Tecnologias na Educação: perspectivas e desafios na formação de professores frente à pandemia do novo coronavírus
Maria Lúcia Ferreira da Silva
Graduada em Administração (UVA), especialista em Docência do Ensino Superior (Católica do Cariri), professora em cursos de Administração e Recursos Humanos
Calebe Lucas Feitosa Campelo
Graduado em Ciências Biológicas (URCA), mestrando em Ensino (Unioeste)
Eli Linhares de Meneses Borges
Graduado em Letras (URCA), professor de Língua Inglesa, assistente social (Unileão)
A revolução contemporânea causada pelas novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) trazem mudanças sociais significativas. Pierre Lévy (1998), filósofo francês que realiza pesquisas sobre o ciberespaço, destaca que a mudança nas relações sociais tiveram três rupturas: a primeira, com o desenvolvimento da capacidade de linguagem gerando a comunicação, foi desenvolvida pelo Homo sapiens; a segunda ruptura foi a revolução neolítica, em que as mudanças perpassaram o social, cultural e político; a terceira grande ruptura começou no fim do século XV, quando Cristóvão Colombo “descobriu” a América, realizando uma interconexão do novo com o velho; essa aventura humana prossegue até os dias atuais.
É sobre esse entendimento que paira a necessidade de entender ás relações humanas atualmente. Não obstante, as mudanças são sentidas no contexto político, econômico, cultural e educacional e, atualmente, pelas questões de saúde provocadas pela pandemia da SARS-2, ou seja, “síndrome respiratória aguda grave – 2, um nome que assinala a ‘segunda vez’ dessa identificação, após a epidemia da SARS-1, que se espalhou por todo o mundo na primavera de 2003” (Baidou, 2020, p. 35, aspas do original).
Nesse contexto, novos desafios são impostos ao modelo atual de sociedade, especificamente na área da educação, em especial no Brasil; houve mudanças substanciais nas relações professor e aluno, nas políticas curriculares e nas políticas educacionais em seus diversos âmbitos.
Moran (2000) aponta para os desafios de uma nova sociedade, a qual nomeia “sociedade da informação”, em que estamos inseridos e para a qual devemos reaprender a conhecer, a comunicar, implicando ainda a forma de ensinar e de aprender, exigindo ainda integração do humano e o tecnológico; do individual, do grupal e do social.
Sob essa égide é que este trabalho irá se debruçar com enfoque na educação, por entender que ela pode causar transformação social; na atual conjuntura, compreender os complexos da educação é condicitio sine qua non para professores e pesquisadores que têm compromisso social. Coutinho e Lisbôa (2011) elencam os desafios para os professores no século XXI, que estão entrelaçados ao entendimento da escola para essa nova sociedade do conhecimento, que está imersa em um mundo global, que exige a formação de pessoas flexíveis, criativas, capazes de dar soluções inovadoras para questões futuras.
É sob essa nova conjuntura educacional que surgem algumas indagações que serão trabalhadas no presente trabalho. Quais são os desafios dos professores no século XXI? Como é possível, com o auxílio das TIC, realizar propostas dinâmicas de aprendizagem tanto no ensino presencial quanto a distância? Com o advento das TIC, quem é o centro do processo educativo: o conhecimento, o aluno ou as tecnologias?
Obviamente esses questionamentos não serão trabalhados em sua totalidade, pois vivemos em uma sociedade altamente dinâmica, em um mundo de incertezas; contudo, iremos esboçar as perspectivas e apresentar metodologias que já estão em uso no meio educacional e que podem ser aplicadas nas redes de ensino, na busca da equidade na qualidade educacional.
Dessa forma, o estudo se inscreve no campo de formação de professores, permitindo mapear as principais dificuldades que professores sentem em relação à inserção das TIC em sala de aula, bem como os desafios trazidos pelo vírus SARS-CoV-2. Isto é, consequentemente abarca as dificuldades para melhorar o desempenho no uso das TIC no processo de ensino-aprendizagem, desvelando a percepção que os discentes têm em relação ao uso de celulares em sala de aula.
Metodologia
A investigação teve como aparato a pesquisa bibliográfica e documental fundamentada em estudiosos da área, como Moran, Kenski, Coutinho e Lisbôa, dentre outros.
As pesquisas bibliográficas são desenvolvidas com base em materiais ou estudos já elaborados, especialmente em livros e artigos científicos. Sua principal vantagem é permitir ao investigador cobrir uma variedade maior de acontecimentos. A diferença entre a pesquisa bibliográfica e a documental é que na primeira o pesquisador utiliza como parâmetro fundamental as informações dos autores sobre as questões que se levantam, enquanto a segunda recorre a conteúdos que ainda não receberam um tratamento mais acurado ou que ainda podem sofrer reelaboração conforme os objetivos da pesquisa (Gil, 2010).
