Relato de experiência sobre os benefícios da audiodescrição das imagens do livro didático

Angela Maria de Sousa e Silva

Aluna do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva (Cecierj)

Carla Vimercati

Mediadora do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva (Cecierj)

A audiodescrição vem ganhando espaços e vencendo as barreiras que a ela são impostas, para fazer cumprir sua obrigatoriedade nos meios de comunicação e na sociedade em geral. Portanto, este estudo aborda a importância da audiodescrição ser utilizada como um recurso pedagógico nas imagens do livro didático, trazendo grandes benefícios para o processo de ensino e aprendizagem de crianças com deficiência visual e baixa visão e criando igualdade de oportunidades culturais e educacionais para elas.

A justificativa para o desenvolvimento deste trabalho decorre da minha atuação prática como profissional em sala de recursos multifuncionais, no atendimento educacional especializado de uma escola municipal de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, e do fato de perceber que muitos professores não sabem, ainda, como lecionar em classes regulares com alunos com deficiência visual, embora estejam cientes de que seu papel como mediadores da aprendizagem requer a contemplação das necessidades de todos os alunos, com e sem deficiência.

O objetivo geral é demonstrar, mediante uma experiência em sala de aula, a importância da audiodescrição nos diferentes tipos de imagens presentes em livros didáticos e as possíveis atividades de mediação que podem ser feitas para ampliar o entendimento e o processo de aprendizagem dos alunos com deficiência visual. E os específicos são: a) descrever o que é audiodescrição; b) explicar e exemplificar como esse recurso pode ser utilizado, detalhando a metodologia aplicada em sala de aula; c) relacionar estratégias adequadas da audiodescrição como recurso de acessibilidade para alunos com deficiência visual.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) assegura o acesso, a permanência e o atendimento às pessoas com deficiência garantindo, assim, políticas públicas e um sistema de educação inclusiva em todas as etapas de ensino. Outrossim, a Lei Brasileira de Inclusão de Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/15) possibilitou vários avanços, garantindo que os direitos das pessoas com deficiência sejam respeitados. Essa lei pode ser dividida em três grandes partes: direitos fundamentais das pessoas com deficiência, como educação, transporte e saúde; garantia de que as pessoas com deficiência tenham acesso à informação e à comunicação; garantia de acesso à Justiça e ao que acontece com quem infringe as demais exigências. A audiodescrição se enquadra nos dois primeiros itens citados. No primeiro como excelente recurso pedagógico e no segundo como meio de acessibilidade, ambos garantindo igualdade de oportunidade às pessoas com deficiência visual.

Desde muito cedo, as crianças cegas aprendem a distinguir vozes, mas não contam com o auxílio da imagem que se junta ao estímulo auditivo para completar o seu entendimento. Isso muitas vezes gera dificuldade de percepção do ambiente e, consequentemente, das atividades escolares que fazem uso de recursos multifuncionais imagéticos e de aprendizagem. Uma alternativa a esses recursos multifuncionais é a descrição verbal de tudo o que se passa em volta e a audiodescrição de figuras estáticas. Motta, por exemplo, enfatiza que é muito importante que o professor chame a atenção dos alunos para as imagens, pois, “para nós que enxergamos, quase 90% da informação de mundo chega pela visão. Para os alunos com deficiência visual, o tato, a audição e o olfato fornecem elementos importantes para o conhecimento de mundo, para orientação e mobilidade” (Motta, 2016a, p. 2).

Este relato de experiência se refere a uma experiência sobre a utilização da audiodescrição como estratégia pedagógica e de inclusão em turma regular, entendendo como Motta (2016b) que a audiodescrição possibilita um novo prisma sobre o que é observado e até melhor entendimento para pessoas que enxergam e abre oportunidades de observação e conhecimento para pessoas com deficiência visual. O grupo observado era composto por 20 alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental de uma classe regular em que um deles possui deficiência visual (cego). As observações foram conduzidas no sentido de destacar alternativas e estratégias com bons resultados para a: interação entre os indivíduos, participação, inclusão dos diferentes e igualdade de condições, uma vez que a professora regente precisava trabalhar o livro didático com leitura e gravura, e ela observou que seria necessário um planejamento mais cuidadoso que abordasse as questões relativas à acessibilidade, levando em consideração a presença de um aluno com deficiência visual na turma. A questão foi levada à professora de sala de recursos multifuncionais, autora deste relato, e, nesse momento, a partir da observação sobre o que estava proposto no livro didático, as educadoras decidiram transcrever o capítulo para a escrita Braille e fazer a audiodescrição das gravuras contidas nele.

Na primeira parte, para a transcrição em Braile não houve dificuldades maiores uma vez que a sala de recursos multifuncionais é do tipo 2, equipada com uma máquina Perkins, utilizada para a escrita em Braile. Como segundo recurso de acessibilidade, a professora regente deveria utilizar a audiodescrição da imagem contida no capítulo trabalhado em sua aula com o livro didático de Geografia. Na pintura de Frederick Morgan, ao tentar realizar a audiodescrição, a professora sinalizou o vestuário e a paisagem como principais elementos a serem destacados, pois, no contexto educacional do ensino, o livro didático influencia bastante no conteúdo trabalhado e a percepção aos detalhes favorece a aprendizagem. Assim, levou-se para sala de aula uma gravura em tamanho ampliado, onde a professora iniciou contando sobre o autor e, logo em seguida, realizou a audiodescrição, que colaborou para a leitura de mundo de todos eles em vários tipos de atividades. Para compartilhar as experiências, preservando o aluno com deficiência visual, adotaremos o codinome Y ao fazermos referência a sua participação durante as aulas. A professora leu a audiodescrição e o aluno Y primeiro perguntou se as meninas tinham mãe. A professora jogou a pergunta para a turma e cada criança deu sua opinião. Depois o aluno pediu para a professora ler pela segunda vez e levou alguns minutos quieto, refletindo o que havia acabado de ouvir.

