Práticas de leitura: análise do papel dos professores frente ao cenário da Educação Infantil

José Clécio Silva de Souza

Graduado em Pedagogia, tutor (Univasf)

Décio Oliveira dos Santos

Graduado em Pedagogia, gestor de polo (Uninter)

Em todas as etapas do processo escolar, a leitura exerce papel fundamental na formação do indivíduo. Como um dos temas mais debatidos do contexto educacional, a dificuldade na leitura e na escrita, preocupa, pois, demanda uma maior reflexão a respeito, especialmente quando diz respeito à leitura realizada por alunos da escola pública. O exercício leitor, como letramento, deve acontecer desde a Educação Infantil, modalidade de ensino que exige uma base sólida.

As recentes transformações, ocorridas no âmbito educacional, pedem uma nova forma de discutir os desafios que a escola já enfrenta, neste início de século XXI. Neste contexto, o professor tem a função de mediar situações para que o estudante adquira uma aprendizagem significativa.

Nessa perspectiva, há a urgência do trabalho com a leitura de uma forma interdisciplinar e para além do espaço escolar, uma vez que a necessidade de comunicação não se dá apenas na escola, mas envolve outros contextos. Para tanto, a família deve trabalhar em parceria com o educador na promoção de estratégias que direcionem o educando ao prazer pelo texto e à leitura crítica.

Desse modo, esse exercício não pode mais ser concebido como ato mecânico de decodificação da linguagem escrita, mas como um processo ativo de compreensão do mundo, ou seja, como uma necessidade indispensável ao ser humano, agente crítico do conhecimento, capaz de imaginar, criar e enxergar o mundo a partir de diversos ângulos e cores distintas. Isso posto, a prática da leitura deve ser frequente e gerar prazer. O aluno precisa sentir satisfação quando lê, sendo estimulado a permanecer no texto. Para isso é fundamental um ambiente escolar acolhedor, com professores em formação literária e/ou com experiência leitora.

A leitura capacita os indivíduos a pensar sobre si e a se reconhecer como pessoas. Além disso, quem lê fomenta mudanças práticas de atitudes, como por exemplo, em relação à utilização dos recursos naturais, favorecendo à reflexão sobre a responsabilidade ética com o planeta.

O presente artigo tem como tema as práticas leitoras, com a análise do papel dos professores da Educação Infantil. A escolha da temática advém de uma curiosidade sobre a prática da leitura no campo da Educação Infantil, assim como do interesse em descobrir o porquê das dificuldades das crianças, posteriormente, quando no aprendizado da leitura e da escrita. Desse modo, a discussão a respeito do incentivo ao desenvolvimento da habilidade leitora, no ambiente escolar, é atual e de grande relevância.

Nessa ótica, buscou-se a construção de um arcabouço teórico que fundamente a prática de ensino voltada para a formação integral do aluno leitor, capaz de interagir no mundo. Diante do exposto, o estudo traz a discussão em torno do papel do professor da Educação Infantil como mediador no processo ensino-aprendizagem. É papel deste educador criar meios fascinantes para que o seu trabalho provoque a sensibilidade da criança a partir das escolhas dos livros (de acordo com a faixa etária e a realidade da criança), proporcionando uma experiência leitora que a estimule à construção do conhecimento.

É preciso fazer da leitura um compromisso de todos. É de suma importância que a família incentive essa prática, subsidiando atividades leitoras dentro e fora de casa. Este incentivo compete a todos os envolvidos nesse processo de formação de cidadãos autônomos, críticos e reflexivos.

Assim, o professor, que preza pelo ensino de qualidade, exerce a sua função buscando estratégias para despertar, em seu educando, o interesse pelo prazer de ler. Para tanto, precisa mediar o processo, levando o aluno a descobrir-se como leitor, ampliando a sua visão de mundo para tornar-se um amante da leitura.

