Análise de uma propaganda no livro didático de Língua Portuguesa: reflexão e ressignificação do ensino

Lindaura Rodrigues Carneiro

Graduada em Pedagogia (Unemat), pós-graduada em Psicopedagogia

Ireny Bueno Dantas

Graduada em Pedagogia (Unemat), pós-graduada em Psicopedagogia

Neste artigo, apresentamos a análise de uma propaganda da Unidade 6, p. 180, do livro didático (LD) de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (5º ano), aprovado pelo PNLD (2018/2020). O intuito é investigar de que forma o material selecionado aborda os conhecimentos linguísticos apresentados, com o fim de sugerir um novo olhar para o uso do LD, provocando assim alguns deslocamentos, conforme sinaliza Orlandi (2012, p. 57), pois “o professor orienta-se por aquilo que é fornecido, pronto-a-mão, no livro de respostas do livro didático. O comando imediato, nesse caso, é o autor do livro didático adotado”.

O material escolhido para a análise foi publicado em 2017 e atualizado em 2018, a fim de estar em acordo com a BNCC. Tem como autoras Ana Maria Trinconi Borgatto, licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), mestra em Letras e pós-graduada em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP, pedagoga graduada pela mesma universidade, professora universitária e do Ensino Fundamental e Médio de Língua Portuguesa, Terezinha Costa Hashimoto Bertin, licenciada em Letras pela USP, mestra em Ciências da Comunicação pela mesma universidade, pós-graduada em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professora universitária e do Ensino Fundamental e Médio de Língua Portuguesa e Vera Lúcia de Carvalho Marchezi, licenciada em Letras pela Unesp – campus Araraquara, mestra em Letras e pós-graduada em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP e professora universitária e do Ensino Fundamental e Médio de Língua Portuguesa.

Como base deste trabalho, trazemos reflexões de Orlandi (2011; 2012) e Lagazzi-Rodrigues (2015), dentre outros autores que abordam a temática.

Fundamentação

Discorrer a respeito do LD implica compreender um pouco sobre a sua história e origem, conforme explica Silva (1996, p. 8):

O livro didático é uma tradição tão forte dentro da educação brasileira que o seu acolhimento independe da vontade e da decisão dos professores. Sustentam essa tradição o olhar saudosista dos pais, a organização escolar como um todo, o marketing das editoras e o próprio imaginário que orienta as decisões pedagógicas do educador. Não é à toa que a imagem estilizada do professor o apresenta com um livro nas mãos, dando a entender que o ensino, o livro e o conhecimento são elementos inseparáveis, indicotomizáveis. E aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias dos livros, dentre as quais se destaca aquela do livro “didático”: comprar na livraria no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende.

Com o fim de ser memória impressa, o LD é uma tecnologia que seguiu o processo de escolarização do Brasil, produzindo ajuda ao trabalho do professor em sala de aula. Igualmente, ele deve ser entendido como um aparato do trabalho docente dentre tantas outras ferramentas que o docente tem à sua disposição.

Partindo dessa visão, cabe perceber que o professor deve ressignificar o LD, de acordo com as questões postas em sala de aula, buscando refletir sobre o seu uso e as suas imposições, tantas vezes trazidas pelo material. É importante que a presença do LD não restrinja o conhecimento e a pesquisa, pois, conforme aponta Lagazzi-Rodrigues (2015), é preciso debater sobre o impedimento que o livro didático impõe ao professor e não apenas ao aluno.

Além disso, deve-se ressaltar que o LD não é imparcial. De acordo com Bolognini (2009), o LD não é neutro e não está livre de determinações ideológicas, pois todos os envolvidos em sua produção são afetados pela língua e sua História, assim como qualquer outro material didático pode fazer quando utilizado em sala de aula. Isto reforça ainda mais a constante presença de uma ideologia nestas obras.