A análise documental foi uma técnica fundamental na coleta de dados, servindo como fonte dados a plataforma CETIC.br. O estudo é de natureza exploratória, pois esse tipo de pesquisa tem seu objetivo principal no aprimoramento das ideias na descoberta de intuições (Gil, 2010) e qualiquantitativa, visto que essa natureza permite à pesquisa uma maior riqueza dos elementos da realidade (Prodanov, 2013).
Lüdke e André (2018) ressaltam a importância da análise documental, pois se constitui em importante técnica para abordagem de dados qualitativos, desvelando aspectos novos de um tema ou problema, o que permite ao pesquisador indicar problemas que devem ser mais bem investigados por meio de outros métodos.
Contudo, foram realizados questionamentos que serviram para nortear a pesquisa: Quais são os desafios que os professores enfrentam para tornar viável o uso das TIC nas escolas? Os cursos de licenciaturas estão preparando profissionais aptos para as demandas do século XXI? Com o advento das TIC, quem é o centro do processo educativo: o conhecimento, o aluno ou as tecnologias?
Desafios da formação de professores no século XXI
Franco (2012) destaca a importância da prática docente como prática social que deve estar em consonância com as demandas e as transformações sociais. Conforme a autora,
a prática docente, quando considerada como prática social, historicamente construída, condicionada pela multiplicidade de circunstâncias que afetam o docente, a instituição, o momento histórico, o contexto cultural e político, realizar-se-á como práxis, em um processo dialético que, a cada momento, sintetiza as contradições da realidade social em que se insere, e assim se diferenciará de uma prática organizada de forma a-histórica, como sucessão de procedimentos metodológicos.
Nessa perspectiva, a formação de professores deve acompanhar as transformações que ocorrem na sociedade e constitui-se como um dos maiores desafios por não haver entendimento claro sobre qual perspectiva epistemológica deve ter a formação de professores.
Libâneo (2018, p. 187) conceitua o que seria a formação inicial e continuada no seguinte entendimento:
A formação inicial refere-se ao ensino de conhecimentos teóricos e práticos destinados à formação profissional, completados por estágios. A formação continuada é o prolongamento da formação inicial visando o aperfeiçoamento profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho e o desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla, para além do exercício profissional.
Concomitantemente, Kenski (2013, p. 72) elenca os desafios que existem na formação inicial de professores, como os currículos de todas as áreas de conhecimento que já estão obsoletos frente às expectativas da sociedade para a ação, a reflexão e a formação, o que acaba implicando uma formação precária do jovem recém-formado, exigindo que ele passe por cursos de capacitação para começar, enfim, a ganhar espaço de atuação no mercado de trabalho.
Cada novo ser humano que chega ao mundo é inserido em um ambiente no qual outras gerações de seres humanos criaram formas de pensar e de atuar socialmente. Por ter o seu comportamento mediado pelos artefatos culturais (sendo a linguagem o artefato mestre), os seres humanos, além de se beneficiar de sua própria experiência sensorial na relação com o mundo, beneficiam-se também das experiências dos que o precederam (Bannell et al., 2017, p. 63).
Seguindo essa linha de raciocínio, é necessário entender que a aprendizagem não é um processo estático; deve estar em consonância com as mudanças sociais. Diante dessas considerações, Tardif (2014, p. 33) frisa que os professores “ocupam posição estratégica no interior das relações complexas que unem as sociedades contemporâneas aos saberes que elas produzem e mobilizam com diversos fins”.
Nessa mesma lógica, Faria (2004) destaca que os procedimentos didáticos devem focalizar a construção coletiva do conhecimento e devem ser apropriados pelos professores com o auxílio das TIC; juntamente com esse realinhamento da didática, o professor também muda o seu papel, que antes era de apenas passar o conteúdo e ser o detentor do conhecimento para agora ser um partícipe proativo, orientando e intervindo na construção do conhecimento.
Denota-se, assim, uma mudança de paradigma que deve ser entendida e colocada em prática pelos profissionais da educação, não somente professores, mas pela gestão pedagógica. Com efeito, apenas com um entendimento comum entre a gestão e professores é que a formação de cidadãos preparados para os desafios do século XXI pode ser concretizada.