A criança como sujeito social e histórico

Historicamente, o conceito de criança vem passando por significativas reformulações. Neste século XXI, a criança ganha maior importância sendo considerada um indivíduo com uma identidade social e histórica, dotado de uma cultura que deve ser valorizada. Neste contexto, a Educação Infantil, como espaço acolhedor, deve ser pensada de modo a oferecer aos educandos a possibilidade de construção da sua própria autonomia.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) destaca, em sua proposta, a importância de valorizar a criança em seu contexto social e cultural. Para tanto, argumenta que:

A criança, como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em determinado momento histórico. As crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio (Brasil, 1998, p. 21).

Percebe-se que a criança é conceituada como um ser social, com direitos e deveres, digna de respeito às suas especificidades. Considera-se, ainda, a importância das brincadeiras e dos jogos para o seu desenvolvimento integral. Desse modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), em seu Art. 2º, afirma que “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos”.

É importante enfatizar que, ao longo da história, o sentimento de infância nem sempre recebeu a devida importância. De acordo com estudos de Ariès (1981), durante a sociedade medieval, o sentimento de infância foi esquecido. A criança era vista como um “adulto em miniatura” e tratada como um “animal de estimação”. Assim, após o desmame, a criança era inserida no mundo adulto, participando das mesmas atividades adultas. Logo, a mortalidade infantil era algo natural e ocorria com frequência, uma vez que se acreditava que a criança era um ser sem “alma”, portanto, sem valor à sociedade.

Conforme elucida Ariès:

Na Idade Média, no início dos tempos modernos, e por muito tempo ainda nas classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram considerados capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, poucos anos depois de um desmame tardio – ou seja, aproximadamente, aos sete anos de idade. A partir desse momento, ingressavam imediatamente na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os dias. O movimento da vida coletiva arrasava numa mesma torrente as idades e as condições sociais (1981, p. 275).

De acordo com o autor, a criança era ignorada na sociedade medieval e não havia “sentimento de infância”. Neste processo, os jogos e as brincadeiras eram usados apenas para imitar papéis sociais, fazendo com que a geração mais jovem aprendesse valores, conhecimentos e normas com a geração adulta. Isso ocorria devido ao fato de a criança ser apenas vista como um adulto (Jesus, 2010, p. 10). O brincar, portanto, era considerado algo fútil.

Somente a partir do século XVIII surge o sentimento de infância e a criança passa a ter um importante papel na sociedade, pois começa a ser observada como um ser com sentimentos, capaz de pensar e questionar. Assim, a educação torna-se um instrumento indispensável ao seu desenvolvimento, pois, por seu intermédio, o indivíduo era inserido na sociedade.

Nesse contexto, com a finalidade de diminuir a mortalidade infantil, bem como atender às necessidades infantis da época, foram criadas as creches para assistirem as crianças mais pobres, dando a elas a oportunidade de sobrevivência. A criança ganha voz e destaque na sociedade, passando a ser considerada um ser com características próprias. Segundo Brougère (1998, p. 73), “a criança, não é mais um adulto em miniatura, mas um adulto em germinação”. A infância não é considerada mais uma fase que se deve esquecer, mas um momento essencial de descobertas para o desenvolvimento integral da criança, o que Rousseau (2004, p. 72-73) confirma quando diz:

Amai a infância; favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, seu amável instinto. Quem de vós não teve alguma vez saudade dessa época em que o riso está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? (...) A humanidade tem seu lugar na ordem das coisas, e a infância tem o seu na ordem da vida humana: é preciso considerar o homem no homem e a criança na criança.

Nesse direcionamento, Lima (2001) complementa dizendo que é preciso, antes de tudo, respeitar a criança, vê-la como um ser dotado de capacidades e habilidades que devem ser aproveitadas no contexto escolar e desenvolvidas na dimensão da sua individualidade para uma efetiva participação cultural e social.

