Cultura digital: uma experiência na prática da Rede Municipal de Goiânia/GO

Divino Alves Bueno

SME Goiânia/GO, mestre em Comunicação (UFG), especialista em Telemática na Educação (UFRPE), graduado em Química (UEG), professor da Rede Municipal de Educação de Goiânia, gerente de Educação a Distância da Secretaria de Educação do Estado de Goiás

Luciana Barbosa de Freitas

SME Goiânia/GO, mestre em Comunicação (UFG), especialista em Métodos e Técnicas de Ensino (Universo), pós-graduada em Psicopedagogia (PUC-GO), graduada em Pedagogia (UFG), professora da Rede Municipal de Educação de Goiânia/GO

A utilização dos meios de comunicação na educação começou a ganhar destaque a partir do final dos anos de 1990, tanto na presença, quanto nas preocupações com os procedimentos metodológicos a serem adotados para superar os desafios gerados pela grande quantidade de recursos tecnológicos disponíveis, dentro e fora do espaço escolar. Iniciava-se uma era de novas perspectivas, um horizonte ilimitado de possibilidades no uso das tecnologias e na inovação da Educação.

Impulsionadas principalmente pelos programas de políticas públicas do Governo Federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), tecnologias como a televisão, o vídeo, o computador, o rádio e, mais tarde, a internet passaram a compor o chamado parque tecnológico das escolas públicas do Brasil. Estas políticas, aliadas à evolução dos meios de comunicação e às suas mídias, bem como ao uso das tecnologias em sala de aula, nas últimas décadas, têm provocado amplos debates sobre a prática pedagógica, desde a Educação Infantil ao Ensino Superior.

Portanto, são mais de três décadas em que as tecnologias iniciaram, de forma tímida e, em muitos casos, clandestinamente, sua entrada no espaço escolar. Sua presença frequente, agora, se tornou fundamental para efetivar os processos de ensino-aprendizagem.

O medo de que os computadores substituíssem o lugar e o papel dos professores não existe mais. Presenciamos essa verdade com a pandemia da covid-19, em que a iniciativa e a criatividade dos professores foram colocadas a prova. Sem dúvidas, é indiscutível a importância do docente no processo educativo, mesmo com os grandes investimentos em recursos tecnológicos adotados por algumas redes de ensino. Espera-se que, agora, o medo seja outro, a saber, o de ficar à margem do uso dos recursos tecnológicos nas práticas pedagógicas.

Vale ressaltar que a presença das tecnologias não é sinônimo de melhoria na qualidade da educação. É preciso criar estratégias de usabilidade significativas em sala de aula. Neste sentido, Linhares (2007) afirma que cabe aos sistemas de ensino público construir os alicerces teóricos desse novo campo, considerando os processos culturais constituídos de ações comunicativas e de aprendizagem que incrementam as ações pedagógicas. Logo, a iniciativa de se ampliar esta discussão, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia/GO (SME Goiânia/GO), torna-se relevante neste trabalho.

Nesse sentido, pretende-se aqui dar uma visão geral sobre os caminhos percorridos pela equipe de professores das áreas multidisciplinares do Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal de Goiânia (NTE) na consolidação da cultura digital da Rede Municipal de Educação (RME), no contexto atual. Importa-nos esclarecer quais são os conceitos e os fundamentos teórico-práticos relacionados à questão das tecnologias e das mídias na educação e que, de alguma forma, coadunam com o entendimento que sobre a proposta de cultura digital contemporânea, bem como, sobre a proposta de ensino-aprendizagem defendida pela SME para o uso das tecnologias nas escolas.

Acredita-se que não seja o suficiente às escolas ter equipamentos funcionando ou formação técnica para o seu uso. Não basta que o professor seja antenado, atento e produtor de conteúdos digitais, atuando como ‘cavaleiro solitário’. Seus pares, sua escola, seus gestores e sua rede de ensino devem priorizar ações, projetos e propostas que evidenciem o uso das tecnologias como componentes e ingredientes que favoreçam o ensino-aprendizado dos alunos. É necessário buscar implementar, no processo de formação continuada, a ampliação das reflexões acerca do uso das tecnologias no contexto pedagógico, bem como elaborar mecanismos de acompanhamento e de avaliação a serem aplicados antes e depois das ações formativas, visando maior aproximação do NTE com o fazerpedagógico da escola. Essa aproximação na SME Goiânia/GO foi possível, porque houve o incentivo por meio de assessoramento pedagógico junto aos professores e aos coordenadores pedagógicos, cotidianamente, com presença permanente dos formadores do NTE nas escolas.