É preciso acentuar que a formação de professores implicaria então, a compreensão da relevância da atuação docente, proporcionando um aprofundamento tanto científico quanto pedagógico capaz de capacitá-los para o enfrentamento das demandas que a escola considera primordiais como instituição social, dentro de uma prática social que presuma suas idealizações formativas, de criticidade e reflexibilidade (Veiga, 2009).
É notório que, para intuir esse novo modelo de escola, deve ser entendido também que se agrega a elaboração de novos modelos de avaliação, de metodologias, de currículo, gestão e do próprio papel do professor. Tardif (2014, p. 67) ressalta que os professores agem de acordo com seus valores morais e sociais trazidos desde antes da formação acadêmica, juízos estabelecidos na antiga escola e construídos ao longo da carreira.
Cabe ressaltar que a mente dos professores esteja aberta ao novo para entender a dinâmica do público novo que chega à escola. Edgar Morin (2013) aponta para um desafio instalado dentro das Universidades, que são o ponto de partida na formação de professores. O autor levanta o seguinte questionamento:
Quem educará os educadores? É necessário que se autoeduquem e eduquem escutando as necessidades que o século exige, das quais os estudantes são portadores. É certo que a reforma se anunciará a partir de iniciativas marginais, por vezes julgadas aberrantes, mas caberá à própria universidade levá-la a cabo. É certo que críticas e questionamentos externos nos fazem falta, mas sobretudo o que faz falta é um questionamento interior (Morin, 2013, p. 23).
A escola do século XXI precisa estar alinhada à demanda que a sociedade da informação e do conhecimento exigem no atual período. Kenski (2012, p. 66) elenca que a escola deve se orientar nas novas oportunidades de aprendizagem oferecidas aos alunos bem como na autonomia em relação à busca de conhecimentos, na busca da formação de sujeitos que criam a sua própria existência.
Nesse contexto e com a pandemia do novo coronavírus, se faz mais do que urgente repensar os cursos de formação de professores; a atual conjuntura demonstra de forma explícita a necessidade das TIC nos cursos de formação de professores, nos currículos tanto das escolas quanto nos cursos de licenciatura.
Desenvolvimento
Discussões sobre inovações em sala de aula têm sido muito recorrentes entre professores e pesquisadores na área da Educação. Moran (2010) defende o uso da tecnologia na educação no sentido de que estejamos abertos ao que nos apontam os novos tempos no que se refere à construção de uma educação inovadora. A questão está em como realizar essa inovação. Lagarto (2013) destaca que a capacidade e o medo de inovar é um dos grandes desafios que os professores sentem em sala de aula.
Não obstante, basta observar uma pesquisa feita em 2019 com professores pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br) sobre o uso das TIC nas salas de aula. A Tabela 1 destaca as principais dificuldades que os professores sentem em relação ao desenvolvimento do trabalho com as TIC.
Tabela 1: Recursos didático-pedagógicos
Ausência de suporte técnico e manutenção de equipamentos |
Falta de apoio pedagógico aos professores do uso do computador e da internet |
|
Dificulta muito |
59% |
36% |
Dificulta um pouco |
25% |
32% |
Não dificulta nada |
12% |
29% |
Nessa escola isso não acontece |
4% |
3% |
Não sabe |
0% |
0% |
Não respondeu |
0% |
0% |
Fonte: CGI.br/NIC.br, 2019.
Analisando a Tabela 1, percebe-se que 59% dos professores sentem dificuldades quanto à ausência de equipamentos técnicos; essa dificuldade é uma realidade das escolas púbicas do Brasil e inviabiliza o uso das TIC pelos professores e alunos, ou seja, nesse ponto se faz necessário o fortalecimento de investimentos na estrutura física da escola, exigindo um novo modelo de escola transformando a escola tradicional, que tem apenas um quadro e pincel, para a escola do século XXI, com datashow, lousa digital, tablets, notebooks, salas de habilidades digitais, espaço maker, sala de robótica e outros ambientes para que aconteça o pleno desenvolvimento das habilidades e competências.
Sob esse mesmo aspecto, Moran (2000) concorda que existe em curso uma reorganização física dos prédios, na elaboração de menos salas de aula e mais funcionais em que a internet estará disponível a todos os alunos, o uso de notebook para pesquisa em tempo real; o professor também irá estar mais concectado em casa e na sala de aula com seus alunos por meio de forúns, dentre outros grupos, para poder disponibilizar material de apoio ou mesmo ilustrar suas ideias. Haverá mais grupos de pesquisa individual e grupal nas escolas.
