O componente curricular Arte no contexto do Novo Ensino Médio – abordagem, desafios e perspectivas
Edvaldo do Nascimento Carvalho
Pós-graduado em História da Arte (Unesa), licenciado em Artes Visuais (Unifap), professor de Arte na rede estadual do Amapá
As mudanças na Educação Básica brasileira proporcionadas pela proposta e implantação do Novo Ensino Médio são algumas das principais pautas de discussão do contexto educacional nacional contemporâneo. A ideia de um ensino integral associado à flexibilidade do currículo a ser proporcionado pelos itinerários formativos e pelas disciplinas eletivas, além da notável alteração na carga horária dos componentes curriculares da base comum e a oferta do Projeto de Vida, têm proporcionado debates e até mesmo polêmicas em relação à última etapa da Educação Básica.
Não obstante às mudanças, a pandemia de coronavírus, que de certo modo forçou mudanças radicais na relação ensino-aprendizagem e nas metodologias e recursos educacionais, soma-se aos entraves que atrapalharam uma melhor transição do modelo antigo de Ensino Médio para o atual. Em meio a tudo isso, os educadores vêm tentando projetar como será a abordagem de suas disciplinas frente a tantas mudanças, dentre elas a de trabalhar a interdisciplinaridade e distribuir, de forma interessante e objetiva, os conteúdos na nova carga horária proposta pelos referenciais curriculares de cada estado.
O presente trabalho busca, por meio de análises de paradigmas, teorias e uso de referências, abordar os possíveis desafios, as dificuldades e estratégias que os professores do componente curricular Arte venham a enfrentar na busca por adequação, adaptação e ensino significativo no contexto do Novo Ensino Médio. Antes de tratar do tema focal deste artigo, faremos um breve resumo sobre as mudanças na estrutura do Novo Ensino Médio, assim como sobre a atual versão da BNCC, legislação que implementa as novas regras, as diferenças nos referenciais curriculares dos estados brasileiros, a interdisciplinaridade e os novos livros do PNLD (Carvalho, 2021). Somente após essas introduções conceituais torna-se possível abordar de modo mais profundo o componente curricular, Arte.
As mudanças na nova versão do Ensino Médio
São muitas as mudanças propostas na reforma do Ensino Médio. A implementação destas alterações são regidas pela Lei 13.415, de 16/02/2017, cujos objetivos são, dentre outros, a valorização do protagonismo juvenil e uma certa flexibilização de parte do currículo nesta etapa de ensino, valorizando, de forma objetiva, a interdisciplinaridade, buscando uma ruptura com a antiga ideia de disciplinas “compartimentadas” ao se inserir as competências e as habilidades por áreas do conhecimento, a saber, Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Sociais Humanas e Sociais Aplicadas. Sobre a interdisciplinaridade nos esclarece Barros:
O último século trouxe, com a modernização acelerada, fenômenos preocupantes para a história do pensamento ocidental – como a hiperespecialização que isola um profissional, apartando-o duma vida mais abrangente. Mas também trouxe o instigante fenômeno da interdisciplinaridade, este convite a romper as fronteiras entre os diversos campos disciplinares. É sempre importante se ter em mente que os limites disciplinares foram criações acadêmicas, que trazem eles mesmos a sua própria história. Deve-se sempre indagar se o seu objeto de estudo, as suas hipóteses, os seus problemas e os seus objetivos de investigação acomodam-se bem ou não no interior de uma fronteira disciplinar [...]. Romper fronteiras, quando isso é necessário, é também uma opção teórica (Barros, 2020, p. 253).
Infere-se que, segundo o autor, houve um tempo em que as disciplinas ficaram cada vez mais isoladas e buscaram distinguir-se umas das outras. Porém, temos agora um caminho inverso, que busca um retorno aos diálogos entre as áreas de conhecimento. Isto vem influenciar na valorização do ensino integral, um ensino mais significativo, sistêmico. Agora já não é mais adequado isolar cada disciplina em seu compartimento, mas tentar o diálogo, trabalhando as similaridades e os saberes complementares.