O uso de perguntas como instrumentos de mediação semiótica para conduzir o olhar dos alunos e informar aos alunos não videntes ajuda a construir a interpretação da imagem. Motta (2016a, p. 8) destaca que “a observação mais detalhada da imagem mediada pelas perguntas irá favorecer o entendimento e a elaboração do restante da atividade, além de dar aos alunos a oportunidade de se manifestarem”. Seu objetivo era conduzir o olhar dos alunos que enxergam e atrair a curiosidade e estimular a atenção auditiva do aluno Y. O aluno pediu que a professora lesse mais uma vez a audiodescrição e respondeu corretamente as perguntas, assim como os demais colegas da turma. A professora fez, na lousa, uma lista de palavras que foram usadas para cada resposta, com a colaboração e participação de todos os alunos. Ao usar a lousa, a professora verbalizou tudo o que escreveu, desta forma, o aluno Y pode acompanhar as atividades propostas e se sentiu respeitado e motivado em seu percurso escolar. Ao verbalizar, a professora chamou a atenção de todos os alunos para o que estava sendo anotado e enfatizado. Essa observação mais detalhada da imagem mediada, pela professora, favoreceu o entendimento e a elaboração do restante da atividade. E deu também oportunidade dos alunos se manifestarem.

A professora propiciou comunicação clara, fazendo verbalização de elementos como imagens estáticas e contribuindo para a interação social e participação nas atividades escolares em prol da inclusão, reforçando o respeito pela diversidade humana. Ao verbalizar o universo imagético, presente na pintura, foi possível observar que houve uma melhor atenção dos alunos quanto à narrativa e, consequentemente, uma melhor resposta dos mesmos com relação ao conteúdo e ao vocabulário, mas, principalmente, com relação à promoção da igualdade de condições entre os alunos da turma e da acessibilidade do aluno com deficiência visual. Como fechamento à atividade, a professora solicitou que cada aluno desenhasse um esboço de pintura sobre as brincadeiras de hoje em dia. O aluno Y conseguiu interagir e atingir o objetivo da proposta e, ao o final da aula, a professora levou toda turma para o pátio para fazer algumas brincadeiras e fazer a reprodução da obra viva de Milton Dacosta. O aluno Y participou ativamente e utilizou-se da experiência tátil, demonstrando um interesse ainda maior em aprender. Assim, o aluno Y utilizou, em igualdade de condições, o mesmo material didático apresentado aos demais alunos com o uso da audiodescrição.

Conclusão

Este relato de experiência demonstra ser possível o uso da audiodescrição como recurso pedagógico, não só a alunos com deficiência visual, como também aos demais alunos ditos videntes. Faz-se fundamental, no entanto, o apoio pedagógico de profissionais qualificados que auxiliem no planejamento e na elaboração das atividades que necessitam de ferramentas de acessibilidade, como a audiodescrição e a escrita em Braile. Como já sabemos, a inclusão está garantida por lei, mas para que ela se torne realmente efetiva e para que todos os alunos tenham uma educação de qualidade faz-se necessário que o professor tenha formação especializada. Uma criança não nasce sabendo. Ela aprende diariamente no contato com o outro, durante a socialização.

O papel do professor, neste sentido, é o de mediador, e se faz necessário que busque aprender novas práticas pedagógicas e metodológicas, em busca do sucesso no aprendizado de seus alunos, com o objetivo de atender essas peculiaridades não só dos alunos com deficiência visual, como qualquer outro aluno, pois cada ser é único. Realmente a audiodescrição é um recurso de acessibilidade que colabora para o aprendizado dos alunos com ou sem deficiência visual.

A experiência vivida com o aluno Y, levou-me enfim, a crer que a motivação e melhora na aprendizagem do aluno com deficiência visual, na turma, se deu em virtude do uso da audiodescrição. Não proponho receitas, mas sugestões a serem adaptadas a cada realidade e contexto. Mais do que isso, espero, com o relato, chamar a atenção para esse assunto, principalmente, em relação à necessidade de mais estudos que contribuam para aprofundar esse importante tema.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, Brasília, 7 jul. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 20 out 2015.

______. Ministério da Educação. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em 20 out. 2015.

MOTTA, Lívia Maria V.de M. Audiodescrição em atividades extracurriculares como teatro, passeios, feiras e exposições. In: ______. Audiodescrição na escola: abrindo caminhos para leitura de mundo. Campinas: Pontes, 2016a. p. 1-22 [documento digital].

______. Audiodescrição de imagens estáticas em livros didáticos. In: ______. Audiodescrição na escola: abrindo caminhos para leitura de mundo. Campinas: Pontes, 2016b. p. 1-20 [documento digital].

Publicado em 30 de agosto de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Angela Maria de Sousa e; VIMERCATI, Carla. Relato de experiência sobre os benefícios da audiodescrição das imagens do livro didático. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 32, 30 de agosto de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/31/relato-de-experiencia-sobre-os-beneficios-da-audiodescricao-das-imagens-do-livro-didatico

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