A Educação em ambientes não escolares: um relato de experiência

Joelma Lima Moreira

Pós-graduanda em Formação de Professor e Práticas Educativas (IF Goiano - Câmpus Avançado Ipameri)

Jussara de Fátima Alves Campos Oliveira

Doutora em Educação, docente do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professor e Práticas Educativas no IF Goiano - Câmpus Avançado Ipameri

A Educação na contemporaneidade tem se tornado um desafio complexo ao articular formas de socialização/construção de conhecimentos em um período atravessado por crises éticas, científicas, sociais, econômicas etc. (Severo, 2015). Saviani (2013) destaca que, mais do que nunca, é necessário rediscutir criticamente, o lugar da Educação na sociedade contemporânea e as possibilidades educativas que podem consolidar o caráter humanizador, problematizador e emancipador dessas práticas em face dos discursos de crise, pois, “na conjuntura atual, a tarefa, inerente à Educação, de tornar o indivíduo humano contemporâneo à sua época implica não apenas ajustá-lo à sociedade vigente convertendo-o em cidadão útil e membro subserviente da ordem capitalista” (Saviani, 2013, p. 87).

Segundo Severo (2015), não basta empreender mecanismos educativos que conformem os sujeitos a aceitarem a realidade como produto naturalmente dado e construído pela ação exclusivamente de outros, é também necessário desencadear, nos diversos espaços educativos, reflexões críticas acerca da participação e autonomia que o sujeito e seu coletivo têm na construção de processos humanizatórios comprometidos com a transformação social, com o bem-estar comum, com a ampliação das oportunidades e compartilhamento de benefícios para a qualidade de vida das pessoas.

O presente estudo tem por objetivo propor uma reflexão quanto à importância da educação não formal para a socialização do indivíduo, consolidando um caráter humanizador e emancipador nesse tipo de formação. Apresentamos reflexões, a partir de análises e estudos bibliográficos sobre o tema, além da observação de um ambiente que promove a educação não formal, do profissional que atua nesse espaço e das ações ali desenvolvidas, a fim de promover a assimilação da teoria e da prática.

O texto está organizado em três seções. Na primeira, analisa-se o conceito de educação formal e não formal. Na segunda, discorremos sobre o papel do pedagogo em espaços não escolares. A terceira traz o relato de experiência em uma instituição filantrópica que oferta prática pedagógica em um espaço de educação não formal. Por fim, nas considerações finais reconhecemos que o espaço de educação não formal auxilia no processo formativo de diferentes grupos sociais, como: instituições, entidades sem fins lucrativos, as associações filantrópicas, entre outras. É importante destacar que, infelizmente, a Educação Não formal ainda é vista como uma modalidade da educação no qual somente as classes menos favorecidas usufruem. É preciso desconstruir esse ideal.

O conceito de Educação formal e não formal

A educação, no geral, prepara o ser humano para desenvolver suas funções ou atividades na sua caminhada pela vida. Percebemos, então, que a educação de uma forma geral é uma atividade que permanece por toda a nossa vida como pessoa, ou seja, é um processo contínuo sempre em desenvolvimento.É necessário sempre estar se atualizando, e se enriquecer de conhecimentos, para estar sempre aptos a vencer os desafios e as cobranças que há na educação.

Segundo Fávero (2007, s/p),

a terminologia formal/não formal/Informal, de origem anglo-saxônica, foi introduzida a partir dos anos de 1960. A explosão da demanda escolar que passou a ocorrer após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, em primeiro lugar, não conseguiu ser atendida satisfatoriamente pelos sistemas escolares do Primeiro Mundo.

Na Educação formal, entre outros objetivos, destacam-se os relativos ao ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados e normalizados por leis, dentre os quais se destacam o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc. (Gohn, 2006). Segundo Pimenta, a Educação formal está também ligada a dados e estatísticas e, principalmente, a uma organização específica.

O ensino corresponde a uma aprendizagem onde o professor dá a matéria e uma lição para o aluno fazer, no qual na próxima aula faz uma recapitulação da aula anterior, corrigindo os exercícios, se todos fizerem, passa a frente, se ficou dúvidas é preciso que se prolongue esta matéria, depois de solucionar todos os problemas, aí podemos prosseguir com a matéria (Pimenta, 1991, p. 90).

Alguns autores diferenciam somente Educação formal e não formal, mas Gohn (2006) faz uma distinção entre os conceitos de Educação formal, informal e a não formal. A autora sublinha que

a princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados; e a educação não formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas (Gohn, 2006, p. 2-3).

