Abordagem interdisciplinar de conceitos de Ciências da Natureza a partir de trechos do filme de animação “Procurando Dory”

Cleusa Maria Mancilia Gonçalves

Licenciada em Ciências da Natureza, mestranda do PPG em Ensino (Unipampa)

Franciele Braz de Oliveira Coelho

Doutora em Ensino de Ciências, professora adjunta (Unipampa)

Cadidja Coutinho

Doutora em Educação em Ciências, professora adjunta (UFSM)

A inserção das tecnologias digitais em sala de aula traz grandes desafios para os professores, mas, por outro lado, esses recursos despertam o interesse dos estudantes, de maneira que favorecem os processos de ensino, promovendo uma aprendizagem mais efetiva e contextualizada à realidade do estudante. Esses aspectos se aproximam às premissas do ensino de Ciências da Natureza, que, por sua vez, objetiva tornar o indivíduo proativo, de modo que seja capaz de construir conhecimento e tomar decisões.

Existem diversos recursos que podem ser utilizados pelos professores de Ciências para diversificar a abordagem dos conteúdos, priorizando a interação dos estudantes e seu protagonismo na construção do conhecimento. A ideia de educar pelo cinema é eficaz e não é novidade; segundo Araújo (2007), desde os primórdios da produção cinematográfica o cinema foi considerado, inclusive pelos próprios produtores e diretores, um poderoso instrumento de educação. Logo, esse instrumento é extremamente útil no ensino e aprendizagem, pois ensinar com o cinema é ampliar possibilidades que as mídias audiovisuais podem proporcionar.

O uso de filmes constitui um recurso válido para o ensino de Ciências da Natureza, pois a utilização desse material apresenta potencial para o trabalho em sala de aula, além de contribuir para práticas interculturais críticas, numa perspectiva interdisciplinar (Oliveira; Trindade; Queiroz, 2013). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) salienta a importância de fortalecer a autonomia dos adolescentes dos anos finais do Ensino Fundamental, oferecendo-lhes condições e ferramentas para que interajam com as diferentes fontes de informações e conhecimentos (Brasil, 2017).

Diante disso, e na busca por colaborar com as compreensões sobre a temática, este estudo teve como questão norteadora a seguinte pergunta: De que forma a utilização de trechos do filme Procurando Dory pode colaborar para o ensino de Ciências da Natureza?. Assim, este trabalho objetivou analisar de que forma esse filme pode contribuir para o ensino de Ciências da Natureza. Com isso, foram utilizados trechos do filme Procurando Dory como recurso tecnológico no ensino de Ciências, abordando interdisciplinarmente os conceitos de Ciências da Natureza.

A abordagem interdisciplinar está pautada na ideia de desfragmentar o diálogo entre os saberes, facilitando a interação entre os conteúdos programáticos das disciplinas, favorecendo a aprendizagem e tornando o aluno capaz de articular, contextualizar e reunir os conhecimentos adquiridos. Nesse sentido, Morin (2002) enfatiza que um ensino pautado na prática interdisciplinar pretende formar alunos com uma visão global de mundo, aptos para “articular, religar, contextualizar, situar-se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos adquiridos” (p. 29). Desse modo, foi elaborado um roteiro para uso de trechos do filme em sala de aula que explorasse as características do fundo do mar, permitindo a abordagem de forma interdisciplinar de conceitos relacionados às Ciências da Natureza. A proposta foi aplicada em uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental. As sequências didáticas foram organizadas com base na metodologia de ensino dos Três Momentos Pedagógicos (Delizoicov; Angotti, 1991). Assim, este trabalho descreve a pesquisa desenvolvida, em que apresentamos uma breve conceituação sobre a utilização de filmes no Ensino de Ciências da Natureza e a abordagem interdisciplinar no trabalho de sala de aula. Após isso, detalhamos a metodologia utilizada, os principais resultados e nossas considerações finais.

Utilização de filmes no ensino de Ciências da Natureza

A utilização do filme permite ao espectador o envolvimento, relacionando situações e experiências já vivenciadas. No ensino de Ciências da Natureza, o filme pode ampliar a criticidade dos estudantes procedente das observações de aspectos históricos, sociológicos e de visão de Ciências apresentadas no recurso.