Portanto, é papel do professor desenvolver uma prática pedagógica de modo a integrar o brincar, o cuidar e o educar na formação de sujeitos críticos e autônomos, capazes de resolverem suas angústias e seus medos. Ressalta-se, aqui, que é responsabilidade dos pais a transmissão de valores, mas, aos educadores, cabe fomentar ações que valorizem o jogo e a brincadeira, em sala de aula, como propostas lúdicas na construção do processo educativo infantil.

De acordo com Loro (2001, p. 1),

entendemos a criança como um ser sócio-histórico, que se relaciona com o mundo através de suas interações e experiências. Esta comunicação se dá através do corpo, compreendido enquanto totalidade localizada culturalmente. Portanto, é importante a construção do movimento da criança.

Em suma, é fundamental que se valorize a criança em sala de aula, reconhecendo o livro, as brincadeiras e os jogos como instrumentos pedagógicos que incentivam o aluno na sua curiosidade e na descoberta de novos conhecimentos.

O que é leitura?

A arte de ler é capaz de transformar o ser humano. A leitura constitui um dos mais importantes meios de construção de conhecimentos. Por seu intermédio, o educando é estimulado à criatividade, à imaginação e à criticidade, pois ler o faz despertar para o mundo e para o entendimento sobre si mesmo. Neste contexto, ler não se resume à decodificação da linguagem escrita, mas a um processo dinâmico de compreensão do mundo.

Para Freire (2005, p. 11), ler “não se esgota na descodificação pura da escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”. Isso significa que leitura é interpretação. Interpretar é compreender o que se lê. Assim, por meio da leitura e fazendo uso de metodologias inovadoras, o educador pode ajudar no desenvolvimento da personalidade dos indivíduos.

De acordo com o Dicionário Ediouro, leitura é “1. Ação ou arte de ler; 2. aquilo que se lê; 3. Interpretação, entendimento”. Em outras palavras, leitura é um conhecimento construído a partir de experiências únicas, um meio de ver e conhecer o mundo, que surge da vivência de cada indivíduo. Assim, compreender o universo de interlocução entre leitor/autor é uma estratégia que o docente pode usar para ampliar o seu espaço de mediação em relação às dificuldades de interpretação textual dos alunos. Para Kleiman,

A leitura é um ato social entre dois sujeitos – leitor e autor – que interagem entre si, obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados. Essa dimensão interacional, que para nós é a mais importante do ato de ler, é explicitada toda vez que a base textual sobre a qual o leitor se apoia precisa ser elaborada, pois essa base textual é entendida como a materialização de significados e intenções de um dos interagentes à distância viam texto escrito (1997, p. 10).

Percebe-se, assim, que o texto não tem um significado por si mesmo. O seu significado é construído pelo leitor no processo de interação com o texto. Logo, a compreensão parece, frequentemente, uma tarefa difícil, uma vez que o objeto a ser compreendido é complexo, envolvendo os sentidos das sentenças, dos argumentos, das provas formais e informais, dos objetivos, das ações e das motivações.

Então, para entender o texto, o leitor precisa deter os conhecimentos necessários à interpretação, utilizando-se de leituras prévias e ativando suas experiências textuais estimuladas por “pistas de leitura”. Há um grande repositório em recursos que portam textos físicos ou virtuais, em nossos dias. Diversos deles são de fácil acesso ao público, a saber, jornais, revistas, livros e outros que podem ser encontrados em bibliotecas públicas, escolas ou acessados pela internet. No entanto, a habilidade para compreender um texto e interpretá-lo ainda tem sido pouco desenvolvida, pois há uma dificuldade recorrente observada em muitos indivíduos, principalmente naqueles oriundos da escola pública.

A leitura é uma atividade complexa e poderosa, promovendo uma enorme capacidade de criar, conduzindo o indivíduo a uma nova visão de mundo. Nesse processo, o leitor estabelece uma relação dinâmica entre a fantasia (encontrada no universo dos livros) e a realidade (encontrada em seu meio). Assim, ler é um processo ativo entre autor-texto-leitor. A esse respeito, Lajolo (1982, p. 59) afirma:

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a partir do texto, ser capaz de atribui-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.