Outrossim, ao longo de sua existência, a organização do LD tem priorizado, para as suas produções, algumas regiões e grandes cidades (e universidades). Em acordo com Silva (2014, p. 12), “há questões que devem ser repensadas e (re)planejadas com atividades que contemplem os aspectos culturais e regionais do país, que uma vez uma coleção de livro didático aprovada por um órgão nacional irá atender todo o país e não uma região específica”. Ou seja, é preciso que o LD considere a diversidade e a particularidade de cada região.

Também é preciso entender que o seu uso não acontece passivamente, pois os envolvidos participam ativamente do processo, ou seja, são afetados por ele. Segundo Silva (2011, p. 180), “precisamos ter em mente que o livro didático não é um objeto consumido de forma passiva por seus leitores, ou seja, o professor e o aluno”.

Por outro lado, cabe ao docente obter uma nova visão do instrumento linguístico e pensar sobre a sua complexidade como forma de reter e transmitir o que, de fato, é relevante aos estudantes. Vale destacar que o material pode ser mais um apoio para a leitura e a interpretação de textos, por exemplo. Sendo assim, é imprescindível a ocorrência de um trabalho que priorize a articulação entre o LD e os demais segmentos da sociedade (pais, professores, alunos, produtores, entre outros).

Em relação ao uso do material, Soares aponta as dificuldades enfrentadas pelo professor:

Há o papel ideal e o papel real. O papel ideal seria que o livro didático fosse apenas um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele. Na verdade, isso dificilmente se concretiza, não por culpa do professor, mas de novo vou insistir, por culpa das condições de trabalho que o professor tem hoje. Um professor hoje nesse país, para ele minimamente sobreviver, ele tem que dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, frequentemente, até a noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem tempo de se atualizar. A consequência é que ele se apoia muito no livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do professor no seu ensino (2002, p. 2).

Também é indispensável munir o aluno de autonomia no que se refere à organização das respostas a serem dadas nos questionamentos oferecidos pelo LD, permitindo a reflexão sobre todo e qualquer ponto nas leituras dos enunciados dos textos. Nas palavras de Orlandi (1998, p. 95), o aluno não tem espaço para realizar a reflexão sobre a leitura visto que estas respostas já se encontram prontas, ou pelo professor ou por meio do LD, e poucos são os momentos em que o aluno coloca o próprio dizer que é ainda ignorado pelo professor.

Entendemos, então, que não é viável que o professor dê respostas prontas, pois o aluno deve ser autônomo em suas escolhas, aprendendo a se posicionar. Cabe ao professor não ser alheio aos posicionamentos realizados pelos alunos.

Em se tratando do texto, normalmente o LD já induz o aluno às perguntas, deixando-o “preso” à ideia do autor da proposta, sem considerar as condições de produção e interpretação subjetivas. Concordamos que é preciso ponderar sobre as condições de produção, visto que “considerar as condições de produção consiste, em primeiro lugar, ultrapassar os elementos internos ao texto propriamente dito” (Indursky, 2010, p. 27). Contudo, é fundamental que se reveja a “ditadura” do discurso pedagógico do LD utilizado pela escola para exercitar o autoritarismo. Vesentini (2007, p. 167) afirma que, “ao invés de acolher a ‘ditadura’ do livro didático, o bom professor deve ver nele tão somente um apoio ou um complemento para a relação ensino-aprendizagem que visa a integrar criticamente o educando ao mundo”.

Conforme Lajolo afirma, “se através do livro didático o aluno vai aprender, é preciso que os significados com que o livro lido seja adequado ao tipo de aprendizagem com que a escola se compromete” (Lajolo, 1996, p. 6). Silva completa dizendo que os “didáticos são livros destinados a informar, orientar e instruir o processo de aprendizagem. Livros didáticos não educam!” (Silva, p. 13). Sendo assim, é necessário que entendamos o quanto a mediação do professor nesse processo e a valorização da autoria das obras são pontos significativos que devem ser considerados em relação ao LD.

Análise

O livro didático Português Linguagens, da Ápis, para o 5º ano do Ensino Fundamental, 3ª edição, Editora Ática, 2017, possui 356 páginas e logo na introdução traz um manual de orientações didáticas para o professor. Assim, apresentamos a capa do livro a seguir para que possamos realizar a análise proposta.

