Relato de experiência: desafios da intervenção pedagógica na Educação Infantil em tempos de pandemia

Gleice Marangueli da Silva

Graduada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia (ICE), professora efetiva licenciada em Pedagogia na Secretaria Municipal de Educação de Cáceres/MT

Este relato de experiência tem como finalidade apresentar vivências da turma de cinco anos da Educação Infantil da Escola Municipal Santo Antônio, no Caramujo, no Município de Cáceres/MT. O atendimento foi realizado na modalidade remota e por meio do suporte presencial (uma vez por semana), respeitando os protocolos de biossegurança. O foco foram os alunos sem acesso à internet, sendo que no período remoto a professora utilizava a ferramenta WhatsApp e apostilas para orientar as atividades propostas por meios de vídeos, áudios e mensagem de texto. Aos alunos que não tinham acesso à internet foi organizado, na escola, um espaço acolhedor, com a finalidade de orientar e contribuir no desenvolvimento dos educandos.

Desse modo, o presente relato, embasado no projeto político-pedagógico (PPP) da escola, está em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI, 1998). O trabalho foi realizado com muito empenho e dedicação da professora, em parceria com as famílias no desenvolvimento das atividades. A turma era bem animada e interagia por meio de áudios e vídeos, sempre.

A proposta pedagógica de intervenção foi planejada de acordo com a realidade do ritmo da aprendizagem dos alunos e as orientações pedagógicas eram feitas uma vez por semana, na escola, com atendimento específico e especializado a duas alunas com dificuldades na aprendizagem. Assim, foram desenvolvidas atividades respaldadas em jogos pedagógicos e brincadeiras, como a brincadeira da lata das letras quando a música é cantada passando a lata pela roda, assim, quando termina a canção a criança tem que tirar uma letra de dentro da lata e dizer qual é o objeto, o animal, o brinquedo ou a cor que inicia com aquela letra. Também cantávamos musiquinhas, trabalhando o corpo, os gestos e os movimentos.

Não se pode pensar em desenvolvimento integral da criança sem a inserção do corpo. Na Educação Infantil, o corpo não pode ser esquecido, pois é o primeiro brinquedo da criança, não só pela perspectiva do jogo e do exercício, mas a partir da representação de brincadeiras pelo movimento. Para Kishimoto (2001), “a integração entre o corpo, o movimento, o espaço e os brinquedos, ou brincadeiras que movimentam o corpo, é fundamental para a educação da criança pequena”. Dessa forma é importante que o educador proporcione um ambiente acolhedor, com brinquedos, jogos pedagógicos, músicas e atividades com movimentos para as crianças explorarem, conviverem e se expressarem, pois é direito de todo aluno e de toda aluna o acesso a uma educação de qualidade.

É importante destacar que os alunos, nessa proposta, realizavam as atividades pelo grupo do WhatsApp. As atividades eram corrigidas e elogiadas pela professora que os atendia com muito carinho e respeito. Na devolutiva da apostila, sempre era enaltecida a presença dos pais e responsáveis pelo empenho em ajudar seus filhos como molas fundamentais do processo.

As alunas que apresentavam dificuldade e não tinham acesso à internet participavam com frequência das aulas presenciais, dispostas e alegres em realizar as atividades. Foi observado que no decorrer do processo ambas evoluíram em termos cognitivos, físicos, sociais e culturais, cada uma no seu ritmo de aprendizagem. Com o alfabeto móvel, expressavam, em gestos de carinho, a alegria em aprender. Com a orientação da professora, as alunas escreveram a letra inicial e final de seus nomes, de seus familiares e de colegas de sala, além de contarem as letras de seus nomes. Atividades envolvendo tinta guache, massinha de modelar, recorte, colagem, números e quantidades, formas geométricas, cores primárias, foram também os suportes para o processo de ensino-aprendizagem das alunas.

Figura 1: Atividades presenciais

A principal função da família é oferecer à criança uma vida digna em todos os aspectos. Cuidar, proteger, impor limites, apoiar, orientar, enfim, educar a criança de forma que ela possa viver feliz e se desenvolver completamente sem trauma.

Sendo assim, a educadora procurava elogiar as famílias e os alunos durante a aplicação da metodologia a fim de que os responsáveis continuassem a instruir seus filhos, em casa. Juntos, nos reinventamos e aprendemos uns com os outros, sempre com respeito e responsabilidade, garantindo os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, de acordo com a BNCC.

Com a intervenção pedagógica, as crianças começaram a expandir a sua oralidade, assim como a escrita espontânea e os registros de desenhos, cada uma com sua imaginação e criatividade preservadas. Com a contação de histórias, começaram a criar as suas próprias histórias a partir de um objeto, exercitando, assim, oportunidades de autoria. Sendo assim é admirável o papel da escola em zelar pela aprendizagem dos alunos, pois ela não é só o lugar onde se aprende sobre as disciplinas curriculares, mas o lugar onde se encontram amigos, onde nos divertimos e experimentamos as possibilidades que a vida nos apresenta. É na escola que as crianças e os jovens estimulam suas habilidades e descobrem suas potencialidades, de modo a se desenvolverem nos âmbitos pessoal, social e acadêmico.

