O filme "Soul" como transposição didática para o ensino de Ciências e Arte

Daniel Macedo Lanes

Graduando em Artes Visuais (UEM)

José Nunes dos Santos

Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (Unicamp), pós-doutorando em Formação de Professores (UFSCar), professor QPM de Biologia e Ciências da Rede Estadual Paranaense

Diante dos obstáculos impostos pela docência na Educação Básica, o professor busca múltiplas possibilidades de ações que driblem as dificuldades no processo de ensino-aprendizagem e que possam agregar contribuições à sua prática pedagógica. Para tanto, o educador, como principal atuante nos ambientes escolares, pode adotar iniciativas e práticas diferenciadas para assegurar a aprendizagem dos alunos. Assim sendo, o recurso fílmico se apresenta com grande potencial pedagógico durante o planejamento das aulas na Educação Básica. Como aponta Santos (2019, p. 25), “o professor, ao usar o filme com o objetivo de ensinar, pode organizar esse recurso didático de forma que os alunos se apropriem do conhecimento científico com o qual pretende trabalhar”.

Sobretudo para o ensino de Ciências e Arte, o recurso fílmico oportuniza que conhecimentos específicos das Ciências e das Artes, seus conceitos, conteúdos temáticos e significados sejam analisados e interpretados com maior abrangência e especificidade de acordo com o conteúdo programático organizado pelo docente. Em conformidade, Santos (2019) explica que

o filme pode ser utilizado na sala de aula como forma de interagir com o conteúdo programado do plano de trabalho docente (planejamento). Ele se constitui como um recurso pedagógico que possibilita mobilizar a atenção dos alunos para a construção/apropriação do conhecimento escolar (Santos, 2019, p. 33).

Além dessas considerações, levar um filme para sala de aula é muito mais que uma alternativa do professor; trata-se, sobretudo, de um compromisso com a discussão sobre as ideologias inseridas nos meios de comunicação (Cunha; Giordan, 2009) – nesse caso, a mídia cinematográfica. Quando se sugere um conteúdo por meio do enredo fílmico, aparecem problematizações distintas, discussões que se propagam com naturalidade e liberdade de pensamento, instituindo um espaço para o intercâmbio de ideias. Os filmes se configuram como componentes pedagógicos ao introduzir elementos estéticos e culturais na experiência escolar. Consequentemente, despertam o interesse e estimulam os estudantes para uma aprendizagem significativa, colocando em curso tanto os conteúdos nomeados pela escola como as linguagens audiovisuais que possibilitam ao leitor/espectador singulares conhecimentos estéticos e imaginativos que impactam as formas de perceber o mundo.

Na prática em sala de aula, cabe ao professor empreender ao máximo as potencialidades pedagógicas do texto fílmico, principalmente no que pertence à acuidade dos aspectos artísticos, culturais e científicos. Com base nessa realidade, é preciso que a escola acompanhe as mudanças da sociedade para enfrentar os desafios dos processos educativos, dentre os quais buscar caminhos para melhorar o ensino de Ciências e Arte. A preocupação com a qualidade do ensino de Ciências e Arte envolve muitas variáveis, como: organização motivadora; dinâmicas envolvidas; condições de infraestrutura (que devem ser adequadas e confortáveis); e tecnologias acessíveis e constantemente renovadas, dentre outras.

Nesse contexto, levando em consideração todas as possibilidades, dadas as condições estruturais e de planejamento didático do ofício docente, o professor deve se encarregar quanto à seleção dos filmes para o trabalho pedagógico a ser desempenhado com a turma. As discussões advindas desse processo são estabelecidas entre o ele os alunos; dessa forma, “é necessário que ambos aprendam a fazer e a compartilhar sua leitura. Assim, cabe ao educador saber que o cinema é uma complementação lúcida, rica em temáticas e detalhes, provocadora de encontros, pronta para contribuir na eficácia de sua atuação educativa” (Pimentel, 2011, p. 184). Para que isso ocorra, o processo seletivo dos filmes pode explorar uma gama de elementos que compreendem o conteúdo, a linguagem ou aspectos técnicos das produções cinematográficas. Essencialmente, para fins desta pesquisa, a animação se sobressai em relação a outras classificações de modalidades fílmicas, pois abarca um conjunto de componentes estéticos e formais que caracterizam esse tipo de produção. Nesse sentido, Santos (2019, p. 35) afirma que,

no filme de animação, podemos encontrar a música, o enredo e a dança, entre outros elementos, de forma que, além do resultado visual, proporcionado pelo trabalho artístico do animador, a natureza dos elementos fílmicos pode colaborar para a construção de significados que visam à apropriação do conhecimento científico por parte dos alunos.

