Letramento escolar: ultrapassando os muros da escola

Aguida Pereira de Souza

Graduanda de Letras (UEPB)

Joelma da Silva Salviano

Graduanda de Letras (UEPB)

Maria Gabriela Sousa Soares

Graduanda de Letras (UEPB)

Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz

Mestre, professora Faculdade Vale do Pajeú

O presente trabalho parte das diversas discussões construídas em torno do letramento e da importância deste tema para o espaço escolar, tendo em vista que o seu exercício e o seu desenvolvimento proporcionam ao estudante, como ser escolarizado e cidadão, a capacidade de desenvolver competências e habilidades para os diferentes usos nas diversas práticas sociais de leitura e de escrita. Sendo assim, há práticas de letramento que estão além dos muros das instituições escolares e que precisam ser consideradas e exploradas.

Por meio desse posicionamento, o presente trabalho busca contemplar as discussões acerca das práticas de letramento no âmbito escolar, práticas que possibilitam aprendizagens heterogêneas aos discentes, proporcionando experiências singulares neste período estudantil (um momento de preparação para a vida). O espaço escolar é entendido como um meio no qual os estudantes constroem e aperfeiçoam os objetivos direcionados à vida social e profissional. Com base nesses argumentos, entendemos que as práticas de letramento, nas escolas, são fundamentais para o desenvolvimento do sujeito, atuando, assim, nas esferas sociais e nas infinitas práticas apresentadas por elas.

Nesse sentido, o conceito de letramento foi "criado para referir-se aos usos da língua escrita não somente na escola, mas em todo lugar" (Kleiman, 2005, p. 5). O fenômeno do letramento se direciona às práticas sociais que estão além do âmbito escolar, pois essa concepção está relacionada aos usos que cada sujeito faz da escrita e da leitura nas mais variadas situações de fala.

Nessa busca pela qualificação do aprendizado, o trabalho pedagógico precisa focar no indivíduo, sem perder o compromisso com a sua inserção sociocultural. Nessa perspectiva, os estudos de letramento contribuem para esse processo de formar o sujeito como leitor e escritor do “mundo”, levando em conta suas práticas socioculturais.

Buscando trazer veracidade aos pressupostos aqui apresentados, deteremos nossos estudos e observações na leitura, utilizando alguns documentos como alicerce para a construção deste trabalho. Dentre os estudos selecionados estão o capítulo intitulado “Práticas de letramento e implicações para a pesquisa e políticas de alfabetização e letramento”, de Magda Soares, discutindo os conceitos em torno dos termos letramento e alfabetização, apresentando as suas diferenças. Além disso, mostraremos o texto Letramento: um tema em três gêneros, da mesma autora, que aponta o empenho de pesquisadores e estudiosos da educação e do ensino a respeito da importância dos estudos sobre a temática para a instituição escolar. Dessa forma, podemos caracterizar este trabalho como uma revisão da literatura, visto que reúne diversas concepções acerca do letramento e de suas implicações, fornecendo embasamento teórico para a pesquisa delineada aqui.

Portanto, o presente trabalho estrutura-se inicialmente pela apresentação de conceitos por meio de uma revisão bibliográfica sobre a qual será abordada a temática central deste estudo. Ainda dividiremos a fundamentação teórica em dois tópicos, sendo o primeiro, sobre a importância do letramento na escola e da escola para a vida e, o segundo sobre a influência do letramento escolar nas práticas sociais do sujeito. Por fim, apresentaremos as considerações finais, tendo como pressupostos as exposições evidenciadas anteriormente de modo que possamos refletir sobre os papéis das instituições escolares.

Essa discussão é extremamente significativa, pois os estudos evidenciados aqui influenciam para um ensino reflexivo em sala, na busca de conhecimentos, no que diz respeito à ampliação dos mesmos e, também, levando em consideração os conhecimentos que o aluno já possui. Com isso, o ensino tradicional é substituído por uma aprendizagem que visa ao desenvolvimento do aluno nos diversos setores e práticas sociais existentes, não o operacionismo.

O letramento e a sua importância no ambiente escolar

Conforme as diversas discussões que se iniciaram a respeito do termo letramento, salientamos que elas aconteceram devido às transformações políticas, históricas, econômicas e culturais, de modo que a sua definição foi apresentada por diversos estudiosos, tais como, Kleiman (1995), Soares (2010) e Araújo (2012).