O enfrentamento da pandemia do novo coronavírus evidenciou que a cultura digital na escola continua sendo um desafio a ser superado. Esse período escancarou uma realidade educacional brasileira que prioriza práticas tradicionais de ensino avessa ao uso pedagógico de tecnologias. Em Goiânia, muitos professores se viram “obrigados” a encarar o uso das tecnologias digitais para ministrarem suas aulas, mas afirmavam não terem prática nem conhecimento técnico a respeito de seus usos.

Para além disso, na corrida para adequarem-se a esse “novo normal”, muitas redes de ensino – sem uma ampla discussão ou reflexão sobre o uso pedagógico dessas ferramentas e das suas possibilidades –, pressionadas pelo momento caótico, implementaram medidas para a continuidade do processo educativo, com aulas improvisadas, utilizando redes sociais, sistemas online e videoaulas produzidas pelo professor, mesmo aquelas sem o domínio das técnicas de produção material audiovisual ou conhecimento da linguagem midiática para a educação.

Deste modo, o presente artigo propõe discorrer acerca dos caminhos percorridos pelo NTE da SME Goiânia/GO rumo à cultura digital nos espaços e nos movimentos de sua rede, apresentando experiências e resultados vivenciados nos últimos anos pandêmicos.

Educação e tecnologia: caminhos que convergem

Acredita-se que seja possível inferir que os estudos sobre educação e tecnologia tenham ganhado um novo marco temporal, desde a pandemia. Os discursos normalmente se iniciam pelas seguintes falas: “antes da pandemia", “durante a pandemia” e “após a pandemia”. É notório que, na atualidade, mesmo antes da pandemia, as tecnologias mais recentes de computadores, internet, tecnologias móveis e mídia digital, sob diversos artefatos tecnológicos, estão cada vez mais presentes nos espaços escolares. Basta olhar para dentro da escola para identificar diversos recursos tecnológicos disponíveis para o uso pedagógico.

Entretanto, o uso dessas tecnologias em sala de aula permanece como algo exótico e excepcional. Bueno (2015, p. 591) destaca que

a evolução da tecnologia midiática ampliou as formas e as possibilidades de comunicação e de aprendizagem entre as pessoas, propiciando novas formas para que a aprendizagem aconteça em diferentes espaços, seja nos limites físicos da sala de aula, seja, em ambientes virtuais, apoiados, principalmente pela internet. Esse novo ecossistema educativo comunicacional, que se forma a partir das interfaces comunicação e educação, possibilita maior aproximação da sala de aula com a realidade vivida pelos nossos alunos. Uma aproximação desafiadora, enfrentada ainda, pela maioria dos professores (grifo nosso).

Nesse entendimento, o desafio é tirar a excepcionalidade da incorporação das diferentes tecnologias nas práticas pedagógicas, tornando-as invisíveis no cotidiano da escola. Isso significa um reconhecimento do potencial educacional das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), assim como a desmistificação do domínio dessas tecnologias. Deste modo, consolida-se a cultura digital no âmbito escolar.

            O termo cultura digital tem sido constantemente difundido nas últimas décadas. Sua definição se mistura com outros conceitos, como Sociedade da Informação, conforme Hargreaves (2003) ou, de acordo com Castells (2003), Sociedade do Conhecimento ou ainda Sociedade Midiatizada, conforme denominação de Sodré (2007).