Pirozzi traz que

a Educação não formal destaca os processos educativos que têm uma intencionalidade na ação, pois prevê troca de conhecimento, envolve um processo interativo de ensino e aprendizagem e colabora com a construção de aprendizagens de saberes coletivos, que, por sua vez, não têm a formalidade do ensino regular. A educação não formal propõe atender a população que se encontra em um estado financeiro vulnerável e com uma carência social (Pirozzi, 2014, p. 36).

Para Gohn,

a Educação não formal designa um processo com várias dimensões, tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc. (Gohn, 2006, p. 2).

Por ser uma área pouco conhecida para a sociedade, um dos grandes desafios é definir e caracterizar o que vem a ser educação não formal. A educação não formal, é importante ressaltar, se desenvolve em quaisquer atividades que ocorram fora do ambiente escolar, associando-se a museus, meios de comunicação, instituições que organizam eventos de diversas ordens, assim, a aprendizagem se constitui de acordo com o desejo individual.

Segundo Padilha (2007), a Educação não formal refere-se a toda e qualquer experiência e ação educacional que acontece na sociedade, que esteja fora das escolas regulares. Dessa forma, todo processo educativo, que aconteça de forma intencional, para além dos muros escolares, corresponde à educação não formal. Ainda afirma que “são geralmente, iniciativas da sociedade civil, institucionais ou não, com ou sem apoio do Estado, que oferecem cursos voltados para as mais diversas modalidades educacionais” (Padilha, 2007, p. 90).

Portanto, a educação não formal busca capacitar o cidadão, promovendo projetos de desenvolvimento pessoal e social que podem acontecer em diversos espaços como comunidades, empresas, penitenciárias, organizações não governamentais, dentre outros, promovendo projetos educativos.

A Educação não formal é diferente daquela em que o aluno que frequenta uma escola. Segundo Libâneo (2002), pode-se entender que a educação não formal refere-se a organizações políticas, agências formativas para grupos sociais etc, com caráter intencional.

Paulo Freire diz o seguinte a respeito da Educação não formal:

O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade de transformar... Ninguém luta contra forças que não entende, cuja importância não meça, cujas formas de contorno não discirna... Isto é verdade se refere a forças sociais... A realidade não pode ser modificada se não quando o homem descobre que é modificável e que ele o pode fazer (Freire, 1987, p. 48).

Segundo Trilha Bernet (2008), a historicidade da Educação não formal começa a aparecer relacionada ao campo pedagógico concomitantemente a uma série de críticas ao sistema formalizado de ensino em um momento histórico em diferentes setores da sociedade. Ele diz mais:

O crescente aumento de demanda em educação em face da incorporação de setores sociais tradicionalmente excluídos dos sistemas educacionais convencionais (adultos, idosos, mulheres, minorias étnicas, etc). Transformações no mundo do trabalho que obrigam a operacionalizar novas formas de capacitação profissional, reciclagem e formação continuada, recolocação profissional, etc. (Trilha Bernet, 2008, p. 19).

Percebemos que a Educação formal e a Educação não formal têm um viés. Isso significa que a Educação formal leva para o desenvolvimento de aprendizado teórico e pensante. Quanto à Educação não formal, entendemos que ela não é somente um assistencialismo, mas leva o aluno a agregar valores, flexibilizar os meios de práticas sociais, levando o respeito como ser humano no processo de aprendizado e ensino.

Isso faz com que as pessoas vejam a necessidade, onde reside a busca de uma Educação não formal, de que ela seja criada em espaços não escolares e venha ser utilizada para um objetivo de crescimento de ensino intelectual e, principalmente, pessoal, que favoreça a sua comunidade como indivíduo, proporcionando assim o desenvolvimento social.

Sabemos, claro, que existem comunidades que não permitem esses tipos de ações, por isso é necessário que se faça um levantamento para adaptar essas ações que podem ser desenvolvidas de forma voluntária e espontânea por parte dos cidadãos.

Integração é a palavra certa, pois isso vai fazer com que a sociedade não olhe para a escola como um ambiente fechado, somente para os docentes e alunos, e, sim, como um espaço social onde os estudantes são levados para um processo de constante construção de conhecimentos, identidade e saberes, seja pessoal ou de uma forma onde engloba toda a sua comunidade.Pode-se sim fazer desta “Escola Fechada” em um ambiente não escolar, um lugar para promover, transformar e favorecer o ser humano como foco desta reconstrução de conhecimentos.