O brincar reflete a maneira como a criança ordena, organiza, desorganiza, destrói e reconstrói o mundo ao seu modo, expressando suas fantasias, seus desejos, medos, sentimentos e conhecimentos novos que vão incorporando à sua vida pela utilização do lúdico, observamos que o brincar não significa só reproduzir a realidade, mas uma ação social e cultural que permite que a criança recrie seu mundo, reinventando-o. Ao explorar o ambiente, a criança desenvolve o educar, ou seja, incorpora processos de formação e de aprendizagem, socialmente elaborados e destinados a instruí-la no saber social. Educar, nessa perspectiva, remete à ludicidade, ao jogo, às interações na rodinha, à socialização em espaços escolares e não escolares. Propomo-nos, então, na escola e em família, a incentivar o lúdico com brincadeiras como passar o anel, amarelinha, esconde-esconde, jogo da memória, jogo da velha, sobre as formas geométricas com massinha de modelar e contação de histórias, dentre outras.

Figura 2: Brincadeiras

Figura 3: Diversão com massinha

Vygotsky (1998), um dos representantes mais importantes da Psicologia Histórico-Cultural, partiu do princípio de que “o sujeito se constitui nas relações com os outros, por meio de atividades caracteristicamente humanas, que são mediadas por ferramentas técnicas e semióticas”. Destarte, a avaliação era feita todos os dias, por meio do feedback dos alunos, nas atividades compartilhadas no grupo e na devolutiva da apostila. Todas essas informações contribuíram para a construção do relatório individual.

É importante ressaltar que as trocas de experiências são fundamentais para o desenvolvimento de toda criança. Desse modo, procuramos proporcionar momentos de brincadeiras, jogos lúdicos, bate papo, atividades atraentes e significativas com o foco no avanço do educando, para uma aprendizagem efetiva e eficaz. Dessa forma, observamos que cada ser é único, por isso devemos respeitar suas singularidades, estimulando suas habilidades a fim de promover a formação de cidadãos capazes de transformar a sociedade.

Diante deste trabalho de intervenção pedagógica, observamos que as estudantes se desenvolveram aos poucos, cada uma no seu ritmo. Para tanto foram realizadas atividades diversificadas, envolvendo o corpo, os gestos e seus movimentos, com a mediação da docente, a partir de um ambiente acolhedor e construtivo. Por meio das interações, as crianças aos poucos iam avançando e aprimorando suas habilidades manuais e cognitivas. Esta prática foi pensada em colaborar de forma significativa na vida das crianças, seguindo a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 que passaram a garantir os direitos das crianças e a concebê-las como sujeitos de direitos, capazes de participarem ativamente da sociedade.

Este trabalho tem por finalidade garantir o pleno desenvolvimento do aluno, buscando legitimar os seus direitos, por isso contamos com a participação das famílias por intermédio de um trabalho mais lúdico e dinâmico, envolvendo os alunos na participação das atividades. Cabe aqui ressaltar que a criança não nasce sabendo brincar ou a se relacionar com o outro. Ela aprende na convivência social e cultural. Como afirma Borba (2006, p. 37),

é brincando que aprendemos a brincar. É interagindo com os outros, observando-os e participando das brincadeiras que vamos nos apropriando tanto dos processos básicos constitutivos do brincar, como dos modos particulares de brincadeira, ou seja, das rotinas, regras e universos simbólicos que caracterizam e especificam os grupos sociais em que nos inserimos.

O brincar é um espaço de apropriação dos conhecimentos pelas crianças a fim de desenvolverem as suas habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. Desse modo, os conhecimentos se tecem a partir das narrativas do dia a dia, constituindo os sujeitos e a base de suas aprendizagens. Pensar sobre o mundo e interpretá-lo de novas formas é um exercício que se constrói de forma conjunta, por ações coordenadas em torno de um fio condutor comum.

Com o progresso dos alunos que participavam das atividades remotas e das alunas que necessitavam de intervenção pedagógica presencial, as atividades avançavam de acordo com o potencial de cada grupo. Por meio de atividades diversificadas, incentivamos a participação de todos no processo educativo sendo gratificante a troca de experiências realizada de forma positiva e respeitosa com a turma. Isso contribuiu significativamente o discente. Assim, o processo não deve ter como objetivo a seleção, a promoção ou a classificação dos pequenos, mas precisa considerar a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e das interações das crianças no cotidiano, empregando múltiplos registros e levando em consideração a faixa etária da criança e seu tempo de aprender. É importante que o docente se organize e planeje os espaços em sala de aula para possibilitar as trocas de vivências e a ampliação do seu mundo de fantasia, imaginação e criatividade. Por isso, o ambiente da sala de aula deve ser acolhedor e motivador, um estímulo às habilidades manuais, cognitivas, físicas, sociais e culturais, garantindo seus direitos constitucionais.