Os filmes possibilitam mudanças no cotidiano escolar; para isso, é necessário que o professor reveja sua postura e desenvolva ações que promovam novas propostas de aprendizagem, com base em seu planejamento didático. Também se faz necessário que o professor reflita sobre as metodologias adotadas em sala de aula, criando possibilidades para a produção do conhecimento dos estudantes.

No atual contexto das escolas, percebe-se grande desinteresse e desestímulo dos estudantes nos processos de ensino-aprendizagem, sobretudo nas áreas de Matemática e Ciências da Natureza, a qual inclui Química, Física e Biologia. Nesse sentido, Moreira e Griebeler (2012, p. 5) ressaltam que esse desinteresse ocorre principalmente quando os conteúdos são “abordados de forma apenas expositiva e monológica, sem a utilização de recursos que possam chamar a atenção e despertar o interesse de uma geração fortemente ligada à tecnologia”. Desse modo, é necessário refletir sobre as práticas docentes.

O estudo de Oliveira (2006) registra que, ao visualizar um filme, mesmo sabendo que se trata de algo fictício, a magia e o encantamento do agrupamento de imagens fazem o espectador reagir como se fosse a própria realidade. A escola deve proporcionar abordagens diversificadas de metodologias e recursos; assim, as atividades científicas, ao serem utilizadas, tornam-se importantes quando excitam a curiosidade, de modo que essa curiosidade se torne um fio condutor para a participação na atividade proposta.

Assim, os filmes, quando utilizados como recursos didáticos, podem auxiliar na mediação dos conceitos de Ciências da Natureza. De acordo com Arroio e Giordan (2006), o uso desses recursos pode possibilitar ao estudante o entendimento de fatos que talvez não pudessem compreender, utilizando apenas a imaginação. Assim, ressaltam que “a força da linguagem audiovisual consegue dizer muito mais do que captamos, ela chega simultaneamente por muito mais caminhos do que conscientemente percebemos” (p. 2). Nesse cenário, do professor espera-se que seja o mediador crítico, instigando os estudantes, articulando os conteúdos programáticos de forma criativa que favoreça, inclusive, a interdisciplinaridade. Com isso, o próprio estudante torna-se crítico, autônomo, ampliando seus conhecimentos.

Abordagem interdisciplinar e o trabalho de sala de aula

Uma abordagem interdisciplinar se inicia, conforme Fazenda (2012), com o rompimento das disciplinas, sem enfoque apenas na intenção de uni-las e integrá-las, mas sim na ideia de observar o mundo de forma integral. Dessa forma, a interdisciplinaridade deve ser percebida como um conjunto de ações apoiadas nas relações existentes no espaço escolar e metodologias dialógicas, que devem estar em constante modificação (Fazenda, 2012).

A interdisciplinaridade, durante o processo de integração entre várias disciplinas e seus campos de conhecimento, é sem dúvida uma tarefa que exige dos educadores grande esforço na ruptura de uma série de obstáculos ligados à atual forma de organização escolar.

Portanto, o desafio que é apresentado à educação, a fim de que contribua para formação de pessoas capazes de se defrontar com os problemas do seu ambiente cultural e natural, consiste em que se apresente como uma ação educativa dinâmica e dialética, visando desenvolver entre seus participantes a consciência da realidade humana e social, da qual a escola faz parte mediante uma perspectiva globalizadora (Lück, 2003, p. 31).

Implementar no contexto de sala de aula um ensino pautado em uma abordagem interdisciplinar exige do professor a transformação nas metodologias de ensino adotadas, o que implica também uma formação diferenciada desses profissionais, a partir de novas formas de ensinar. Nessa perspectiva, é necessário refletir sobre a produção e a organização do conhecimento fora das posturas científicas.

A concepção interdisciplinar na educação aparece como superação da fragmentação do conhecimento. Para fazer face aos desafios da nova situação civilizacional, ganha força a ideia de uma abordagem interdisciplinar nos sistemas formais da educação, visto que o paradigma teórico-metodológico oriundo do cartesianismo perdeu sua eficácia, já que não é capaz de resgatar a unidade do saber (Santos; Pereira, 1999, p. 150).

