Relatório de estágio supervisionado no ensino de Ciências Naturais

Kairo Dourado Barbosa

UFOB

Este trabalho faz parte dos estudos realizados no componente curricular Estágio Supervisionado em Ciências II (Estágio II) da proposta curricular do 6º semestre do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB).

O Estágio II é um componente por meio do qual o estudante insere-se no cotidiano escolar das escolas municipais localizadas na região oeste da Bahia, na cidade de Barreiras. O início da regência é uma forma de preparação para a atuação profissional como professor e para maior experiência por meio da vivência em sala de aula. A regência só ocorre depois que as observações são realizadas no Estágio I. As atividades envolvem a caracterização e análise da unidade escolar, itinerância curricular formativa, objetivos educacionais como cronograma de aulas, plano de ensino, sequências didáticas e avaliações da aprendizagem.

As atividades ocorreram de setembro a dezembro de 2019 no Centro Educacional Luiz Viana Filho, situado na Rua Deputado Vieira de Melo, no bairro Vila Brasil, no município da cidade de Barreiras/BA. A turma alvo do estágio de regência foi o 8º ano “A” matutino. O objetivo da regência foi analisar as abordagens metodológicas de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e suas relações entre a percepção dos alunos e a realidade do cotidiano, levando também em consideração o conhecimento científico, histórico, social e cultural dos estudantes, assim como as articulações da escola como um todo nos processos de ensino-aprendizagem.

Caracterização e análise da unidade escolar

O Centro Educacional Luiz Viana Filho foi inaugurado em 26 de maio de 1991; recebeu esse nome em homenagem ao ex-governador da Bahia, figura importantíssima no meio político da época.

A unidade de ensino iniciou suas atividades com oito salas de aula, visando atender a comunidade da Vila Brasil e adjacências. No entanto, foi reconhecida apenas em dezembro de 1993, pela Portaria nº 542/93, publicada no Diário Oficial de 18 de dezembro de 1993. Inicialmente, a escola atendia apenas alunos da Educação Infantil até o 5° ano, mas, devido ao crescimento populacional dos bairros do entorno, foi necessário implementar aulas do 6° ao 9° ano, aumentando o número de salas de aula e de professores.

Atualmente, o Centro Educacional Luiz Viana Filho possui doze salas de aula, além de cantina, sala dos professores, almoxarifado, secretaria, sala da direção, sala da coordenação pedagógica, sala de leitura, sala de recursos multifuncionais e laboratório de informática, embora este último não esteja funcionando.

Hoje a escola atende somente os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, ou seja, do 6° ao 9° ano; desde 2016, conta com uma sala de leitura completa, adquirida graças à doação do Rotary Club Barreiras Rio de Ondas com o projeto A Leitura Move o Mundo, desenvolvido por essa associação.

Objetivos educacionais desenvolvidos e avaliação da aprendizagem

A organização do cronograma geral, da sequência didática e dos planos de aula ocorreu em duas unidades temáticas, de acordo com BNCC (Brasil, 2018): Matéria e Energia (unidade temática I) e Vida e Evolução(unidade temática II). A primeira unidade temática (Matéria e Energia) adotou o tema Conhecendo a energia, suas formas e aplicações: uma visão consciente para o consumo sustentável. Os principais objetivos e objetos de conhecimento trabalhados para esta unidade estão articulados com base na BNCC (Brasil, 2018) e podem ser vistos no Quadro 1.

A metodologia de ensino para essa primeira instância foi configurada em três grandes momentos. Para os hábitos de consumo da energia elétrica – em que foram identificados e classificados os hábitos bons e ruins em relação ao consumo consciente e sustentável de energia (Pinheiro; Kohlrausch, 2011), foram utilizadas metodologias alternativas de ensino-aprendizagem, por meio da aprendizagem ativa centrada no estudante (Michael, 2006; Mascolo, 2009), aprendizagem por meio da investigação (Carvalho, 2013); atividades baseadas em problemas (Barrows; Tamblyn, 1980) e por grupo de trabalhos colaborativos (Michaelsen et al.,  2004).

No final do conteúdo, a turma foi dividida em três grandes grupos, a fim de abordar um perfil de consumo de energia elétrica da comunidade local. Dessa forma, o primeiro grupo ficou responsável pelo perfil de consumo social de energia no Brasil, o segundo grupo ficou responsável pelo perfil de consumo de energia na escola e o terceiro grupo ficou responsável pelo perfil de consumo familiar. Para contemplar os processos da investigação em grupo, foram utilizados os pressupostos da interdisciplinaridade (Japiassu, 1976; Fazenda, 2013) com a Matemática para quantificação e agrupamento dos dados obtidos pelos estudantes em sala de aula.