Figura 1: Capa do livro

Fonte: Editora Ática (foto de divulgação).

Partindo da análise da imagem, indicamos que o professor problematize a capa do livro cujo título está em dois tamanhos e em cor branca, Língua Portuguesa e Ápis. A imagem traz a figura de uma criança comodamente sentada no sofá de casa, de posse de uma ferramenta tecnológica. Há, ainda, uma caderneta e um lápis ao seu lado, como um sinal de registro de pesquisa. A imagem, apresentada em cores fortes, traz ainda as figuras de uma mesinha com um abajur e alguns objetos sobre essa mesa.

A imagem representa o que é contemporâneo, ou seja, uma criança com expressão de alegria, remetendo o leitor à satisfação de estudar com esse material (LD digital), indicando ser uma inovadora oportunidade.

Acerca das condições de produção e sobre a sua apresentação, constatamos a presença de um detalhamento de “quem fala” e “para quem se fala”. As autoras, ao escrever para os estudantes, abordam também a dinâmica da criança de 5º ano: um sujeito bem-informado sobre as novas tecnologias.

O livro apresenta, após a contracapa, um quadro de conteúdos na parte do manual do professor:

Figura 2: Quadro de conteúdo do 5º ano (parte 1)

Fonte: Editora Ática (foto de divulgação).

Figura 3: Quadro de conteúdo do 5º ano (parte 2)

Fonte: Editora Ática (foto de divulgação).

Todos os capítulos das unidades trazem imagens coloridas referentes aos assuntos abordados, o que consideramos relevante, pois, segundo Orlandi (2012, p. 50), “a relação do aluno com o universo simbólico não se dá apenas por uma via – a verbal –; ele opera com todas as formas de linguagem na sua relação com o mundo”.

O livro apresenta um “projeto de leitura”, a fim de estimular a sensibilidade do leitor e contribuir para a formação do leitor competente e autônomo. Além disso, traz 5 oficinas de leitura para que os professores norteiem algumas propostas de atividades, tais como, “Todo mundo quer saber”, “Perdido num labirinto”, “Ler para aprender e para ter prazer”, “Ler para o saber e o sabor” e “Leitura, o sabor e o saber compartilhados”.

É importante destacar que, na abertura de cada unidade do livro, o aluno tem pistas do que será estudado. Dessa forma, para uma melhor compreensão do funcionamento discursivo do material, examinamos, na Unidade 6, uma propaganda. A referida unidade inicia-se na página 178, encerrando-se na 215.

Vejamos a propaganda que optamos por analisar, localizada na página 180, primeira atividade da unidade:

Figura 4: Propaganda a analisar

Fonte: Editora Ática (foto de divulgação).

Ao lado da imagem, em estudo, as autoras trazem a seguinte explicação:

Gênero: propaganda. Trata-se de um gênero que tem a intenção de convencer o leitor de que ele precisa: ter um objeto, simpatizar com certa marca ou ideia ou tomar determinada atitude. A propaganda pode ser veiculada em rádio, TV, internet, jornais, revistas, panfletos, cartazes etc. Os textos desse gênero são, na grande maioria, multimodais, pois costumam articular diferentes formas de representação e recursos – verbais (escritos ou orais) e visuais (estáticos ou dinâmicos) – para produzir sentidos, comunicando mensagens por meio de múltiplas linguagens, de acordo com seus respectivos suportes (impressos ou digitais) e contextos de produção. De modo especial, no trabalho com propagandas é importante despertar o senso crítico dos alunos quanto ao objetivo dos anunciantes ao criar e veicular uma propaganda. Os anunciantes têm sempre o objetivo de convencer as pessoas a comprar um produto, um serviço, ou divulgar uma ideia buscando a adesão das pessoas com mudança de comportamento ou atitude. É importante que o consumidor esteja atento às suas reais necessidades de consumo e possa se esquivar de propagandas de produtos supérfluos e de anunciantes cujos produtos – e muitos deles, sabe-se de antemão – não cumprem o prometido. Embora haja diferença entre os conceitos de publicidade e propaganda, optou-se pelo uso deste último termo por ser mais genérico. Alguns autores consideram o termo publicidade mais comercial e, portanto, mais apropriado à venda de produtos. Por sua vez, o termo propaganda estaria mais vinculado a ideias e atitudes, portanto seria mais institucional (Borgatto; Bertin; Marchezi, 2017, p. 180).