Sendo assim, concepções foram criadas, como, por exemplo, a ideia desenvolvida a partir de uma visão antropológica apresentada por Soares em seu texto “Práticas de letramento e implicações para a pesquisa e para políticas de alfabetização e letramento”. Essa concepção define o termo letramento como práticas de leitura e de escrita, levando em consideração os valores culturais e apresentando a dicotomia “sujeito letrado e não letrado”.

Em meio aos novos estudos centralizadores da importância do termo “letramento”, Street (2010) realiza suas pesquisas a partir de uma perspectiva linguística sob a qual o letramento é entendido como elemento representativo da língua escrita, diferenciando-o da língua oral. Já pela perspectiva psicológica, o mesmo autor faz referência às habilidades cognitivas que são desenvolvidas para a produção de textos escritos. Outrossim, a perspectiva denominada educacional ou pedagógica estão interligadas às práticas sociais do sujeito e é nesta última que encontramos os aspectos elaborados em diversos documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Enem, e no setor escolar como um todo.

A utilização do termo “letramento” leva em consideração uma nova realidade, uma realidade relacionada à necessidade de proporcionar aos indivíduos meios para desenvolverem habilidades leitoras e escritoras. Pensando nisso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enfatiza sobre a necessidade de aprimorar e desenvolver práticas de letramentos em sala de aula, fornecendo aos alunos novas aprendizagens que servirão não só para o âmbito escolar, mas também para o contexto de mundo de cada um deles.

Os documentos oficiais da educação brasileira apresentam o letramento não como uma adjetivação entendida como um conjunto de habilidades e competências apenas para decodificação, mas como uma prática ideológica e social, permitindo ao sujeito compreender, interpretar e transformar o mundo.

Diante disso, para a BNCC (2017), desde a primeira etapa de inserção na escola o aluno já se depara com o campo de experiência, escuta, fala, pensamento e imaginação. Mesmo o documento não apresentando uma forma explícita do termo alfabetização ou letramento, o ofício já se inicia nos primeiros anos de ensino como um arranjo curricular de experiências e saberes da criança em relação à comunicação, percorrendo toda a sua formação até os anos finais. Em outras palavras, as crianças, desde o nascimento, estão envolvidas em situações comunicativas a partir do seu cotidiano de interação e participação. É neste momento que elas começam a ampliar e a enriquecer seu vocabulário e outras expressões, aprimorando o uso da língua materna que, aos poucos, se torna o veículo privilegiado de interação.

Ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação (Brasil, 2017, p. 36).

Nesse sentido, o documento potencializa a necessidade de desenvolver a prática do diálogo e do compartilhamento, tanto na instituição escolar como na família. Desse modo, ocorre a junção de conhecimentos e aprendizagens prévias dos sujeitos com os novos ensinamentos que serão explorados no âmbito escolar. Portanto, a BNCC (Brasil, 2017), desde o início de suas orientações curriculares, fortalece a essencialidade de trabalhar e empregar nos currículos escolares as práticas de letramentos, pois apresentam, desde as primeiras etapas de ensino, a necessidade de o docente levar em consideração os conhecimentos prévios dos alunos. No decorrer da aprendizagem, os letramentos já existentes são aperfeiçoados e expandidos, permitindo aos discentes explorar e aprender novas propostas, colaborando para a construção de sujeitos ativos, transformadores, críticos e refletivos.

Dessa forma, à medida que a concepção de letramento é abordada e discutida no âmbito escolar, progressivamente, ela é entendida como um elemento indissociável do termo alfabetização. Este último refere-se à ação de alfabetizar, de acordo com o Dicionário Aurélio. O conceito dos termos letramento e alfabetização variam de acordo com a linha de pesquisa seguida. Soares (2010, p. 61), por exemplo, afirma que os dois elementos são opostos, pois, de acordo com ela,

alfabetização e letramento são processos diferentes, mas indissociáveis, embora se diferenciem quanto as habilidades cognitivas que envolvem e, consequentemente, impliquem formas diferentes de aprendizagem, são processos simultâneos e interdependentes.