Há ainda a alternativa de associação do Ensino Médio à formação técnica profissional. Assim sendo, as redes de ensino devem buscar organizar seus currículos de forma que os componentes de uma mesma área do conhecimento sejam trabalhados de maneira integrada. Importante alteração é a especificação de que apenas a Língua Portuguesa e a Matemática são as únicas disciplinas com habilidades específicas, que serão trabalhadas durante toda a extensão do Ensino Médio, estando presentes obrigatoriamente em todas as séries. Desse modo, as outras disciplinas que compõem o currículo (inclusive o componente Arte), ficam de fora de algumas das séries do Ensino Médio. Mesmo Matemática e Língua Portuguesa, como obrigatórias, podem ter uma redução considerável em sua carga horária dependendo da modalidade de ensino. Esta alteração de carga horária será tratada mais adiante.
Mediante a mudança na lei, o Conselho Nacional de Educação (CNE), divulgou a Resolução n⁰ 03/2018, com o objetivo de atualizar as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Novo Ensino Médio. A resolução explica que os currículos do Ensino Médio passam a ser compostos por uma Formação Geral Básica (da Base Nacional Comum Curricular, BNCC) e por Itinerários Formativos. Esses itinerários são formados por conjuntos de unidades curriculares elaboradas e oferecidas de acordo com os interesses educacionais de cada escola, rede e sistema, como o previsto na já citada Lei nº 13.415/17. Sua função é possibilitar ao educando o aprofundamento de seus conhecimentos, visando prepará-lo para dar prosseguimento aos seus estudos e/ou adentrar no mercado de trabalho. A diretriz do Novo Ensino Médio estabelece ainda que os itinerários devem se organizar em torno dos chamados eixos estruturantes, o eixo “Processos Criativos”, o eixo “Mediação e Intervenção Sociocultural” e o eixo “Empreendedorismo e Investigação Científica”. Os itinerários são flexíveis, pois podem tanto levar ao aprofundamento dos conhecimentos de uma área específica como ofertar uma formação técnica e profissional (FTP). A autonomia pertence às redes de ensino que devem definir quais itinerários formativos irão ofertar, levando em conta um processo que envolva a participação da comunidade escolar e seus interesses. Adiante, trataremos sobre tais itinerários e eixos e como o componente curricular Arte relaciona-se com eles.
Arte no Novo Ensino Médio
Para analisar como o componente curricular da Arte estará presente no contexto interdisciplinar do Novo Ensino Médio, necessita-se, para fins didáticos, considerá-lo de dois modos: 1. Na Formação Geral Básica; 2. Nos Itinerários Formativos, nas Eletivas e atrelado ao Projeto de Vida.
Será necessário também levar em consideração a rede de ensino, o referencial curricular de cada estado e a flexibilidade curricular que a lei autoriza, pois é possível que o componente não se encontre no formato de uma disciplina, como algumas escolas particulares fizeram com Arte, Filosofia e Sociologia, trabalhando com elas de forma transversal dentro de outras disciplinas. Seria dispendioso enveredar por esta discussão. Importante considerar aqui os referenciais curriculares que possibilitaram à Arte ser um componente curricular em formato de disciplina, tanto na parte da formação geral básica como nos itinerários da educação pública.
Arte na Formação Geral Básica do Novo Ensino Médio
O componente curricular Arte deve estar presente na Formação Geral Básica do Novo Ensino Médio, segundo as diretrizes curriculares e as orientações da nova BNCC. O documento, baseando-se nas diretrizes curriculares, expressa isso de maneira objetiva.
Na Formação Geral Básica, os currículos e as propostas pedagógicas devem garantir as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. Conforme as DCNEM/18, devem contemplar, sem prejuízo da integração e articulação das diferentes áreas do conhecimento, estudos e práticas de: [...]