São muitos os desafios encontrados pelos professores para que um trabalho com enfoque interdisciplinar seja efetivado em sala de aula; dentre eles ressaltam-se: a insegurança ao enfrentar o novo e modificar metodologias de ensino; a falta de formação sobre o tema e a falta de estímulo para o planejamento de ações conjuntas entre o grupo de professores da escola, entre outros (Coelho, 2018). Para que a interdisciplinaridade ocorra, se faz necessário um discurso pedagógico que estabeleça a “cooperação e coordenação crescente entre as disciplinas” (Fazenda, 2011, p. 69). Dessa forma, as reflexões sobre as ações desenvolvidas no contexto de sala de aula tornam-se parte fundamental do trabalho docente para a abordagem interdisciplinar de conceitos.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório e investigativo, a partir do estudo de caso. Segundo Gil (2009), os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, respeitando suas especificidades, o que pressupõe uma metodologia própria. Esta pesquisa define-se como exploratória, pois analisou e explorou o problema para proporcionar seu conhecimento e sua compreensão. Ela foi caracterizada como investigativa, pois utilizou um ou mais métodos qualitativos que recolhem informações, visando compreender a fundo o como e o porquê de determinadas situações, procurando o que há nelas de mais indispensável e caracterizante. A pesquisa foi desenvolvida em uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental, explorando todas as suas particularidades, sendo assim definida como estudo de caso.

Os instrumentos utilizados para levantamento de dados foram: questionários e observações. O questionário é considerado um meio útil e eficaz para recolher informação em intervalo de tempo relativamente curto (Arturo, 2001). O questionário utilizado está descrito no Quadro 1.

Quadro 1: Questionário utilizado no estudo

1. Em rios, lagos ou piscinas é possível visualizar o reflexo dos objetos que se encontram ao redor. Como esse fenômeno pode ser explicado?

2. De que forma os peixes podem emergir (subir) e submergir (descer) na água?

3. Você saberia explicar como é a respiração dos peixes? Os peixes sobrevivem fora da água? Por quê?

4. Em sua opinião, qual a importância da água salgada do mar para as espécies marinhas? E o que causaria nessas espécies o excesso de sal?

5. De que forma a poluição pode prejudicar os animais marinhos?

Para Aires (2015, p. 25), a observação “é sistematicamente organizada em fases, aspectos, lugares e pessoas; relaciona-se com proposições e teorias sociais, perspectivas científicas e explicações profundas e é submetida ao controle de veracidade, objetividade, fiabilidade e precisão”. Assim, a observação permite ao pesquisador analisar a fundo o meio natural em que se desenvolve o estudo. Dessa forma, o uso dos instrumentos descritos coletou e registrou os dados obtidos, a fim de atingir o objetivo proposto para a pesquisa.

A metodologia adotada para a aplicação deste estudo foi baseada na proposta dos Três Momentos Pedagógicos (TMP), de Delizoicov e Angotti (1991). Os TMP são estruturados da seguinte forma:

  1. Problematização inicial – momento de verificação dos conhecimentos prévios dos estudantes, com a apresentação de problema(s) que os motive(m) ao estudo da temática;
  2. Organização do conhecimento – o professor organiza essa etapa para que os estudantes construam conhecimentos científicos sobre o tema, podendo utilizar diversos recursos didáticos e atividades diferenciadas;
  3. Aplicação do conhecimento – podem ser retomadas as questões da problematização inicial ou proposta outra atividade que permita a verificação da aprendizagem dos estudantes (Delizoicov; Angotti, 1991).

O Quadro 2 apresenta as atividades elaboradas embasadas nos TMP.

Quadro 2: Atividades desenvolvidas embasadas nos TMP

Sequência de aulas

O que foi realizado?

Materiais utilizados

Duração

Aula 1:  Problematização inicial

Aplicação do questionário

Questionário impresso

1h/aula

Aula 2 – Organização do conhecimento

Apresentação de trechos do filme Procurando Dory

Filme Procurando Dory, projetor multimídia, caixa de som

2h/aula

Aula 3 – Organização do conhecimento

Atividades práticas experimentais: confecção do caleidoscópio e ludião

Projetor multimídia, espelhos planos, cartona preta, lantejoulas, fita adesiva, papel celofane transparente, garrafa plástica, tampa de caneta, massa de modelar, água

2h/aula

Aula 4 – Organização do conhecimento

Palestra sobre peixes com mestra em Zootecnia na universidade

Projetor multimídia

2h/aula

Aula 5 – Organização do conhecimento

Atividades práticas experimentais desenvolvidas na universidade com grupo de pesquisa da área de animais aquáticos

Recursos do laboratório de Ciências, peixes, medidores de pH e de salinidade

2h/aula

Aula 6 – Aplicação do conhecimento

Organização de lapbook em grupos

Projetor multimídia, laboratório de informática, cartolina, pincéis, jornais, revistas, folhas tamanho ofício coloridas, cola

2h/aula

Aula 7 – Aplicação do conhecimento

Reaplicação do questionário

Questionário impresso

1h/aula

Os TMP apresentam caráter dialógico e problematizador que pode contribuir com a construção do conhecimento dos estudantes. Explicitadas as atividades desenvolvidas na pesquisa, seguem os resultados e as discussões do estudo.