Palavras, imagens, números, pensamentos, música, gestos… tudo pode ser lido, interpretado e organizado em produções textuais, pois quem lê, conhece. Conhecer é transformar o ambiente em que se vive, exercendo direitos e promovendo justiça. Ao ler uma história, o professor oferece a seu aluno a chave para que ele abra o mundo. Desde cedo, “ensinar” o prazer da leitura, torna o indivíduo um ser pensante. Quem lê, possui milhares de olhos, pois quem não lê é, simbolicamente, cego.

Segundo Martins (2007, p. 12), “aprender a ler trata-se, pois, de um aprendizado mais natural do que se costuma pensar, mais tão exigente e complexo como a própria vida”. Ler é uma atividade cujo significado está para muito além do óbvio, pois seu propósito não é o da decifração de códigos (unir letras para saber os significados que elas produzem ou os sons que emitem juntas). Este processo conduz o indivíduo ao entendimento particular do contexto no qual está inserido.

Segundo Freire (2005, p. 56),

a leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele [...]. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de "escrevê-lo" ou de "reescrevê-lo", quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.

Percebe-se que ler é interpretar números matemáticos, imagens, sons, músicas, entre tantas outras mensagens, verbais ou não verbais, sempre a partir do ato crítico e da compreensão, por parte do leitor, do que ele leu. A leitura de mundo precisa aproximar, criticamente, o indivíduo da sua realidade e a escola é um local privilegiado para usufruir da leitura como instrumento de inclusão, pois elege o indivíduo como ser único, criativo e consciente da sua ação na sociedade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa informam que

a leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita etc. Não se trata simplesmente de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência (Brasil, 1997, p. 41).

A leitura faz parte do processo de formação dos indivíduos, possibilitando que desenvolvam a autonomia e a capacidade do convívio social, político e econômico. Logo, ela não deve ser um ato mecânico ou restrito ao livro didático, mas um processo ativo de interpretação, de acordo com as características e com os pontos de vista do leitor.

Nesse sentido, o leitor, como sujeito ativo do processo, constrói o significado do texto. Assim, o significado de um determinado texto não está na tradução ou réplica do que o autor expressa, mas nos sentidos que envolvem os conhecimentos prévios do leitor.

De acordo com Martins (2007, p. 34), “em face disso, aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios, o que, mal ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados”. Portanto, sabendo da grande importância que a leitura exerce na sociedade é essencial que, desde os anos iniciais de escolarização, a realização de um trabalho multissemiótico e plural, com imagens, sons, cores, frases e palavras, a fim de despertar e criar, no aluno, o hábito da leitura.

Práticas de leitura no espaço escolar

Convive-se, hoje, em um mundo com variadas culturas, múltiplos veículos de comunicação e grande circulação de informações. Todos estes aspectos da vida cotidiana exigem a compreensão de diferentes linguagens e da interação com o que está no entorno. A escola deve propiciar aos alunos os conhecimentos necessários para compreender os mais diversos ambientes, assim como as diferenças entre as pessoas.

O ensino da leitura e da escrita tem sido alvo de discussões de vários estudiosos da educação, pois muitos alunos chegam ao 5º ano sem saber ler e escrever. As escolas, em especial as públicas, passam pelo que podemos nomear de “crise de leitura”. Isto se deve à ausência de políticas públicas de incentivo à leitura, à carência de bibliotecas e, principalmente, à falta de estímulos das instituições escolares em tornar a leitura um ato prazeroso. Neste processo, há a necessidade de se repensar o ensino, priorizando métodos inovadores para despertar, nas crianças, o hábito de ler.

