Arte e criatividade: um olhar sobre a importância das aulas de Arte nos anos finais do Ensino Fundamental

Willian Júnio do Carmo

Artista plástico, licenciando em Artes Visuais (Uninter)

O presente estudo tem como questão norteadora compreender a importância das aulas de Arte no desenvolvimento do processo criativo de alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. Por esta perspectiva, o trabalho visa responder aos seguintes questionamentos, a saber, “qual é a real importância das aulas de Arte no desenvolvimento do processo criativo dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental?” e “Quais as limitações seriam encontradas pelos docentes no exercício das aulas de Arte?”.

A justificativa social para a realização deste estudo passa pela importância do trabalho do professor de Arte, cuja meta principal é o cuidado com os alunos e a realização de práticas que possam auxiliá-los na construção de simbolismos e reflexões, oportunizando a promoção de um novo tipo de pensamento. Por sua vez, a justificativa acadêmica se baseia na visão teórico-crítica acerca do papel das aulas de Arte, buscando agregar conhecimentos construtivos e saídas possíveis para a ação profissional.

O objetivo geral está pautado na compreensão dos fundamentos metodológicos que revelam a importância das aulas de Arte no desenvolvimento dos alunos do Ensino Fundamental. Busca-se, portanto, conceituar o processo das aulas de Arte com mapeamento das limitações dos docentes, tendo em vista as condições necessárias para uma didática estimulante aos alunos.

Por essa lógica, este trabalho se fundamenta na reflexão teórica alicerçada na coleta e na análise de dados qualitativos, sob uma metodologia bibliográfica, reflexiva e crítica. Segundo Gil (2008), uma pesquisa científica bibliográfica objetiva trazer à luz dados já coletados e analisados, indicadores observáveis e leituras conceituais. Para isso, serão utilizadas pesquisas divulgadas em periódicos, livros, dissertações, teses e apresentações de trabalhos científicos acerca do tema proposto.

Em relação aos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental é comum que, marcados por um tempo transitório atravessado por expectativas e indecisões ao saírem da infância em direção à adolescência, necessitem de um espaço que propicie criatividade e liberdade de expressão (Papalia; Olds, 2000). Em consonância a esse pensamento, Freire (1996) propõe uma prática pedagógica que analise o momento histórico e estimule uma consciência crítica, para além da didática, apropriando-se da curiosidade natural presente no processo de aprendizagem, transformando-a em uma prática epistemológica que conduza os alunos a um caminho educacional que os possibilite a serem sujeitos sociais, críticos e políticos.

Ainda sob esse olhar histórico e dialético, Vygotsky (2009) afirma que o acesso à liberdade de expressão é fator indispensável para o desenvolvimento educacional e criativo dos alunos. Segundo o autor, a criatividade é uma função psicológica superior que se desenvolve no cotidiano a partir do momento em que o indivíduo se expõe a novas situações, buscando saídas que superem respostas pragmáticas (zona de desenvolvimento proximal, ZDP) e o incentive à autonomia. Aliado a isso, Souza e Placco (2011) apresentam a Arte intrinsecamente ligada aos processos criativos e vinculada ao desenvolvimento cultural da humanidade. Logo, para que seja apresentada uma discussão acerca das aulas de Arte e da sua relação com a criatividade, primeiramente precisamos apresentar o conceito de Arte.

Nesse sentido, Coli (1995) categoriza aquilo que pode ou não ser definido como Arte. Para ele, na docência, se abre espaço para a quebra da autonomia no exercício criativo da prática artística. Alencar (2003) apresenta o processo criativo para além de uma ideia social associada aos “dons” do aluno, uma vez que todos os alunos podem ter o mesmo potencial, desde que sejam apresentados a técnicas que facilitem o seu aprendizado. De acordo com a autora, deve-se ainda considerar os aspectos cognitivos, a exposição do aluno a novos conhecimentos e as suas habilidades, assim como o caráter subjetivo do processo criativo ligado às atitudes, às características e às motivações oriundas da interação do aluno com o ambiente.

Desta forma, a contextualização dos aspectos que levam ao desenvolvimento do processo criativo revela a importância do fator sociocultural para o desenvolvimento humano, estando em consonância com o pensamento de Vygotsky e Freire. Em relação aos desafios da docência nas aulas de Arte, Kaufman, Beghetto e Pourjalali (2011) afirmam que ocorre um processo de desvalorização do processo criativo nos currículos produzidos para a sala de aula.

