Ensino remoto de Artes na Educação Básica e Superior em 2020
José Salmo Dansa de Alencar
Professor da Escola de Belas Artes da UFRJ
Tradição e inovação são constructos socioculturais complementares, polos da mesma linha que trabalham em sentidos opostos. A tradição serve de base para as inovações, pois a partir de sua relação com a tradição, a inovação ganha legitimidade. Esta polaridade é descrita pelo antropólogo Roy Wagner (2012) como uma interdependência, pelo jogo entre convenção e invenção manifestadas na cultura. O autor estabelece ainda que “o verdadeiro cerne de nossa cultura, em sua imagem convencional é sua ciência, arte e tecnologia, a soma total das conquistas, invenções e descobertas que definem nossa ideia de civilização” (Wagner, 2012, p. 79).
Essas conquistas, invenções e descobertas proporcionam constante reinvenção do nosso universo pessoal e uma inegável ampliação de nossa visão de mundo, à medida que nos leva a questionar formas e funcionamentos, a desmistificar problemas e a reelaborá-los em busca de soluções, ampliando níveis de consciência sobre objetos e campos do conhecimento. A possibilidade que esses avanços trouxeram de conexão entre universos particulares e globalizados parece ser a principal representação a afetar a cultura na contemporaneidade e parece ainda pouco compreendida na plenitude de seus significados e na dimensão de seus desdobramentos.
O conceito de artemídia, sobre a desmaterialização do objeto e da interatividade (Poissant, 2009) e sobre as novas possibilidades de acesso à informação, à comunicação e aos bens culturais, trouxe consigo uma nova dimensão ética, estética e lógica no acesso à cultura e à educação. Esse contexto foi problematizado pela recente crise sanitária em função da pandemia da covid-19. Este artigo busca contextualizar a importância do papel social da Educação a Distância (EaD), apresentando um relato decorrente da vivência neste contexto, na forma de um estudo exploratório descritivo.
Minha relação com a academia começa pela EaD, em 2001, quando iniciei minha colaboração como designer e ilustrador de material didático do Cederj (https://www.cecierj.edu.br/consorcio-cederj/) na forma impressa e online (https://educacaopublica.cecierj.edu.br/). Na maior parte do tempo, atuei como ilustrador da Educação Pública como integrante de uma equipe multidisciplinar que trabalhou na parte operacional do início do Cederj, colaborando na produção de diversas oficinas e cursos ali hospedados.
Minha experiência como professor começou em 2012, como substituto no Departamento de Comunicação Visual/Design (BAV) da Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ), permanecendo ali até 2014. Mas foi em meio à pandemia do coronavírus em 2020/2021 que minha experiência no Cederj foi retomada com maior abrangência. Naquele momento, eu trabalhava como professor de Artes em três níveis: professor efetivo da Rede Municipal de Rio das Ostras, professor contratado da Faetec e como professor formador (bolsa Capes/UAB), no curso de Licenciatura EaD em Artes, pela Universidade Estadual do Centro-Oeste, Unicentro.
Desde dezembro de 2020, sou professor efetivo no Departamento de Análise e Representação da Forma (BAF) da EBA/UFRJ e, tendo tomado posse no início do ensino remoto, permaneci nesse regime por três semestres até o início de 2022, quando o ensino presencial retornou. Este artigo apresenta o relato de uma vivência comum a muitos professores do Rio de Janeiro. A particularidade e a coincidência se dá por ter ocorrido entre o período de pandemia e o meu processo de transição de professor da Educação Básica para a superior. Trata-se, portanto, de um ponto de vista, pois descreve uma visão parcial que abrange níveis, instituições e modalidades de ensino da Arte. Nesse sentido, permite fazer comparações e situar minha experiência frente a alguns dados de pesquisas sobre a educação durante a crise sanitária de 2020.
Os objetivos deste artigo são: descrever, levantar pontos fundamentais e discutir essa experiência de forma especulativa, na forma de um estudo de caso. O trabalho se organiza em três partes. A primeira procura evidenciar os benefícios da EaD e o seu papel de ampliação do acesso à educação em um país de grande extensão geográfica como o Brasil, entendendo a EaD como parte de uma mudança de paradigma (Kuhn, 1998) e a partir de dados da chamada mídia-educação para a sua prática no Brasil (Bévort; Belloni, 2015; Siqueira, 2017). O segundo capítulo descreve o contexto das novas mídias e o avanço das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) (Harari, 2020), a Revolução web 2.0 (Katz, 2012) e como têm atuado na desconstrução do papel do autor e da indústria cultural, podendo se converter em benefícios para a Educação. O terceiro capítulo traz um relato pessoal sobre a experiência como professor da Educação Básica e superior em face da recente crise sanitária (entre 2020/2021) e algumas reflexões em diálogo com conceitos norteadores da prática educativa (Vieira; Rossi; Silva, 2020; Zabala, 1998).