Desse modo, o filme como recurso mediador do ensino e da aprendizagem escolar, definido neste trabalho de investigação, demanda descrições da análise fílmica, a fim de expressar algumas possibilidades de intervenções pedagógicas que envolvem o uso do filme Soul (2020)na Educação Básica, principalmente, no ensino de Ciências e Arte. Nessa perspectiva, este trabalho teve como objetivo investigar a animação mencionada como ferramenta agregadora e estimuladora de intervenção pedagógica, para auxiliar no desenvolvimento da aprendizagem no processo do ensino de Ciências e Arte.

O filme como ferramenta pedagógica no ensino de Ciências e Arte

O ensino na Educação Básica abrange a abordagem de inúmeros acontecimentos e, muitas vezes, o uso de mídias cinematográficas se configura como recurso essencial à sua apreensão. Assim, conforme as concepções de Santos (2019) e Napolitano (2010), discutimos nesta seção fundamentações teóricas cuja proposta de investigação pretende apresentar o filme como potencialidade pedagógica para a organização metodológica de ensino na Educação Básica, especialmente para o ensino de Ciências e Arte.

O desempenho da docência é marcado por trajetórias singulares que abarcam suas realidades sociais e condições estruturais, influenciando diretamente o percurso didático a ser desenvolvido pelo docente na Educação Básica. Trata-se de um percurso que impõe diversos desafios e questionamentos, exigindo do educador que ofereça alternativas que sejam capazes de proporcionar diferentes possibilidades pedagógicas para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem dos alunos. Nessa dimensão, Santos (2019) considera o filme como instrumento pedagógico potencializador para o plano de trabalho docente nos espaços educacionais e destaca que

o filme não deve ser utilizado no contexto escolar como simples ilustração, mas sim como forma de promover uma análise crítica da narrativa e das representações fílmicas, consideradas como elementos propulsores de pesquisas e debates temáticos, promovendo a articulação currículo/conteúdo, habilidades e conceitos que são categorias básicas da relação de ensino-aprendizagem escolar (Santos, 2019, p. 28).

Por meio dessa condição, o professor desempenha papel fundamental, pois pode atuar como mediador entre o filme e o aluno, estimulando argumentações críticas que extrapolem a intenção recreativa do educando a respeito do cinema. Diante disso, compreende-se que a função do professor é primordial, fundamentando o processo argumentativo do estudante, oferecendo subsídios que constituam e beneficiem suas discussões, possibilitando um ambiente de escuta recíproca e capaz de constituir debates, contribuindo para que a turma exponha suas expressões e divergências originárias no processo de ensino-aprendizagem (Santos, 2019). Assim sendo, Napolitano (2010, p. 31) menciona que o professor

deve propor leituras mais ambiciosas além do puro lazer, fazendo a ponte entre emoção e razão de forma mais direcionada, incentivando o aluno a se tornar um espectador mais exigente e crítico, propondo relações de conteúdo/linguagem do filme com o conteúdo escolar.

Portanto, entendemos que o cinema se apresenta como potencial para o ensino de Ciências e Arte, uma vez que, mediante o trabalho e o planejamento didático do professor, torna-se viável contribuir com ações didáticas capazes de agregar pedagogicamente para a otimização da experiência educativa dos discentes.

Barbosa (1989) expõe os impasses presentes na formação de profissionais de arte-educação no Brasil, nos quais, por vezes, os educadores adquirem seus diplomas e, no entanto, muitos encontram dificuldades para desenvolver uma educação artística e estética que vise compreender contextos históricos e gramáticas visuais, bem como o fazer artístico como autoexpressão. Apesar disso, entendemos que o professor de Arte exerce extrema importância para a Educação Artística, especialmente por desempenhar seu trabalho tendo passado por uma formação e preparação específica para atuar nos espaços educacionais, sendo o mediador entre a educação, a arte e o educando. Suas aulas necessitam de um planejamento pautado nos momentos e realidades sociais da turma, estabelecendo mudanças e fazendo a diferença diante do aprendizado dos alunos.