O papel do pedagogo no espaço não escolar

Brandão (2006 apud Silva; Perrude, 2013), ao discutir educação, afirma tratar-se de um conceito polissêmico, que vai variar de acordo com tempos e espaços distintos, que se manifesta por modos de pensar e agir, uma vez que “ninguém escapa da educação [...] não há uma única forma nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática e o professor profissional não é seu único praticante” (Brandão, 2006, p. 9).

O processo educativo se tornou prioridade não mais apenas da escola institucionalizada, como também de outros espaços cujo objetivo é a formação humana. Pirozzi afirma que

a Educação não formal destaca os processos educativos que têm uma intencionalidade na ação, pois prevê troca de conhecimento, envolve um processo interativo de ensino e aprendizagem e corrobora com a construção de aprendizagens de saberes coletivos, que, por sua vez, não têm a formalidade do ensino regular (PirozzI, 2014, p. 36).

O processo de ensino-aprendizagem ocorre em diferentes espaços nos quais a atuação do educador se faz indispensável. Entretanto, a formação humana, em qualquer espaço, escolar ou não escolar, necessita de um profissional que esteja preparado para lidar com a prática pedagógica sistematizada ou não. Frison discute o lugar da educação afirmando que,

na escola, na sociedade, na empresa, em espaços formais ou não formais, escolares ou não escolares, estamos constantemente aprendendo e ensinando. Assim, como não há forma única nem modelo exclusivo de educação, a escola não é o único em que ela acontece e, talvez, nem seja o mais importante. As transformações contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento da educação como fenômeno multifacetado, que ocorre em muitos lugares, institucionais ou não, sob várias modalidades (Frison, 2004, p. 88).

Diante da ampliação da perspectiva educacional, as ações pedagógicas nos espaços não escolares podem ser desenvolvidas por pedagogos, pois, como destaca Libâneo (2010), o pedagogo é o profissional que atua em várias instâncias da prática educativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, tendo em vista, objetivos de formação humana previamente definidas em sua contextualização histórica.

Libâneo afirma que a relação da Pedagogia com a docência é uma fragmentação conceitual. “A Pedagogia é uma reflexão teórica a partir e sobre as práticas educativas. Ela investiga os objetivos sociopolíticos e os meios organizativos e metodológicos de viabilizar os processos formativos em contextos socioculturais específicos” (Libâneo, 2010, p. 14). O autor reafirma que a escola de hoje necessita, sim, de bons pedagogos escolares que tenham como premissa a arte de educar, contudo defende também que esses pedagogos podem e devem atuar em outros espaços não formais auxiliando na formação humana.

A prática pedagógica nos espaços não escolares tem como finalidade direcionar conhecimentos e saberes na prática social. O espaço não escolar vai muito além dos muros de uma escola, ele está ligado a grupos culturais, hospitais, associação religiosa filantrópica e espaços de ressocialização.

De acordo com a afirmação de Veiga, “A prática pedagógica é uma dimensão da prática social que pressupõe a relação teoria-prática, e é essencialmente nosso dever como educadores, a busca de condicionais necessárias à sua realização” (Veiga, 1994, p. 16), percebemos que a parte teórica traz um conjunto de conceitos pedagógicos para que o professor coloque em ação.

É bastante salutar fazer ou realizar trabalhos nos espaços não escolares. Isso traz benefícios, quando uma pessoa é atendida e se envolve de tal forma que traz capacidade a esse indivíduo que muda totalmente sua forma de pensar. Concordamos com Gohn, quando afirma que a Educação não formal

capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo. Um modo de educar surge como resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades que dele participa. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e Justiça Social quando presentes num dado grupo social fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e formação política e sociocultural, é uma meta na educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade em oposição a barbárie, ao egoísmo, individualismo etc. (Gohn, 2006, p. 29-30).

Portanto, é notório afirmar que toda prática pedagógica tem o seu valor e sua finalidade quando se trata de reconstrução, transformação e modificação de tudo aquilo que o ser humano necessita para uma educação de qualidade, e isso atinge toda a área do saber, e agrega conhecimentos quanto a sua necessidade como pessoa, e até mesmo no seu modo de pensar quando se refere ao próximo. Libâneo (2002, p. 17) destaca que “o processo educativo é um fenômeno social enraizado nas contradições nas lutas sociais, de modo que é nos embates da práxis social que vai se configurando o ideal de formação humana”.

