Língua materna X Variação linguística: valorizando a língua falada

Taianne Couto Silva

Graduanda em Letras/Português (UniRedentor)

Nathalia Oliveira Tardin

Graduanda em Letras/Português (UniRedentor)

Paulo Renato Ferreira Santos

Graduando em Letras/Português (UniRedentor)

Kezia dos Santos Gomes

Graduanda em Letras/Português (UniRedentor)

Mariana Moura dos Santos Almeida

Graduanda em Letras/Português (UniRedentor)

Gustavo Gomes Siqueira da Rocha

Mestre em Letras (UFJF), professor na rede pública estadual de Minas Gerais (SEE-MG) e tutor na UniRedentor

A gramática tradicional (GT) tem o papel de regular a forma “correta” de comunicação entre os  falantes de uma mesma língua, porém a língua e a linguagem são ciências vivas e fluidas, sendo moldadas conforme a sociedade avança. Com isso, ao tentar reformular ou censurar qualquer ato modificador cultural, esbarra-se na perda identitária de determinado grupo social.

Cada época e cada grupo social têm sua forma de discurso, sendo como um espelho, refletindo o cotidiano. As palavras são a imagem desse espaço, no qual são esclarecidos e enfrentados os valores básicos de determinada sociedade, levando à ideia errada de que os usuários da língua precisam de uma gramática padronizada para se comunicar.

Para isso, este trabalho aborda a desvalorização da língua falada em detrimento da língua padrão, ensiada pela gramática tradicional, explicitando as razões pelas quais essa desvalorização linguística acontece, abordando alguns aspectos teóricos para entender por que esse preconceito ainda está tão presente na sociedade brasileira.

Em termos estruturais, o texto está assim organizado: na primeira seção, Conceituando a variação linguística, o objetivo é buscar o conceito que defina o processo de variação linguística. Na segunda seção, A inluência da desigualdade social sobre o preconceito linguístico, buscam-se fundamentos para a relação entre a desigualdade social e o preconceito linguístico. Por fim, serão apresentadas as Considerações finais.

Conceituando a variação linguística

A variação linguística é uma característica inerente a todas as línguas naturais. Ela representa reflexos das diferenças socioculturais e contextuais durante a produção de fala por parte de um indivíduo, que vem carregada de influências da comunidade linguística em que ele está inserido e de suas intenções pessoais (Bagno, 2004). Pode ocorrer em função dos falantes e em função dos usos que eles fazem da língua.

A variação é específica das línguas e não compromete o bom funcionamento do sistema linguístico nem a possibilidade de comunicação entre falantes. De fato, palavras ou construções, em variação, em vez de comprometer o mútuo entendimento, são ricas em significado social e têm o poder de comunicar a nossos interlocutores mais do que o significado representacional que disputam. As diferentes formas empregadas ao falar e ao escrever dizem, de certa forma, quem somos: dão pistas a quem nos ouve ou lê sobre o local de onde viemos, o quanto estamos inseridos na cultura letrada dominante de nossa sociedade, quando nascemos e com que grupo nos identificamos, entre várias outras informações.

Por ser um país de dimensões continentais, o Brasil possui ampla diversidade linguística; em primeiro lugar, falar em variação linguística no Brasil é reconhecer a riqueza cultural que representa o nosso povo, em que o tesouro mais precioso é sem dúvida a nossa língua – composta por seus dialetos regionais, seus sotaques, sua escrita e um vocabulário próprio. Cada falante, independentemente do seu status econômico, idade, grau de escolaridade, por exemplo, possui identidade linguística, aquela que foi construída em seu âmbito familiar e social. O conceito de variação linguística está intimamente relacionado ao preconceito linguístico. Quando tomamos a norma padrão tal qual ensinada pela GT nas escolas como única correta e válida no território nacional, ficamos sujeitos a ver com maus olhos qualquer tipo de construção linguística que não seja a padrão. Por isso, entender as variedades é o primeiro passo para acabar com o preconceito linguístico tão presente na cultura brasileira.

A influência da desigualdade social sobre o preconceito linguístico

A sociedade brasileira, desde o início de sua formação, vem crescendo de forma desigual; com a implementação do capitalismo, surgiram duas novas categorias: a burguesia e o proletariado. Karl Marx descreve a burguesia como os donos dos meios de trabalho, e o proletariado é responsável pelas forças de trabalho; com isso, o proletariado raramente tinha acesso aos bens que produzia, influenciando assim a desigualdade social (Santana, 2020).

Tal desigualdade social acarreta o preconceito, já que grande parcela da população não tem acesso a bens culturais – como cinemas, museus, livros, educação de qualidade, assistência médica e até uma boa alimentação – que influenciam o bom desenvolvimento dessa criança; com isso, ela terá desempenho diferente daquelas que têm acesso à cultura. Entretanto, não existem pessoas sem cultura: cada indivíduo é moldado pela sociedade que o cerca e sua maneira de falar será configurada pelas relações de língua presentes dentro de sua comunidade; “Desvalorizar tais variedades é denegrir e condenar essa parcela da sociedade como incapaz, deficiente ou menos inteligente” (Bagno, 2008, p. 16).

O que se pode perceber em relação à linguagem é que a maioria dos brasileiros não fala conforme descreve a gramática tradicional. Por isso, ao ensinar Língua Portuguesa  deve-se pensar nas diversas práticas linguísticas, já que o português tem grande variedade linguística – regional, etária e social – e isso ocorre pelas várias influências que a língua sofreu ao longo da história. Porém, como Bagno (2008) fomenta, os estudos gramaticais são responsabilidade do letramento; os alunos devem ser expostos desde pequenos às diferentes formas de usar a língua, aprendendo as variedades linguísticas e a norma-padrão, porém numa perspectiva crítica:

esse aspecto deve ser feito numa perspectiva crítica, para que não se caia na velha prática (anti)pedagógica de condenar todas as inovações linguísticas (resultantes dos inevitáveis processos de mudanças das línguas) como se fossem indícios de ruína e da “decadência” do idioma (Bagno, 2008, p. 14).