Segundo Kleiman e Morais (1999, p. 14),

o ensino da leitura reflete também essa pedagogia da contradição: fragmenta-se o texto para que se aprenda a perceber o todo, procura-se fazer com que o aluno responda somente ao que está previsto na leitura do professor ou do autor do livro didático e exige-se um leitor crítico e participativo [...]. Ele “lê” sem entendimento, interpreta sem ter lido e realiza atividades sem nenhuma função na sua realidade sociocultural.

O mundo contemporâneo coloca em questão a qualidade da educação que o Brasil tem oferecido. Alguns indicadores têm apontado que, apesar de a criança e os jovens permanecerem na escola por longos anos, uma grande parcela demonstra analfabetismo funcional. Dessa forma, discutir leitura tornou-se um tema preocupante para o universo acadêmico que tem preparado profissionais para atuarem na área.

Sendo assim, a escola é um espaço de inserção da criança no universo da leitura e da escrita. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que há outras leituras praticadas pelas crianças que também precisam ser valorizadas pela escola. Para Zabala (1998, p. 93), é importante que “o aluno compreenda que o que faz depende, em boa medida, de que seu professor ou professora seja capaz de ajudá-lo a compreender, a dar sentido o que tem entre as mãos”.

É essencial que os olhares e as ações dos educadores se voltem às práticas de leitura não escolares, vivenciadas pelas crianças. Além daquelas que são realizadas diretamente por influência e incentivo da própria escola, há outras também presentes no cotidiano das crianças, envolvendo espaços diversos de circulação de leituras que não se restringem ao universo escolar.

A escola concebe o livro didático como instrumento básico, na verdade um complemento primeiro às funções pedagógicas exercidas pelo professor. É por essa razão que o texto escrito é colocado no centro da vivência professor/aluno, despontando como mediador dessa relação e como veículo para instigar discussões e novas práticas. Em outras palavras, essa tendência de a escola trabalhar a leitura como uma “ação mecanizada”, descontextualizada de seu real sentido, compromete a construção de sentido e significado do texto para as crianças.

Cunha (1997) defende que a ideia da leitura, como um bem à criança ou ao jovem, é como a imposição de uma colher de remédio, de uma injeção, de uma escova de dente ou, mesmo, da escola. Assim, é comum o menino sentir-se coagido, tendo de se submeter a uma avaliação, sendo punido caso não cumpra as “regras do jogo” que ele não definiu, nem entendeu. É uma tortura sutil da qual não nos damos conta.

Muitos educadores acreditam que crianças que convivem com um meio letrado, sendo estimuladas a ler, possuem maiores e melhores condições de desenvolver sua criticidade. Contudo, em uma sociedade onde estão presentes a injustiça, a desigualdade, a miséria e a fome, é fácil encontrar pessoas sem acesso à informação sistematizada ou aos diversos conhecimentos produzidos no interior das escolas.

A escola que se pretende democrática, na verdade, também exclui, pois mesmo os alunos que têm acesso a ela sofrem. Sofrem, muitas vezes, uma forma velada de exclusão. A inscrição do sujeito leitor faz-se controlada e dirigida. Ele é instado a confessar aos outros a sua leitura e a corrigi-la na direção do consenso. Dessa forma, pode-se observar um controle do imaginário construído continuamente em nome da aquisição do conhecimento. Daí resulta um conhecimento sem imaginação e sem investimento pessoal do leitor (Paulino; Walty; Fonseca; Cury, 2001, p. 27).

Essa citação respalda a percepção de uma cultura “velada” de exclusão, quando a prática da leitura (oral ou gráfica) é pensada, trabalhada e avaliada a partir de elementos controladores que ferem seus significados como manifestações de livre expressão dos sujeitos. Historicamente, convive-se, nos espaços escolares, com sinais bem-marcados que denunciam o ciclo da exclusão. Inicialmente, a exclusão se dava logo na entrada, não havia acesso à escola para todos. Depois, a evasão, seguida da retenção, passaram a corporificar a exclusão completa.