Para Lemos (2009, p.135-136), a cultura digital ou a cibercultura devem ser compreendidas com cautela. O autor acredita que

é sempre necessário um alerta em relação à gente nomear a cultura pelos artefatos tecnológicos. A gente sempre tem uma tendência a estar dando nome ou dando a marca da cultura a partir dos artefatos [...] achar nosso lugar no mundo significa sermos seres políticos da comunicação e sermos seres da tecnologia, da transformação do mundo externo. Então, eu sempre chamo a atenção primeiro para essa particularidade, para a gente não pensar numa visão determinista. Isso dito, acredito que a cibercultura seria a cultura contemporânea, onde os diversos dispositivos eletrônicos digitais já fazem parte da nossa realidade (grifo nosso).

É possível encontrar autores com conceitos diversos. Destacamos, aqui, a afirmação de Santaella (2003), que diz que a cultura contemporânea é digital; portanto, é midiática. Para melhor esclarecimento do conceito de cultura digital ou de cibercultura (Levy, 2009), na contemporaneidade, considera-se importante compreender o que é mídia, nesse contexto.

Setton (2010, p. 13) entende que as mídias devem ser vistas como uma nova matriz de cultura, ou seja, devemos

considerá-las um sistema de símbolos com linguagem própria distinta das demais matrizes de cultura (imagem, som, texto e a mistura de todas eles) que compõem o universo socializador do indivíduo contemporâneo. [...] Além disso, engloba as mercadorias culturais com a divulgação de produtos e imagens e os meios eletrônicos de comunicação, ou seja, jogos eletrônicos, celulares, DVDs, CDs, TV a cabo ou via satélite e, por último, os sistemas que agrupam a informática, a TV e as telecomunicações – computadores e redes de comunicação.

Nesse entendimento, o conceito de Setton (2010) aproxima-se dos conceitos de cultura digital apresentados por Santaella (2003) e por Lemos (2009), pois é amplo e abarca os meios de comunicação, as telecomunicações, os meios eletrônicos, a internet, os celulares, enfim, compreendem todos os artefatos tecnológicos dos últimos tempos.

Setton (2010), ao discutir sobre a relação entre mídia e educação, observa que é necessário considerar um estudo mais amplo da cultura das mídias. Isso quer dizer, por exemplo, que é preciso compreender melhor como se deu, ao longo da História, o processo simbólico de construção da cultura, sua produção, difusão e seu consumo na sociedade. Para a autora, compreender a sociedade atual, torna-se imprescindível uma compreensão da cultura midiática, o que pode auxiliar, também, no entendimento de seu papel nos procedimentos metodológicos de ensino-aprendizagem.

Ainda de acordo com Setton (2010), mesmo que as mídias não tenham a mesma função que a escola, elas têm um grande potencial educativo. Aproveitar suas múltiplas linguagens, integrando-as aos projetos pedagógicos, pode ser um bom caminho. Seu uso pode favorecer um espaço de descobertas, de apropriação, de construção do saber e de emancipação, em que professores e educandos sejam participantes ativos no processo.

Não é difícil perceber que a grande maioria dos artefatos tecnológicos apresentados, no conceito de Setton (2010), estão na escola disponíveis como recursos didáticos, como objetos de uso pessoal de professores e educandos, tais como os celulares, a internet e as câmeras digitais. Então, considerando este contexto, não seria um paradoxo o desafio de criar uma cultura digital, na escola, tendo em vista que os recursos citados já estão lá inseridos?

É importante compreender que os processos de aprendizagem e de apropriação do conhecimento passam a ser repensados e entendidos, também, como processos de comunicação. Por isso, a questão que impera não é mais discutir a inserção das tecnologias na educação, mas sua apropriação, visando potencializar os processos pedagógicos e, consequentemente, a aprendizagem (Bueno, 2015).

Para tanto, é necessário discutir, compreender e avaliar a importância de seu potencial pedagógico. Observa-se que tanto os educandos quanto os professores são usuários assíduos dos recursos tecnológicos – tiram fotos, gravam e editam vídeo, utilizam as redes sociais e produzem conteúdo. Entretanto é perceptível que grande parte dos professores ainda não reconheçam as tecnologias como potencializadoras de suas práticas em seu fazer pedagógico. Da mesma forma, pode-se dizer que os educandos não identificam as tecnologias como recursos que favoreçam a aprendizagem, pois a grande maioria as utiliza apenas para o entretenimento.