A propaganda faz parte de uma campanha sobre a mudança de atitude do ser humano diante da falta da água devido a sua imprudência. Antes da apresentação, temos os seguintes dizeres das autoras:

É sempre bom pensar um pouco sobre o que compramos e sobre as intenções de uma propaganda. Nesta unidade você vai analisar duas propagandas: uma que procura convencer as pessoas a mudar de atitude e outra que promove um produto. Será que essas propagandas conseguem convencer o seu público? (Borgatto; Bertin; Marchezi, 2017, p. 180).

Percebemos que trazer essa reflexão é importante para que os estudantes apreendam, desde o Ensino Fundamental, a noção das intenções das propagandas na vida cotidiana e, assim, possam avaliar cada uma delas, com o professor como o mediador desta reflexão.

Essa propaganda indicada pelas autoras mostra a experiência de algo real da vida, em sociedade, a saber, a escassez da água, tão presente em nossos dias. Remete aos noticiários jornalísticos da mídia televisiva e da impressa digital, que tanto fomentam o alerta sobre a problemática.

No que concerne ao uso da imagem, conforme Orlandi (2012, p. 52),

;a convivência com a música, a pintura, a fotografia, o cinema, com outras formas de utilização do som e com a imagem, assim como a convivência com as linguagens artificiais poderia nos apontar para uma inserção no universo simbólico que não é a que temos estabelecido na escola. Essas linguagens todas não são alternativas. Elas se articulam. E é essa articulação que deveria ser explorada no ensino da leitura, quando temos como objetivo trabalhar a capacidade de compreensão do aluno.

Na página 181, temos o início das atividades. É importante destacar que ao lado de cada atividade há algumas indicações para o professor nortear os questionamentos dos alunos. A princípio, temos a parte sobre a compreensão do texto, dividida em atividade oral e atividade escrita, com questionamentos focados na propaganda:

  • Observe a imagem da propaganda e responda: “Que impressão ela provoca em você?”
  • A propaganda traz uma imagem grande e um pequeno texto escrito: “O que mais chamou sua atenção nessa propaganda: as cores, os peixes, a terra, o barquinho de papel ou a parte escrita? Por quê?”

Ao perguntar acerca das impressões que a propaganda provoca no estudante e o que mais chama a sua atenção, observamos que as autoras valorizam a autonomia e a autoria dos alunos. Em se tratando da autoria, segundo Lagazzi-Rodrigues, “se produz, portanto, no trabalho com o significante, delimitando textos. Um trabalho em que as condições de produção são determinantes” (Lagazzi, 2015, p. 97). Entendemos, contudo, que as autoras poderiam explorar melhor a parte escrita, a exemplo da expressão que está em tamanho maior que as demais escritas na propaganda, “Economize água”.

Para dar seguimento às atividades, temos a imagem e os seguintes questionamentos:

  • A propaganda traz uma fotografia.
  • Que lugar essa fotografia provavelmente retrata?
  • O que você observou na imagem para dar sua resposta?
  • Quais elementos na imagem são mais chocantes para você? Por quê?
  • Em sua opinião, qual foi a intenção de utilizar essa fotografia na propaganda?

Ao analisarmos as perguntas postas pelas autoras, percebemos uma repetição da questão 2, “Quais elementos na imagem são mais chocantes para você? Por quê?”, pois no item anterior já há um questionamento muito próximo, “O que mais chamou sua atenção nessa propaganda: as cores, os peixes, a terra, o barquinho de papel ou a parte escrita? Por quê?”.