Resultados e discussão

Esta seção objetiva analisar e discutir os resultados obtidos. Assim, após ter realizado a problematização inicial com a aplicação do questionário, foi realizada a segunda intervenção, a qual contemplou a organização do conhecimento, prevista pela metodologia dos TMP. As atividades ocorreram com a organização de um roteiro para que o professor esteja seguro do que seria apresentado em cada etapa realizada. Desse modo, e sob a orientação do professor, os conhecimentos científicos necessários para a compreensão do tema problematizado são estudados (Muenchen; Delizoicov, 2014) de maneira que torne o estudante o foco da pesquisa.

No segundo momento da intervenção foram apresentados aos estudantes trechos do filme, solicitando que assistissem a ele tentando visualizar conceitos de Ciências da Natureza, para que após essa atividade ocorresse uma discussão sobre as percepções de cada um. Deve-se ressaltar que o que um estudante pode perceber no filme outro pode não observar, ou seja, os saberes de cada indivíduo são diferentes, proporcionando a cada um uma perspectiva distinta. Quando se trata de saberes, Garrido (1999) enfatiza três deles: os conhecimentos específicos que os professores proporcionam aos discentes, favorecendo o desenvolvimento humano e cidadão; os saberes pedagógicos, o conhecimento que os professores encontram para desenvolver o processo de ensino nos mais variados contextos da docência; por fim, os saberes da experiência, que se referem ao conjunto de conhecimentos e situações que o professor acumulou durante a jornada.

Após a apresentação dos trechos selecionados do filme, em uma roda de conversa foi discutido o que cada um conseguiu perceber sobre Ciências nesse recurso. Assim, cada estudante apresentou sua visão; alguns o relacionaram à poluição; outros, com a doença de Dory, a qual sofria com perda de memória recente; outros falaram sobre a diversidade de peixes. Percebendo que os estudantes relacionaram a maioria dos aspectos do filme a conceitos de Biologia, foram questionados sobre Física e Química. A partir daí alguns relacionaram a água com Química, lembrando a molécula da água. Sobre a Física, falaram do reflexo dos objetos na água. Pode-se então constatar o conhecimento informal dos estudantes sobre o assunto, mas que, ainda assim, conseguiram visualizar Ciências no filme, fato que possui aspecto positivo para o desenvolvimento da pesquisa.

Na sequência foram realizadas atividades práticas. As primeiras atividades foram realizadas na escola; foram trabalhados os conceitos de Física e Biologia a partir de modelos didáticos. Inicialmente, elas foram apresentadas com o auxílio do projetor multimídia, com o embasamento teórico relacionando cada experimento às cenas do filme. Nessa etapa foram desenvolvidas as seguintes atividades práticas: ludião e caleidoscópio. Para a realização delas, a turma foi dividida em seis grupos; três produziram o ludião e os outros três, o caleidoscópio (Figura 1). A partir da confecção do ludião, pode-se trabalhar o conceito de empuxo que a água exerce sobre o corpo, relacionando esse fenômeno com o funcionamento da bexiga natatória dos peixes.

Figura 1: Alunos produzindo o caleidoscópio e o ludião

Vale ressaltar que as práticas procedimentais envolvem o “saber fazer”, tratando-se de uma aprendizagem de ações “que inclui as regras, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os procedimentos” (Zabala, 2010, p. 43). O caleidoscópio permitiu o estudo de conceitos relacionados à Óptica Geométrica: reflexão e refração da luz e associação de espelhos planos. Delizoicov e Angotti (2009, p. 202) ressaltam que

abordar sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram seu estudo como outras situações que, embora não estejam diretamente ligadas ao motivo inicial, podem ser compreendidas pelo mesmo conhecimento. [...] A meta pretendida com este momento é muito mais a de capacitar os alunos ao emprego dos conhecimentos, no intuito de formá-los para que articulem, constante e rotineiramente, a conceituação científica com situações reais, do que simplesmente encontrar uma solução, ao empregar algoritmos matemáticos que relacionam grandezas ou resolver qualquer outro problema típico dos livros-texto.