Na busca por superar os impactos negativos e desmistificar o uso pedagógico das mídias nos processos educacionais – estreitando a distância entre a cultura das mídias e a cultura escolar –, o NTE da SME Goiânia/GO tem o assessoramento pedagógico como uma de suas principais atuações. Desse modo, as ações do NTE não se resumem apenas a momentos específicos de cursos, minicursos e oficinas oferecidas. Há atendimentos individualizados que se completam com o assessoramento técnico-pedagógico, em reuniões periódicas com a escola, na participação no planejamento escolar, além da promoção de eventos para estudos e discussões sobre o uso pedagógico das TDIC nos processos educacionais.

Para a equipe multidisciplinar do NTE da SME Goiânia/GO, é de suma importância a presença do professor formador nos momentos de planejamento das aulas, assim como na elaboração da proposta político-pedagógica da unidade escolar ou na elaboração dos seus projetos e de ações diversas, pois seus professores formadores estão preparados para o atendimento junto às Instituições Educacionais (IE), seja para a formação continuada, para o assessoramento pedagógico ou para o suporte técnico nos laboratórios de informática.

Entende-se por assessoramento técnico-pedagógico toda e qualquer ação, em caráter presencial e ou por meio eletrônico, oferecida pelo NTE da SME Goiânia/GO às instituições com o objetivo de estimular e orientar para o uso pedagógico dos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas.

O assessoramento realizado pelo NTE da SME Goiânia/GO ocorre semanalmente em horários e dias alternados, de forma a permitir o contato com toda a equipe pedagógica (professores, gestores e coordenadores pedagógicos). Essa ação é realizada também por meio eletrônico, visando à agilidade no atendimento das solicitações das escolas, não substituindo o assessoramento in loco.

As ações formativas realizadas pelo NTE da SME Goiânia/GO contribuem com reflexões sobre o uso das tecnologias, ajudam os docentes a pensar sobre questões teóricas e favorecem atividades práticas. Porém, é no dia a dia desse assessoramento (seja presencial ou a distância) que o uso das tecnologias se concretiza. São momentos de acompanhamento das ações dos professores regentes em suas escolas para apoiar, orientar e dar suporte ao uso das TDIC em sala de aula.

A SME Goiânia/GO busca investimentos e parcerias visando ao fortalecimento e a ampliação da oferta de cursos especializados para os professores da rede, além de preparar os profissionais do NTE com formações continuadas, visando à sua preparação para atuarem como multiplicadores de aulas digitais, com assessoramento pedagógico de excelência. Além disso, busca-se ampliar o conceito de robótica educacional, alcançando diretamente os educandos por meio de aulas práticas. Pode-se afirmar, assim, que o NTE se tornou o locus da tecnologia na SME Goiânia/GO.

Integração das tecnologias na prática pedagógica

Vale ressaltar que existem alguns caminhos para a inserção e a integração das tecnologias na prática pedagógica. Uma delas, sem dúvidas, é por meio da formação continuada dos professores e dos coordenadores pedagógicos. Afinal é notório que a formação continuada docente considera, além do conhecimento técnico, da reflexão e da análise acerca dos conteúdos digitais, a importância da integração entre a escola e a cultura digital. Surgem, sempre, questões sobre como as tecnologias podem contribuir com a prática pedagógica, visando à aprendizagem de professores e educandos.

Esse tipo de indagação faz parte dos questionamentos de grande parte dos professores. Sabe-se que a tecnologia, por si só, é um instrumento, um método e uma técnica. Não sendo possível, portanto, atribuir à tecnologia o papel de melhorar a aprendizagem ou o ensino. O professor tem papel importante nesse processo, cabendo a ele a decisão sobre como atuar frente a esse contexto. Setton (2010, p. 103) afirma que

a competência do professor deve se deslocar no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O professor se torna um animador da inteligência coletiva dos grupos que estão em seu encargo. Sua atividade será centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens; do incitamento à troca de saberes, à mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos percursos de aprendizagem. A proposta é aprendizado contínuo.