IV - Arte, especialmente em suas expressões regionais, desenvolvendo as linguagens das artes visuais, da dança, da música e do teatro (Brasil, 2018, p. 476).
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n⁰ 9.394/96, estabelece em seu Art. 26 § 2° que “o ensino da Arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da Educação Básica”. Destaca-se que, por mais que seja encarada como uma disciplina organizada, a Arte deve estar sempre sincronizada com os componentes da área de Linguagens e suas Tecnologias. Portanto, de forma interdisciplinar, deve estar em acordo com as diretrizes atuais da BNCC e do Novo Ensino Médio.
Na BNCC, o componente Arte apresenta-se focado nas linguagens das artes visuais, da dança, do teatro, do audiovisual, da música e das artes integradas, colaborando com o desenvolvimento da autonomia criativa e expressiva do jovem estudante do Ensino Médio, estabelecendo conexões entre racionalidade, criação, sensibilidade, intuição, manifestações estéticas, poéticas e lúdicas. Segundo Zagonel (2008, p. 20), “cada arte é estruturada a partir de códigos particulares, e sua compreensão vem do hábito das pessoas em apreciá-la e dos conhecimentos adquiridos sobre ela”. Daí a importância de se aprender sobre a Arte, por meio das suas diferentes linguagens e vertentes.
A Arte vem a ser, também, impulsionadora da ampliação do conhecimento do sujeito em relação a si próprio, ao outro e ao mundo, por meio do conhecimento de sua comunidade e de outras sociedades, por meio do acesso ao conhecimento de suas respectivas culturas.
Assim como ocorre com outros componentes no Novo Ensino Médio, a Arte deve focar na pesquisa e na aprendizagem, sem desprezar a importância do fazer artístico que prima pela experiência como forma de aprendizado. É importante notar que a conhecida proposta triangular de Ana Mae Barbosa de “um currículo que interligasse o fazer artístico, a História da Arte e a análise da obra de arte” (Barbosa, 2005, p. 35), ou seja, “contextualizar-fazer-apreciar” a Arte, ainda se apresenta atual, significativa e perfeitamente alinhada com a nova BNCC.
O ensino de Arte deve estar focado também no protagonismo juvenil por meio das manifestações tecnológicas e contemporâneas, promovendo conhecimento por intermédio de experiências com expressões artísticas do mundo atual, conforme nos informa a BNCC. Também a BNCC, em seu texto, dentro dos conhecimentos da área de Linguagens, explora os chamados Campos de Atuação Social, sendo que um deles, o Campo Artístico, focado nos conhecimentos sobre expressões artísticas:
O campo artístico é o espaço de circulação das manifestações artísticas em geral, contribuindo para a construção da apreciação estética, significativa para a constituição de identidades, a vivência de processos criativos, o reconhecimento da diversidade e da multiculturalidade e a expressão de sentimentos e emoções. Possibilita aos estudantes, portanto, reconhecer, valorizar, fruir e produzir tais manifestações, com base em critérios estéticos e no exercício da sensibilidade (Brasil, 2018, p. 489).
Até mesmo nos conhecimentos específicos de Língua Portuguesa há uma conexão com a Arte, por meio do Campo Artístico-Literário, que é profundamente destinado às aprendizagens artísticas de forma interdisciplinar:
No campo artístico-literário, buscam-se a ampliação do contato e a análise mais fundamentada de manifestações culturais e artísticas em geral. [...] Gêneros e formas diversas de produções vinculadas à apreciação de obras artísticas e produções culturais (resenhas, vlogs e podcasts literários, culturais etc.) ou a formas de apropriação do texto literário, de produções cinematográficas e teatrais e de outras manifestações artísticas (paródias, estilizações, vídeo-minuto, fanfics etc.) continuam a ser considerados associados a habilidades técnicas e estéticas mais refinadas (Brasil, 2018, p. 503).