No segundo momento, foram abordados os diferentes tipos de geração de energia renováveis e não renováveis (Borges et al., 2013), como energia solar, eólica, geotérmica, hidrelétrica, termelétrica e nuclear, abordando suas semelhanças, diferenças e funcionamentos. Para esse contexto, foi necessário se apropriar das metodologias de ensino com analogias (Cachapuz, 1989) e do ensino por metáforas (Lakoff; Johnson, 2002).

Por fim, em um terceiro momento, foram discutidos os impactos sociais e ambientais provocados pelo uso de energia elétrica no Brasil. Para tanto, foi elaborada uma cartilha informativa abordando o uso consciente da energia elétrica no Brasil, com intervenções sociais e ambientais (Figura 1).

A segunda unidade temática (Vida e Evolução) foi nomeada com o tema Conceitos da sexualidade: uma maneira de se informar e de respeitar a diversidade de gênero. Os objetivos e objetos de conhecimentos trabalhados nessa unidade temática podem ser vistos no Quadro 1.

Inicialmente foi feita uma aula expositiva e dialogada com ênfase na formação e composição do sistema genital tanto masculino quanto feminino, comparando as suas principais semelhanças e diferenças do ponto de vista biológico, morfológico, anatômico e estrutural.

Figura 1: Consumo de energia elétrica por aparelhos eletrodomésticos

No segundo momento, foi realizada uma apresentação de seminários em duplas ou pequenos grupos; cada um ficou responsável por um tipo de doença sexualmente transmissível, como abordado no livro didático utilizado por Gowdak e Martins (2015). Para contemplar essa metodologia de ensino, foram trabalhadas a instrução por pares (Mazur, 1997; Lyman, 1987) e a aprendizagem por meio da investigação (Carvalho, 2013), a fim de trazer as informações já delimitadas, como no caso das formas de transmissão, de tratamento e de prevenção.

Para cada plano de aula desenvolvido e posteriormente executado, foi adotada uma estratégia pedagógica reflexiva e adaptada com base nos estudos de Pedro Reis (2011). Assim, uma vez realizada a execução do plano de aula, eram levados em consideração quatro pilares fundamentais na importância do planejamento evidenciado pelos alunos:

  1. análise didático-pedagógica dos conteúdos;
  2. relação dos conteúdos com o cotidiano do aluno;
  3. desafios da aprendizagem em sala de aula;
  4. sugestões de melhorias para as próximas aulas.

Quadro 1: Relação dos objetivos gerais e específicos com os objetos de conhecimento do 8º ano abordados pela BNCC

Objetivos gerais e específicos

Objetos de conhecimento

Promover ações coletivas para otimizar o uso de energia elétrica no ambiente social, escolar e familiar.

Uso consciente de energia elétrica; identificação do perfil do consumo de energia elétrica da comunidade social, escolar e familiar.

Entender e avaliar os diferentes tipos de geração de energia: energia solar, eólica, geotérmica, hidrelétrica, termelétrica e nuclear; distinguir os tipos de energia renováveis e não renováveis.

Tipos de energia renováveis e não renováveis para o consumo consciente.

Discutir os impactos sociais e ambientais provocados pelo uso da energia elétrica.

Fontes de geração de energia elétrica e seus impactos socioambientais.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2018.

Competências e habilidades adquiridas por meio da BNCC para o ensino de Ciências da Natureza no 8º ano

Em termos gerais, durante o período de regência para as duas unidades temáticas, foram contempladas quatro competências específicas para o ensino de Ciências da Natureza conforme a BNCC (Brasil, 2018, p. 324) e no Quadro 2, adaptado para este trabalho.

Quadro 2: Competências específicas e habilidades adquiridas para o ensino de Ciências Naturais do 8º ano abordados pela BNCC

Competência específica 2: Compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas das Ciências da Natureza, bem como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação científica, de modo a sentir segurança no debate de questões científicas, tecnológicas, socioambientais e do mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

Competência específica 5: Construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro, acolhendo e valorizando a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.

Competência específica 7: Conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias.

Competência específica 8: Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza para tomar decisões frente a questões científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários.

Habilidades adquiridas

Habilidade (EF08CI01) Identificar e classificar diferentes fontes (renováveis e não renováveis) e tipos de energia utilizados em residências, comunidades ou cidades.

Habilidade (EF08CI04) Calcular o consumo de eletrodomésticos a partir dos dados de potência (descritos no próprio equipamento) e tempo médio de uso para avaliar o impacto de cada equipamento no consumo doméstico mensal.