É preciso dar sentido ao uso das tecnologias, usando-as como meios e como aliadas do processo educacional. Somente o professor, quando elabora seu planejamento pedagógico, toma a decisão sobre a sua metodologia. Assim, conforme destaca Porto (2012, p. 192),

a formação docente para apropriação das tecnologias é fundamental, porém entendemos que ela não pode acontecer apenas relacionada à utilidade da ferramenta de trabalho, descontextualizada do espaço que se deseja, com ou sem tecnologia, vencendo barreiras, muitas vezes maiores do que a incorporação da tecnologia.

            Portanto, torna-se fundamental que o professor conheça quais são as ferramentas tecnológicas disponíveis na escola e quais são suas potencialidades, definindo qual ou quais recursos tecnológicos ele poderá usar em atividades pedagógicas na sala de aula em seus projetos e ações com vistas a contribuir, de fato, com o processo de ensino-aprendizagem. Afinal, cada vez mais, os educandos “nativos digitais”, recebem informações diversas de forma rápida e constante. Com a mesma dinâmica tem se desenvolvido as novas gerações, numa rapidez e descontinuidade que nem sempre é possível identificar traços da geração anterior. Para Prensky (2001, p. 1),

nossos alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje não são os mesmos para os quais o nosso sistema educacional foi criado. Os alunos de hoje não mudaram apenas em termos de avanço em relação aos do passado, nem simplesmente mudaram suas gírias, roupas, enfeites corporais, ou estilos, como aconteceu entre as gerações anteriores. Aconteceu uma grande descontinuidade […] Como deveríamos chamar estes “novos” alunos de hoje? […] a denominação mais utilizada que eu encontrei para eles é nativos digitais. Nossos estudantes de hoje são todos “falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet (grifo nosso).

Geralmente é via web seu primeiro contato com as informações, com a leitura e escrita digital. O aluno só depois busca os livros ou outra mídia impressa. Assim, muitas vezes, se mostra entediado na escola que reforça o modelo convencional de transmissão de conhecimento, chamado de educação bancária por Paulo Freire (1987) e que, após décadas, continua tão presente no ensino brasileiro. A linguagem digital tem sido vivenciada pela grande maioria dos educandos, principalmente, fora da escola.

O grande desafio da educação tem sido integrar as múltiplas culturas presentes na escola, dentre elas, a digital. Superá-lo significa possibilitar aos educandos a oportunidade de se tornarem coautores na construção do conhecimento e protagonistas de sua própria história. Torna-se necessário ao professor reconhecer-se no papel de mediador do conhecimento, possibilitando maior aproximação dos educandos com a realidade vivida.

A forte presença dos meios de comunicação na cultura contemporânea, além de colocá-los na posição de agência de socialização, torna-os, também, educadores, pois “funcionam como instâncias transmissoras de valores, padrões e normas de comportamentos e servem como referências identitárias” (Setton, 2010, p. 8).

Nessa perspectiva, o desafio é a incorporação das diferentes tecnologias nas práticas pedagógicas. Bueno (2015, p. 599) enfatiza que surge, então, a necessidade

de se colocar em sintonia mídia e escola, agora mais do que nunca, por reconhecer que a escola não é mais o único lugar do saber, e que a utilização dos meios de modo propositivo pode significar novas possibilidades de construção do conhecimento, de exercício da autonomia e da cidadania.

O professor enfrenta desafios para efetivar essa sintonia entre a mídia e a sala de aula, trabalhando os conteúdos curriculares e os saberes sistematizados aliados com o uso das tecnologias, que podem ampliar o universo dos educandos e contribuir com sua aprendizagem. A formação continuada é um dos processos imprescindíveis para fortalecer o uso das tecnologias no contexto educacional e superar os desafios. 

Em Goiânia/GO, na rede municipal de educação, a equipe do NTE é responsável pela formação dos profissionais da educação para o uso das tecnologias em suas práticas pedagógicas. A formação tem como objetivo principal propiciar reflexões teóricas, metodológicas e práticas acerca do uso das tecnologias na educação, por meio de ações que articulem um processo de sensibilização, mobilização e formação.

A concepção de formação defendida pelo NTE, desenvolve-se com base na articulação entre a prática pedagógica, com o uso de tecnologias, a realidade da escola, a reflexão sobre a prática e suas contribuições. Em função disso, os processos formativos, voltados para o uso das tecnologias, assentam-se em situações contextualizadas e reais, assim como as experiências prévias dos profissionais.