Isso ocorre, sobretudo, pela preferência das escolas em relação ao uso de outros indicadores da qualidade de ensino. A criatividade não seria facilmente mensurada pelo olhar tradicional da educação, embora seja de suma importância para o desenvolvimento crítico, por elevar o desempenho escolar, formando alunos e cidadãos para além dos muros da escola (Wechsler, 2002).

Assim, podemos perceber que os autores acima mencionados concordam que a prática educacional deve contribuir para que o aluno seja crítico e integrado aos processos educacionais, apontando que a aula de Arte pode ser uma importante aliada no processo de desenvolvimento da criatividade. Com o fim de melhor expor o tema, apresentamos a metodologia a seguir.

Metodologia

A pesquisa bibliográfica de artigos, livros e periódicos versa sobre a criatividade e a prática na licenciatura em Artes Visuais. Desse modo, selecionamos obras referenciadas por pesquisadores da área, assim como periódicos que apresentam revisões teóricas acerca do tema, facilitando o entendimento do leitor. Feitos os esclarecimentos necessários, apresentaremos a revisão bibliográfica com suas respectivas seções.

Revisão bibliográfica

Aqui, faremos um percurso bibliográfico explorando o perfil dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, observando os impactos da sua chegada na adolescência em relação aos aspectos educacionais e sociais. Posteriormente, construiremos uma interseção entre os pensamentos de Freire e o ponto de vista dialético de Vygotsky.

Em sequência, visto que o campo desta pesquisa se dá no exercício da docência em Artes Visuais, faremos a apresentação do conceito de Arte com suas diferentes pluralidades, assim como evidenciaremos sua ligação com o conceito de criatividade sob uma perspectiva sócio-histórica. Desse modo, entenderemos a importância de perceber as nuances do processo psicológico e seus efeitos, tanto na prática pedagógica, quanto no processo criativo do aluno.

Por fim, exibiremos uma visão crítica da relação da docência em Artes Visuais com o desenvolvimento da criatividade por meio do processo de ensino-aprendizagem, do mesmo modo que exporemos seus impactos na formação continuada dos professores. Nesse sentido, dissertaremos sobre a prática docente como fator integrante de um processo educacional que envolve a emancipação dos alunos.

O perfil dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental

Os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental são atravessados pelo processo natural de transição (dentro das etapas do desenvolvimento humano) que se prolonga da infância até a adolescência. Conforme Papalia e Olds (2000), nessa fase, que dura aproximadamente 10 anos – dos 11 ou 12 anos até pouco antes ou pouco depois dos 20 anos –, ocorrem diversas mudanças físicas e psicológicas nos alunos, desde rituais de passagem, nos quais se perdem os aspectos infantis até a busca de uma nova identidade, que vai se construindo.

A sociedade em que o adolescente está inserido tem grande influência em seu desenvolvimento, visto que existem inúmeras cobranças de como ele deve agir diante de suas responsabilidades, de sua profissão e de seu futuro. Na medida em que o adolescente vai se desenvolvendo, novas escolhas vão sendo feitas. Durante esse processo, o adolescente sente-se pressionado por ideais de futuro, podendo até mesmo recorrer ao uso de drogas (Papalia; Olds, 2000).

Nesse período, a intensidade de sentimentos e emoções predomina e essa mistura de sentimentos e sensações que acabam gerando inseguranças e angústias no aluno. Por isso, uma prática pedagógica que vise a autonomia torna-se importante nesse momento do processo de desenvolvimento do aluno.

Dessa maneira, deve-se levar em consideração que o estudante, ao expressar novos afetos, preferências e dúvidas de maneira singular, receba novas abordagens pedagógicas que visem a ajudá-lo a se compreender. Em relação a essas necessidades, a Base Nacional Curricular Comum (Brasil, 2017), apresenta a proposta didática para alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental que supera a dicotomia entre conhecimento e educação, ressaltando a importância da aplicação dos conhecimentos adquiridos na escola na vida cotidiana assim como seus impactos emancipatórios.

Paulo Freire e Lev Vygotsky: um novo olhar sobre a Educação

O pensamento freiriano pode ser visto pela relação entre diálogo e dialética, uma pedagogia caracterizada pelo seu poder transformador de alunos em sujeitos sociais e políticos. A Educação defendida por Freire (1996) revela uma forma de conhecimento crítico sobre a realidade e distante de uma prática focada apenas no educar e aprender, mas direcionada à libertação e à conscientização.