Ensinar Ciências envolve a abordagem de inúmeros fenômenos e, muitas vezes, os usos de filmes se configuram como recursos essenciais à sua compreensão. Os elementos da cinematografia, imagens e sons, que compõem o filme auxiliam o espectador aluno na construção daquilo que vê no texto fílmico (Santos, 2013). Desse modo, o estudante compreende e interpreta o conhecimento científico, subsidiado tanto pelo conjunto de imagens como pelo som.

No âmbito de tais apontamentos, o profissional docente pode incorporar diariamente em sua disciplina recursos educativos que possam oferecer diferentes possibilidades educativas aos estudantes. Frente às dificuldades impostas pela docência, o professor de Ciências e Arte, ao utilizar o cinema como opção didática, oportuniza que determinados filmes atuem como instrumento pedagógico facilitador/agregador para o ensino e a aprendizagem da turma. Conforme Napolitano (2010), a análise fílmica em sala de aula pode servir de auxílio para o desenvolvimento de habilidades pautadas na manipulação e na decodificação de múltiplas linguagens, tais como a verbal, gestual e visual. Em conformidade e colaborando com essas ideias, Santos (2019, p. 31) aponta que “essa perspectiva permite ao professor a adequada seleção de filmes a serem utilizados [...] a partir da elaboração de propostas didáticas que explorem os diversos âmbitos e possibilidades proporcionados pela linguagem fílmica”.

Diante dessa realidade, destacamos o estudo dos elementos visuais no percurso do ensino de Ciências e Arte na Educação Básica e consideramos que o gênero fílmico animação viabiliza debates acerca dessa temática, que frequentemente apresenta-se como material pedagógico capaz de proporcionar uma diversidade de leituras mediante a linguagem visual que compõe a narrativa da história retratada. Tais elementos oportunizam, em âmbito educacional artístico, a formação, assim como a interpretação de significados e sentidos estéticos da imagem. Nessa direção, e colaborando com nossas ideias, Pimentel (2011, p. 116-117) enfatiza que

a linguagem artística e poética traz de imediato a questão da estética que se pode encontrar na produção de cinema. Estamos falando dessa estética que provoca o olho sensível do receptor frente à imagem que aparece na tela, sem a pretensão inicial de levá-lo a atingir uma racionalidade imediata. [...] Ainda, como primeiro contato de “estranhamento” ou “espanto”, que arrebata, apela à indagação sobre as coisas e as relações que se tem com elas.

Nesse viés, buscamos, por meio do método de análise fílmica proposto por Vanoye (1993) e Vanoye e Goliot-Lété (2005), tornar oportuno o estudo da linguagem visual presente na animação Soul (2020), que, por sua vez, proporciona a identificação, a compreensão e o debate a respeito de conhecimentos científicos e artísticos para o desenvolvimento da aprendizagem no ensino de Ciências e Arte na Educação Básica.

Caminhos metodológicos

Quanto aos meios de investigação, a pesquisa possui caráter qualitativo, bibliográfico e documental, acompanhado da análise fílmica para o ensino de Ciências e Arte. Na pesquisa qualitativa, os dados são quebrados em unidades menores e, em seguida, reagrupados em categorias que se relacionam entre si de forma ressaltar padrões, termos e conceitos (Bradley, 1993). A abordagem qualitativa na pesquisa possibilita a coleta de dados por meios de documentos; assim, para Fonseca (2002), a análise documental se aplica a materiais que permitem ser usados como fonte de informação, constituindo muitas vezes diversificados e dispersos, como visto em atas, arquivos, diários, relatórios, filmes e pinturas, entre outros.