Na Educação não formal, as atividades acontecem em ambientes e situações interativas construídas coletivamente, sendo uma educação complementar, tendo a intencionalidade na ação no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes. É considerada uma complementação da educação formal, mas de maneira diferenciada, sem estar interligada com a obrigatoriedade do ensino.

Souza (2008) destaca que a Educação não formal se organiza de outro jeito e se relaciona com as questões de aprendizado diferentemente da escola, pois a valorização das relações pessoais à relevância do saber por meio da práxis se dá de uma maneira diferente do contexto formal e escolar. A autora sublinha que

a Educação não formal visa contribuir para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, e ainda tem como um de seus objetivos erradicar o trabalho infantil. Esse modelo de educação é recente na história do Brasil e vem se construindo. É um serviço que se entende por ser auxiliar no direito a educação e que contribui para inclusão do sujeito no âmbito educacional (Souza, 2008, p. 2).

Fonseca (2006 apud Silva; Perrude, 2013, p. 53) faz uma análise dos espaços de atuação do pedagogo, mostrando que a demanda por este profissional tem ultrapassado a esfera escolar, tendo, dessa forma se estendido para novos e diferentes espaços, como os meios de comunicação, atividades de consultoria, seja na formulação de campanhas informativas ou materiais de conteúdo educativo.

A Resolução CNE/CP n° 1, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia - Licenciatura, ratifica a ampla possibilidade de atuação do pedagogo quando registra:

§ 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica propiciará:

I – o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas; [...]

Art. 4º Parágrafo Único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: [...]

II – planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares; IV – trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo; [...]

XIII – participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não escolares (Brasil, 2006).

Sendo assim, consideramos a importância de discutir a formação do pedagogo para a atuação em espaços de Educação não formal, evidenciando a necessidade de aprofundamento teórico e prático neste campo de atuação. Neste sentido, esperamos que esta reflexão seja instigadora de novos olhares que visem a valorização e o reconhecimento do pedagogo nos campos educacionais formais e não formais.

Um espaço de Educação não formal: relato de experiência

Há mais de 20 anos, eu e meu esposo, pastor Natanael Moreira Silva, que é o presidente, cuidamos de uma instituição filantropica de adictos em dependência em química e álcool. A Mefija (Missão Evangélica Filantrópica Jesus te Ama) é uma instituição que trabalha somente com adictos do sexo masculino. A instituição fica localizada a 28km de Ipameri e a 23km de Catalão, mas abrange toda a região de Goias e outros estados do Brasil.

Nesse local, os adictos ficam por um período de nove meses em tratamento.O regime de internação é aberto. Quando querem, os dependentes podem ir embora, não os prendemos. O local é uma chácara, não há necessidade de médico em tempo integral. Os médicos ficam à disposição da instituição em dias alternados. Além disso, temos o apoio de profissionais como assistente social, enfermeiro padrão, pedagoga, psicóloga e, sempre que há necessidade, de um psiquiatra, por causa de medicamentos que precisam ser receitados aos pacientes. O assistente social, juntamente com o enfermeiro, buscam o recurso no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Ipameri ou Catalão, transportando esses adictos até a unidade, e até quando há necessidade de médico e dentista. O trabalho realizado na instituição envolve também outros voluntários, como profissionais na área de horticultura, aquicultura, suinocultura, que oferecem cursos profissionalizantes aos adictos.

Sempre trabalhamos no local com esses dependentes, na forma de arteterapia, visando o conhecimento pessoal de cada um e uma alternativa para se aprender uma profissão. Entretanto, a partir de 2015, percebemos verdadeiramente a necessidade de oferecer algo a mais para aqueles adictos, pois sempre chegavam ali homens que não sabiam nem escrever seu nome. Percebemos o interesse de alguns adictos em serem alfabetizados. Começamos, então, a buscar recursos para alfabetizar esses dependentes, pois nem todos tiveram condições financeiras para ser alfabetizados na idade certa.

Lembramos que a instituição pode acomodar cerca de 25 adictos e, devido ao fato de a instituição não obrigá-los a permanecer no local sem a sua vontade, torna-se um local de rotatividade. Em geral, mensalmente passam em torno de 10 adictos. Àqueles que almejam permanecer, seguindo o tratamento, oferecemos a oportunidade de serem alfabetizados.