Nesse processo emancipatório, o professor é aquele que se mantém atualizado, compreendendo que necessita de formação continuada para alcançar os objetivos esperados. Afinal, ao se propor um trabalho técnico e ético, pode haver uma descontextualização e desarticulação entre teoria e prática, favorecendo o sentimento de frustração nos profissionais inseridos no ambiente escolar.

Nesse sentido, o processo de formação dos professores deve ser de cunho crítico, visto que os desafios da prática se mostram presentes no cotidiano escolar, exigindo, assim, que o docente sempre esteja se reinventando. O papel de professor que atua com Artes Visuais demanda, dessa maneira, envolvimento nas ações que cercam o ensino para além da sala de aula, seja em sua participação criativa nos conselhos municipais de educação, seja na defesa das políticas públicas para a educação, representando sempre a renovação das visões cristalizadas que cerceiam os processos educacionais cotidianos.

Sendo assim, a prática desse profissional deve buscar romper com a educação “bancária”, contestada por Freire (1997), quando há apenas o depositante e o depositário ou o professor e o aluno, respectivamente. O profissional, assim como a instituição, parte do pressuposto da problematização da realidade, buscando uma libertação autêntica, dando autonomia e ensinando de forma crítica seus alunos a repensarem e a transformarem o seu entorno.

O que é Arte?

A Arte permeia a interação humana, uma vez que se apresenta como “o social em nós, e se o seu efeito se processa em um indivíduo isolado, isto não significa, de maneira nenhuma, que as suas raízes e essência sejam individuais” (Vygotsky, 1999, p. 315). Assim sendo, a Arte não deve ser vista sob uma única ótica, mas como um conjunto de conceitos, a saber, como forma interna, forma externa e de conteúdo.

Esses três aspectos são coesos, por isso, mesmo que inicialmente uma obra chame a atenção pela forma sobre a qual se apresenta, seu sentido só pode ser dado em conjunto ao conteúdo ligado àquela ideia. Visto isso, um objeto artístico não deve ser intelectualizado, uma vez que “a arte é trabalho do pensamento, mas de um pensamento emocional inteiramente específico” (Vygotsky, 1999, p. 57).

Dessa maneira, a Arte tem por finalidade a reconstrução da relação do indivíduo com as experiências sociais experimentadas. Sob essa perspectiva “o prazer artístico não é mera recepção, mas requer uma elevadíssima atividade do psiquismo” (Vygotsky, 1999, p. 258).

Por isso, dentro do processo do desenvolvimento humano dialético, quanto mais exposições às contradições entre conteúdo e forma, mais contraposições de sentimentos resultantes de novos sentidos podem surgir expressos de forma única por cada sujeito. Portanto, a Arte seria uma forma de expressão dos sentimentos individuais e sociais por meio do processo de criação, fruto da criatividade e da imaginação. Revela-se como uma forma criativa e dinâmica de transformação das realidades e das experiências vividas pelos sujeitos.

Destarte, a amplitude acerca do conceito de Arte é compartilhada por Coli (1995). Para ele, as definições do que seria um objeto artístico devem levar em consideração os discursos sobre a obra, para além da ideia de um juízo do valor, característico da crítica da Arte. Em vista disso, ressalta-se a importância do percurso histórico e social de uma manifestação artística, percurso este que se apresenta muitas vezes como anônimo e gratuito e que, ao ser integrado na análise sobre a obra, se revela relevante para os processos educacionais aqui discutidos.

Na prática educativa, uma criação artística deve perpassar e ir além da racionalização, visto que

a razão está assim intrinsecamente presente no objeto artístico, mas a obra enfeixa elementos que escapam ao domínio do racional e sua comunicação conosco se faz por outros canais: da emoção, do espanto, da intuição, das associações, das evocações, das seduções (Coli, 1995, p. 105).

Dessa maneira a Arte diferencia-se dos ideais científicos e teóricos e seus limites devem estar abertos, possibilitando um contato transformador, dado como uma função da aprendizagem (idem).