Isso significa dizer que o letramento não está voltado para o “simples” ato de alfabetizar. Pelo contrário, o letramento surge paralelamente a este último termo com o objetivo de ampliá-lo e enriquecê-lo. Isto posto, busca-se desenvolver um trabalho de leitura e de escrita voltado às condições de uso reais dessas leituras e dessas escritas, pois “não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente” (Soares, 1998, p. 20).

Assim sendo, cabe à escola a função de adequar a escolha dos gêneros textuais orais e escritos abordados e estudados em sala de aula, sendo que eles devem estar voltados à realidade do aluno, a fim de considerar e ampliar seus conhecimentos prévios, tornando-o capaz de interpretar os diversos textos que circulam na sociedade e “garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania” (Brasil, 1997, p. 21). Além disso, podemos compreender que, ao adotar essa forma de trabalho, a escola não só forma alunos para atuarem em situações específicas de leitura e de escrita, mas expande seus conhecimentos, fazendo com que se comportem de forma crítica e democrática em meio às necessidades presentes da sociedade multicultural.

Logo, a escola funciona como um local de aprimoramento dos níveis de letramento, isso significa dizer que quando as práticas de leitura e escrita são abordadas de forma contextualizada, seguindo as propostas apresentadas pelo ensino das práticas que envolvem o letramento no ambiente escolar, a aprendizagem é

entendida como a capacidade de fazer uso efetivo e competente da leitura e da escrita, isto é: a relação entre números de séries escolares concluídas pelos indivíduos, ou seja, seu grau de instrução, e nível de letramento. Esse critério fundamenta-se no pressuposto de que, atingindo um certo grau de instrução, o indivíduo terá adquirido não só a tecnologia da escrita, isto é, terá se tornado alfabetizado, mas também se apropriado de competências básicas necessárias ao uso das práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, terá se tornado letrado (Soares, 2004, p. 96).

No entanto é necessário enfatizar que a escola não é a única responsável pelo letramento adquirido ao longo da vida do estudante, já que o sujeito, ao adentrar no contexto escolar, traz consigo um letramento apreendido de outras esferas (família, igreja, tecnologia etc.). Contudo, a escola é considerada “a mais importante das agências de letramento” (Kleiman, 1995, p. 20).

Assim, ao ser evidenciada a relevância do papel da escola na construção do sujeito como pessoa letrada, faz-se necessário que o trabalho desenvolvido o possibilite aprimorar o letramento, elevando seu nível de letramento, para que a aprendizagem perpasse os muros da escola e chegue à sociedade como uma ação transformadora. Desse modo, entende-se que o sujeito não adquire um conhecimento isolado, mas um conhecimento que o liberta e muda sua maneira de agir com o outro e em sociedade, como aponta o grande mentor da educação, Paulo Freire.

Da escola para a vida: a importância do letramento escolar nas práticas sociais

Quando nos referimos a um dos vários tipos de letramento existentes, mais especificamente ao letramento escolar, estamos nos referindo ao ato de ler e escrever que se manifesta dentro desse contexto.

Dessa forma, o letramento escolar se constitui pelas práticas citadas como sendo seus elementos centrais, mas não apenas do ato em si de ensinar e de aprender, como também das práticas de leitura e de escrita no ambiente escolar. O trabalho com tais práticas funciona como uma ponte para o desenvolvimento da convivência e da interação entre os educandos.

Assim, esclarece Leal (2004, p. 51) que o “letramento não é uma abstração, ao contrário, é uma prática que se manifesta nas mais diferentes situações, nos diferentes espaços e nas diferentes atividades de vida das pessoas”. Logo, passamos a verificar que o ensino voltado para a concepção de letramento ultrapassa os muros da escola, pois a aprendizagem passa a ser entendida como uma prática social que envolve uma série de fatores sociais, tecnológicos, culturais. Esses fatores englobam as diversas habilidades e os múltiplos conhecimentos adquiridos individualmente, consequentemente, trabalha as práticas sociais e as competências funcionais.