Breve contexto da EaD no Brasil
O século XXI tem se pautado pela dinâmica da transmissão de dados e da estrutura de relações em rede conectada pela internet, viabilizando formas de comunicação cada vez mais efetivas e rápidas entre as pessoas. Essa forma de conexão tem abrangência global, facilitando negócios, estudos, lazer e transformando saberes e fazeres por meio do uso das interfaces digitais. Em duas décadas as mudanças de hábitos são enormes e a paisagem que se apresenta a cada dia mostra que este é um caminho sem volta, a despeito de uma parcela significativa de pessoas mantidas à margem desse processo.
No Brasil, o desafio da inclusão social tem a educação como fator determinante para atingirmos o acesso aos direitos à cidadania de forma equânime entre estratos sociais e regiões do país. O desafio para o necessário avanço educacional é que ele seja viabilizado pelas mesmas TDIC que aproximam pessoas nos diversos setores da vida cotidiana e profissional. Nesse sentido, a integração das TDIC, aos diferentes níveis da educação, determina, ainda que de modo desigual, uma aproximação de aspectos cotidianos do lazer e do trabalho à vida dos estudantes, atuando como importante fator de socialização.
Essa possibilidade de conjugar qualidades distintas da tecnologia – social, profissional, afetiva – tem assumido, no atual momento, um importante papel para a assimilação das TDIC como ferramentas pedagógicas, o que pode ser visto como uma quebra do paradigma educacional. A despeito da rejeição de parte dos educadores, a EaD mediada pelas novas tecnologias assumiu um novo patamar de importância, apresentando-se como resposta à crise causada pela pandemia do coronavírus. Mas assim como a emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de insegurança profissional, a adoção de técnicas e instrumentos é viabilizada por contextos específicos. Nas palavras de Thomas Kuhn (1998, p. 94), “o fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras”.
Ainda não se sabe quanto e nem como a atual crise sanitária e suas decorrências podem transformar as atuais práticas educacionais estabelecidas. Percebe-se a aceleração de um processo de maturação de sujeitos e métodos para aprofundamento e ampliação da abrangência dessa modalidade de ensino que já se difundia há algumas décadas no Brasil. Nesse sentido, diante da crise e, especificamente, do isolamento social, algumas ferramentas da EaD foram adotadas como forma de instrumentalizar educadores, confirmando a relação estabelecida por Kuhn entre as crises e a chegada de novos instrumentos, da seguinte forma:
Enquanto os instrumentos proporcionados por um paradigma continuam capazes de resolver problemas que este define, a ciência move-se com maior rapidez e aprofunda-se ainda mais através da utilização confiante desses instrumentos. A razão é clara. Na manufatura, como na ciência – a produção de novos instrumentos é uma extravagância reservada para as ocasiões que o exigem. O significado das crises consiste exatamente no fato que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos (Kuhn, 1998, p. 105).
O déficit tecnológico na educação brasileira desmente qualquer proposição de soluções rápidas, pois o fato é que a crise sanitária teve um efeito catalisador da emergência de programas e processos de ensino-aprendizagem conduzidos pelas TDIC em diferentes formas e regiões. Ainda que emergencialmente e sem o necessário planejamento, a pandemia deslocou o panorama da EaD pela possibilidade do uso efetivo das mídias nos processos de ensino-aprendizagem como nunca havia sido feito. Por exemplo, Evelyne Bévort e Maria Luiza Belloni (2015, p. 1.095) afirmam que até aquele momento “nenhum sistema educativo integrou oficialmente a mídia-educação como uma prioridade ou conseguiu difundir seu espírito e sua importância entre os educadores em geral”.