A criatividade sob a visão sócio-histórica

A criatividade que permeia a Arte e o seu ensino apresenta-se como um conceito importante na constituição humana. Partindo da literatura existente acerca do tema, são amplas as definições do que seria o processo criativo, visto que ele se constitui como “resultado da interação de fatores individuais e ambientais, que envolvem aspectos cognitivos, afetivos, sociais, culturais e históricos” (Alencar; Fleith, 2003, p. 47). Dessa maneira, entende-se que o processo criativo não acontece de forma linear e contínua, mas de maneira dialética e dinâmica.

Igualmente, a criatividade não pode ser vista como inata, associada a uma ideia de dom e, sim, como fruto de diversos fatores, dentre eles o acesso aos materiais necessários para a criação, juntamente com a importância da vontade do aluno em desenvolver suas próprias ideias, oriundas de experiências anteriores. De acordo com Alencar e Fleith (2003), esses fatores são essenciais para o desenvolvimento do potencial criativo em contato com estratégias didáticas.

Como processo psicológico, segundo Vygotsky (1999), a criatividade tem direta relação com a interação do sujeito com o seu meio, uma vez que é impactada pelas experiências ligadas à espontaneidade e à memória. Para ele, as atividades criativas iniciadas na infância são desenvolvidas ao longo de todo o seu desenvolvimento, fazendo com que ele possa expandir suas ideias e, assim, modificar e ser modificado pelo meio.

Com isso, percebe-se a criatividade como presente na expansão das mais diversas produções humanas, razão pela qual Vygotsky (2009) nos apresenta a necessidade de seu reconhecimento como uma regra a ser potencializada e não como uma exceção a ser reproduzida. Essa ideia revela a criatividade como um processo psicológico comum a todos os sujeitos, presente para muito além de obras de Arte expostas em museus. Ela se presentifica no desenvolvimento de ideias que facilitam o cotidiano coletivo, desde a criação de saídas possíveis no âmbito individual até o desenvolvimento de inovações tecnológicas que impactam e facilitam o cotidiano de milhões de pessoas.

Partindo de um pressuposto que visa compreender o contexto histórico e cultural, encontramos a ideia defendida por Vygotsky (2009) de que uma prática pedagógica deve compreender o processo de ensino-aprendizagem caminhando juntamente com o desenvolvimento da imaginação e criatividade. Para ele,

a imaginação, como base de toda a atividade criadora, manifesta-se igualmente em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. Neste sentido, absolutamente tudo o que nos rodeia foi criado pela mão do homem, tudo no mundo da cultura, na medida em que se distingue do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana, baseando-se na imaginação (Vygotsky, 2009, p. 11).

O autor defende que, ao ser apresentado a uma imagem, um indivíduo evoca a sua imaginação. Esse processo psicológico sofre influência de interações sociais já vividas uma vez que, de acordo com o autor, “quanto mais rica a experiência da pessoa, mais material está disponível para a imaginação dela. Eis por que a imaginação da criança é mais pobre do que a do adulto, o que se explica pela maior pobreza de sua experiência” (Vygotsky, 2009, p. 22).

Esse apontamento revela a importância da exposição de novos conteúdos e da estimulação à imaginação na docência em Artes Visuais para que promovam um caminho que conduza à criação de novas ideias. Por meio da Arte é possível potencializar o desenvolvimento do aluno para fora da sala de aula a partir de uma aprendizagem pensada.

A prática educacional nos anos finais do Ensino Fundamental

A construção das direções educacionais que integram a prática explanada neste trabalho apoia-se na BNCC (2017), instrumento responsável por orientar os passos teórico-metodológicos dos docentes. Em relação aos anos finais do Ensino Fundamental, têm-se alunos matriculados entre o 6° e o 9º ano, que apresentam uma variação de idade na entrada (dos 11 aos 14 anos de idade) que transitam da infância à adolescência.

Visto isso, a BNCC (2017) propõe a estimulação de um olhar educacional para novas demandas discentes, em especial, às relacionadas à realidade atual. Para além das mudanças sociais e psicológicas enfrentadas pelo aluno, também devem ocorrer mudanças na metodologia de ensino. Ao sair dos anos iniciais, o aluno deixa de ser acompanhado por um único professor para ser acompanhado de vários, o que requer dele uma independência maior, uma certa autonomia em sua aprendizagem.

