Feminino som, luz e singularidade: o voltar para casa, colher poemas
Marcelo Calderari Miguel
Especialista em Estatística, pesquisador do PIICT (UFES)
Plenitude mulher, fecundo fisco
A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Constrói-a, num instante, o meu desejo!
(Florbela Espanca)
Vejo a mulher em tudo de mais belo que há – precisamente, fortaleza
Mulher é disposição, bosqueja escarcéus e glórias, pujança e petulância!
A feminilidade não seria um caminho, faz parte do percurso da mulher
E ela, mesmo diante das incertezas e perrengues, encontra a coragem de renascer
Apesar das dores do parto e da idade; mesmo diante de violências é eternal simpatia
A despeito das visões preconceituosas; topa seguir em frente e carameliza sonhos
Mostra talento, traz a destreza de amar sem medidas, joia alentadora de beleza própria
Assim, projeta vida e inspira, realizações se concretizam – fecunda façanha
Por terras sem fim ela transforma: gera valores, cria redes, regenera sinas.
Na fartura de sua finura, no primor de sua leveza, é confeitaria de uma cor ímpar.
Uma tacha na caixa de pandora
Caixa de Pandorica se fosse aberta
Dela escapariam as maquinarias dos Olímpio.
Pandora, a feminil, trouxe consigo esse artefato cabalístico.
Veja, meu senhor, a caixa é um jarro. Nela muitas tretas havia.
Cabia à mulher ter curiosidade e nesse presentinho de grego fuxicar?
Hoje estamos lascados, do escuso objeto saiu muito mais que labaredas!
Na alça do jarro só a esperança ficou; e o bem ou o mal se minou pelo planeta.
Este ranço danado é bom ou mau? Eis ai o dilema, uma esfinge que me tortura.
Contundentemente me pergunto: por que não pregaram a alça, abrir seria bem árduo.
Todo bem do jarro escapou-se.
Paciência, bondade, castidade,
Humildade, temperança, ética,
Diligência, caridade, prudência.
Caixa com arsenal de desgraças:
Discórdia, guerra e as doenças.
Preguiça, orgulho, avareza, ira,
gula, luxúria, inveja e vaidade.
A caixinha de surpresas, pouco salubre,
Não era nem o bem ou mal... Pandora?
Sede de notícias e as estúpidas mentes.
É hora de mudar! Não carece inventar!
Melhor seria ludibriar alguma situação,
e pensar que a caixa espaventos recria.
O cirza das transitoriedades femininas
Mil circunstâncias, paragens e vãos pensamentos. Bem retesados? Não creio.
Traga no desencantar de mundo a turgidez de Lucíola e o poder de Lakshmi.
A todo momento move confins, subversivas e insubordinadas orações.
Diante dos espasmos e dos tormentos, surge grande fênix nela.
Corta os estreitos com coruscante troada de dinamite.
Lança no espaço o utópico unicórnio, ser bestial.
Exterminadora é, Ser estilosamente terso.
E não charneira reter futilidades, nem
Tessitura animal e hipônica
Haja bolsas.
Ampulheta é.
Igualmente auréola.
Desengonçada ou titereira!
Maestria e calicarpia habitam nela.
Faz do alérgico fervor, capão vital, farândolas.
Entre dissabores e amores veja: hasteia bandeiras.
E um grande pano alimenta, traça fronteiras nada nanicas
Na incrível artimanha de recosturar a vida, superação Mulher.
Com ou sem bagagem ela é pura viagem; tece e coze as circunstâncias.
Na intensa arte de reivindicar e recomeçar, (re)projetar altivo e audaz caminho
Entre tarefas e mil espaçamentos, alcança predileções e afasta tempestades vastas.
Intrépida mãe, alado tesouro
Mãezinha e mãezona, faz adventícios avanços
Uma benção, uma pérola, uma locomotiva dádiva
Uma vocação no seio de uma sociedade democrática
E tem fora de si um pedaço do seu íntimo, fôlego e suspiros
Mãe é sorrir com a alegria do filho
Às vezes é chorar com suas dores e marasmos
Outras vezes é repreender quando for preciso
Sempre, ininterruptamente, um protetor anjo.