O atraso apontado pelas autoras pode ser atribuído a muitos fatores, mas parece estar atrelado mais a uma mentalidade conservadora do que exclusivamente às limitações materiais. Nota-se, por exemplo, que o termo mídia-educação, utilizado por Bévort e Belloni para se referirem à EaD produzida/mediada/veiculada pelas novas mídias, alinha-se ao termo artemídia, utilizado por Louise Poissant (2009) para se referir à arte produzida/mediada/veiculada de forma análoga. Essa relação retoma as proposições de McLuhan (1964) que já no século passado apontava a importância dos meios e sua forte influência sobre os conteúdos veiculados.
Por outro lado, é importante considerar que um dos questionamentos sobre a eficácia da EaD aponta a necessidade de domínio de tecnologias de difícil acesso para estratos socioeconômicos menos favorecidos da população. De fato, a permanência do estudante nos cursos de graduação em EaD é um problema real que, segundo Siqueira (2017, p. 15), preocupa 60% das instituições de ensino brasileiras. A autora apresenta resultados de pesquisas realizadas pela Abraed que mostram que “os motivos mais frequentes entre os assinalados para a evasão dos alunos dos cursos de graduação são o financeiro e a dificuldade em se adaptar ao método EaD”.
Por fim, problemas de ordem material devem ser enfrentados pelas qualidades capazes de beneficiar não apenas o estudante, mas grupos familiares e sociais nos quais o estudante está inserido, indo além do potencial de viabilizar formas de combate às desigualdades materiais imediatas. Esse aspecto democratizante ganha força quando se considera as dimensões do país e as dificuldades de se levar um ensino de qualidade para o seu interior, devido à escassez de recursos educacionais para essa população. Ademais, a urgência dessas questões precisa sensibilizar entidades governamentais, ONGs, empresas e profissionais em função do enfrentamento do déficit tecnológico da educação para evitarmos que esse atraso se torne um problema crônico e aumente ainda mais as desigualdades em nossa sociedade.
A Revolução web 2.0
O historiador Yuval Noah Harari (2020) afirma que, no século XIX, países como a Grã-Bretanha industrializaram-se primeiro e passaram a explorar a maior parte do mundo. Desse modo, se não tomarmos cuidado, o mesmo acontecerá no século XXI com a inteligência artificial (IA). Isso porque, enquanto no passado os humanos tinham que lutar contra a exploração, no momento atual a luta realmente grande será contra a irrelevância. Nesse panorama, Harari compara esses dois momentos e as classes resultantes do déficit tecnológico – explorados e irrelevantes – e mostra que aqueles que fracassam na luta contra a irrelevância se apresentariam como uma nova “classe inútil”, do ponto de vista do sistema econômico e político.
Esse processo de colonização para a inutilização do sujeito espelha a falta de empenho dos sistemas midiáticos em colaborar com ações de mídia-educação, colocando, de certo modo, esses ambientes em contraste com o imaginário educacional aos olhos do estudante. A distância entre esses universos deve-se ao fato de que as mídias de massa, baseadas em publicidade e propaganda, precisam de audiências mal informadas, distraídas pelo excesso de inputs que visam exclusivamente o consumo. Como consequência, o próprio sistema escolar tradicional ainda encontra resistências à aceitação da internet e das mídias como instrumental capaz de reconciliar esses universos e ampliar a inclusão, a cidadania e a equidade de direitos sociais pelo acesso à educação e à cultura.
A produção de conteúdo, conhecimento, informação ou bens físicos tem sido compartilhada no meio digital sob os novos conceitos que se baseiam na cocriação e democratização do conhecimento, nascido na área de software de código aberto, chamadas por Peter Troxler de produção entre pares, baseadas em commons. O conceito de cocriação está se difundindo para outros domínios da cultura e da educação como incentivo da descoberta e da partilha dos saberes.
Andrew Katz (2012) afirma, em seu artigo Author and owners, que essas iniciativas surgiram como reação ao modelo centralizador com que as empresas de comunicação e entretenimento trabalham até hoje. Ele afirma que o público teria se acostumado com a ideia de consumo passivo e, por isso, a criatividade teria se tornado cada vez mais marginalizada, sobretudo nas áreas abrangidas pelos direitos de autor. Katz chama o modelo tradicional de geração, produção e distribuição de “transmissão de um-para-muitos”, modelo pelo qual nossa percepção da criatividade teria sido distorcida ao deter a decisão sobre o que nós, o público, deveríamos ler, ver, ouvir.