Nessa condição, a investigação qualitativa em Educação agrupa diversas estratégias de desenvolvimento e possui determinadas características peculiares de autoajuste no momento da investigação. Sua fonte de dados é o ambiente natural, sendo o investigador seu principal elemento. Por meio desse tipo de investigação, é possível analisar uma situação natural, coletar dados descritivos e analisar a realidade de forma contextualizada (Lüdke; André, 1986).

Assim, na análise de dados desta pesquisa qualitativa, destaca-se a análise fílmica por meio de frames. Nesse enfoque, ao observarmos a animação Soul (2020)com base nas descrições desses elementos, é possível desconstruí-la e elencar frames por intermédio da etapa de desconstrução e reconstrução de Vanoye (1993) e Vanoye e Goliot-Lété (2005). A partir dessa circunstância, analisar um filme ou um fragmento é “decompô-lo em seus elementos constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se percebem isoladamente ‘a olho nu’, uma vez que o filme é tomado pela totalidade” (Vanoye; Goliot-Lété, 2005, p. 15).

Dessa forma, a análise fílmica aparece como uma metodologia que, de acordo com Vanoye (1993), se apresenta em duas etapas: a primeira em que o analista precisa desconstruir o texto fílmico de maneira intensiva, alcançando um conjunto de elementos separados do filme – anotações dos elementos, das características e das técnicas da linguagem visual cinematográfica. A segunda etapa consiste em estabelecer ligações entre esses elementos isolados e analisados para compreender como eles se integram e, em seguida, para reconstrução do texto fílmico analisado. Assim, a análise fílmica é uma criação do analista que, a partir dos significados tirados do filme, traz amostras aos objetos da análise. Nessa direção, “desmontar um filme é, de fato, estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo melhor” (Vanoye; Goliot-Lété, 2005, p. 12).

Nesse contexto, o processo metodológico de análise pode ser considerado um procedimento de construção de indicadores que se constituem em torno de unidades de sentido, de acordo com a interpretação proposta pelo pesquisador e frente ao seu referencial teórico estudado, surgindo da consistência de um conjunto de referências explicativas e correlacionais. Com base nisso, para a coleta de dados, será investigado e decomposto o filme Soul (2020),produzido pela Walt Disney Pictures e Pixar Animation Studios, conforme os seus planos, narrativas, identidades e aspecto da trama. Em tais procedimentos de investigação, uma questão se sobressai: de que modo o filme Soul se mostra como opção de vetor de possibilidade didática para o ensino de Ciências e Arte?

O destaque atribuído à mídia cinematográfica na questão se relaciona com aspectos de processos metodológicos que podem se moldar como instrumentos de ensino na Educação Básica para o Ensino Fundamental, uma vez que envolve a linguagem fílmica como instrumento mediador para a aprendizagem do estudante. Nessa concepção, este trabalho teve como objetivo investigar a animação Soul (2020)como ferramenta agregadora e estimuladora de intervenção pedagógica, a fim de auxiliar no desenvolvimento da aprendizagem no processo de ensino de Ciências e Arte na Educação Básica. A investigação será apresentada a partir da análise fílmica por frames – duas análises. Na primeira, destacamos a possibilidade de o filme Soul contribuir para a aprendizagem de conceitos científicos e para a construção de significados nas aulas de Ciências; a segunda envolve a discussão relacionada aos conceitos de ponto e linha para o ensino de Arte.

Resultados e análises

Para nortear as discussões acerca dos resultados obtidos com a presente pesquisa, buscamos apontamentos ponderados em seções anteriores e noções teóricas discutidas principalmente por autores como Santos (2019), Napolitano (2010), Vanoye e Goliot-Lété (2005) e Vanoye (1993) para analisar a eficiência do gênero fílmico Soul (2020) como possibilidade de recurso pedagógico no processo do ensino em Ciências e Arte.

De acordo com Santos (2019), na análise fílmica em sala de aula os alunos podem ser previamente preparados pelo professor para assistir ao filme, além de estar sujeitos à proposição de atividades durante ou após sua exibição. Dessa maneira, “o papel do professor é contribuir para a formação do aluno crítico, propondo relações da linguagem fílmica com o conteúdo escolar”. Nesse sentido, sobretudo para o ensino de Ciências e Arte, a animação Soul (2020),dirigida por Pete Docter, pode subsidiar pedagogicamente a aprendizagem de conhecimentos científicos e artísticos, pois, conforme Pimentel (2011, p. 103), a análise e a interpretação de um filme proporcionam aos alunos “estabelecer suposições para exprimir subentendidos e preencher vazios, aprender a observar, descrever, questionar, associar, comparar, transpor o percebido para o contexto cultural, individual e em grupo”.