Destacamos a importância da avaliação para uma reflexão sobre a prática pedagógica. A avaliação, na Educação Infantil, tem como objetivo mostrar ao professor o progresso ou o retrocesso dos seus estudantes e deve ser feita para servir de norte das ações docentes, conforme as necessidades de cada estudante.  Conforme Hoffmann (1992, p. 70), a avaliação "expõe que os professores utilizam a mesma forma de avaliar para todos os estudantes, esperando assim, resultados previamente esperados, não compreendendo que cada estudante tem um jeito particular de lidar com cada situação exposta".

A Educação Infantil, portanto, não se restringe a um lugar destinado à manutenção dos cuidados básicos de higiene da criança. Há outras preocupações de natureza pedagógica, pois o cuidar e o educar devem estar ligados um ao outro, de forma recíproca. Diante deste método, a troca recíproca entre aluno e professor é fundamental para gerar oportunidades à turma. Sabemos que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, de acordo com a LDB (Lei nº 9.394/96). Dessa forma, espera-se que a criança desenvolva suas habilidades e competências, de modo a favorecer as suas capacidades. Ou seja, a Educação Infantil possui, em sua essência, a função de proporcionar inúmeros elementos para o desenvolvimento social, psicológico e físico da criança de zero a seis anos. Isto quer dizer que, tanto o educador como as instituições que oferecem esses serviços aos pequenos, devem compreender e conhecer os diferentes fatores que contribuem para o aprendizado dos alunos. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasil, 1998, vol. 1),

educar é também preocupar-se com atividades que possam contribuir para o desenvolvimento de capacidades, tendo consciência da realidade na qual está inserida. É importante ressaltar que as diretrizes legais estabelecidas para a educação infantil nas últimas décadas, nos guiam da seguinte forma: “a prática de avaliar na educação infantil não pode ocorrer em caráter de aprovação ou reprovação das crianças. [...] Deve ser feita sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso do ensino fundamental”.

Desse modo, o primeiro passo do processo avaliativo é o de acompanhar e compreender o desenvolvimento infantil e a Educação Infantil como a primeira base do processo avaliativo. É a curiosidade do professor sobre as crianças, o ato de refletir sobre eles como um agente investigativo no processo de ensino-aprendizagem do aluno que permitirá o acontecimento da premissa básica da avaliação: sua curiosidade sobre a criança e não sua classificação da criança. Assim, a avaliação envolve observação sensível do aluno, pois entre os princípios da avaliação está a coleta de dados para o planejamento das propostas pedagógicas e sua relação com todos os elementos que proporcionam uma ação educativa. Vale ressaltar que as atividades lúdicas desenvolvidas no período remoto, nesta proposta, foram de grande valia e se tornaram fundamentais para a socialização em sala de aula, despertando a cooperação e a autonomia dos educandos.

Conclusão

Compreender que cada indivíduo é singular e único, com seus avanços e dificuldades, é tarefa do professor. Desse modo, cabe a ele propiciar ambientes e atividades significativas, levando em consideração o ritmo de aprendizagem dos seus alunos, sem distinção da cor da pele ou da classe social e cultural, garantindo e respeitando as suas especificidades. A intervenção pedagógica é muito importante no processo educativo, um trabalho diferenciado para dar subsídio aos alunos com dificuldades, utilizando recursos pedagógicos diversificados, direcionados a tornar o aluno o protagonista do seu conhecimento, intermediado pelo educador.

Constatamos que o método contribuiu na aprendizagem efetiva dos educandos, haja visto que cada ele leva em consideração seu contexto familiar e sua faixa etária, sendo realizado com a parceria da família, em uma prática interativa entre família e escola. A família, assim como a escola, possui uma importância essencial para o processo educativo dos envolvidos, com o papel de desenvolver a sociabilidade, a afetividade, o bem-estar físico e intelectual. Dessa forma, conseguimos consolidar uma política de interação da escola com a família bem estruturada, gerando avanços importantes na garantia de uma educação de qualidade para todos.

Referências

BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Trad. Ernani F. da Fonseca Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. In: BRASIL. Ministério da Educação. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão de crianças de seis anos de idade. 2ª ed. Brasília: MEC/SEB, 2007. p. 33-45. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf. Acesso em: 03 jan. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília: MEC, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf. Acesso em: 04 fev. 2022.

______. Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Brasília, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 20 jan. 2022.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 01 fev. 2022.

______. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.

CÁCERES. Projeto político-pedagógico da Escola Municipal Santo Antônio do Caramujo. Cáceres, 2020.

HOFFMANN, J. M. L. Avaliação e Educação Infantil: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 2012.

KISHIMOTO, T. M. (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 1996.

Publicado em 06 de setembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Gleice Marangueli da. Relato de experiência: desafios da intervenção pedagógica na Educação Infantil em tempos de pandemia. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 33, 6 de setembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/33/relato-de-experiencia-desafios-da-intervencao-pedagogica-na-educacao-infantil-em-tempos-de-pandemia

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