É realmente um trabalho de formiguinha e que exige muita paciência. Já ocorreu de termos como pacientes, profissionais como advogados, engenheiros civis, profissionais da área de Informatica, empresários, comerciantes, agrônomos etc. Esses profissionais, por vezes, ajudavam no trabalho de alfabetização, pois lhes eram dadas tarefas para serem realizadas nos horários vagos como forma de treinamento e, então, eles colaboravam nesse intuito de ajudar.

Foi então que surgiu meu desejo de estudar e procurar me profissionalizar para ter condições e capacidade de oferecer uma educação, em que os adictos pudessem sair da instituição, pelo menos sabendo escrever o seu nome. Por isso, fiz licenciatura em Pedagogia, em que pude aprender, de uma forma mais instruída, a alfabetizar os alunos. Procurei formas fáceis, pois eles, por causa das drogas, têm muita dificuldade em aprender. Porém tive paciência para ensiná-los, pois o tempo ali seria apenas de nove meses, podendo ir até mais tempo, dependendo da situação de cada dependente. Assim, pude perceber que poderia trabalhar ainda mais, fazendo com que os adictos pudessem entender a necessidade de uma educação em um ambiente não formal, onde os mesmos chegam sem esperança, sem perspectiva.

Dessa forma, comecei a levar para a sala de aula, as letras vogais, depois o alfabeto e os números, para que os alunos pudessem aprender a conhecer letras e números. Uma vez na semana, em torno de quatro horas, eles tinham esse momento de aprendizado direcionado e individual. Nos outros dias da semana, exceto sábado e domingo, esses alunos tinham o apoio do assistente social como forma de treinamento. Dessa forma, pudemos ter alunos que obtiveram êxito nesse quesito de poder aprender a escrever o seu nome.

O intuito dessa forma de Educação era que eles pudessem, pelo menos de uma forma digna, fazer a sua assinatura. Além disso, como mencionado, a instituição oferece cursos de qualificação profissional àqueles ali internados, possibilitando a oportunidade de, quando deixarem a instituição, ter formação profissional. Temos testemunhos de ex-alunos que fizeram os cursos oferecidos pela instituição e hoje sustentam a sua família devido à capacitação recebida. Temos ex-alunos padeiros, profissionais na área de jardinagem, atendentes e até mesmo agrônomos.

Percebi, portanto, que a educação, sendo trabalhada naquele local com os dependentes, ajudaria esses indivíduos em as suas lutas, a constituir, formar e moldar, no seio familiar, homens melhores. Comecei a colocar em prática a frase de Paulo Freire (1987, p. 84): “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Quando ouvimos os testemunhos dos ex-alunos, percebemos que estamos no caminho certo, que vale a pena nosso trabalho. Estamos certos de que a Educação realmente muda e transforma as pessoas, é preciso somente ter um outro olhar para os menos favorecidos.

Além disso, pude notar que a educação não era restrita somente ao ambiente escolar, ou seja, dentro de quatro paredes da escola, mas poderia ser usada em ambiente não formal. Enfim, o propósito maior nosso é que saiam dali realmente homens com os seus valores, sua moral, sua honra e autoestima resgatados. Por essa situação, observei que a Educação é uma modalidade que pode ser utilizada no âmbito geral, dando melhoria a situações de aprendizagem, como uma “grande aliança”, que não tem início e nem fim. A minha visão, como professora, naquele momento, era poder buscar ainda mais conhecimentos e formas de ensiná-los e fazê-los ter uma visão de sua capacidade para romper as barreiras que eles enfrentavam e enfrentam até hoje.

Por fim, conclui a minha formação acadêmica em 2018 e, nesse mesmo período, fiz um seminário teológico, que agregou ainda mais conhecimentos. Hoje percebo que esses anos me trouxeram uma experiência, em que não só eles aprendem, mas eu também. Afinal, cada um tem o seu próprio obstáculo e eu me alegro quando vejo que eles conseguem transpor esses obstáculos, tornando esses adictos mais pacientes com eles mesmos. E ainda mais, é gratificante quando os seus familiares observam essa diferença. Por fim, cada dia mais percebe-se que a educação nesse ambiente não formal, proporciona às pessoas, principalmente para os nossos adictos, a construção de saberes e faz com que eles conquistem ainda mais espaço na sociedade, tornando-se indivíduos emancipados.