Genitora de batalhas diárias é uma leoa para defender
Enche a cria de assaz carinho, cafunés, cuidados
Vive impávida lutas, abdica da própria vida
E ergue-se, peleja e tira os filhos da penúria
Mamãe é abrigo, imprescindível porto
Alguém que é fortaleza e heroína nata
Um Ser marcial imbatível, defensora árdua
Sem abafar, mais que segura, a sutileza de rainha
Progenitora de aprendizado, é ser de exemplo
Criatura amiga e confidente, faz prece e esculacha
Genetriz divinal, mulheres-cônjuge e chefe de família
Mostram que o amar é algo incondicional, trem da vida.
Cambiante Zuzu, cadência Angel
Curvelo nuclear ação – Tão vigorosa mãe – e tu não imaginas o porquê:
Audácia viva é os 100 anos de uma mulher revolucionária se celebrar.
ela fez arte, enrijece a humanidade, a sociedade na fina roupagem de humanidade
Jamais poderíamos sobrepesar a cratera que é o desaparecer no ar!
Zuzu aguenta firme, dogma da humanidade, abrolha trajetória e virtudes
Angel e super revolucionária no toque, redargui que democracia é internacional luta.
Para arsenal dossiê não dá o abraço a torcer, direitos humanos estampa, prega e alastra
Sim, eis os gestos da mulher bravura... Pessoal guerra à ditadura trava.
Moda também faz denúncia, murmurara-se o excêntrico, emerge sensíveis arquivos.
Assim vista a camisa, lave sua bandeira: democratismo se estampa, apego manifesta.
Isto é mais que política, erguer protagonista, mais que questão de gêneros e migalhas.
Lembranças são para que não se suceda o cala-te! Jamais esqueça! O mal esvaída...
Tempo algum, desdobrável subversão
Mulher, senhora de valores – o rosto corado de primores, expressa autêntico arrojo
Na vida cotidiana faz encantos, recria miragens e turbina entre o céus, luas e mares
Desenha-se épica e celestial – no bar ou lar quebra paradigmas, esplêndida e sensual.
Não perca sua feminilidade, ideologicamente luta, segura de si e para garantir espaços
Nata esperança – um arvorar de cores e os símbolos de humanização e acolhida
Ouvidos se inclinam aos seus suplícios: mito e brios situam seus lauréis e memórias
Sim, a sonoridade feminina diz: liberta, libertária ou libertina as escolhas são minhas
É menina que insiste em morar no corpo de mulher, presume em só fazer o que quer
Magnífica e colossal esperança, revela empoderamento diante da frivolidade machista
Acredita na liberdade, autonomia é gigante e desperta que seu lugar é onde bem quer
Sob face de perjúrio, reza a lenda que mulher é grito: nítida herdeira da liberdade
Reverberante a quem ousar negá-la, protagonista desconstrói injustiças, é resistência
O feminismo deve se ampliar, realçar um basta à repressão e às sórdidas hostilidades
Nunca desdoure o enigma da feminilidade. Jamais retroceder, diz não ao patriarcado.
Selvagem feminilidade, suplanta o que vem do falo
A feminilidade é ar de mistério, astúcia da olímpica mulher
Canta melodias que fazem sonhar; amiúde enigmática aos homens
Corre nua pela floresta, clara a ostentação fálica, mágica lente própria e pura.
Cuidadora estro, dança pela terra deixando mistérios e compassiva marca
Na especificidade do seu desejo, aborda o real e olha ciganamente a vida
Algo de Maria e de Capitu, de luz e sombra, de rutilância e penumbra.
Selvagem vir-a-ser, faz existir significante identidade feminina
A respeito da feminilidade é necessário indagar e consultar a poética ampla
Espírito livre, a mulher é selvagem e liberta os tons psicanalíticos
Não esconde o azul e o rosa, o púrpura menina, o marsala rapariga, o cinza anciã.
Oblíqua e dissimulada, majestosa e prendada, linda e recatada, baliza sistemas.
Mulher é alento e alma, capital talento, traços de empatia, gentileza e sensibilidade.