Um dos pontos característicos dos anos finais do Ensino Fundamental é a possibilidade de aprofundamento do conteúdo trabalhado nas séries iniciais, intensificando e expandindo o que foi introjetado como base aos alunos (BNCC, 2017). Esse pensamento está consoante ao de Barbosa (2010) que afirma sobre a necessidade de um posicionamento não hierárquico em relação aos conteúdos, revelando, assim, a responsabilidade do trabalho da escola e da prática docente na constituição educacional e cidadã dos alunos.

É importante frisar ainda que, para além das normas técnicas e diretrizes, o papel do professor é crucial neste processo, uma vez que

o bom professor é o que consegue, enquanto fala trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas (Freire, 1996, p. 96).

Para tanto, no processo de ensino-aprendizagem, de acordo com o autor, o docente deve estabelecer uma relação de afeto com seus alunos fortalecida por conexões e vínculos educativos. Dessa maneira, o professor deve ter em vista o desenvolvimento da criança de forma constante. Em relação a isso, Vygotsky (1991, p. 81) afirma que

a cada estágio de seu desenvolvimento, a criança adquire os meios para intervir de forma competente no seu mundo e em si mesma. Portanto, um aspecto crucial da condição humana, e que começa na infância, é criação e o uso de estímulos auxiliares ou “artificiais”; através desses estímulos uma situação inédita e as reações ligadas a ela são alteradas pela intervenção humana ativa.

Por isso, ao passarmos do convívio com um docente de formação generalista para o acesso a um professor especialista na área do conhecimento, vive-se uma transição importante. Assim, com este profissional, observamos uma metodologia de ensino baseada no aprofundamento do conteúdo por meio de unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades distintas ofertadas por todas as novas disciplinas (BNCC, 2017). Em consonância a esse pensamento, Barbosa (2002) traz a Arte como um fator importante para o desenvolvimento do uso criativo de novas tecnologias. Para ele, as tecnologias buscam conhecimentos além do próprio ambiente escolar. A BNCC faz importante referência à implementação e ao uso das novas tecnologias de acesso à informação, tais como, de tablets e de computadores, formando alunos com olhares diversos que venham a modificar suas realidades sociais.

Assim, o processo de formação educacional passa a ser evidenciado nas ações propostas em momentos de reflexão ao entendermos que a práxis a ser desenvolvida junto aos alunos deve se apresentar como uma forma de promoção da responsabilidade comunitária.

Assim, a busca por esses momentos de autonomia e consciência de compromisso social, significa para o docente refletir sobre a sua prática cotidiana durante a transição desses alunos dos anos iniciais aos anos finais, de forma natural e humanizada.

As aulas de Artes Visuais e o desenvolvimento da criatividade: uma articulação possível?

Pensar na importância da criatividade no ambiente de sala de aula culmina na necessidade da contextualização com a legislação educacional vigente, a fim de consultar as propostas para um ensino coerente, que vão de encontro à formação curricular dos alunos. Entretanto, a linha tênue que deve ser percorrida pelo professor localiza-se no fato de saber que é necessário corresponder ao currículo que lhe é apresentado e, ao mesmo tempo, não aderir a uma prática engessada.

Em relação às diretrizes normativas que legislam sobre o ensino de Arte nos anos finais do Ensino Fundamental, a BNCC (Brasil, 2017, p. 203) apresenta:

No Ensino Fundamental – anos finais, é preciso assegurar aos alunos a ampliação de suas interações com manifestações artísticas e culturais nacionais e internacionais, de diferentes épocas e contextos. Essas práticas podem ocupar os mais diversos espaços da escola, espraiando-se para o seu entorno e favorecendo as relações com a comunidade [...]. Desse modo, espera-se que o componente Arte contribua com o aprofundamento das aprendizagens nas diferentes linguagens – e no diálogo entre elas e com as outras áreas do conhecimento –, com vistas a possibilitar aos estudantes maior autonomia nas experiências e vivências artísticas.

É necessário que o professor de Artes proponha a seus alunos uma reeducação do olhar, uma vez que, ao trabalhar com noções subjetivas, lida com os conceitos já adquiridos por seus alunos. A noção do belo, por exemplo, dotada de subjetividade, perpassa pelas vivências pessoais e sociais de cada indivíduo, que projetam suas concepções ao mundo que lhe cerca.

