se ao papel do professor, notamos que a visão do aluno quanto à interação aluno-professor, em sua maioria, é de que é uma relação de mediação. Na perspectiva discente, o professor é aquele que auxilia somente quando necessário. É o que podemos notar na resposta de um aluno do 6º ano do Ensino Fundamental de Campo Limpo Paulista: “O papel da professora foi ser orientadora para que pudéssemos desenvolver melhor as nossas ideias para o trabalho”. Outra resposta que vai ao encontro dessa é a de um aluno também do 6º ano do Ensino Fundamental da Unidade da Vila Leopoldina: “O professor orientou a gente quando tivemos dificuldades e deu sua opinião quando precisávamos”.

Como dá para notar, nos projetos do Eixo Integrador existe o esforço de trazer o trabalho para o mais próximo possível da realidade do aluno, e isso fica evidente quando os discentes indicam que escolheram o tema que mais se conecta ao contexto de suas vidas, seja aquele que está dentro ou aquele que está fora da escola. Depois, em outro momento, o professor realiza a mediação, viabilizando uma melhor organização dos dados e o desenvolvimento do projeto.

No que concerne aos fatores de aprendizagem e desenvolvimento de senso crítico, alguns pontos que se destacaram foram: trabalho em equipe, diferença entre grafite e pichação, tomada de consciência do desenvolvimento de certas competências e habilidades (processo metacognitivo), protagonismo do aluno na produção e execução do projeto e postura emancipadora frente aos desafios. Em outras devolutivas dadas pelos alunos observamos algo nesse sentido. Estes são trechos de respostas de dois discentes de diferentes unidades em que as pesquisadoras-residentes atuaram: “Aprendi que juntos temos nossas capacidades ampliadas, que podemos fazer acontecer, acho importante para fazermos uma coisa de que nos dá orgulho”; “Bom, aprendi a trabalhar em grupo e a me organizar melhor. Também acho muito importante para o aprendizado desenvolver um projeto como o do Eixo”.

Analisando essas respostas, recordamos a ideia de Paulo Freire, de que o aluno é o sujeito do aprendizado. É o educando que faz a ressignificação dos conceitos estudados, gerando assim sua própria aprendizagem. Em poucas situações observadas percebeu-se que o aluno transformou o conhecimento em objeto de reprodução, ou seja, que ele não se apropriou do aprendizado. Isso pode ocorrer por inúmeros fatores, como:

  1. poucas opções temáticas, então o aluno pode não se identificar;
  2. os temas não são gerados pelos alunos, o que pode afastar seu interesse;
  3. o professor pode não ter afinidade com o tema escolhido; assim, a mediação pode ficar enfraquecida;
  4. uma parte da turma se identifica com os temas postos para a escolha e outra parte não; quando isso ocorre há pouco estimulo ao trabalho em equipe.

Outros aspectos de recepção negativa por parte dos alunos em relação ao Eixo, principalmente os do Ensino Médio, estão relacionados a alegações sobre “perdas” de conteúdos de matérias consideradas “tradicionais”, sobretudo de Língua Portuguesa e Matemática. Em conversas com as residentes-pesquisadoras, os alunos em alguns momentos reclamaram que as temáticas propostas não eram conteúdo de provas de vestibulares, o que demonstra um viés utilitarista já assimilado e reproduzido pelos discentes. Pensamos que esses momentos, quando surgem, são oportunos não para mostrar possíveis fragilidades de propostas interdisciplinares, como a do Eixo, mas para ampliar a discussão acerca da educação e de seu caráter mais universal, no que tange à formação humana como um todo. Sobre isso, inclusive, Paulo Freire alerta para o caráter bancário de uma educação utilitarista, na qual o professor apenas deposita e transfere o conhecimento para o aluno, deixando de lado a força transformadora da educação. Na “educação bancária”,

o educador aparece como seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação (Freire, 2018, p. 79-80).