O propósito das atividades apresentadas foi introduzir conceitos de maneira diferenciada, permitindo ao estudante desenvolver seu próprio conhecimento. É no momento da prática que o estudante se torna ativo em sala de aula e o professor o auxilia, explicando e sistematizando a atividade, atuando como mediador do processo.

Para finalizar a etapa de organização do conhecimento, os estudantes participaram de uma palestra sobre peixes que abordou assuntos apresentados no filme relacionados à Biologia. Também foram propostas atividades práticas contemplando conceitos de Química. Essas atividades foram realizadas em uma universidade pública federal localizada no município em que o estudo foi desenvolvido. A palestra foi ministrada por uma mestra em Zootecnia que desenvolveu seus trabalhos de graduação e mestrado na área de Piscicultura. Em sua fala, apresentou características, anatomia, influência, importância e curiosidades sobre as espécies presentes no filme. Na palestra, os estudantes se mostraram interessados e participativos, recordando as cenas do filme nos tópicos que eram comentados. Cabe ressaltar que a palestrante finalizou sua apresentação falando sobre as espécies que apareciam no filme, como o peixe-palhaço – personagens Nemo e Charlie (seu pai); cirurgião-patela – personagem Dory; o polvo – personagem Hank; tubarão-baleia – personagem Destiny; baleia branca – personagem Beluga Bailey. Para cada um deles foram apresentadas características, especialidades e curiosidades.

Após a palestra, foi realizada uma atividade prática com peixes com o auxílio do Núcleo de Estudos em Aquicultura da universidade, vinculado ao curso de Zootecnia, uma equipe que trabalha na criação de peixes e projetos de pesquisas e que se propôs a auxiliar na aplicação da pesquisa, enriquecendo o trabalho. As atividades propostas pela equipe foram: observação da anatomia de peixes (Figura 2) e do criadouro de peixes (Figura 3) cultivados por eles. Na atividade de observação, os estudantes visualizaram a bexiga natatória, pois se tratava de um peixe ósseo.

Figura 2: Observação da anatomia dos peixes

No momento de observação do criadouro dos peixes, os estudantes sanaram dúvidas sobre a alimentação deles e sua reprodução.

Figura 3: Observação do criadouro de peixes

Os estudantes foram levados até o laboratório de Química para a realização da atividade prática, em que foram analisados o pH e a salinidade da água. Nessa atividade, a equipe de pesquisadores da universidade disponibilizou os equipamentos necessários e, no desenvolver das atividades, apresentava embasamento teórico aos estudantes, facilitando assim a compreensão deles.

Para a etapa final da pesquisa, no momento da aplicação do conhecimento, foi proposta a elaboração do lapbook e a reaplicação do questionário inicial. A aplicação do conhecimento se dá pela reintegração da problematização inicial (Delizoicov; Angotti, 1991). O lapbook (livro de dobraduras) possibilita a criatividade e pode ser utilizado como ferramenta de estudos, assim como uma revisão de conceitos trabalhados.

O lapbook é uma alternativa à pedagogia tradicional, é um livro interativo no qual os alunos mostram um conhecimento mais dinâmico, ativo e participativo; eles adquirem ao longo do formulário de unidades didáticas, sendo participantes em seu próprio processo de aprendizagem através de processos de autorregulação e avaliação formativa permitindo a aquisição de aprendizagens significativas (Cañas; Mélcon, 2017, p. 246).

Para que os objetivos da atividade fossem alcançados, foi proposto um roteiro para que os estudantes criassem o lapbook, relacionando os conceitos trabalhados com o filme. A turma foi dividida em três grupos; cada um recebeu um roteiro. O Quadro 3 apresenta um modelo de roteiro recebido pelos estudantes embasado nas cenas do filme para confecção do lapbook.

Quadro 3: Roteiro utilizado pelos estudantes de um grupo

Cena

Tema

Questões

Tubarão-baleia conversando com a Dory (32’34” do filme)

Ecolocalização

- O que é ecolocalização?

- Quais animais marinhos utilizam ecolocalização?