Nessa situação, “o filme é, portanto, o ponto de partida e o ponto de chegada da análise” (Vanoye; Goliot-Lété, 2005, p. 15), sendo possível, desse modo, “aprofundar a representação das coisas observadas” (Napolitano, 2010, p. 23). Diante disso, evidencia-se a eficiência do gênero fílmico Soul (2020) como potencialidade de recurso pedagógico nas ações didáticas para o desenvolvimento de processos de ensino de Ciências e Arte na Educação Básica.

Assim, o filme Soul (2020) possibilita ser um recurso pedagógico que, mediante suas linguagens, pode problematizar/contextualizar conceitos inerentes à formação educacional no ensino de Ciências e Arte.

O filme Soul no ensino de Ciências

Para Vanoye e Goliot-Lété (2005), o processo de desconstrução na análise de um filme diz respeito à fragmentação ou seleção de elementos da materialidade fílmica e consiste em um conjunto de informações separadas, anotações de determinadas características, técnicas e aspectos da linguagem visual cinematográfica. Nessas circunstâncias, Santos (2019, p. 30) declara que “a escolha de um filme para abordar determinado conteúdo escolar implica, portanto, na desconstrução, identificação e discriminação dos elementos que compõem o seu conjunto e a articulação com o tema trabalhado em sala de aula”.

Considerando que o uso de animação pode contribuir para a educação em Ciências, a desconstrução do filme Soul (2020)pode colaborar para a divulgação científica à medida que instaura a possibilidade de estranhamento entre o mundo ficcional e o mundo real, categoria que pode impulsionar a discussão de elementos importantes da cultura científica, como: conceitos científicos, aplicações técnicas, aspectos históricos e culturais da produção científica, interações do empreendimento científico com a sociedade etc.

Buscando compreender a reconstrução fílmica, Vanoye e Goliot-Lété (2005) mencionam que cabe ao analista propor e estabelecer ligações entre os elementos isolados e o que se pretende analisar, para que, por sua vez, a narrativa fílmica seja reconstruída de maneira contextualizada. Dessa forma, com o intuito de contextualizar a animação Soul (2020) com o ensino de Ciências, apresentamos frames a serem utilizados como estratégia pedagógica para interpretar conhecimentos científicos a partir da linguagem visual do texto fílmico.

Frame 1: Som e notas musicais

Fonte: Filme Soul (2020).

De acordo com Santaella (2012, p. 35), existem diferentes fatores que orientam a leitura de uma imagem, “mas um dos mais reveladores consiste na decomposição de seus elementos básicos para que possam ser avaliadas suas qualidades específicas e as relações que eles estabelecem entre si na constituição do conjunto”. Assim, o Frame 1 como recurso pedagógico nos processos de ensino de Ciências possibilita mediações no sentido de provocar o aluno a decodificar informações cientificas sobre fenômenos da Física de “ondas e som”, ou seja, compreender os signos representativos trazidos pelo frame. Na Física a nota musical é empregada para designar o elemento mínimo de um som, formado por um único modo de vibração do ar. Deste modo, cada nota obedece a uma duração e está associada a uma frequência (f) de uma onda sonora, cuja unidade de medida mais utilizada é o hertz, a qual descreverá em termos físicos se a nota é mais grave ou mais aguda. Isto é, quanto maior é a frequência do som, mais agudo (ou alto) esse som é. No oposto, sons de baixas frequências são titulados como sons graves (ou baixos).

 Frame 2: Almas

Fonte: Filme Soul (2020).

Na animação Soul (2020), o “Pré-vida” ou "Escola da vida” (Frame 2) é miscigenado por dois tipos de almas: uma prontamente viveu no planeta Terra e não almeja morrer (pianista Joe Gardner – à direita no Frame 2); a outra jamais nasceu e não anseia viver (alma chamada 22 – à esquerda do Frame 2). O filme, por meio de suas múltiplas linguagens, pode ser empregado como motivador para a aprendizagem de conceitos e leis científicas, podendo criar condições de problematização do conteúdo temático Lei da Gravitação Universal.