Sendo assim, compreendemos que falta criatividade na elaboração da atividade, pois as autoras poderiam abordar outras indagações, tais como:

  • Você já viu esse tipo de propaganda em outros veículos/suporte? Quais?
  • Que sentidos você atribui à expressão “não é brincadeira”?

Dando seguimento às atividades, temos a seguinte proposta:

Texto verbal (na propaganda 1):

1. Na parte central da propaganda, temos a imagem de um barquinho feito de jornal e, na parte superior, a mensagem: “A falta que ela faz não é brincadeira”. Assinale as alternativas que explicam o sentido da expressão “não é brincadeira”.

[ ] Barquinho de papel não é feito para brincar.
[ ] A falta de água é coisa muito séria.
[ ] Não se brinca com algo tão grave como a seca.
[ ] Barquinho de papel é uma brincadeira muito séria.

Observando com atenção, não há opções de escolha, ou seja, o exercício limita a criatividade dos alunos. Entendemos que é preciso que se dê espaço para que os estudantes se expressem em termos de leitura e escrita. Segundo Orlandi (2011, p. 87), “o texto não pode ser visto como singularidade, pois ele se relaciona tanto com outros textos quanto com outras situações de produção”. De acordo com a autora,

as palavras não significam em si. Elas significam porque têm textualidade, ou seja, porque sua interpretação deriva de um discurso que as sustenta, que as provê de realidade significativa. E sua disposição em texto faz parte dessa sua realidade. É assim que na compreensão do que é texto podemos entender a relação com a exterioridade (o interdiscurso), a relação com os sentidos. O texto é um objeto linguístico-histórico (Orlandi, 2011, p. 86).

Observemos a atividade a seguir: 

Releia as frases que aparecem na propaganda.

  • Escreva A para indicar a frase que é um apelo e B para indicar a frase que é um argumento.

“A falta que ela faz não é brincadeira.”

“Economize água.”

  • Na propaganda há a imagem de uma diversão infantil: um barquinho de papel. A mensagem dessa propaganda dirige-se somente a crianças? Explique.

Sobre o apelo ou o argumento, acreditamos que as autoras poderiam explorar mais a proposição, como, por exemplo, pedir aos estudantes que escrevessem outros apelos e argumentos em prol da economia da água, porque sabemos que as crianças têm potencial e precisam ser estimuladas a demonstrar e aperfeiçoar as suas habilidades na escrita. Na atividade 3, temos:

3. A finalidade dessa propaganda é convencer o leitor a mudar ou repensar suas atitudes em relação à ideia divulgada. Você foi convencido? Por quê?

Tomamos como pertinente a pergunta dirigida aos alunos, pois é a oportunidade para que eles demonstrem suas percepções acerca da propaganda em estudo e a ideia difundida.

É preciso que o professor trabalhe com os alunos a fim de elaborar um arquivo de leitura sobre o gênero textual propaganda, para que se familiarizem com o gênero. Após a organização do arquivo, o professor poderia propor a produção de uma propaganda. Para facilitar, indicaria o tema já trabalhado e reflexões a respeito do gênero. Dessa forma, os alunos desenvolveriam a capacidade inventiva organizacional e as estruturas linguísticas sobre o gênero textual em estudo.

Considerações finais

Encerrada a análise, entendemos que este artigo fez uma reflexão da proposta de abordagem do LD com base numa propaganda e concordamos com o que diz Sarian (2017, p. 270) a respeito dessa ferramenta de ensino, pois “compreendemos ser possível romper com o ritual pedagógico, dar voz aos sujeitos e vazão aos sentidos na sala de aula”. Nesse sentido, percebemos que o professor necessita pensar sobre o uso do LD, suas sugestões, adições e danos.

Assim sendo, aconselhamos, como possibilidade de ressignificação, o uso de algumas das atividades expostas pelo material. De acordo com Pêcheux (2015, p. 53), “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro”.

Dessa forma, acreditamos ser possível realizar em sala de aula um trabalho que admita condições de:

  • Reelaborar os enunciados propostos nas atividades do LD, a fim de dar novo sentido;
  • Oferecer a oportunidade de produção de outras propagandas partindo da mesma ideia trabalhada;
  • Explorar melhor as expressões apresentadas na propaganda.