Polvo e Dory no tanque da área kids (45’13” do filme)

Defesa

- O que o polvo libera quando se sente ameaçado?

- Quais as características dessa defesa?

Nemo e o pai conversando com outro (48’ do filme)

Espécies marinhas

- O que são vieiras?

- Quais são suas características?

Dory nadando próximo às algas (1h 6’ do filme)

Espécies

- O que são algas?

- Quais são as suas características?

Dory nadando próximo às conchas (1h 7’ do filme)

Espécies

- De que são formadas as conchas?

Os grupos organizaram seus lapbooks tentando elucidar as questões relacionadas às cenas do filme. O material organizado por um dos grupos é apresentado na Figura 4.

Figura 4: Lapbook elaborado pelo grupo 1

Com o desenvolvimento dos lapbooks,percebeu-se que os grupos conseguiram, a partir dos estudos e das pesquisas desenvolvidas, relacionar os conceitos às cenas do filme. Finalizamos com o questionário, obtendo resultados positivos. Esse pós-teste se caracteriza pela reaplicação do primeiro teste aos estudantes que responderam ao inicial. Comparando esses instrumentos, observou-se a evolução conceitual dos estudantes ao responder cada questão. Assim, destacamos algumas respostas obtidas, em que cada estudante é identificado de forma alfanumérica; E significa estudante e o número os diferencia.

Quadro 4: Resultados qualitativos obtidos com o pós-teste

Questão

Resposta obtida no teste 1

Resposta na reaplicação do teste

Em rios, lagos ou piscinas é possível visualizar o reflexo dos objetos que se encontram ao redor. Como esse fenômeno pode ser explicado?

E3: Sim, por causa da luz do sol.

E3: Quando a luz que se propaga no ar atinge a superfície da água, uma porção dela é refletida e outra é refratada. Quanto maior o ângulo de incidência (quanto mais rasante à superfície da água a luz incidir), tanto maior é a parte da luz refletida.

De que forma os peixes podem emergir (subir) e submergir (descer) na água?

E4: Nadadeiras.

E4: Através da bexiga, esse órgão cheio de ar pode estar distendido ou contraído, mudando a sua pressão interna. Desse modo, eles conseguem ficar mais ou menos densos em relação à água, alterando o efeito da força do empuxo.

Você saberia explicar como é a respiração dos peixes? Os peixes sobrevivem fora da água? Por quê?

E25: A respiração dos peixes é a substância aérea/sim, porque, depois de saírem, eles agora podem pular como os tubarões.

E25: Eles sugam os sais de oxigênio na água, porém fora dela eles morrem, pois precisam de água.

Vale ressaltar que, por tratar-se de estudantes do Ensino Fundamental, o embasamento teórico sobre os conceitos específicos é restrito, porém extremamente satisfatório para o nível de ensino em que se encontram. A partir da análise dos resultados obtidos, foi possível constatar que as intervenções realizadas foram satisfatórias e proporcionaram a aprendizagem de conceitos de Ciências da Natureza de forma interdisciplinar, com a participação ativa dos envolvidos no processo. Os estudantes, de forma geral, demonstraram interesse, foram participativos e interativos com a proposta desenvolvida. Assim, pode-se perceber um avanço conceitual dos estudantes em relação ao início da atividade até sua finalização.

Conclusão

Este trabalho teve o intuito de analisar de que forma um filme de animação pode contribuir para o ensino de Ciências da Natureza, partindo do pressuposto de que seria um recurso de possível inserção no ensino da área, baseado numa abordagem interdisciplinar. Para tanto, a postura do professor frente ao recurso adotado deve ser de mediador, buscando alternativas factíveis para fazer com que o desinteresse dos estudantes se converta em interesse e participação. Assim, nesta pesquisa foram elaboradas intervenções seguindo a abordagem metodológica de Delizoicov e Angotti (1991) dos Três Momentos Pedagógicos.

A análise dos resultados obtidos se deu com base nas intervenções realizadas apoiadas nos resultados dos instrumentos de coleta de dados (questionários e observações), sendo os resultados obtidos considerados satisfatórios. Percebeu-se que os estudantes antes das intervenções não apresentavam conhecimentos científicos sobre os conceitos abordados. Com o uso do filme nas aulas de Ciências, os estudantes demonstraram-se interessados e participativos. É evidente que a utilização de novos recursos no ensino torna as aulas mais atrativas, motivando os estudantes, porém é necessário que o cotidiano esteja interligado à sala de aula e isso requer disponibilidade, motivação e esforço.