Para Solé (1998, p. 32),

um dos múltiplos desafios a ser enfrentados pela escola é o de fazer com que os alunos aprendam a ler corretamente. Isto é lógico, pois a aquisição da leitura é imprescindível para atingir com autonomia nas sociedades letradas, e ela provoca uma desvantagem profunda nas pessoas que não conseguiram realizar essa aprendizagem.

Desse modo, a leitura e a escrita aparecem como objetivos prioritários à formação da criança. Espera-se que, no final do Ensino Fundamental, os alunos possam ler textos adequados para a sua idade de forma autônoma e utilizar os recursos ao seu alcance para se referirem às dificuldades dessa área, estabelecendo inferências, conjeturas, releituras e questionamentos.

É função da escola priorizar ações inovadoras para estimular nos alunos o gosto e o prazer pela leitura. Para tanto, ler e escrever precisam ser constantes no espaço da instituição de ensino, conduzindo o educando ao contato intensivo com obras literárias que não podem ser simplesmente a repetição de informações, mas um processo que leve a criança à compreensão do texto lido e à construção dos seus conhecimentos.

Logo, não é possível que a escola continue atuando com modelos ultrapassados de ensino, incapazes de atender às demandas da realidade. Assim, somente uma educação de qualidade, com virtudes morais, será apta para quebrar os paradigmas convencionais de ensino para a formação de um cidadão ético.

De acordo com Freire (2005, p. 139),

o importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não “bancária”, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros.

Diante do exposto, é preciso pensar na educação como prática da liberdade. O excluído socialmente, o analfabeto e o oprimido, por meio da educação, têm condições de participar ativamente da sociedade. É fundamental uma prática pedagógica mediada pela realidade, cuja proposta consista no trabalho com a leitura e com escrita a partir de palavras geradoras, em uma proposta interdisciplinar e capaz de oferecer ao aluno o conhecimento sobre o mundo.

Metodologia

Com relação à abordagem metodológica optou-se pela abordagem qualitativa, com a utilização de algumas técnicas quantitativas. Buscou-se, por meio do questionário, coletar dados com os participantes e, a partir da análise descritiva, analisar a visão do grupo pesquisado a respeito da prática de leitura realizada em sala de aula e a importância desta análise para o desenvolvimento intelectual da criança.

É importante dizer que a proposta é um estudo de campo e uma pesquisa bibliográfica. Foram utilizados autores de renomes, a saber, Maria Helena Martins (2007), Paulo Freire (2005) e Angela Kleiman (1997). Estes autores contribuíram muito para a reflexão a respeito da importância da leitura para a formação integral do aluno.

Nesse enfoque, a pesquisa traz uma investigação complexa. De acordo com Gil (2002, p.17), “pode-se definir pesquisa como o procedimento racional sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos”. Faz-se necessária a escolha de métodos que deem consistência à pesquisa. Segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 82), ao adentrar na pesquisa para coletar informações, no sentido de descobrir respostas para os problemas em estudo, observa-se que “o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo [...], traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”.

Dentro dessa perspectiva, um importante caminho a ser seguido pelo docente é a exploração e a utilização da Literatura Infantil. Ela, de maneira prazerosa, coloca a criança em contato com o mundo da imaginação. Lendo, a criança viaja pela fantasia, descobre mundos diferentes, conhece histórias e se aproxima das narrativas humanas. O professor que lê para crianças, oferece a interlocução com a Literatura e está atento à importância da linguagem para o desenvolvimento da condição humana, pois o universo literário desperta a criatividade e as habilidades linguísticas, promovendo uma melhor visão de mundo.

Professores de todas as áreas podem promover um olhar crítico a respeito da temática da leitura. Julga-se de extrema relevância que as ações dos educadores se voltem às práticas leitoras não escolares, presentes no cotidiano em que as crianças estão inseridas. É desafio para a escola oferecer aos educandos meios para que eles apendam a ler criticamente a realidade para transformá-la.