Considerações finais

A Educação não escolar tem sido tema de discussão na área educacional nos últimos anos, configurando-se como um campo científico emergente. Esse modelo de educação é recente na história do Brasil. Ele envolve um cenário múltiplo voltado para a educação do cotidiano e/ou para a educação não formal recorrente em outros ambientes que não a escola. A Educação não formal contribui para o desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos. É um serviço que auxilia no direito à educação e contribui para a inclusão do sujeito no âmbito educacional.

Diante de uma sociedade falha quanto às necessidades básicas do ser humano,com relação às questões sociais, culturais e econômicas é que se verifica a demanda dessa ação não formal em nossa sociedade. A prática educativa não formal é consequência de uma sociedade desigual e injusta que promove e produz esta demanda e é em contradição ao desenvolvimento desta sociedade que devemos, enquanto educação não formal, atuar.

É muito importante entender que a formação do indivíduo não acontece somente nos ambientes escolares. O espaço de educação não formal auxilia no processo formativo de diferentes grupos sociais, como: instituições, entidades sem fins lucrativos, as associações filantrópicas, entre outras. É importante destacarmos que, infelizmente, a educação não formal ainda é vista como uma modalidade da educação no qual somente as classes menos favorecidas usufruem. É preciso desconstruir esse ideal.

Como vimos, os currículos atuais dos cursos de Pedagogia contemplam disciplinas que têm como conteúdo a atuação do pedagogo em espaços que não sejam os escolares, demonstrando, mais uma vez, que a presença do pedagogo está sendo cada vez mais solicitada, tendo em vista sua formação acadêmica.

Sabemos que o profissional da Educação não se gradua somente para trabalhar dentro das salas de aula. Entendemos que várias são as funções desse profissional que, por possuir uma formação que engloba a didática, as metodologias, a psicologia da educação, os estágios em vários campos de atuação, é o responsável por várias formações humanas em qualquer ambiente que dele necessite.

Referências

BRANDÃO, Zaia (org.). A crise dos paradigmas e a educação. São Paulo: Cortez, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Diário Oficial da União, Brasília, 19 de junho de 2016.

FÁVERO, Osmar. Uma pedagogia da participação popular. Campinas: Autores Associados, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. O pedagogo em espaços não escolares: novos desafios. Ciência, Porto Alegre, nº 36, p. 87-103, jul./dez. 2004.

GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.

______. Educação não formal na pedagogia social. 1º CONGRESSO. INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL. Anais... Mar. 2006. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100034. Acesso em: 20 nov. 2021.

LIBÂNEO, José Carlos. Educação escolar: política, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2002.

______. Pedagogia e pedagogos, para quê? 12ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

PADILHA, Paulo Roberto. Educar em todos os cantos: reflexões e canções por uma educação intertranscultural. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2007.

PIMENTA, Selma Garrido. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 1991.

PIRROZI, Giani Peres. Pedagogia em espaços não escolares: qual é o papel do pedagogo? Revista Educare, 2014. Disponível em: http://docplayer.com.br/403088-Pedagogia-em-espacos-nao-escolares-qual-e-o-papel-do-pedagogo-pedagogy-in-non-scholar-places-what-is-the-role-of-the-educator.html. Acesso em: 13 jun. 2021.

SAVIANI, Demerval. A Pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas: Autores Associados, 2013.

SEVERO, José Leonardo Rolim de Lima. Pedagogia e educação não escolar no Brasil: crítica epistemológica, formativa e profissional. 265f. Tese (Doutorado), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.

SILVA, Ana Lucia Ferreira da; PERRUDE, Marleide Rodrigues. Atuação do pedagogo em espaços não-formais: algumas reflexões. Prodocência, v. 4, julho 2013. Disponivel em: http://www.uel.br/revistas/prodocenciafope/pages/arquivos/Volume4/TEXTO%205%20- %20p.%2046%20a%2056.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021.

SOUZA, Cléia Renata Teixeira de. A Educação não formal e a escola aberta. EDUCERE, 2008.

TRILHA BERNET, Jaume. A educação não formal. In: ARANTE, Valéria Amorim (org.). Educação formal e não formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Escola: espaço do projeto político-pedagógico. São Paulo: Papirus, 1994.

Publicado em 23 de agosto de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

MOREIRA, Joelma Lima; OLIVEIRA, Jussara de Fátima Alves Campos. A Educação em ambientes não escolares: um relato de experiência. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 31, 23 de agosto de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/31/a-educacao-em-ambientes-nao-escolares-um-relato-de-experiencia

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.