As formações realizadas pelo NTE objetivam, ainda, contribuir para a ampliação da inclusão digital da comunidade escolar, dinamizar e qualificar os processos de ensino- aprendizagem, organizadas seguindo às orientações da Política de Formação Continuada em Rede, da SME Goiânia/GO, aprovada pelo Conselho Municipal de Educação, tendo como eixos norteadores a profissionalização, a valorização dos profissionais da educação e o aprimoramento da práxis pedagógica nas diferentes instituições educacionais (IE) da rede. Os cursos são planejados com momentos presenciais, assim como as atividades realizadas a distância, via ambiente virtual de aprendizagem, Moodle.

Uma das estratégias para a construção de uma cultura digital nas escolas da RME, da SME Goiânia/GO, eficiente e colocada como meio, afastando-as do instrumental, é a parceria com a Gerência de Formação dos Profissionais da Educação (Gerfor), com inserção de módulos que tratam das tecnologias nos cursos ofertados por essa gerência. Dessa forma, em quase todas as formações realizadas para professores são disponibilizadas uma carga horária específica para trabalhar os recursos digitais.

Araújo (2013, p. 22) enfatiza que “a tecnologia não deve ser utilizada meramente como recurso didático, de modo instrumental. Para que ela auxilie a transformar as relações educativas, a tecnologia deve estar atrelada a realidade sociocultural os estudantes” (grifo nosso). Por isso, acredita-se que, se as tecnologias se inserem de modo mais natural ao contexto do professor, elas serão utilizadas do mesmo modo, sem muito receio e como meio, não como algo extraordinário à sua prática, mas como algo corriqueiro e natural.

Assim, a participação do NTE, nas formações continuadas para gestores, professores, coordenadores e apoios pedagógicos da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, possibilita o enriquecimento das práxis pedagógicas, na perspectiva de contribuir com as IE da rede no processo de fortalecimento da reflexão dos sujeitos para que se percebam como protagonistas. Nesse contexto, os conteúdos programáticos dos cursos propõem a reflexão pedagógica do uso das tecnologias de forma a orientar, conscientizar e empoderar o estudante a tornar-se produtor de tecnologia e não apenas um consumidor dela, atitude que poderá ter um impacto permanente e duradouro em sua trajetória futura. Como dito por John Dewey (apud Raabe, 2016, p. 14),

as aprendizagens colaterais como as de formação de atitudes permanentes de gostos e desgostos podem ser, muitas vezes, mais importantes do que a lição de ortografia, geografia ou história. Essas são as atitudes que irão contar fundamentalmente no futuro. A mais importante atitude a ser formada é a do desejo de continuar a aprender (grifo nosso).

É importante destacar outra ação do NTE da SME Goiânia/GO que tem contribuído para a desmistificação do uso da tecnologia, com vista a desenvolver processos de aprendizagem significativos a partir do curso de tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) no processo da documentação pedagógica. Ambrósio (2013, p. 59) destaca que, “para que uma boa reflexão possa acontecer, processos diversificados de registros devem ser paulatinamente construídos”. Assim, esse curso tem como objetivo contribuir com o professor para que possa, na ação-reflexão-ação, se apropriar das tecnologias digitais no processo da documentação pedagógica, favorecer o registro documental, realizar o arquivamento das produções pedagógicas, se socializar e promover a interlocução com as famílias, para reflexão sobre todo o processo educacional.

Durante a pandemia, a SME Goiânia/GO criou duas plataformas para subsidiar as aulas não presenciais: o Portal Educacional Conexão Escola, criado pela equipe de programadores da Gerência de Inovação e Tecnologia Educacional para disponibilizar conteúdos digitais produzidos ou selecionados por professores da própria rede, assim como o Ambiente Virtual de Aprendizagem Híbrido, AVAH, uma plataforma para professores interagirem com os alunos em aulas não presenciais.