De toda maneira, mesmo diante de todos esses obstáculos, é possível considerar que o “saldo” da grande maioria dos trabalhos do Eixo foi positivo, pelo menos dentro do espectro acompanhando pelas residentes-pesquisadoras porque, quando os problemas não foram superados, foram evidenciados. E isso acabou sendo decisivo para a tomada de consciência por parte dos alunos. Em outras palavras: quando não houve apropriação total do papel de protagonista por parte dos alunos, ocorreu no mínimo a reflexão crítica acerca dessa condição de representatividade social do corpo estudantil, o que para nós é um processo importante para a formação discente na Educação Básica.

O trabalho discute o papel de protagonismo do aluno em projetos da proposta curricular denominada Eixo Integrador, da Rede SESI/SP de Educação Básica (Fasesp). O intuito é investigar se nas unidades escolares pesquisadas o principal objetivo da iniciativa foi atingido: estimular o desenvolvimento da autonomia do aluno a partir do papel protagonista na atuação dos projetos. A problemática em questão despertou o interesse das residentes-pesquisadoras por se tratar de um assunto cada vez mais presente na formação de docentes que pretendem trabalhar por área de conhecimento e na perspectiva interdisciplinar, demandas presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Como esse é o caso da proposta da Faculdade SESI/SP de Educação, o docente-orientador sugeriu a escrita coletiva de um artigo que delineasse resultados preliminares do que foi extraído das experiências na participação de projetos do Eixo Integrador no ano de 2018.

Os procedimentos metodológicos da pesquisa caracterizam-se por aquilo que Marli André (1995) define como estudo do tipo etnográfico em educação por três fatores: foi realizada a observação participante, foram feitas entrevistas com discentes, e o documento que norteia os projetos do Eixo Integrador foi analisado exaustivamente. Segundo Marli André, essas técnicas oriundas dos estudos em Antropologia Cultural adaptadas às análises de práticas educacionais podem ser sintetizadas da seguinte maneira:

A observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras fontes (André, 1995, p. 24).

O que possibilitou a realização imediata do trabalho de campo foi um componente fundamental e diferenciado na formação das licenciaturas da Fasesp: o programa de Residência Educacional. Desde o primeiro semestre do primeiro ano, os graduandos da Faculdade SESI/SP de Educação vão para alguma unidade escolar de Educação Básica da Rede SESI/SP e passam a acompanhar os professores e a participar das atividades educacionais em cargas de oito horas semanais. Além disso, os alunos da faculdade têm mais duas horas por semana para fazer a orientação de residência, cumprindo um total de dez horas semanais no programa de Residência Educacional, o que dura até o quarto e último ano de cada curso. As orientações de residência são realizadas com grupos que geralmente têm entre sete e dez alunos. Entre outras coisas, nos encontros o orientador discute as experiências vívidas pelos residentes nas unidades das escolas da rede, traz textos teóricos que podem dar luz aos impasses gerados pelas experiências, discute diferentes relatos com base em várias perspectivas pedagógicas e muitas vezes encaminha ideias mais amadurecidas para a realização de pesquisas que podem virar iniciação científica e no futuro até um trabalho de conclusão de curso. A experiência para a formação dos graduandos da Fasesp é ampla, pois, além de passarem pelo Ensino Fundamental e Médio da Rede SESI/SP de Ensino, em um momento do terceiro ano do curso esses alunos fazem a residência fora do SESI, podendo ir para uma escola da rede pública, um museu e até um centro cultural, dependendo dos convênios firmados pela Fasesp no ano.

Até o momento o que se tem notado nesse percurso é que o programa de Residência Educacional da Fasesp coloca o graduando em uma posição proativa, e isso inevitavelmente estimula o protagonismo no seu próprio processo de formação docente. Por estar no “chão da sala de aula” de forma precoce, o residente é impelido a pensar em soluções para problemas vividos no cotidiano e quando entra em contato com a grade curricular teórica das unidades curriculares já tem conhecimento pedagógico gestado pela experiência que faz com que “tentações idealistas” (que tratam teorias como fórmulas) caiam por terra. Dessa forma, a Residência Educacional caracteriza-se como práxis formativaporque atua de maneira radical na formação docente do residente. No programa, prática e teoria são indissociáveis na constituição do conhecimento do residente: a prática alimenta a compreensão e a consolidação da formação teórica, ao passo que as teorias estudadas passam a fazer mais sentido estando em diálogo com o que foi vivido desde o início da formação docente.