É notável o esforço do texto da BNCC em valorizar o ensino de Arte na composição dos conhecimentos que promovem uma Educação Integral no Novo Ensino Médio, porém ainda assim os docentes desta área do ensino enfrentam até hoje preconceitos atrelados à histórica falta de reconhecimento das aprendizagens artísticas na Educação nacional. Um documento orientador não basta para que o ensino de Arte seja valorizado pelas instituições educacionais, mas serve de instrumento para comprovar a importância dos saberes artísticos na formação dos jovens brasileiros.
Os professores de Arte devem analisar a melhor forma de trabalhar a interdisciplinaridade. Talvez similaridades com as disciplinas de Língua Portuguesa, pois há profundas ligações com a Literatura (assim como podemos observar em relação ao Campo Artístico-literário, abordado acima). Com a Educação Física há a questão da expressão corporal, muito presente na Arte Contemporânea. Com a Língua Inglesa, denominada no contexto escolar não mais como língua estrangeira, mas como língua franca, pode-se trabalhar letras de composições musicais ou traduções de biografias de artistas, por exemplo, convertendo-as, posteriormente, em produção de vídeos e podcasts. Estes são apenas alguns dos exemplos práticos do trabalho interdisciplinar. A ideia é captar as semelhanças entre as disciplinas e transformá-las em estratégias de aprendizagem. Na verdade, a Arte pode também facilmente ser trabalhada, de modo transversal, com outras áreas, como com as Ciências Humanas, a Matemática e as Ciências da Natureza.
Um dos alicerces deste Novo Ensino Médio está na busca pelo desenvolvimento da autonomia do estudante. Nisto, a Arte também tem um papel fundamental, visto ser um componente a partir do qual o jovem pode se expressar, se autoconhecer, exercitar a iniciativa, treinar sua criatividade e se comunicar com os outros por meio das múltiplas linguagens artísticas. O estudante contemporâneo não é mais aquele ser apático que absorve informações do professor de forma automática. Segundo Zagonel,
hoje, pretendemos ir além, considerando [...] os desejos do aluno e o que eles propõem. [...] O professor deve saber ouvir o que eles têm a contar de suas vidas para que se encontrem e se descubram como pessoas. E, a partir dessa contribuição, construir algo, ou seja, transformar essas histórias em arte (Zagonel, 2008, p. 92-93).
Essa nova postura proativa do educando está explícita na BNCC, quando afirma que o estudante deve “comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliência, produtivo e responsável” (Brasil, 2018, p. 14).
Antes de seguirmos para a abordagem sobre a Arte nos Itinerários Formativos, vamos fazer uma análise da carga horária deste componente curricular na Formação Geral Básica. Tomaremos como exemplo os referenciais curriculares dos estados do Paraná (Figuras 1 e 2) e Amapá (Figura 3).
Figura 1: Área de Linguagens da matriz curricular do Novo Ensino Médio do Estado do Paraná para escola em tempo integral
Fonte: https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/202112/008_InstrucaoNormativaConjunta_MatrizCurricular_NEM_redepublicaestadualdeensinodoPr.pdf. Acesso em: 22 jan. 2022.
Figura 2: Itinerário Formativo Integrado das áreas de Linguagens e Humanas da matriz curricular do Novo Ensino Médio do Estado do Paraná para escola em tempo integral
Fonte: https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/202112/008_InstrucaoNormativaConjunta_MatrizCurricular_NEM_redepublicaestadualdeensinodoPr.pdf. Acesso em: 22 jan. 2022.
Figura 3: Área de Linguagens do Referencial Curricular do Novo Ensino Médio do Estado do Amapá para escola em tempo integral
Fonte: https://padlet-uploads.storage.googleapis.com/653315751/613d1151e3b2e11a23f322b6282b2ded/Parecer_RCAEM___APROVADO_PELO_CONSELHO_EST_DE_EDUCA__O_CORRIGIDO.pdf. Acesso em: 22 jan. 2022.