Ressaltam-se também como aspectos positivos do estudo: inserção do uso de tecnologias no ensino de Ciências da Natureza; utilização de práticas experimentais; inserção de metodologia de ensino dialógica e problematizadora na Educação Básica. Os resultados do estudo demonstram que esses aspectos favoreceram a construção do conhecimento dos estudantes em relação aos tópicos abordados, indicando que, aliado a um planejamento adequado, o uso de filmes pode contribuir para o ensino de Ciências da Natureza em uma abordagem interdisciplinar. Dessa forma, considera-se uma experiência extremamente significativa utilizar esse recurso, que se mostrou apropriado para o estudo de conceitos de Ciências da Natureza, área que abarca conteúdos muitas vezes percebidos como abstratos e de difícil compreensão.

Referências

AIRES, L. Paradigma qualitativo e práticas de investigação educacional. Lisboa: Universidade Aberta, 2015.

ARAÚJO, S. A. Possibilidades pedagógicas do cinema em sala de aula. Revista Espaço Acadêmico, nº 79, dez. 2007.

ARROIO, A. A.; GIODAN, M. O vídeo educativo: aspectos da organização do ensino. Química Nova na Escola, v. 24, p. 8-11, nov. 2006.

ARTURO, R. El Cuestionario. 2001. Disponível em: http://www.nodo50.org/sindpitagoras/Likert.htm.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a Base. Brasília: MEC/Consed/Undime, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez site.pdf.

CAÑAS, L.; MELCÓN, H. El lapbook como experiencia educativa. Revista Infancia, Educación y Aprendizaje, v. 3, nº 2, p. 245-251, 2017.

COELHO, F. B. de O. Currículo interdisciplinar e formação docente em Ciências da Natureza: desafios e possibilidades. 2018. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade Franciscana, Santa Maria, 2018.

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. Metodologia do ensino de Ciências. São Paulo: Cortez, 1991.

______; ______; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.

FAZENDA, I. C. A. Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental: contribuições das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil: o reconhecimento de um percurso. Interdisciplinaridade. Revista do Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade, nº 1, p. 69, 2011.

______. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 2012.

______. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. 6ª ed. São Paulo: Loyola, 2011.

GARRIDO, S. Saberes pedagógicos e atividades docentes. São Paulo: Cortez, 1999.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

LÜCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

MOREIRA, M. A.; GRIEBELER, A. Tópicos de Física Quântica para o Ensino Médio a partir de uma unidade de ensino potencialmente significativa. Textos de Apoio ao Professor de Física, v. 23, nº 6, 2012. Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/public/tapf/v23_n6_griebeler_moreira.pdf. Acesso em: 07 abr. 2020.

MORIN, E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002.

MUENCHEN, C.; DELIZOICOV, D. Os Três Momentos Pedagógicos e o contexto de produção do livro "Física". Ciência & Educação, Bauru, v. 20, nº 3, p. 617-638, 2014.

OLIVEIRA, B. J. Cinema e imaginário científico. História, Ciências, Saúde, v. 13, p. 133-150, 2006.

OLIVEIRA, R. D. V. L. de; TRINDADE, Y. R. de A.; QUEIROZ, G. R. P. C. O filme “Jardim das folhas sagradas” e a possibilidade de uma abordagem intercultural em aulas de Ciências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 9, 2013. Atas... Águas de Lindoia: 2013. Disponível em: http://abrapecnet.org.br/atas_enpec/ixenpec/atas/resumos/R0931-2.pdf. Acesso em: 23 maio 2020.

SANTOS, J. M. D.; PEREIRA, A. Cosmovisão, epistemologia e educação: uma compreensão holística da realidade. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Publicado em 14 de junho de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

GONÇALVES, Cleusa Maria Mancilia; COELHO, Franciele Braz de Oliveira; COUTINHO, Cadidja. Abordagem interdisciplinar de conceitos de Ciências da Natureza a partir de trechos do filme de animação “Procurando Dory”. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 22, 14 de junho de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/22/abordagem-interdisciplinar-de-conceitos-de-ciencias-da-natureza-a-partir-de-trechos-do-filme-de-animacao-rprocurando-doryr

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.