O estudo também é relevante em virtude de contribuir para a reflexão sobre as dificuldades de aprendizagem dos alunos. Quando se pensa em práticas leitoras, o que se quer enfatizar é a leitura de textos literários no ambiente escolar. Para formar leitores, é preciso romper com os muros que separam a escola do mundo lá fora. A escola é um espaço dialógico e não deve estar confinada à sua própria delimitação física. É preciso sair, levar os alunos a espaços que possibilitem um diálogo entre a teoria e a prática.

Diante disso, este estudo se pretende analisar as respostas do questionário aplicado a alguns docentes investigados, revelando que a prática de leitura é essencial ao bom desenvolvimento cognitivo da criança. Espera-se que tal estudo seja usado como fonte de pesquisa, no sentido de provocar reflexões e favorecer discussões significativas sobre a qualidade da educação.

Considerações finais

A compreensão do professor a respeito da importância da Literatura para a formação da criança, desde os primeiros anos de escolaridade, deve se tornar uma máxima, mesmo antes do início da profissão. Quanto mais cedo o aluno entrar em contato com o mundo dos livros, melhor será para o seu desenvolvimento intelectual, físico, psicológico e social.

Por meio deste estudo foi possível perceber a importância dos contos de fadas e das poesias no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, o professor precisa atualizar suas metodologias na busca de estratégias que facilitem a aprendizagem de seus educandos de forma atrativa, pois, somente assim, será possível amenizar as fragilidades encontradas nas escolas, principalmente públicas, em termos de leitura e de escrita.

Diante dos dados coletados e a partir do questionário/entrevista aplicado a alguns professores, chegou-se também à conclusão de que a aquisição da leitura e da escrita, na Educação Infantil, é uma temática que demanda reflexões no contexto escolar, visto que neste início de século XXI, ainda encontramos educadores com um perfil mais tradicional, que visam apenas à decodificação da linguagem escrita, não estimulando a leitura crítica do mundo.

Percebeu-se que as práticas de ensino dos professores investigados nesta pesquisa visavam atividades de leitura meramente mecânicas, ou seja, levavam o educando somente a aprender a codificar e a decodificar a língua escrita, sem nenhuma proposta de reflexão sobre o seu próprio ato de ler.

Desse modo, pode-se dizer que o objetivo da pesquisa foi alcançado, tendo em vista a análise realizada sobre as práticas docentes em escolas públicas do Município de Paripiranga/BA, em relação ao ensino da leitura e da escrita.

Isso posto, é possível afirmar que a leitura é fundamental para o desenvolvimento integral da criança. Logo, deve ser uma prática constante em sala de aula. Para isso, os professores da Educação infantil devem desenvolver um trabalho interdisciplinar tendo a leitura como foco, estimulando o hábito e o prazer de ler. Em outras palavras, é preciso alfabetizar letrando.

Nesse contexto, conhecendo as grandes defasagens da formação leitora docente, faz-se necessário que os cursos de formação continuada priorizem um ensino capaz de desmistificar o entendimento sobre a constituição das habilidades leitoras como um ato mecânico. A capacidade leitora deve ser priorizada, pois é algo essencial para o entendimento do mundo.

Portanto, cabe ao professor utilizar diferentes estratégias de leitura, principalmente envolvendo a Literatura. A escola deve criar as oportunidades para uma leitura prazerosa e reflexiva, a fim de que a criança aprenda a ser crítica. Assim, ler será um hábito, desde a Educação Infantil, quando se constrói o alicerce para toda a vida.

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Publicado em 02 de agosto de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, José Clécio Silva de; SANTOS, Décio Oliveira dos. Práticas de leitura: análise do papel dos professores frente ao cenário da Educação Infantil. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 28, 2 de agosto de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/28/praticas-de-leitura-analise-do-papel-dos-professores-frente-ao-cenario-da-educacao-infantil

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