Dessa forma, é preciso rever algumas estratégias utilizadas na escola, fomentando em cada educando o desejo pela procura do improvável ou do que não é coercitivamente determinado, como afirma Oech (1994, p. 94):

Também podemos incluir ou retirar algo, usar a imaginação e fazer experiências. No fim, há de sair alguma ideia original. O maior perigo a que se expõe o artista é ficar preso à rotina do que é familiar. Quanto mais olhamos ou fazemos as coisas do mesmo modo, mais difícil se torna pensar nelas sob novos ângulos. Picasso devia ter isso em mente quando disse: toda criança é artista. O problema é como permanecer artista depois de crescer.

Entretanto, há de ser considerado o fato de que não se trata de uma tarefa fácil. Diante da aceleração da sociedade e do advento da tecnologia, os olhares estão voltados a padrões muito bem delimitados. Muitas vezes, o aluno pode ser visto como um indivíduo em branco, esperando por uma história. Sem o desenvolvimento de uma visão emancipatória e crítica, ele pode ser direcionado pelas expectativas de outras pessoas e não ser fruto de seus próprios anseios e experimentações.

A educação assumiu muitas formas no passado e se demonstrou capaz de adaptar-se à mudança das circunstâncias, de definir novos objetivos e elaborar novas estratégias. Mas, permitam-me repetir: a mudança atual não é igual às que se verificaram no passado. Em nenhum momento crucial da história os educadores enfrentaram desafio comparável ao divisor de águas que hoje nos é apresentado. A verdade é que nós nunca estivemos antes nessa situação. Ainda é preciso aprender a arte de viver num mundo saturado de informações. E a arte mais difícil e fascinante de preparar seres humanos para essa vida.

Assim, ao resgatar as possibilidades que o processo criativo nas aulas de Arte oferta, novos caminhos podem ser delineados culminando em uma aprendizagem significativa.

A arte pode constituir o equilíbrio necessário entre o intelecto e as emoções. Pode tornar-se como um apoio que [as crianças] procuram naturalmente – ainda que de modo inconsciente – cada vez que alguma coisa os aborrece; uma amiga a qual as crianças se dirigirão, quando as palavras se tornarem inadequadas (Lowenfeld, 1997, p. 19).

Por conseguinte, repensar o significado da Arte na educação escolar é também abrir espaço para os questionamentos e para a coragem de se libertar das coisas que são impostas em nosso dia a dia. Por isso, o desenvolvimento da criatividade nas aulas de Artes Visuais também influencia, de forma simbólica, na constituição da identidade do sujeito e na sua representação, pois ele pode intervir na sociedade civil, conscientizando e atuando nas políticas públicas em prol de melhorias reais para a vida cotidiana.

A educação criativa eleva, assim, o sujeito a uma visão provedora de mudanças sociais também aos sujeitos à sua volta. Isto é, considerar, conforme afirma Cortella (2001, p. 159) “que devemos agir como parte do futuro, aquele educador que procura realizar as possibilidades que a educação tem de colaborar na conquista de uma realidade social superadora de desigualdades”.

Além disso, Piaget (1976, p. 246) afirma que

a meta principal da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores e descobridores. A segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe.

Dessa forma, é esperado que o professor, na condição de mediador do conhecimento, saiba encontrar mecanismos que visem despertar a criatividade e novos pontos de vista em seus alunos. Em relação ao impacto da criatividade na vida e na Educação, Souza e Placco (2011, p. 126) apresentam o seguinte questionamento: “por que razão o que se sabe sobre criatividade não chega às práticas dos docentes ou às atividades desenvolvidas no contexto escolar?”.

Em relação a isso, Kaufman, Beghetto e Pourjalali (2011) afirmam que a criatividade ainda não está inserida de forma significativa nos currículos escolares, visto que se apresenta como um processo psicológico que vai para além daquilo que pode ser medido em relação ao desempenho do aluno em provas e avaliações. Este fator pode contribuir para que docentes apresentem uma ideia negativa acerca da criatividade, fator que somado às condições cristalizadas de trabalho pode impedir uma prática interdisciplinar.

Para isso, de acordo com Beguetto (2005 apud Kaufman; Beghetto; Pourjalali, 2011), é recomendada a inserção dos alunos em desafios, oferecendo o acesso a suportes para o aparecimento de ideias criativas. Ao mesmo tempo, deve-se diminuir os pesos das avaliações, auxiliando os alunos a naturalizar os possíveis erros. Em relação ao ensino de Artes Visuais, é necessário que o aluno experiencie e vivencie, de forma prática, os conteúdos ofertados em sala de aula.