A equipe do NTE da SME Goiânia/GO participou ativamente dos processos de desenvolvimento de ações para uso de tecnologias e para a análise de conteúdos, por meio de curadoria, contribuindo, assim, com a elaboração e a organização de materiais para alimentar o acervo do Portal Educacional Conexão Escola. Também conduziu formações para o uso da plataforma, para a edição de vídeos e para a elaboração de templates diversos. Com o retorno das aulas presenciais, o investimento pedagógico da equipe continua voltado às formações, visando ao uso de plataformas e de robótica educacional.

Círculo virtuoso de estudos e aprimoramentos: ação-reflexão-ação

Acreditamos que o uso das tecnologias é estratégico para a aprendizagem dos educandos, pois a tecnologia não se limita apenas em criar espaços equipados, conectados à internet, mas garante a formação continuada de professores, o acompanhamento pedagógico e a indicação de conteúdos digitais.

Nesse sentido, faz-se necessário incentivar um amplo movimento de estudos, pesquisas, discussões e colaborações entre os professores formadores do NTE da SME Goiânia/GO com o propósito de ampliar a discussão sobre o uso das tecnologias na prática pedagógica, aprimorando as ações formativas e as assessorias oferecidas à comunidade escolar.

Frisa-se ainda que não basta se reunir para discutir sobre assuntos gerais, problemas administrativos ou para realizar trocas de experiências entre formadores. É preciso organizar e institucionalizar momentos de estudo, pesquisa e discussão. Um espaço para troca de experiências e para o desenvolvimento de pesquisas, visando às soluções colaborativas e à produção científica sobre temáticas relacionadas às tecnologias e às áreas do conhecimento.

Desse modo se organiza o Grupo de Estudo e Pesquisa em Tecnologias da Informação e Comunicação (Geptic), da SME Goiânia/GO. O grupo tem como propósito ampliar o conhecimento e aprimorar as ações formativas oferecidas à comunidade escolar. As temáticas para estudos são definidas semestralmente, a partir de demanda gerada por estudos anteriores e da escuta de professores durante o assessoramento pedagógico. Com o Geptic da SME Goiânia/GO, um círculo virtuoso de ações foi se desenvolvendo a partir da interação entre professores formadores, gestores e professores regentes de sala de aula, num processo de escuta, reflexão coletiva, novos olhares, avaliação, plano de ação e processo contínuo de acompanhamento.

Dentre as várias temáticas estudadas, uma merece destaque, a saber, o desenvolvimento de conteúdos digitais que contribuem com a prática pedagógica, podendo ser replicados de modo global. Nesse sentido, um dos temas de estudo do Geptic Goiânia foi sobre objetos digitais de aprendizagem (OA).

Acerca do conceito de objetos digitais de aprendizagem, Braga (2014, p. 21) compreende que

os objetos de aprendizagem podem ser vistos como componentes ou unidades digitais, catalogados e disponibilizados em repositórios na Internet para serem reutilizados para o ensino [...]. Em 2000, David Wiley sugeriu uma definição menos ampla: qualquer recurso digital que possa ser reutilizado para apoiar a aprendizagem (grifo nosso).

Os objetivos deste estudo foram: conhecer os diferentes tipos de OA e os repositórios específicos para OA; conhecer a acessibilidade e as estratégias pedagógicas em que eles possam ser inseridos; desenvolver objetos de aprendizagem customizados para a prática pedagógica dos professores da RME de Goiânia/GO. A partir dessa iniciativa, atualmente, cerca de 2.000 recursos digitais para Educação Infantil e Fundamental foram selecionados, catalogados, armazenados e disponibilizados para a comunidade escolar. Outras temáticas, tais como, cultura digital, espaços diferenciados, papel do professor e da gestão democrática têm sido amplamente discutidos e debatidos pelo Geptic Goiânia.

Para consolidação do trabalho do NTE da SME Goiânia/GO e para a efetivação das ações desenvolvidas pelas instituições educacionais, tem sido realizado o Simpósio de Educação e Tecnologia, com o propósito de propiciar um espaço em que se discutam possibilidades de contribuições das tecnologias na construção de práticas pedagógicas que favoreçam os percursos do conhecimento e da aprendizagem, assim como, espaços de trocas e compartilhamentos de conteúdos e experiências.