Por exemplo, é sabido que os interesses que moviam a indústria a produzir bens materiais deslocam-se hoje para os bens imateriais como serviços, comunicação, licenciamento, agenciamento e transmissão de conteúdos. A música e as imagens adequaram-se às transformações do mundo digital: as gravadoras deixaram de ser fábricas de discos para comercializar downloads de álbuns, streamings e serviços de assinatura de música digital. Há dez anos atrás, o faturamento digital representava 36% do valor total da indústria e o streaming ainda era uma novidade. Hoje, pode-se dizer que a música é um bem cultural imaterial. Existem diversos serviços de música digital, que abrangem desde downloads pagos, como iTunes, à assinatura de streaming, como é o caso do Deezer e do Spotify.
O mercado editorial também vai ao encontro da mesma tendência com as versões para e-book e a disponibilização de textos em sites de download. Por exemplo, há alguns anos, a Biblioteca Britânica tem armazenado milhões de informações postadas nas redes sociais como um arquivo do pensamento contemporâneo. Com a instantaneidade e facilidade de informações atualizadas, o segmento de turismo e programação cultural europeu dispõe de uma virtualização de 100% de seu conteúdo. Uma das primeiras iniciativas de democratização de livros nos EUA, foi a Digital Public Library of America (DPLA), que reuniu o conteúdo de bibliotecas, museus, universidades e arquivos públicos estadunidenses em uma plataforma gratuita.
O conservadorismo da Educação é notório, mas as tendências mundiais à desmaterialização dos objetos, à produção colaborativa, aos softwares livres e à partilha do conhecimento têm se tornado partes de uma ideologia capaz de revolucionar também a Educação. A EaD é uma alternativa pedagógica que dá às instituições de ensino, educadores e educandos ferramentas para a construção do conhecimento aliando-se às estruturas tradicionais para suprir, complementar ou até mesmo substituí-las em determinadas situações. Esta modalidade de ensino pode colaborar na formação de novas gerações capazes de apropriarem-se, crítica e criativamente das mídias, utilizando-as para ensinar, aprender e expressar-se de forma consciente e consistente.
Relato de experiências de ensino: EaD x ensino remoto
O ano letivo e a pandemia foram processos iniciados concomitantemente, gerando grande mobilização das instituições de ensino para prover ferramentas de ensino remoto nas diversas regiões do país. A crise sanitária atingiu todos os níveis da educação e é possível verificar a diferença entre processos previamente planejados, como os cursos EaD e ensino remoto emergencial em sua carência de profissionais preparados para a metodologia de ensino. As ferramentas EaD foram implementadas pelas instituições da Educação Básica de diferentes formas, enquanto na superior algumas instituições ampliaram a atuação de estruturas preexistentes e outras optaram pela interrupção dos cursos.
O primeiro semestre de 2020 foi marcado pela busca por capacitação dos profissionais e a conversão de metodologias tradicionais para o ensino remoto. Qualquer professor que já tenha trabalhado na preparação de uma disciplina na modalidade EaD pode notar o esforço de adaptação. A improvisação dificultava a obtenção de bons resultados devido a carência de recursos adequados, baixa qualificação dos professores para EaD e falta de planejamento antecipado. Mesmo o professor formador, que planeja, produz e ministra uma disciplina na modalidade EaD, passa por processo seletivo público, apresentando qualificações específicas detalhadas em edital e muitas vezes trabalha em condições exíguas de tempo para cumprir as demandas que se apresentam.
A maior parte das experiências como professor formador é viabilizada por meio da bolsa Capes/UAB e, no caso descrito a seguir, abrangeu dois semestres entre planejamento, preparação do conteúdo e regência de turmas auxiliadas por tutores e pela coordenação do curso. O planejamento incluiu um mapa da disciplina, detalhando as unidades temáticas com texto de apresentação, textos descritivos, além da indicação de materiais complementares para cada etapa e um banco de questões com parâmetros de avaliação, detalhando formas e critérios de avaliação para a correção por parte dos tutores.
Para cada uma das duas disciplinas, Arte e Tecnologia e Projetos em Arte e Tecnologia, foi produzido um e-book com texto autoral versando sobre os conteúdos da disciplina, acompanhado de ilustrações e propostas de pontos de interação por meio de links e pop-ups. Depois de entregues à coordenação, os originais tramitaram por um comitê de autenticidade de verificação de normas técnicas e depois foi submetido à diagramação. Além disso, o trabalho incluiu a gravação de videoaulas, com suporte da UAB Vídeos e, posteriormente, foram feitas duas webconferências para a apresentação de cada disciplina aos tutores e revisão das disciplinas com os estudantes.