Nesse sentido, o letramento escolar oferece ao aluno uma ampla visão diante da realidade, possibilitando que se adeque às várias situações comunicativas, por meio do uso real da língua, mesmo em situações de simulação desse uso. Afirmar que os alunos não gostam de ler ou dizer que aos poucos eles conseguirão interpretar o texto é pouco válido, tendo em vista que as práticas de leitura ultrapassam a leitura de livros ou de textos escritos, como afirma Koch (2003, p. 13):

Para aprender a língua, o sujeito precisa falar, ouvir os outros, conviver com a escrita que existe no mundo (nas histórias, cartas, avisos, jornais, convites, bilhetes etc.), precisa escrever e ler o que as outras escrevem. Precisa, enfim, penetrar no mundo da língua, como também no da Matemática e das Ciências Naturais e Sociais.

Sendo assim, a concepção de letramento apresentada por Koch (2003) faz refletir acerca do que se ensina e de como se ensina. Assim, há a introdução de um ensino que busca atender às demandas sociais de leitura e escrita por meio da inserção do trabalho com variados gêneros textuais, percebendo e analisando suas múltiplas linguagens. Consequentemente, o aluno é inserido em diversos outros ambientes que elevam o seu grau de letramento. Esses ambientes concentram-se em campos, como o da dança, da música, da pintura, instigando o desenvolvimento da cidadania, bem como oferecendo ao indivíduo o acesso às diferentes formas de aprendizagem e, também, de conhecimentos culturais. 

Quando se fala em cidadania, é importante ressaltar que o trabalho diante da concepção de letramento faz com que o sujeito desenvolva seu senso crítico por meio de um conhecimento que traz mudanças significativas para a sua vida.

Toda essa discussão serve para a conscientização sobre a necessidade do aprimoramento das práticas leitoras e escritoras, desenvolvidas internamente na escola, mas que ultrapassam suas paredes, ganhando diferentes rumos, setores, espaços e indivíduos. Nesse sentido, Silva e Araújo (2012, p. 688) afirmam que “aqueles que possuem bons níveis de diferentes letramentos tendem a ocupar mais espaço na sociedade, ser bem-vistos, ter mais possibilidade de ascensão social, já que os letramentos são fenômenos relacionados estritamente à voz expressa pela formação”.

As autoras fazem-nos refletir sobre os diferentes níveis de letramento que promovem no sujeito a capacidade de atuar nos mais diversos espaços sociais. Contudo, para que isso aconteça, faz-se necessário e obrigatório que ele tenha frequentado ou desenvolvido habilidades que geralmente são construídas no ambiente escolar. As autoras destacam que

apenas o desenvolvimento do código linguístico não é suficiente para a atuação do sujeito nas práticas letradas requeridas pelas várias agências de letramento presentes na sociedade, é preciso sobretudo saber utilizar tal código conforme as demandas de leitura e de escrita requeridas pela sociedade nas diferentes situações sociocomunicativas (Silva; Araújo, 2012, p. 690).

Dessa forma, há no mundo milhares de sujeitos que se utilizam das práticas sociais de leitura e de escrita a partir dos mais variados meios sejam eles imagens, áudios ou até por meio de outros indivíduos que possuem um grau de letramento mais elevado, pois o letramento encontra-se em meio a sujeitos escolarizados e não escolarizados. 

Os argumentos apresentados aqui se direcionam à ideia de que o desenvolvimento dessas práticas aprimora e facilita a articulação do sujeito nos espaços, em termos de movimento e atitudes sociais. Nesse sentido, Soares (2002, p. 145) aponta que o letramento deve ser considerado como “o estado ou condição de quem exerce as práticas de leitura e escrita, de quem participa de eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de interpretação dessa interação.” Logo, entende-se que o indivíduo que contempla altos níveis desse letramento, demonstra ter habilidade, competência e participação ativa em diferentes eventos de letramento, em que a escrita e a leitura são tidas como elementos fundamentais.

Para que o discente consiga desenvolver essa competência é necessário que ele adquira esse hábito de adaptação ao contexto. O incentivo da família, aliado ao trabalho da escola, funciona como elemento de estimulação. O ambiente escolar tem a função não só de ensinar ao aluno essas habilidades, mas promover um ensino que torne esse aluno um sujeito capaz de fazer um uso competente da leitura e da escrita na sociedade.