Por perceberem essas características da Residência Educacional, o conceito de protagonismo do aluno logo despertou o interesse das pesquisadoras-residentes autoras do trabalho. Isso aconteceu porque as autoras notaram o protagonismo em suas próprias escolhas acadêmicas e porque o notaram como elemento fundamental na formação dos alunos da Educação Básica.

A rigor, o conceito de protagonista surge no teatro grego antigo para designar o primeiro ator da peça, aquele que se destaca do coro para trazer um ponto de vista mais individualizado em relação à visão coletiva de uma comunidade (Pavis, 1999).  Para Max Horkheimer (2015), essa característica da cultura grega seria o germe do que na modernidade constituiu a noção de individuo, o sujeito histórico e individualizado dotado de todo um mundo interior: a subjetividade. Concomitante a isso, o teatro moderno ocidental colocou a personagem protagonista no centro do drama burguês, criando incompatibilidade entre a subjetividade e o mundo externo capitalista. Na tensão entre os dois polos, vê-se nos desdobramentos históricos da sociedade burguesa o processo de esvaziamento da subjetividade do sujeito moderno, fruto da padronização no mundo do trabalho e nas relações sociais. Assim, o protagonista dramático aparece sem força para mover ações no mundo ou aparece como figura empobrecida no meio de uma massa homogênea da sociedade.

Diferentemente dessa concepção de “individualismo não realizado” posta pelo teatro moderno às personagens protagonistas dos dramas, no âmbito das teorias pedagógicas, principalmente na segunda metade do século XX, começam a surgir concepções que defendem o papel de protagonista por parte do aluno alçando essa ideia a uma categoria social não subjetivista. No Brasil, entre outros, Paulo Freire (2000) contribuiu para esse pensamento especialmente ao pensar a autonomia do aluno em contraposição aos movimentos de mercantilização escolar – o que denominava “educação bancária”. No livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (2000), há uma passagem que corrobora a ideia de que estimular a autonomia é também colocar o aluno na posição de protagonista das ações educativas. Freire escreve:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar (Freire, 2000, p. 46).

Nesse trecho, Freire ajuda a pensar o conceito de protagonismo do aluno como categoria social: o aluno é ao mesmo tempo sujeito individualizado e agente coletivo. A perspectiva pedagógica que coloca o aluno na condição de protagonista das ações educativas leva em consideração aquilo que o educando é também fora da escola, como ser social e histórico. Assim, quando se pensa em conhecimentos adquiridos, não dá para deixar de enxergar o aluno como um ser que está integrado a espaços formativos dentro e fora da escola. Portanto, nessa direção entende-se protagonismo do aluno como ações individuais que compõem um conjunto de propostas que se identificam dentro daquilo que pode ser compreendido como movimento estudantil ou ações coletivas dos estudantes, cujas representações sociais, afetivas, individuais e grupais são estabelecidas por esses mesmos sujeitos.

Com base nessa condição autônoma, além de criar e estabelecer representações de si em relação a outros grupos sociais, o aluno assume também a condição de “dono do seu próprio conhecimento”; ele passa a entender como se dá o “conhecimento sobre o seu conhecimento” e assim tem condições de compreender o alcance daquilo que produz como pensamento.

Sobre isso, o conceito de metacognição também pode nos ajudar. A ideia de metacognição, nessa linha de raciocínio, torna-se expandida e dialoga com a autonomia pensada por Paulo Freire, posto que, ao assumir conscientemente suas escolhas profissionais e de vida, o educando assume também os seus recursos cognitivos e o modo como usá-los na aquisição de saberes para o entendimento do mundo e de si. A professora Célia Ribeiro, da Universidade Católica Portuguesa, traz uma definição de metacognição que pode auxiliar:

A metacognição diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos cognitivos [...]; as metacognições podem ser consideradas cognições de segunda ordem: pensamentos sobre pensamentos, conhecimentos sobre conhecimentos, reflexões sobre ações (Ribeiro, 2003, p. 110).