Ao analisar as Figuras, vê-se que o componente Arte não está presente em todas as séries do Novo Ensino Médio, com exceção das obrigatórias Língua Portuguesa e Matemática. No currículo paranaense, há Arte apenas na 1ª série. Porém, uma parte da carga horária do componente aparece no Itinerário integrado de Linguagens e Humanas, podendo o estudante escolhê-lo ou não, conforme o seu interesse. No currículo amapaense, temos Arte na 1ª série e na 3ª série, porém não na 2ª série. No entanto, a carga horária e os conhecimentos em Arte podem ser abordados em itinerários e eletivas que este estudante da 2ª série, por exemplo, pode optar por frequentar.
Arte nos itinerários e eletivas
Conforme abordado, o componente Arte não será contemplado em todas as séries do Novo Ensino Médio. Conforme as novas diretrizes, há agora a tentativa de promover um ensino cada vez mais interdisciplinar, por áreas de conhecimento (sendo a Arte um componente da área de Linguagens e suas Tecnologias). Da mesma forma, afirmou-se que há uma parte da carga horária do Novo Ensino Médio composta por um currículo diversificado, que permite que o estudante venha a escolher, dentre um certo número de alternativas, suas eletivas e itinerários, junto à carga horária do componente Projeto de Vida. Neste artigo, não nos interessa discorrer sobre a oferta de formação técnica e profissional (FTP), a não ser externar a opinião de que, agora, parece impossível que cada unidade escolar pública e/ou particular de Ensino Médio no Brasil consiga ofertá-la. Assim sendo, a oferta de Itinerários Formativos como trilhas de aprendizagem parece mais próxima da realidade do que oferecer a FTP. Veremos como o docente de Arte pode vir a compor projetos de eletivas e trilhas de aprendizagem junto aos seus colegas professores.
Os Itinerários Formativos podem ser definidos como um conjunto articulado de unidades curriculares, com projetos, oficinas ou grupos de estudo, organizados de forma semelhante às disciplinas. De acordo com o texto, os discentes podem escolher dentre as muitas opções para cursar durante o Ensino Médio. Segundo as DCN, os itinerários devem se organizar em torno de um ou mais eixos estruturantes, a saber, eixo Investigação Científica, eixo Mediação e Intervenção Sociocultural, eixo Processos Criativos e Empreendedorismo. Os Itinerários Formativos devem, portanto, promover aprofundamento em Áreas do Conhecimento ou em uma Formação Técnica e Profissional, com trilhas, caminhos, rotas ou sentidos que abordam os eixos estruturantes citados.
O professor de Arte que conhece a BNCC e os eixos estruturantes não encontrará grandes dificuldades em inserir e promover os aprofundamentos em conhecimentos pertinentes ao seu componente curricular dentro dos itinerários. Tomemos, por exemplo, dois eixos que guardam elos com os conhecimentos das artes: Mediação e intervenção Sociocultural e Processos Criativos:
II – Processos criativos: supõem o uso e o aprofundamento do conhecimento científico na construção e criação de experimentos, modelos, protótipos para a criação de processos ou produtos que atendam a demandas para a resolução de problemas identificados na sociedade;
III – mediação e intervenção sociocultural: supõem a mobilização de conhecimentos de uma ou mais áreas para mediar conflitos, promover entendimento e implementar soluções para questões e problemas identificados na comunidade (Brasil, 2018, p. 478-479).
No eixo Processos Criativos pode-se aprofundar conhecimentos sobre a cultura, as artes visuais, as mídias, a estética, o design, o “pensar” e o “fazer criativo”, utilizando tais conhecimentos de forma prática para criar processos e produtos, promovendo soluções inovadoras para os problemas sociais. Talvez isso soe um tanto utópico ou possa ser visto como algo filosoficamente positivista pelo olhar de quem se opõe às mudanças do Novo Ensino Médio. Em contraponto, o educador que decide encarar o desafio do trabalho interdisciplinar e insere este eixo no seu itinerário pode se surpreender com os resultados dos estudantes.