Outro fator que requer atenção, no que diz respeito à importância do letramento escolar no convívio social, está direcionado ao grande avanço tecnológico e industrial ocorrido nos últimos séculos. Esses dois fatores estão diretamente inseridos nas atividades executadas no cotidiano, dessa forma se constituem de um modo natural e familiar a nossa realidade atual. Por isso, a utilização destas ferramentas acaba passando despercebida pelos grupos letrados. Isso se deve ao fato de que as práticas sociais vivenciadas pelo aluno levam em consideração os diversos modos culturais, econômicos e familiares, ativando crenças, valores e visões de mundo distintas, além de apresentar as atividades exercidas pelos sujeitos (resolução de cálculos, a leitura de um livro, anúncio, imagem).

Essas e diversas outras atividades podem ser praticadas a aprendidas tanto no cotidiano como na escola, pois estes são ambientes que corroboram para maior desenvoltura na realização das atividades. Sendo assim, a escola pode aprimorar essas práticas, promovendo o desenvolvimento da escrita significativa. O trabalho com os gêneros textuais, gêneros que fazem parte do nosso cotidiano, representa uma construção histórica e, ao mesmo tempo, social, alcançando não apenas a esfera escolar, mas influenciando nas práticas de leitura e escrita que circundam as camadas sociais.

Além disso, podemos citar a prática de produção de texto. Esta prática, quando trabalhada de forma eficiente no ambiente escolar, leva em consideração o direcionamento a um interlocutor verdadeiro (embora, por vezes, em situação de simulação). A partir dessa atividade, o aluno tem em si a figura de um produtor de textos, fazendo uso deles em discussões, diálogos e interações sociais.

Levando em consideração o efetivo trabalho com a produção de textos, de modo que esse trabalho influencie nas vivências do aluno, Leal (2005, p. 54) afirma que

pensar o ensino de produção de texto requer pensar, em primeiro lugar, que um texto produzido por um aprendiz se manifesta como produto de um sujeito que, a seu modo, através das diversas possibilidades e formas de linguagem, busca estabelecer um determinado tipo de relação com o seu interlocutor.

O trabalho com a produção está estritamente relacionado à interação social. Portanto, a prática da escrita corrobora com uma produção voltada para os contextos reais de uso da habilidade de leitura e escrita. Nesse sentido, o trabalho voltado ao ensino-aprendizagem advém da mediação de intervenções pedagógicas que contribuem com a difusão das práticas de letramentos que devem ser ampliadas na escola, proporcionando aos alunos desenvoltura diante da sua produção, em termos de leitura, interpretação e criticidade.

Nesse sentido, o trabalho advém da mediação de intervenções pedagógicas que contribuam para a difusão das práticas de letramentos que devem ser ampliadas. Com o uso do termo “ampliadas” subtende-se que o aluno, ou qualquer sujeito, já traz consigo conhecimentos do seu cotidiano e das relações que estabelece com outros seres e lugares. O que a escola deve ter como objetivo é proporcionar aos alunos desenvoltura diante da produção escrita, da leitura e da interpretação.

Seguindo esse raciocínio, Mey (2001 apud Silva; Araújo, 2012, p.149) afirma:

pessoas não alfabetizadas estão conscientes do fato de que sua língua é o obstáculo número um no caminho rumo ao sucesso (conseguir um emprego melhor). O que está em questão não é, claramente, a ideia de uma língua “melhor” em si mesma, mas de uma língua que é essencial à melhoria das condições de vida de alguém e, por isso, “melhor”, não somente como um “bilhete de admissão” para o clube “das pessoas de bem”, mas como um instrumento de poder, uma arma na luta pelo progresso individual [...]. O acesso a uma vida melhor é mediado   pela linguagem, mas não diretamente fornecido por ela: a linguagem não “carrega”, a menos que ela seja “carregada”.

Esse tipo de abordagem reflexiva diante do trabalho com as práticas de letramento direciona-se para a perspectiva que Street (1984) denomina como ideológica, tal perspectiva concentra sua atenção nas efetivas práticas de leitura e escrita, levando em consideração a interferência e a importância do meio social na construção de sentidos direcionados a essas práticas. Segundo Silva e Araújo (2012, p. 02-03), nessa abordagem, é necessário que a “leitura e a escrita sejam consideradas interligadas à ideologia e ao contexto sócio-histórico em que aparecem.” Adotando essa perspectiva, o trabalho está voltado para o ensino de práticas que são articuladas socialmente e culturalmente, assumindo significados, posições e posturas advindas dos diferentes contextos, instituições e esferas sociais. Isso significa afirmar que esse modelo vai em direção contrária às práticas de leitura e escrita apontadas em meio ao modelo autônomo, sendo de extrema importância aqui citá-lo. 