Chave e portal entre o céu e a terra e geras calor e vida – capta as canchas frutíferas
Teu corpo não é pecado e, voa passarinha, leva sua fênix voz de esplendor a galáxia.
Irregular feitio, soltar as rédeas
Se você quiser continuar...
Eu vou tentar meus ciúmes controlar...
Eu te amo muito, vamos nos ajudar e somar.
Você tenta não se afastar tanto de mim. Lutaremos!
E vamos nos auxiliar, porque nós dois estamos sofrendo.
Então vale muito a pena, vamos tentar! Existe o apaixonar.
Há uma ternura fenomenal, casual, espacial entre nós dois
Quando ontem no cinema você minha mão segurou
Deitou a cabeça no meu ombro e me abraçou
Beijos pedi e você me concedeu
Nem mais, nem menos.
Desistir, não! Jamais tão facilmente.
E execrável algo, sugere a pensar ou não pensar naquilo?
Autonomia sexual, corporal e financeira valoriza a luta de se igualar
Em lacônico período, fanal e sombrio, rutilâncias pífias não abalam o Ser.
Irracional e perigosa, a feminilidade faz edificar o misterioso lastro e miríade.
Em si gesta representatividade e expressão, da mesma forma que ama utopias.
E sofre com a tal indiferença, no instante o que se carece mesmo é de carinho.
E contigo o mundo toma gosto de menos fel, vem, está bem mais seguro.
Dessa circular pressente colosso emblema, gestos de bem almejamos!
Todo relacionamento tem par momentos: bons e ruins há.
Vamos então tentar? Só os bons prevalecem!
Balela e lero-lero, deixa rolar.
Cíntia Glabela, saia mulher
De crescente ao invisível, a escolha é tua.
No tricotear de lábia, há falas cruas e puras.
No minguar de fatos e panteões, a realidade é dura!
Nas apocalípticas façanhas, concebe ideais – rico e versátil
Nesse residencial contemporâneo: a Lua é uma realidade púrpura.
No rol de distopias e retrotopias, vigora cada vez mais ativa postura.
Determinada e independente; mulher solteira, viúva, casada, divorciada.
Nata e feminista, rompante no potencial produtivo, criativo ou demissexual.
Na idiossincrasia de fazer e ser pugna; não consortes, nega parvas de fragilidade.
Mulher elegante e faceira! Segura e orgulhosa, sabe seu potencial e a bandeira que é.
Traçam elas, com excitabilidade ou embaraços, suntuosa luta ao espúrio tolo machista.
Deus Ulo, viva a expressão feminina
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
(Florbela Espanca)
Afrodite e Perséfone – vozes femininas! Sedução, o timbre que te ressoa linda.
Para te adorar me fiz homem; ah, céus, não parei de aprender um minuto sequer
Em si há a perfeita combinação de energia – biologia, engenharia, arte quântica
Tu és ciência, filosofia, alquimia de amar; a misteriosa ideação de se arquitetar
Athena e Artémis – fundo e confundo, vou até o fundo em uma alarida ligação
Tanto clamor, fundi meu coração e encéfalo; deliciosa confusão, liberta instintos.
Eis o timbre desse platô; potente sonância, a formação de nódulos pode provocar
E você, a rara ressonância; busca química e física, a matemática de se empoderar.
Deméter e Hera – cantam sereias dores; consagra eufonia e rezas, dádiva e valores.
Tua olímpica beleza transpõe qualquer obstáculo; nada é impossível, tudo é provável!
Como entender teu receptáculo e tentáculos, tua epifania e vibrato? Ó espetáculo.
Garra e gana é tua sina; canta feminil voz, sustenta a casa. Porque Deus é mulher!
Referência
ESPANCA, Florbela. Charneca em flor. In: ______. Poemas: estudo introdutório, organização e notas de Maria Lúcia Dal Farra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Publicado em 26 de julho de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
MIGUEL, Marcelo Calderari. Feminino som, luz e singularidade: o voltar para casa, colher poemas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 27, 26 de julho de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/27/feminino-som-luz-e-singularidade-o-voltar-para-casa-colher-poemas
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