No eixo Mediação e Intervenção Sociocultural pretende-se criar condições para que o estudante venha a ter uma participação social ativa, promovendo mudanças na sociedade em que vive, marcada por questões socioculturais complexas. Pode-se trabalhar, neste eixo, com a ética e a democracia, por exemplo, valores da nossa cultura. Ora, a cultura é considerada atualmente como um elemento estratégico da economia, firmando-se na criatividade, no conhecimento e na informação. Uma das vertentes principais da cultura é, sem dúvida, a Arte. Dependendo do ponto de vista, os conceitos de Arte e Cultura confundem-se e se entrelaçam. O docente de Arte, ao incluir este eixo em seu projeto de itinerário, pode aprofundar conhecimentos artístico-culturais trabalhados ou não na disciplina.
Vale lembrar que um itinerário pode ser composto dentro de uma área ou entre duas ou mais áreas do conhecimento. Por isso é importante esclarecer que os itinerários devem ser construídos a partir dos interesses da comunidade, ou seja, a partir do contexto social onde a unidade escolar se encontra. Este levantamento de necessidades deve ser feito previamente a fim de nortear os itinerários de aprofundamento de conhecimentos que devem estar interligados ao Projeto de Vida dos alunos. Outro ponto-chave a se considerar é levar em consideração o mundo da comunicação digital e os recursos tecnológicos que a escola dispuser. Estas recomendações também estão explícitas na BNCC:
a oferta de diferentes itinerários formativos pelas escolas deve considerar a realidade local, os anseios da comunidade escolar e os recursos físicos, materiais e humanos das redes e instituições escolares de forma a propiciar aos estudantes possibilidades efetivas para construir e desenvolver seus projetos de vida e se integrar de forma consciente e autônoma na vida cidadã e no mundo do trabalho (Brasil, 2018, p. 478).
Algumas unidades e redes escolares, além de oferecerem itinerários no formato de trilhas de aprendizagem, também ofertam eletivas. Vejamos um conceito de eletivas expresso no Referencial Curricular amapaense:
Eletivas: São unidades curriculares de livre escolha dos estudantes, com duração de um semestre cada, que lhes possibilitam experimentar diferentes temas, vivências e aprendizagens, de maneira a diversificar e enriquecer o seu Itinerário Formativo. É importante que tenham intencionalidade pedagógica e se articulem com as Áreas do Conhecimento, os eixos estruturantes e as Competências Gerais da BNCC (Amapá, 2020, p. 225).
Desse modo, entende-se que a eletiva é mais focada em aprendizagens de cunho pedagógico, não exclusivamente “conteudista” ou focado em aprofundamentos, como os itinerários. Seu foco está em práticas e vivências. Na eletiva é mais interessante trabalhar temas transversais, pois quando inseridos num contexto escolar podem despertar o interesse dos estudantes mais do que se fossem apresentados dentro das disciplinas de formação geral. Portanto, a eletiva também deve estar conectada aos interesses do educando, com o objetivo de ampliar o universo de conhecimento dos estudantes. O discente pode cursá-la associada a uma ou mais áreas de conhecimento ou à FTP.
O professor de Arte tem na eletiva grandes possibilidades de interagir com outras áreas e disciplinas, propondo temas que sejam até mesmo específicos do universo artístico, mas que se associam a outros conhecimentos. Não se faz necessário muito esforço mental para interligar a Música à Matemática ou a Fotografia à Química. Uma eletiva que trabalhasse valores sociais, ética, cidadania e autoconhecimento, por meio de histórias em quadrinhos em uma eletiva que integrasse Arte, História, Sociologia, Filosofia e Educação Física seria uma boa sugestão. Ou ainda uma eletiva que explorasse números, estatísticas e estratégias do universo do mercado de trabalho, por meio de vídeos e teatro, com saberes da Arte, da Geografia e da Matemática.