A partir desse trecho, percebemos que o protagonismo do aluno ocorre no plano prático e no intelectivo: o aluno modifica o mundo na medida em que compreende sua capacidade cognitiva e suas potencialidades para produção de saberes. Ao notar a presença desses fatores em projetos escolares, as autoras buscaram entender melhor o papel do Eixo Integrador em algumas unidades escolares do SESI/SP onde fizeram a Residência Educacional. As residentes-pesquisadoras selecionaram as seguintes turmas e unidades para a aplicação de questionário: 6º ano do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio da Escola SESI/SP do município de Campo Limpo Paulista e 6º ano do Ensino Fundamental da Escola SESI/SP de Vila Leopoldina, bairro do município de São Paulo. Os critérios de escolha dessas turmas foram, sobretudo:

  1. as pesquisadoras-residentes acompanharam as duas turmas referidas durante um ano letivo;
  2. o início do Ensino Fundamental II e o início do Ensino Médio servem como demarcadores visíveis de novos ciclos para os adolescentes, demonstrando preferências estéticas, tendências políticas e mudanças de comportamento.

O Eixo Integrador

O Eixo Integrador é uma proposta realizada na Rede SESI/SP que visa explorar a interdisciplinaridade na produção de conhecimento por parte de alunos.  De acordo com o livro Eixos Integradores da Rede SESI/SP na área de Ciências Humanas,

o Eixo Integrador é uma estratégia de interdisciplinaridade de uma ou mais áreas de conhecimento em que os estudantes têm a oportunidade de conhecer, integrar e aplicar conteúdos e experiências numa perspectiva de diálogo e interação para a solução de desafios (SESI/SP, 2017, p. 14).

As ferramentas utilizadas durante o processo de desenvolvimento dos temas que compõem o Eixo são dialogicidade e contextualização. No projeto, a dialogicidade é definida como ação indagadora e argumentativa, enquanto a ideia de contextualização se aplica ao contexto social no qual se produziu o conhecimento. Dentro desse processo, o papel do professor é mediar as ações dos alunos buscando uma aprendizagem ativa, que valorize e reconheça o protagonismo do aluno. Em perspectiva metacognitiva, pode-se considerar que o projeto Eixo Integrador estimula o aluno a aprender a aprender, algo que orienta o caráter de autonomia buscado nas práticas docentes. Notamos que o entendimento sobre interdisciplinaridade presente na proposta ultrapassa a ideia de junção de disciplinas. Na verdade, ao analisar o livro Eixo Integrador (2017), verificamos que a importância e a história de cada disciplina e conteúdo são respeitadas pela proposta, que amplia o entendimento de articulação das áreas de conhecimento em consonância com saberes não disciplinares, visando aquilo que Ivani Fazenda destaca como interdisciplinaridade escolar. Para Fazenda (2011, p. 80), a interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação; ela deve ser relacionada aos sujeitos, suas interações sociais e sua vida.

Tratando mais especificamente do primeiro projeto analisado, as residentes-pesquisadoras observaram algumas dessas características na execução dos trabalhos dos alunos. O projeto foi realizado pelo 1º ano do Ensino Médio da Escola SESI/SP de Campo Limpo Paulista e consistiu em criar e dar manutenção a uma horta escolar. O objetivo proposto pelo conteúdo programático foi abordar o tema consumo consciente e sustentabilidade. O título do tema foi Consumo, Logo Existo. O projeto foi desenvolvido durante as aulas do Eixo Integrador de Ciências Humanas com auxílio da professora de História. Os alimentos colhidos foram utilizados pelos alunos na realização de receitas, cujos pratos foram consumidos por toda a comunidade escolar. O “passo a passo” das receitas foi filmado e exibido na apresentação final dos trabalhos do Eixo Integrador.

O segundo projeto analisado foi realizado pelo 6º ano do Ensino Fundamental também da Escola SESI/SP de Campo Limpo Paulista. O tema trabalhado foi: #tamojunto, com a proposta de estimular os alunos a comparar a tecnologia de tempos passados com os novos meios tecnológicos usados recentemente por eles. O objetivo consistiu em demonstrar como os alunos usam a tecnologia em suas vidas e como outras gerações usavam as tecnologias disponíveis em outros contextos históricos. Para isso, os alunos desenvolveram pesquisas acerca da evolução da tecnologia, fazendo um levantamento de vários meios, como televisão, rádio e computadores usados por seus pais quando tinham idade compatível com os alunos do 6º ano do Fundamental, ou seja, entre 10 e 12 anos. Parte do projeto envolveu a gravação de um vídeo, em que os alunos também levantaram pesquisas e relatos de seus avós. Na parte final, os discentes elaboraram uma radionovela que foi apresentada para os pais e a comunidade escolar.