O modelo autônomo tem como principal definição a pressuposição de um modelo universal e único de letramento. Aqui, a escrita é supervalorizada e tomada como elemento único e essencial para o desenvolvimento do sujeito. Logo, a escrita é tomada como um produto completo e o seu sentido é determinado por meio da articulação entre os elementos que se encontram internamente no texto (Street, 1984). A prática da escrita passa a ser entendida, nessa abordagem, como elemento de memorização e decodificação, sendo esse movimento suficiente para o desenvolvimento do alunado.

Cabe considerar que a instituição escolar por muito tempo aplicou nas salas de aula o modelo autônomo de ensino, privilegiando uma escrita descontextualizada, distante e mecânica. Para Street (1984), o modelo autônomo de letramento deve ser evitado, pois a escrita é tomada como um objeto autônomo, não sendo capaz de promover transformações na sociedade. Já o modelo ideológico promove a ideia de que a autoridade e o poder, bem como a resistência e a criatividade, são responsáveis pelo desenvolvimento de práticas sociais letradas.

Desse modo, tornou-se necessário levar em consideração as mudanças ocorridas socialmente. Estudiosos como Soares (2010) notaram que o ensino direcionado exclusivamente ao domínio do código, denominado por Street como modelo autônomo, já não era mais suficiente, principalmente, quando se trata de dar conta do exercício da cidadania atualmente. Em nosso país, por exemplo, a habilidade de escrever o seu próprio nome definia o sujeito como ser alfabetizado, logo depois esse conceito buscava contemplar aquele indivíduo que conseguia ler e escrever um bilhete simples. Com o passar do tempo, os estudos direcionados ao campo do letramento foram ampliados, principalmente na área educacional, buscando pressupostos que evidenciassem os elementos que estavam associados às práticas culturais e sociais de leitura e escrita, como afirma (Kleiman, 2008).

Logo, o que antes era visto no singular, agora passa a ter significado plural, deixando de lado a simples dicotomia entre codificação e decodificação, o termo letramentos baseia-se na perspectiva denominada de “novos estudos de letramentos”, definição está criada por Brian Street. De acordo com Street (2003) os letramentos, termo este que deve ser apresentado no plural, recebe a desinência pelo simples fato de poder variar no tempo, no espaço, em situações e em contextos, sendo estes, geralmente, definidos por meio de relações de poder.

Diante dessa ideia, alguns autores já citados, como Kleiman (2008) e Street (2003) desenvolveram estudos com base na análise de diversas práticas sociais do uso da linguagem, com um olhar voltado para escrita, analisando em diversos contextos sociais, e a partir de demandas que tais práticas propõem aos indivíduos. Contudo, esses pensadores que defendem e apresentam novos olhares sobre o letramento, refletem e ressaltam a concepção de letramento não como uma prática universal e igualitária, mas, pelo contrário, o letramento como um processo que está ligado ao cotidiano dos sujeitos, relacionado com outras agências que estão além da esfera escolar.

Nesse sentido, a concepção ideológica de letramento definida por Street (2010) condiz com o desenvolvimento de práticas plurais, que levam em consideração os diferentes contextos, instituições e sujeitos, em que o funcionamento social estará relacionado às práticas de letramento de leitura e de escrita.

Atualmente, em nosso país, ainda repercutem discursos e atitudes em que prevalece um ensino voltado para o tradicionalismo, sobre a chamada “aquisição da escrita”, seguindo esse modelo autônomo. O acesso à escrita passa a ser minimizado, muitas vezes, pelo ensino único e restrito da norma culta da língua e a leitura é direcionada ao contato com obras canônicas, consequentemente, os alunos estariam destinados ao fracasso nesse país “letrado”.