Frame 3: Almas que flutuam

Fonte: Filme Soul (2020).

As almas que jamais habitaram o planeta Terra não conhecem o que é gravidade, então costumam flutuar (Frame 3). Já as almas que viveram na Terra se sentem mais confortáveis com a gravidade, então preferem caminhar. O enredo fílmico possibilita a realização de debates a respeito desses temas. A Lei da Gravitação Universal constitui que, se dois corpos possuem massa, eles sofrem a ação de uma força atrativa proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional à sua distância. Em súmula, pode-se determinar que a força gravitacional é decorrência diretamente proporcional entre o produto de massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre os centros de massa. Tal apreciação, é lógico, necessita ser realizada para corpos que se atraiam gravitacionalmente.

O filme Soul (2020), “como linguagem audiovisual, provoca conhecimentos que possibilitam ao estudante interpretar o mundo e apre(e)nder a realidade” (Santos, 2018, p. 140). Dessa forma, entendemos que a animação pode despertar no aluno um encantamento peculiar que, comungando com as ideias de Santos (2018) e Napolitano (2010), pode estimular o aprendizado do aluno, tornando-o um espectador crítico a partir das suas percepções, das suas impressões e das suas sensações identificadas no texto fílmico.

O filme Soul no ensino de Arte

A desconstrução da animação Soul (2020) a partir da identificação do ponto (Frames 4 e 5) e da linha (Frames 6 e 7) por meio da conceitualização de Santaella (2012) e, posteriormente, a reconstrução mediante os elementos identificados na linguagem visual fílmica, seguida de uma descrição pedagógica contextualizada, oportuniza reconhecer e compreender esses conhecimentos artísticos para o ensino de Arte. 

Assim, em primeira instância, ao assistir ao filme Soul (2020) conforme orientações prévias do professor de Arte, torna-se disponível para o alunado a oportunidade de observar e estabelecer relações entre os conceitos de ponto e linha com a visualidade estética presente na composição da narrativa em questão; logo, oportuniza-se voltar a atenção para determinados frames com o intuito de provocar a identificação dessas formas.

Diante da desconstrução e identificação dos quatro frames principais selecionados, é possível realizar a segunda etapa de análise: a reconstrução. Como mencionamos no decorrer do percurso analítico, essa etapa permite exercer uma leitura minuciosa e contextualizada dos fragmentos coletados. Sob essa óptica, viabiliza-se perceber e interpretar os conceitos de ponto e linha para a apropriação desses conhecimentos.

Frame 4: Planeta Terra

  Fonte: Filme Soul (2020).

Dentro dessa perspectiva, os Frames 4 e 5 no texto fílmico Soul (2020) podem representar pontos; Santaella (2012, p. 35) define ponto como:

a unidade visual mínima, responsável por sinalizar e marcar o espaço ocupado pelos elementos visuais. Um ponto no plano ou no espaço exerce grande atração sobre a visão humana. Dois pontos funcionam como uma ferramenta para medir o espaço e seu entorno ou para o desenvolvimento de qualquer tipo de plano visual. Quanto mais vários pontos estão próximos uns dos outros, mais aumenta sua capacidade de guiar o olhar.

Frame 5: O ponto

Fonte: Filme Soul (2020).

Dadas essas considerações, percebe-se nos Frames 4 e 5 dois pontos centrais, duas formas simples em termos de composição, mas que possuem grande poder de atração visual, fato que é evidenciado pelo contraste das cores presente entre esses elementos e o fundo. Também se observa que nas duas imagens há a presença de pequenos pontos secundários. Nesse contexto, partindo da definição de ponto descrita por Santaella (2012), o filme Soul (2020)permite a apropriação e o reconhecimento desse componente mediante a linguagem visual presente no texto fílmico.

Ao analisarmos os Frames 6 e 7, notam-se diversas linhas que, a partir da maneira como são dispostas, dão forma aos personagens “Zés” da narrativa, configurando a fisionomia de algumas partes do corpo, como cabelo, braços e mãos, narizes, bocas e outros.