Durante a pandemia, alguns cursos de graduação da modalidade EaD semipresencial, como os da Unicentro, tiveram as suas avaliações presenciais (AP) impedidas e tiveram que adotar, na totalidade, avaliações a distância (AD), pelo sistema de questionário do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) Moodle ou adiá-las. Assim, mesmo os cursos EaD que têm planejamento antecipado, tiveram dificuldades na avaliação de estudantes, já que a legislação determina que os cursos devem ter 20% de AD e 80% de AP do total das avaliações, podendo variar até a proporção máxima de 40% e 60%, respectivamente.
No entanto, as perdas na Educação Básica foram drasticamente maiores. As escolas técnicas estaduais da Faetec utilizaram a plataforma da Fundação Cecierj para a publicação de conteúdos ilustrados e atividades de avaliação de Arte, pelo ambiente virtual de aprendizagem (AVA) Moodle, com versão impressa disponibilizada na escola. A ferramenta nunca havia sido utilizada pelos professores do Ensino Médio e Profissionalizante das unidades da escola, por isso, demandou grande investimento de tempo para estudo daquela mídia e formulação/publicação dos materiais didáticos. Por essa razão, grande parte dos professores publicava os conteúdos de suas disciplinas no AVA em formato Word, desperdiçando, por assim fazer, recursos que poderiam estimular e criar maior interesse nos estudantes.
Foram feitas reuniões entre as equipes de professores e a coordenação por meio de diferentes plataformas de webconferência, como Skype, Zoom e Google Meet para formulação de estratégias de ensino remoto. A partir do segundo semestre também foram feitas lives temáticas com professores utilizando a ferramenta de transmissão de eventos online StreamYard a fim de atrair a atenção e criar interação entre os alunos. Essa experiência, vista hoje de forma retrospectiva, faz pensar que a presença de um designer instrucional junto à coordenação poderia ter contribuído bastante com a formação de estratégias de abordagem do problema que teve, como termômetro, ao longo de cada mês, a evasão e índices extremamente baixos de aproveitamento.
As escolas do Ensino Fundamental da Rede Pública de Rio das Ostras, de modo semelhante, utilizaram a plataforma da prefeitura e-virtual para publicação de apostilas ilustradas e avaliações pelo AVA Moodle, também com versão impressa disponibilizada na escola. Os professores e gestores da educação daquele município seguiram orientações de design gráfico padronizado para o material publicado, seguindo as diretrizes da BNCC. O empenho das equipes também exigiu criatividade para converter materiais de aulas expositivas em forma gráfica, além da preparação e configuração de textos e imagens que funcionassem nos formatos virtual e impresso.
Ainda que o professor tivesse que apresentar suas próprias soluções para adaptação dos materiais (e alguns viviam em condições precárias para este tipo de trabalho), os materiais on-line e impresso seguiam controle da coordenação e eram disponibilizados diariamente pelos professores para resposta dos alunos via chat do AVA. Havia reuniões semanais fixas e extraordinárias, em semanas de publicação de apostilas. As apostilas eram publicadas quinzenalmente e traziam um cabeçalho indicando a série a qual se destinava, o período da publicação e as competências as quais se propunham cobrir com o material, demonstrando seguir, deste modo, um planejamento unificado pela secretaria de Educação do município.
Percebe-se, no caso de Rio das Ostras, o empenho de gestores na padronização dos elementos gráficos das apostilas como cores, tipografia e corpo de letra, indicação de bibliografia utilizada para produção dos textos e links que conectam o leitor com páginas relacionadas aos temas. Houve coesão entre os gestores e as equipes, o que se refletiu no material didático produzido, ainda que o prolongamento da crise e as condições impostas tenham criado desânimo em muitos professores. O empenho era redobrado à medida que as perdas se acumulavam e os resultados não eram atingidos pela falta de interatividade entre professores e alunos, o que apontava para futuras dificuldades de acesso aos anos subsequentes.