Assim, a escola precisa ensinar aos alunos uma educação linguística voltada às variedades, considerando os diferentes modos de falar como parte da identidade cultural tanto de comunidades como de indivíduos particulares.

Por que ensinar as variedades linguísticas na escola?

A escola é um espaço socializador e de múltiplas diferenças, um local privilegiado; por isso, não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas dentro desse ambiente. O seu papel, como instituição escolar e diante da sociedade, é mostrar a importância de cada variedade na comunicação social.

Por muito tempo a disciplina de Língua Portuguesa tem instituído o ensino de gramática voltado para as regras, o que muitas vezes foge da realidade do aluno. Isso tem ocasionado certa rejeição ao estudar, justamente porque a prática de ensino aplicada em sala de aula não condiz com o cotidiano do aluno, visto que existe distância entre a gramática normativa e entre a língua oral.

A pergunta que deve ser feita é: a escola sabe oferecer aos alunos uma educação voltada às variedades da língua? Bagno (2008) afirma que o professor não deve limitar-se a transmitir apenas a gramática normativa encontrada nos livros didáticos; é preciso ter em mente que o ensino da língua não é baseado em teorias traçadas por estudiosos, mas sim, no próprio ato da fala.

Se a variação linguística for discutida na escola e inserida na matriz do multiculturalismo brasileiro, teremos mais oportunidade de discutir a gramática da língua padrão descrita na gramática normativa; respeitando as características da fala brasileira, poderemos identificar os contextos em que as diversas variedades da língua são produtivas e ler com mais interesse a literatura brasileira que, desde o modernismo, incorporou modos brasileiros de falar. Assim, ao trabalhar a leitura em sala de aula, os professores, que são os principais agentes letradores, saberão reconhecer estruturas linguísticas que não pertencem ao repertório dos seus alunos, antecipar as dificuldades e associá-las a variantes mais usuais na linguagem oral coloquial.

Contudo, o estudo das variações linguísticas requer do indivíduo e do educador a percepção de que não é por acaso que essa existência é dada de forma inerente à língua; portanto, é fundamental explicar a importância das variações. Os professores são responsáveis por discutir com os alunos em sala de aula quais implicações existem nas variações, qual a sua contribuição sociocultural e o porquê da existência delas.

Além disso, o reconhecimento e a avaliação das características de cada aluno são fundamentais para uma educação significativa e inclusiva. É necessário conhecer as variações existentes dentro do espaço escolar; isso implica o professor não ficar preso a uma norma padrão/culta, mesmo que a escola não admita a existência de variações em seu a ambiente ou que busque escondê-las.

Considerações finais

Os estudos das variações linguísticas têm a missão de ligar a aprendizagem e o respeito às diferenças vocabulares; é importante ressaltar que a escola tem o dever de ensinar o dialeto padrão/norma culta ao aluno; é indiscutível que a escola ensine a gramática como um dos meios de acesso à norma culta da língua, entretanto sem desprestigiar a língua materna, respeitando as diferenças culturais e sociais.

Portanto, a escola tem importante papel na sociedade, que deve reconhecer as variedades da língua e o valor social que manifestam as formas em variação, adotando uma política linguística acerca do ensino de língua materna e criando condições para a formação de cidadãos críticos, capazes de atuar com competência comunicativa na sociedade em que vivem. Compreende-se, portanto, que as escolas e os professores devem buscar tornar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos algo significativo, valorizando a individualidade e as peculiaridades de cada discente.

Aprender na escola que existem modos diferentes de falar, que podemos ajustar de acordo com as circunstâncias, é um passo importante na formação de pessoas mais críticas na sociedade. Por isso, entende-se que a contribuição da Sociolinguística é crucial na formação dos professores e nos currículos das escolas brasileiras para que cada vez mais se formem cidadãos com consciência e respeito à diversidade linguística.

Portanto, é importante e determinante para a sociedade mostrar dentro da escola as raízes linguísticas presentes na sociedade, buscando assim entender todo o processo cultural que aquela língua passou e passa. É necessário ainda considerar as variedades como patrimônio cultural de determinada comunidade, fazendo seus registros históricos e estudando as transformações que ela sofreu ao longo do tempo, valorizando assim todo o processo que a linguagem vivencia até os dias de hoje.

Referências

BAGNO, M. Português brasileiro? Um convite à pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Parábola, 2004.

______. Importante saber. In: ______. Preconceito linguístico: o que é, como faz. 50ª ed. São Paulo: Loyola, 2008.  p. 1-14.

SANTANA, Esther. Preconceito social: origem do preconceito social. Educa Mais Brasil, 24 nov. 2020.

SOARES, M. B. Aprendizagem da língua materna: problemas e perspectivas. Em Aberto, Brasília, ano 2, nº 12, jan. 1983.

Publicado em 31 de maio de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Taianne Couto; TARDIN, Nathalia Oliveira; SANTOS, Paulo Renato Ferreira; GOMES, Kezia dos Santos; ALMEIDA, Mariana Moura dos Santos; ROCHA, Gustavo Gomes Siqueira da. Língua materna X Variação linguística: valorizando a língua falada. Revista Educação Pública, v. 22, nº 20, 31 de maio de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/20/lingua-materna-x-variacao-linguistica-valorizando-a-lingua-falada

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