Corroborando esse pensamento, Antunes (2003) afirma que a escola falha no ensino da leitura e da escrita, devido à tradicional atitude de focar em um ensino exclusivamente mecânico com uma prática artificial e inexpressiva, na qual a leitura é destinada à realização de habilidades mecânicas, decodificando a escrita, sem estímulo, distanciando-se dos inúmeros usos sociais que se faz da leitura atualmente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN), sobre o ensino da leitura na escola, afirmam que

é preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em sons, sendo a compreensão consequência natural dessa ação. Por conta desta concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de “leitores” capaz de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler (Brasil, 1997, p. 37).

Nesse sentido, a concepção ideológica de letramento condiz com o desenvolvimento de práticas plurais que levam em consideração os diferentes contextos e sujeitos sobre os quais estão ancoradas as suas práticas. É com esse sentimento de aprimoramento que devemos levar em consideração a importância da escolarização, refletindo sobre as atividades costumeiras. Em uma simples compra no supermercado exercitamos a escrita durante a listagem dos produtos que precisamos comprar. Quando comparamos rótulos ou preços ou quando verificamos as datas de validade, temos contato com diferentes gêneros. Além disso, fazemos usos de recursos matemáticos quando usamos algum método para calcular e depois de tudo isso, usamos o cartão de crédito ou contamos as cédulas. Estas são tarefas que, em alguns casos, são tratadas como difíceis pelas pessoas que ainda não dominam essa forma de letramento.

Tendo em vista tais apontamentos, destacamos que a escola, como instituição de ensino, corresponde a um veículo de extrema importância para a propagação do letramento, tendo como um de seus objetivos principais, possibilitar que seus alunos participem ativamente das práticas sociais que permeiam o cotidiano.

Considerações finais

Observamos que a concepção de letramento evidenciada trata a aprendizagem da leitura e da escrita não como um método, mas como uma prática incorporada às ações cotidianas da sociedade. Quando o ensino dessas práticas não é entendido como algo isolado, há uma preparação do sujeito para agir de forma efetiva frente à realidade na qual ele está inserido.

Dessa forma, a concepção adotada pelos autores entende o letramento como uma prática não de exclusão, mas de aprimoramento, na qual a escola é uma das principais instituições responsáveis para auxiliar no grau de letramento que as pessoas desenvolvem.

Isso significa afirmar que o trabalho desenvolvido com o letramento deve se estender pelos diversos meios, a fim de atingir não apenas e unicamente o ambiente escolar, mas todas as práticas sociais existentes no interior e no exterior da escola, cabendo ao trabalho pedagógico recriar práticas de ensino que levem em consideração o conhecimento prévio dos alunos e a realidade da qual fazem parte. A partir dessa percepção, reconhecemos que as práticas leitoras e escritoras devem ser abordadas no ambiente escolar, viabilizando o seu desenvolvimento nas mais diversas atividades exercidas pelo indivíduo.

Verificamos, ainda, que não existe um nível zero de letramento. Uma pessoa pode ser considerada letrada sem necessariamente ser alfabetizada, pois traz consigo uma bagagem de conhecimentos que passa a ser aprimorada na instituição escolar, desenvolvendo no sujeito um posicionamento crítico, social, atitudinal e reflexivo. Sendo assim, concordamos com a afirmação de Soares (2010): “o letramento abre caminhos para o indivíduo estabelecer conhecimentos do mundo em que vive”.

Em uma sociedade formada por sujeitos letrados, o objetivo da escola deve estar direcionado para o desenvolvimento da competência e da melhoria do desempenho linguístico e crítico dos estudantes com propósito de proporcionar aos jovens uma educação voltada para a integração e para a mobilidade social. Quando as ações e as atividades desenvolvidas em sala de aula envolvem a reflexão e o direcionamento a um contexto adequado, acabam modificando o comportamento dos alunos em relação ao modo como usam e lidam com suas habilidades de leitura e de escrita, como prática social, promovendo uma maior facilidade na inserção e na participação dos estudantes em sociedade.

Portanto, quando o trabalho com o letramento ultrapassa os muros da escola, o sujeito assume sua autonomia linguística e a exerce com excelência.

Referências

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Publicado em 16 de agosto de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, Aguida Pereira de; SALVIANO, Joelma da Silva; SOARES, Maria Gabriela Sousa; CRUZ, Silvânia Maria da Silva Amorim. Letramento escolar: ultrapassando os muros da escola. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 30, 16 de agosto de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/30/letramento-escolar-ultrapassando-os-muros-da-escola

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