Habilidade (EF08CI06) Discutir e avaliar usinas de geração de energia elétrica (termelétricas, hidrelétricas, eólicas etc.), suas semelhanças e diferenças, seus impactos socioambientais, e como essa energia chega e é usada em sua cidade, comunidade, casa ou escola.

Habilidade (EF08CI08) Analisar e explicar as transformações que ocorrem na puberdade considerando a atuação dos hormônios sexuais e do sistema nervoso.

Habilidade (EF08CI09) Comparar o modo de ação e a eficácia dos diversos métodos contraceptivos e justificar a necessidade de compartilhar a responsabilidade na escolha e na utilização.do método mais adequado à prevenção da gravidez precoce e indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis.

Fonte: Brasil, 2018.

Considerações finais acerca da importância do estágio supervisionado de aula

O Estágio Supervisionado em Ciências II é de suma importância para a formação do licenciando em Ciências Biológicas. Além disso, com a nova proposta da Base Nacional Comum Curricular aprovada em 2018, surge uma necessidade maior de entender as relações entre professor e aluno e como o ensino de Ciências Naturais está sendo aplicado com a realidade dos alunos e das escolas públicas brasileiras. Dessa forma, entender a dinâmica e o contexto social, histórico e cultural dos estudantes é fundamental para atingir as competências e as habilidades propostas pela BNCC.

Além disso, o Estágio Supervisionado em Ciências II permitiu maior integração com os alunos em sala de aula e com a forma como ocorrem a vivência e o dia a dia do professor. Assim, em meio a tantas dificuldades enfrentadas na e pela escola pública, foi possível enxergar uma mudança a partir da docência regida durante o estágio supervisionado.

As experiências vivenciadas no Ensino Fundamental II mostraram que os alunos da rede pública precisam de um um olhar mais aprofundado em relação à infraestrutura da escola, aos materiais e livros didáticos e às mudanças do comportamento em sala. Contudo, são necessários maior investimento e maior incentivo desde os processos básicos de educação, como a escrita, a leitura e a interpretação de textos.

Para tanto, sem apoio político e pedagógico, algumas competências e habilidades propostas pela BNCC não serão cumpridas e muito menos atingidas, visto que boa parte das habilidades exige boa estruturação e conhecimento por parte dos professores, da coordenação pedagógica e da direção da escola.

Referências

BARROWS, H. S.; TAMBLYN, R. M. Problem-based learning: an approach to medical education. New York: Springer, 1980.

BORGES, P. C. A.; SILVA, S. M.; ALVES, T. C.; TORRES, A. E. Energias renováveis: uma contextualização da biomassa como fonte de energia. Revista Eletrônica do Prodema, Fortaleza, v. 10, nº 2, p. 23-26, 2016.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a Base. Brasília: MEC, 2018.

CACHAPUZ, A. Linguagem metafórica e o ensino das ciências. Revista Portuguesa de Educação, v. 2(3), 1989.

CARVALHO, A. M. P. O ensino de Ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (Org.). Ensino de Ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.

FAZENDA, I. C. A. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2013.

GOWDAK, Demétrio; MARTINS, Eduardo. Seres vivos: novo pensar. São Paulo: FTD, 2015.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

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LYMAN, F. Think-pair share - An expanding teaching technique: MMA-CIE. Cooperative News, v. 1, p. 1-2, 1987.

MASCOLO, M. F. Beyond student-centered and teacher-centered pedagogy: teaching and learning as guided participation. Pedagogy and the Human Sciences, v. 1, nº 1, p. 3-27, 2009.

MAZUR, E. Peer Instruction: a user’s manual. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1997.

MICHAEL, J. Where’s the evidence that active learning works? Advances Physiology Education, nº 30, p. 159-167, 2006.

MICHAELSEN, L. K.; KNIGHT, A. B.; FINK, L. D. Team-based learning: a transformative use of small groups in college teaching. Sterling: Stylus Publishing, 2004.

PINHEIRO, D. K.; KOHLRAUSCH, F. Educação Ambiental: uso consciente da energia elétrica e aplicação de alternativas para diminuição do consumo. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, Belo Horizonte, v. 4, nº 4, p. 387-397, 2011.

REIS, P. Observação de aulas e avaliação do desempenho docente. Lisboa: Conselho Científico para Avaliação de Professores, 2011. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/12424440.pdf.

Publicado em 25 de janeiro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

BARBOSA, Kairo Dourado. Relatório de estágio supervisionado no ensino de Ciências Naturais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 3, 25 de janeiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/3/relatorio-de-estagio-supervisionado-no-ensino-de-ciencias-naturais

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