Caso os docentes da unidade escolar estejam ainda com muitas dúvidas sobre como devem elaborar itinerários e eletivas prezando o trabalho interdisciplinar, os novos livros do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) podem auxiliá-los. Tais recursos estão adaptados para o trabalho interdisciplinar, pois “diferentemente das edições anteriores [...] os livros agora não contemplam mais disciplinas individuais e sim as áreas de conhecimento, que o Guia denomina ‘projetos integradores’” (Carvalho, 2021, p. 3). O Guia aqui referido é o Guia dos Novos Livros Didáticos, editado pelo Ministério da Educação (MEC) para auxiliar os professores nas escolhas didáticas.
O material didático de projetos integradores explora a aprendizagem interdisciplinar, sugerindo caminhos de articulação entre os diferentes componentes curriculares da área de Linguagens e suas tecnologias (Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa). As práticas específicas desses componentes curriculares devem contribuir para que a diversidade de vivências e experiências seja favorecida na articulação que o trabalho com projetos proporciona (Brasil, 2021, p. 6).
Vale ressaltar que tais livros contemplam o Ensino Médio de modo total, sem seriação, conforme informa Carvalho:
Todos os livros, segundo a nova proposta, estão adaptados para serem utilizados em qualquer série, dependendo do conteúdo abordado no capítulo e da indicação de alguns códigos contidos nos livros. Ressalte-se aqui que os livros de Arte do Ensino Médio das edições 2015 e 2018 do PNLD já tinham esta proposta de “volume único”, estando assim os professores desse componente adaptados ao uso de um único livro para as três séries da etapa final da Educação Básica (Carvalho, 2021, p. 3).
Os projetos apresentados nos livros didáticos estão alinhados às mudanças mais significativas do Novo Ensino Médio: a educação integral, a busca pelo protagonismo do estudante, as perspectivas para o mercado de trabalho, o Projeto de Vida e a interdisciplinaridade.
Considerações finais
O Novo Ensino Médio tem sido pauta de diversos debates no universo da educação brasileira. Sua implantação está sendo atrapalhada por conta de diversos fatores, dentre eles, a pandemia do coronavírus, as adaptações físicas que as unidades escolares devem implementar, a falta de conhecimento e a pouca capacitação aos professores sobre a nova BNCC. O professor de Arte, em especial, além de mudanças significativas em sua carga horária deverá adaptar-se a um ensino cada vez mais interdisciplinar, principalmente com os componentes da área de Linguagens e suas Tecnologias. Há o dever de ocupar uma parte da carga horária com os Itinerários Formativos e as Eletivas que integrarão as áreas de conhecimentos.
Neste texto, buscou-se indicar um caminho de versatilidade e flexibilidade dos conhecimentos, atrelados ao componente curricular Arte como instrumento de interação e integração com as demais disciplinas, buscando similaridades e interesses em comum em busca da facilitação a um ensino integral e interdisciplinar. Deve-se ter uma visão sistêmica não somente sobre a Arte, mas da Educação, de modo geral.
Em meio a um histórico de improvisos e desvalorização deste componente curricular na educação nacional, algo que vem se vencendo aos poucos graças ao esforço dos docentes, as mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio devem ser encaradas como um desafio que pode trazer maior prestígio e reconhecimento ao componente se encarado com seriedade, dedicação e honestidade pelos educadores das artes. Como praticamente tudo o que se refere à educação nacional - em especial à educação pública - traz divergências e diversas dificuldades no caminho de transição, os professores de Arte, no Brasil, devem enfrentar os problemas, buscando a valorização dos conhecimentos artísticos e educacionais dos seus educandos.
Referências
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ZAGONEL, Bernadete. Arte na educação escolar. Curitiba: Ibpex, 2008.
Publicado em 18 de outubro de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
CARVALHO, Edvaldo do Nascimento. O componente curricular Arte no contexto do Novo Ensino Médio – abordagem, desafios e perspectivas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 39, 18 de outubro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/38/o-componente-curricular-arte-no-contexto-do-novo-ensino-medio-r-abordagem-desafios-e-perspectivas
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