Frame 6: A linha

Fonte: Filme Soul (2020).

Para Santaella (2012, p. 35), podemos considerar linha em uma perspectiva:

Quando a proximidade entre dois pontos é tão estreita que não se pode reconhecer a individualidade de cada um, a sensação de direcionamento aumenta e a cadeia entre os pontos se converte em um elemento visual com especificidade própria: a linha. Esta também pode ser definida como um ponto em movimento ou como a história do movimento de um ponto. Nas artes visuais, a linha tem grande energia e nunca é estática. Apesar de sua flexibilidade, ela não é vaga, mas precisa. Impõe-se ao olhar. Também é um meio indispensável para visualizar o que não se pode ver, o que só existe na imaginação. Ela apresenta ainda uma variedade de atributos. Pode ser delicada ou firme, ondulada ou retilínea, vacilante e indecisa ou audaz, homogênea ou instável.

Frame 7: Os Zés

Fonte: Filme Soul (2020).

Nessa direção, os Frames 6 e 7 apresentam em seus aspectos compositivos traços finos e cores harmônicas que transmitem sensação de movimento ao olhar, o qual é provocado e se atenta em identificar um possível começo e fim para a figura retratada. Além disso, é possível visualizar ainda pequenos pontos formados mediante o percurso traçado pelas linhas, que podem ser descritos e associados como os olhos das personagens.

Diante disso, verificamos a concordância das possíveis leituras visuais dos frames com os conceitos apresentados por Santaella (2012). Por isso, enfatizamos a animação Soul (2020) como possibilidade didática para o ensino de Arte na Educação Básica, demonstrando que, “como arte, o texto fílmico possui características peculiares e linguagens próprias” (Santos, 2019, p. 29). Portanto, ressalta-se que o filme atua como instrumento mobilizador para o ensino por meio da organização didática do professor de Arte nos espaços educacionais, estabelecendo contribuições pedagógicas ao processo de ensino-aprendizagem na educação escolar dos alunos.

Considerações finais

Tendo em vista a realização desta pesquisa, destacamos que utilizar a animação Soul (2020) como recurso pedagógico proporciona ao professor potencializar suas ações didáticas que, por sua vez, ampliam as possibilidades de acesso ao conhecimento dos discentes comtemplados com tal prática educativa. Dessa forma, consideramos que o educador, ao fazer uso da animação como ferramenta agregadora e estimuladora de intervenção pedagógica, pode estabelecer formas de enfrentamento das objeções impostas pelo desempenho da docência na Educação Básica. Empreender o cinema como instrumento educacional permite e assegura um cenário de contribuições ao processo de ensino-aprendizagem, e a partir dessa concepção concordamos com Napolitano (2010, p. 11-12) quando declara que desenvolver atividades com o cinema em ambiente escolar é possibilitar ao aluno “reencontrar a cultura [...], pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia, e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte. Assim, [...] os filmes têm sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar”. 

Desse modo, verificamos que o filme Soul (2020) torna oportuna a mobilização de conteúdos temáticos característicos das disciplinas de Ciências e Arte, possibilitando uma abordagem pedagógica que pode promover o acesso a conhecimentos por meio das múltiplas linguagens responsáveis por constituir a narrativa fílmica. A respeito disso, Santos (2019) pontua que linguagens não verbais (imagens) e verbais (sons) contribuem para que o espectador conceba julgamentos daquilo que é visto no enredo fílmico; assim o espectador/aluno pode compreender e interpretar conhecimentos, tendo auxílio das imagens e do que ouve. Portanto, evidenciamos que os resultados encontrados possibilitaram explicitar como o filme Soul (2020)se mostra uma opção de vetor de possibilidade didática para o ensino de Ciências e Arte na Educação Básica.

Referências

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VANOYE, F. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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Publicado em 19 de julho de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

LANES, Daniel Macedo; SANTOS, José Nunes dos. O filme "Soul" como transposição didática para o ensino de Ciências e Arte. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 26, 19 de julho de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/26/o-filme-soul-como-transposicao-didatica-para-o-ensino-de-ciencias-e-arte

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