Barbosa (2010), em sua metodologia denominada de “Abordagem Triangular”, apresenta uma nova visão sobre o ensino das Artes Visuais. Dentro desse contexto, a licenciatura em Artes Visuais deve ter um aspecto mais amplo, uma abordagem que busque uma relação mais dinâmica com a aprendizagem.

A Abordagem Triangular não se apresenta como a reprodução de um método de ensino tradicional. Ao contrário disso, se adapta ao contexto dos alunos, apresentando-se por uma abordagem dialógica em direção ao desenvolvimento de uma leitura crítica e contextualizada do aprendizado (Barbosa, 2010). A autora embasa seu pensamento em três tópicos: i) a contextualização histórica; ii) a apreciação artística e iii) o fazer artístico. Esses pontos são fundamentais para a aplicabilidade da Abordagem Triangular no ensino de Artes Visuais, conforme o esquema a seguir.

Figura 1: A aprendizagem pela Abordagem Triangular

Nesse contexto, a docência é construída coletivamente e de forma contextualizada, uma vez que o professor deve trazer o ensino da Arte para o cotidiano do discente para uma melhor compreensão do conteúdo apresentado. Em relação ao fazer artístico é importante salientar a criatividade sendo desenvolvida com o auxílio do professor, visto que o fazer artístico deve ir para além de uma mera reprodução dos conteúdos, promovendo uma inter-relação entre a experimentação, a decodificação e a informação.

Por exemplo, ao propor uma atividade prática, como a produção de obras, o docente incentiva à experimentação, levando os alunos a entrarem em contato com a expressão de ideias materializadas em objetos artísticos. Os mesmos objetos podem estar presentes em uma roda de conversa e, ao serem compartilhados pelo grupo, incentivam o olhar crítico e a produção da alteridade, permitindo que o aluno decodifique e busque compreender a obra de um outro sujeito histórico que não ele mesmo.

Por fim, associada ao uso do material didático vinculado ao conteúdo programático definido, esta prática educativa pode possibilitar a materialidade do conceito de informação, proposto e presente no tripé apresentado pela prática pedagógica consciente em Artes Visuais, baseada na Abordagem Triangular (Barbosa, 2010). O educador deve pensar sua prática na escola como um produto das relações histórico-sociais, considerando que para atuar perante a complexidade da vida diária escolar, ele deve dar forma e espaço para a expressão da subjetividade, como incentivo a um olhar sobre o mundo que seja, sobretudo, aberto ao plural.

A Abordagem Triangular, assim, é articulada de forma interativa, crítica e contextualizada, relacionando-se com a proposta pedagógica de Freire, visto que, para ele o profissional parte do pressuposto da problematização da realidade, buscando uma libertação autêntica, dando autonomia e ensinando de forma crítica os alunos (Freire, 1987).

Considerações finais

A atividade docente em Artes Visuais deve levar em consideração, como fonte de conhecimento e como prática, atuar como meio para que os educandos conheçam e modifiquem o ambiente sociocultural por meio do estímulo ao senso crítico, à criatividade, à imaginação, assim à sua autonomia por meio da experiência com os processos criativos.

Por isso, a prática educativa deve sair do engessamento de um único foco de trabalho, incentivando os educandos a pensarem sobre novas possibilidades de aprender perante o conteúdo didático apresentado. Por meio da estimulação dos processos criativos dos próprios professores, com a implementação da formação continuada, o docente é levado a uma experiência aplicada desejando trabalhar a criatividade e as potencialidades no contexto escolar.

Portanto, ao seguir em direção a uma educação emancipatória, o docente deve ir além de uma prática de categorização e repetição no ensino das Artes Visuais, estimulando o uso da criatividade na realização das atividades cotidianas, trazendo a experiência dos alunos para dentro do processo criativo, ofertando e construindo uma prática ligada a aspectos singulares da subjetividade humana, garantindo ao aluno o acesso às mais variadas análises e evitando que ocorra uma limitação e um empobrecimento da experiência educacional.

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Publicado em 19 de julho de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

CARMO, Willian Júnio do. Arte e criatividade: um olhar sobre a importância das aulas de Arte nos anos finais do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 26, 19 de julho de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/29/arte-e-criatividade-um-olhar-sobre-a-importancia-das-aulas-de-arte-nos-anos-finais-do-ensino-fundamental

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