A esse respeito, uma matéria traz dados da Unesco que demonstram que mais de 800 milhões de estudantes tiveram as aulas interrompidas entre 2020 e 2021 e que o Brasil foi um dos países com período mais longo com as escolas fechadas. A matéria afirma ainda que “no Brasil, juntando os sistemas público e privado, foram mais de 47 milhões de crianças e adolescentes do ensino básico fora das escolas”. Além disso, o relatório da pesquisa da Gestrado/UFMG com 15.642 professores da rede básica de ensino demonstra que 82% dos entrevistados tiveram “aumento significativo na jornada de trabalho e 89% dizem não ter tido qualquer experiência prévia com ensino remoto” (Educacross, 2021).
No caso específico da arte-educação, além da privação do contato com colegas e professores, houve a privação ou precariedade do contato com materiais e técnicas expressivas, além de meios e de recursos didáticos utilizados no ensino presencial. De forma menos evidente, mas não menos importante, as práticas de trabalho em grupo, de leitura das imagens e das obras de artes e a contextualização constante desses processos foi desarticulada ou simplesmente substituída por uma visão descontextualizada da História da Arte.
O educador Antoni Zabala (1998) defende essa necessidade de adaptação aos contextos dizendo que “é preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades informativas que surgem constantemente” (p. 51). No entanto, como lidar com o lado subjetivo de uma crise que impôs uma sobrecarga cognitiva e emocional para professores e estudantes, gerando, inclusive, o agravamento de quadros de depressão e ansiedade? Penso que a privação da linguagem plural da Arte nas escolas e a valorização da linguagem binária da informática se deu como um golpe nas possibilidades expressivas e de valorização da utopia de milhares de pessoas que sonham com um mundo socialmente mais justo.
Considerações finais
As mudanças no pensamento criativo alinham-se aos rumos da comunicação e da produção cultural contemporânea, veiculadas e constituídas por mídias digitais, softwares livres e a produção e a aprendizagem colaborativa como caminho para a partilha do conhecimento. Se tomarmos a Web como metáfora de um espaço de navegação, a Revolução web 2.0 representa um novo mundo e, nesse sentido, deve ser vista com olhos de esperança por dias melhores. Assim, novas tecnologias devem ser percebidas por seu potencial de ampliação de universos, constituindo-se como “extensões dos sentidos”, como previu McLuhan (1964).
As limitações de acesso a esses meios evidenciam um falso paradoxo, pois querem fazer crer que são as próprias desigualdades existentes em nossa sociedade que limitam o acesso aos meios capazes de dirimi-las. Isso não é verdade. O acesso à educação é um direito universal que precisa ser visto como ponto de partida para as possíveis equiparações dos trágicos abismos sociais que aqui temos. Nesse sentido, Bévort e Belloni (2009) afirmam que a educação mediada por tecnologia “reafirma, legitima e estende aos adultos os direitos à liberdade de expressão, ao acesso à informação e à participação na vida cultural e nas decisões, contidos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela Unesco em 1989” (p. 1.099).
Essa visão democratizante da Educação é a verdadeira forma de conectar pessoas em uma única rede capaz de absorver avanços setorizados em compartilhamentos de dimensões continentais que respeitem as diferentes identidades culturais como parte da nossa riqueza. Nesse sentido, a EaD se apresenta como porta de acesso que extrapola a esfera econômica para abarcar limitações físicas, como pessoas deficientes, circunstâncias de dificuldade de deslocamento diário e excepcionalidades de tempo e espaço. O maior instrumento da ampliação do acesso à educação precisa ser a conscientização política e o entendimento das prioridades de ações para a mobilização de recursos educacionais em todos os níveis.
Infelizmente, a crise sanitária da covid-19 apenas agravou problemas educacionais que podem ser superados pela instrumentalização consciente das TDIC que aproximam pessoas nos diversos setores da vida cotidiana e profissional. Para que isso aconteça, as imagens, as mídias e a tecnologia precisam ganhar protagonismo como fatores integrados ao nosso espaço e como condições sine qua non da modalidade de ensino em EaD. As interfaces e suas mediações, em consonância com nosso tempo, potencializam e são potencializadas pelo conceito de uma educação baseada na premissa freireana segundo a qual “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1987, p. 68).
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Publicado em 06 de setembro de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
ALENCAR, José Salmo Dansa de. Ensino remoto de Artes na Educação Básica e Superior em 2020. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 33, 6 de setembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/33/ensino-remoto-de-artes-na-educacao-basica-e-superior-em-2020
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