A partir das propostas dadas, fica explícita a ideia de Motta e Renzo (2014 p. 86) de que “o trabalho com a língua na Escola deveria propiciar à forma sujeito-aluno a capacidade de imprimir gestos de interpretação”. Acreditamos que todas as atividades que o LD traz são atividades possíveis de suscitar debates e questionamentos, pois há inúmeros sentidos a serem desvendados.

Desse modo, pensamos que o artigo contribui para o fortalecimento das práticas pedagógicas docentes, cabendo ressaltar que o papel do professor é essencial para que se realize um intercâmbio profícuo e se estabeleça, com o seu aluno, um ensino de qualidade, que aponte para a formação do leitor-cidadão, crítico-ativo, desde as séries iniciais. É importante compreender que os educandos não são meros repetidores do que é apontado por meio do LD.

Portanto, ao professor cabe a reflexão sobre a utilização do LD, assim como a conferência e a confrontação das ideias apresentadas por ele, utilizando e ressignificando as propostas apresentadas para filtrar o que de fato é proeminente, não admitindo a camuflagem da sua voz e, muito menos, da voz do seu aluno, pois tanto o aluno como o professor são produtores de vozes autorais que devem ser respeitadas e valorizadas, dentro e fora da escola.

Referências  

BOLOGNINI, Carmen Zink; PFEIFFER, Claudia; LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy (orgs.). Práticas de linguagem na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2009. (Série Discurso e Ensino).

LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy. Texto e autoria. In: LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy; ORLANDI, Eni P. (orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2015. p. 89-110.

LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, Ano 16, nº 69, 1996.

MOTTA, Ana Luiza A. Rodrigues; DI’RENZO, Ana. Escrita, sujeito leitor e escola: relações de poder. Revista da Anpoll, Florianópolis, nº 37, p. 80-93, jul./dez. 2014. Disponível em: https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/773/765.

ORLANDI, Eni P. (org.). A leitura e os leitores. 2ª ed. Campinas: Pontes, 1998.

______. Discurso e texto: Formulação e Circulação dos sentidos.Campinas: Pontes, 2011.

______. Discurso e leitura. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2012.

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni P. Orlandi. 7ª ed. Campinas: Pontes, 2015.

SARIAN, Maristela Cury. Ensino de leitura na escola: um olhar para o livro didático. Revista Entremeios: Revista de Estudo do Discurso, v. 14, p. 261-274. jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.entremeios.inf.br/published/441.pdf.Acesso em: 30 ago. 2019.

SILVA, Ezequiel Teodoro. Livro didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. Em Aberto – o Livro Didático e Qualidade de Ensino, Brasília, ano 16, nº 69, jan./fev. 1996.

SILVA, Jeferson R. da. Livro didático como documento histórico: possibilidades, questões e limites de abordagem.Revista de Teoria da História, ano 2, nº 5, p. 177-197, jun. 2011. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/download/28966/16137. Acesso em: 17 ago. 2019.

SILVA, Rosângela V. Teorias linguísticas: funcionalidade no livro didático de Língua Portuguesa.Disponível em: http://www.gelne.com.br/arquivos/anais/gelne-2014/anexos/1041.pdf. Acesso em: 30 ago. 2019.

SOARES M. B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na Cibercultura. Educação e Sociedade, v. 23, nº 81, p. 141-160, dez. 2002.

VESENTINI, José William. A questão do livro didático no ensino da Geografia:novos caminhos da geografia. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri. Caminhos da Geografia. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2007.

Publicado em 20 de setembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

CARNEIRO, Lindaura Rodrigues; DANTAS, Ireny Bueno. Análise de uma propaganda no livro didático de Língua Portuguesa: reflexão e ressignificação do ensino. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 35, 20 de setembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/35/analise-de-uma-propaganda-no-livro-didatico-de-lingua-portuguesa-reflexao-e-ressignificacao-do-ensino

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.