O terceiro projeto foi desenvolvido com a turma de 6º ano do Ensino Fundamental da Escola SESI/SP da Vila Leopoldina, tendo como tema A Cidade É Nossa. Nesse projeto, os alunos, em conjunto com o professor de Sociologia, definiram como foco de pesquisa o subtema Pichação e Grafite. Entre outras coisas, a intenção foi identificar a diferença entre a pichação e o grafite na cultura urbana. Com base nas pesquisas realizadas no primeiro semestre, foi proposta pelo professor a integração do tema do Eixo com um festival da Rede SESI/SP em que os alunos pudessem escolher e produzir um curta-metragem, uma animação, um game ou stop motion. Os grupos ficaram livres para participar ou não do evento; os que participaram tiveram autonomia para escolher o formato do seu “produto final” para a apresentação no festival.

A metacognição dentro do Eixo Integrador

Como considera Ribeiro (2003), a metacognição constitui o conhecimento acerca do próprio conhecimento; isso implica entender os processos cognitivos que operam na construção do saber. Em outras palavras, a metacognição pode ser considerada como a reflexão do conhecimento pelo próprio conhecimento.

Pensando acerca desse conceito no âmbito educacional, especificamente nos projetos analisados neste artigo, é possível notar que, mesmo não tendo o conhecimento do conceito de metacognição, quando é apresentada a problemática do Eixo Integrador o aluno pensa nos conhecimentos prévios adquiridos por ele para encontrar instrumentos de resolução dos problemas que irão aparecer durante o percurso. Na verdade, isso acaba auxiliando na resolução da própria problemática estabelecida pelo projeto do Eixo.

Um dos fatores que proporcionam a prática da metacognição dentro do Eixo, são as etapas de divisão do trabalho, em que os alunos escolhem o tema a ser trabalhado durante o ano. Essa escolha (primeira etapa) pode ser feita com base nas vivências dos próprios alunos. A segunda etapa consiste na pesquisa sobre o tema escolhido, em que os alunos trabalham suas experiências dentro do estudo, ampliando assim o repertório e iniciando a terceira etapa, em que escolhem o projeto de intervenção (projeto final) a ser elaborado. Finalizando, na quarta etapa, que seria a parte prática, os projetos finais são desenvolvidos com base na relação dos alunos com o meio escolar e com a comunidade.

A partir do desenvolvimento e da execução dos trabalhos dentro do Eixo, as autoras e o autor desse artigo perceberam que o papel do professor foi proporcionar momentos que instigaram o senso crítico do aluno acerca dos seus próprios conhecimentos, tanto os prévios quanto os adquiridos na execução dos trabalhos. Por outro lado, não queremos afirmar que o papel do professor se resumiu a ser mediador, uma vez que a condição metacognitiva também atua sobre os conhecimentos do próprio docente. O processo metacognitivo é amplo e age como integrador entre os conhecimentos dos discentes e dos docentes. Esta é uma ideia que sintetiza bem as potencialidades da perspectiva metacognitiva:

Conhecimentos metacognitivos dizem respeito ao produto cognitivo, ou seja, ao conhecimento de que determinados conceitos, práticas e habilidades já são dominados, enquanto outros ainda não o foram, reconhecendo o que se é (ou não) capaz de alcançar; à compreensão dos processos cognitivos, ou seja, da maneira pela qual o pensamento e as funções superiores – atenção, memória, raciocínio, compreensão – atuam na resolução de um problema (Davis; Nunes; Nunes, 2005, p. 212).

Na perspectiva da metacognição, o professor é a base do diálogo entre o aluno e o conhecimento, além de ser uma referência acerca do saber que perpassa todo o coletivo. No fundo, desempenhando esse papel, de mediador e de referência da produção do conhecimento, o professor acaba promovendo o desenvolvimento da autonomia dos alunos. A importância disso, pensando em Paulo Freire (2018), é que, com o estabelecimento do amplo diálogo no encontro entre o professor e o aluno, há de fato a geração de conhecimento emancipador e não um depositar de ideias prontas que em nada estimulam o senso crítico.