O Simpósio de Educação e Tecnologia é considerado uma ação formativa para um grande público (em média, 500 pessoas participam todos os anos). Nesse evento são realizadas mesas-redondas, palestras e conferências, além de apresentações culturais e exposição visual de práticas pedagógicas realizadas pelas instituições que integram tecnologias em suas ações.

Os temas do Simpósio de Educação e Tecnologia são definidos a partir dos assuntos discutidos nas formações oferecidas pela Gertec e Gerfor da SME Goiânia/GO, como forma de ampliar as discussões fomentadas nos cursos e criar um vínculo maior com os profissionais da educação. Há 10 anos, anualmente o evento tem acontecido. Em 2020, participaram do evento online mais de 2.000 pessoas.

A partir da experiência do Simpósio e das observações de práticas pedagógicas, envolvendo tecnologias nas escolas, foi implementada na programação do Simpósio de Educação e Tecnologia a Mostra Pedagógica: Educação e Tecnologias, com o intuito de divulgar e ampliar as ações pedagógicas com o uso significativo das TDIC, no contexto educacional. Um espaço de trocas de experiências, incentivando o uso de websites e das redes sociais como ferramenta potencializadora da interação, divulgação e socialização das práticas pedagógicas. A exposição acontece no formato de pôster/banner e três trabalhos são selecionados para exposição oral. No decorrer do evento, em mesa redonda, há a oportunidade de que os profissionais da educação conheçam os trabalhos que estão sendo desenvolvidos na RME de Goiânia/GO. É a Rede conhecendo sua Rede.

Algumas considerações

Cultura digital na RME de Goiânia/GO é um imenso desafio. Atualmente são mais de 110 mil educandos matriculados na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos e pelo menos 9 mil professores de várias áreas, distribuídos em pelo menos 370 instituições educacionais. Ações formativas e assessoramento técnico-pedagógico devem ser constantes e os resultados vão surgindo a médio e a longo prazo.

A SME Goiânia/GO, por meio da Gertec/NTE, tem demonstrado a importância de continuidade das diversas ações, tanto formativa quanto de assessoria. Os professores têm mostrado maior interesse, buscado mais cursos e mais orientações pedagógicas para o uso das tecnologias.

O assessoramento pedagógico, mais próximo do dia a dia do professor e dos educandos, tem sido uma das estratégias mais intensas que a equipe do NTE da SME Goiânia/GO tem desenvolvido. Estar com os professores, no momento de escolha da tecnologia a ser empregada em seus projetos, tem favorecido o professor, dando a ele maior clareza sobre qual ou quais tecnologias ele pode lançar mão para que o seu uso seja efetivo e tenha de fato maior sentido para os educandos, favorecendo assim a sua aprendizagem.

Ampliar os espaços de debates e reflexões, fortalecer o assessoramento técnico-pedagógico, abrir vagas para novos professores, criando cursos e disponibilizando conteúdos sistematizados e catalogados, pode ser o grande avanço para a consolidação da cultura digital nas escolas da SME de Goiânia/GO. Desse modo, a partir dos OA, repensar todo o processo de formação e de acompanhamento pedagógico pode favorecer à concretização de uma cultura digital.

De certa forma, a partir da pandemia do novo coronavírus, convivendo com o isolamento, com o distanciamento social, com o pânico, com a tragédia e com a dor pelo contágio (vendo o adoecimento e a morte de inúmeras pessoas), pode-se afirmar que a sua contribuição, além de evidenciar as mazelas da educação, serviu para nos impulsionar para o uso, cada vez maior, das tecnologias no contexto pedagógico.

Finalmente, compreendemos que a cultura digital, no contexto educacional, só será concretizada com a sua efetiva usabilidade na prática diária da escola, reconhecendo as tecnologias digitais como recurso capaz de facilitar a aprendizagem dos alunos, assim como acontece com os livros, os cadernos, as canetas e a lousa.

Referências

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Publicado em 09 de agosto de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

BUENO, Divino Alves; FREITAS, Luciana Barbosa de. Cultura digital: uma experiência na prática da Rede Municipal de Goiânia/GO. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 29, 9 de agosto de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/29/cultura-digital-uma-experiencia-na-pratica-da-rede-municipal-de-goianiago

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