Para ampliar as perspectivas e procedimentos metodológicos desse trabalho, fizemos questionário e entrevistas com os alunos das escolas envolvidas. O principal objetivo foi entender o posicionamento dos discentes em relação ao protagonismo presente ou não nos projetos desenvolvidos.

6os anos do Ensino Fundamental

1º ano do Ensino Médio

Considerações finais

Levando em consideração os aspectos pesquisados neste artigo, em sua maioria os alunos entrevistados se consideraram protagonistas dentro dos projetos. Para eles, esse protagonismo se mostrou principalmente por meio da escolha do tema e da autonomia que tiveram durante a aprendizagem. Somado a isso, por meio das observações realizadas pelas residentes-pesquisadoras, percebeu-se que os alunos passaram por um processo de metacognição no qual puderam pensar acerca dos saberes que já possuíam e dos que estavam desenvolvendo na feitura dos projetos do Eixo Integrado.

Por outro lado, como destacamos anteriormente, notamos que, apesar da liberdade na escolha dos temas, a oferta de apenas dois temas realmente influenciou o surgimento de algumas limitações e fragilidades. Quando isso foi motivo de reclamação por parte dos alunos, eles tiveram dificuldades para se enxergar como protagonistas do processo de projetos do Eixo. Tal aspecto, trazendo mais uma vez a perspectiva freiriana, dificultou também a ressignificação dos conhecimentos prévios, o que poderia transformá-los em saberes críticos acerca da própria realidade dos alunos.

Por fim, no que se refere ao papel do professor na perspectiva de trabalho de aprendizagem por meio de projetos interdisciplinares, como no caso do Eixo, identificou-se que a mediação sobressaiu, sem excluir, evidentemente, a partilha de conhecimentos prévios do docente. Essas afirmações refletem, sobretudo, as vivências durante o programa de Residência Educacional da Fasesp, momento em que foi possível observar que o professor, fundamentalmente por meio do diálogo, conseguiu estimular o senso crítico do aluno de maneira que ele se colocasse como protagonista das atividades e do próprio aprendizado.

Referências

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DAVIS, Cláudia; NUNES, Marina M. R.; NUNES, Cesar A. A. Metacognição e sucesso escolar: articulando teoria e prática. Trabalho encomendado pelo GT de Psicologia da Educação e apresentado na 27ª Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd –, em Caxambu, de 21 a 24 de novembro de 2004. Cadernos de Pesquisa, v. 35, nº 125, p. 205-230, maio/ago. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/7wMdHKjvbtng6wMcBcqMbdC/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 20 out. 2020.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 18ª ed. Campinas: Papirus, 2011.

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HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. São Paulo: Editora da Unesp, 2015.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

RIBEIRO, Célia. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. Psicol. Reflex. Crit. [online], v.16, nº 1, p.109-116, 2003. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722003000100011. Acesso em: 20 out. 2020.

SESI-SP. Eixos integradores Ciências Humanas: Ensino Fundamental e Médio. São Paulo: SESI-SP Educação, 2017.

SILVA, Ana Paula; NEVES, Camila; OLIVEIRA, Juliana. Entrevista e questionário [apêndice]. Uma nova cultura educacional – o professor como mediador e o aluno como protagonista de seu conhecimento. 2018. 163f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Ciências Humanas), Faculdade SESI/SP de Educação, São Paulo, 2020. Disponível em: https://acervo.sesisp.org.br/pergamum/biblioteca/index.php. Acesso em: 21 maio 2021.

Publicado em 18 de janeiro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

ZANETTI, Anderson; SILVA, Ana Paula dos Santos; NEVES, Camila Ariadine do Nascimento; OLIVEIRA, Juliana Esteves de. O protagonismo do aluno em projetos interdisciplinares: o Eixo Integrador da Rede SESI/SP de Educação Básica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 2, 18 de janeiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/1/o-protagonismo-do-aluno-em-projetos-interdisciplinares-o-eixo-integrador-da-rede-sesisp-de-educacao-basica

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