Outro ponto que os professores destacam na Tabela 1 é a falta de apoio pedagógico; Kenski (2012, p. 109) afirma que as escolas de ensino devem modificar as suas propostas pedagógicas para serem escolas de aprendizagem; nessa perspectiva, a escola de aprendizagem necessita de novos espaços, de outra organização de professores e alunos, outro tipo de temporalidade e de propostas pedagógicas que se adaptem a diferentes formas e estilos de aprender de todos os participantes.
Coutinho e Lisbôa (2011, s/p) afirmam que deve ser realizada uma revisão nos sistemas educacionais no entendimento dos
sistemas educacionais em pleno século XXI, será pois tentar garantir a primazia da construção do conhecimento, numa sociedade em que o fluxo de informação é vasto e abundante e em que o papel do professor não deve ser mais o de mero transmissor de conhecimento, mas de um mediador de aprendizagem.
Nesse contexto, ressalta-se um olhar especial para a formação inicial de professores, fato que conta com a necessidade de um olhar sensível dos professores universitários para os rumos que a educação do século XXI está tomando.
O Gráfico 1 trata do contato dos professores de escolas urbanas com as TIC em sua formação inicial e continuada.
Gráfico 1: Professores de escolas urbanas: atividades realizadas durante a graduação com o uso de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem
Fonte: CGI.br/NIC.br, 2019.
Esse dado mostra claramente que ainda existe uma parcela de professores que não teve formação para trabalhar de forma eficaz com as TIC. Ou seja, os cursos de licenciatura devem contemplar em seus currículos disciplinas específicas sobre o uso das TIC em sala de aula; o gráfico demonstra que, mesmo com toda a expansão da Educação Superior em diferentes modalidades, ainda existem professores atuando na Educação Básica sem ter formação de nível superior, o que chama bastante atenção.
Ainda o Gráfico 1 demonstra que mais da metade (51%) dos professores não realizou atividades sobre o uso das TIC em sala de aula; esse dado demonstra desatualização no processo de ensino nos cursos de formação de professores, que, a priori, seria o locus principal para preparar os professores para os desafios da docência.
Os dados demonstram que são necessárias novas abordagens pedagógicas a partir dos cursos de licenciatura e consequentemente nos currículos; estes ultimos devem contemplar temáticas como educação a distância, uso de softwares educacionais, inteligência artificial e gamificação, entre outros temas pertinentes à educação contemporânea.
Kenski (2012) salienta que uma boa formação inicial de professores deve preparar para o uso das TIC em sala de aula, pois professores bem formados conseguem ter segurança para administrar á diversidade de alunos, garantindo bom aproveitamento da experiência de cada um, contribuindo para o progresso da aprendizagem, tendo cuidado para que todos os alunos consigam ter acesso e uso criterioso das tecnologias, pois, como reflete Prado (2005), ainda que a tecnologia seja um componente cultural de grande relevância, ela necessita da devida compreensão no que tange às consequências da sua utilização nas metodologias de ensino-aprendizagem, o que sugere uma acurácia maior por parte dos docentes para o enfrentamento da realidade presente e da utilização dessa inovação como ferramenta eficaz e de melhoramento do processo de ensino-aprendizagem.
Mazetto e Behrens (2010) ressaltam que, diante dessa realidade moderna que permeia a educação, o professor deve ampliar o desenvolvimento de suas competências mais relevantes, as quais devem tratar de “entender as novas formas e processos que envolvem a construção de aprendizagem na atualidade – a interaprendizagem; ter senso de parceria; estar em atualização constante de sua área de conhecimento e ter criatividade e respeito à individualidade do aluno” (Mazetto, Behrens, 2010, p. 168-169).
Nessa perspectiva, Coutinho e Lisbôa (2011) ratificam que no atual cenário os cursos de formação de professores e a escola integrem em seus currículos o uso das TIC para que possam contribuir significativamente nos espaços formais de educação, abrindo o leque de possibilidades para estratégias pedagógicas inovadoras e significativas tanto para o aluno quanto para a comunidade. Para tanto faz-se necessária uma formação pedagógica e tecnológica dos docentes, abrangendo desde a formação inicial até á continuada.
Concordamos com Freire (2014), que situa o professor como um trabalhador social;
deste modo, o trabalhador social que atua numa realidade, a qual, mudando, pemanece para mudar novamente, precisa saber que, como homem, somente pode entender ou explicar a si mesmo como um ser em relação com esta realidade; que seu quefazer nesta realidade se dá com outros homens, tão condicionados como ele pela realidade dialeticamente permanente e mutável e que, finalmente, precisa conhecer a realidade na qual atua com outros homens (Freire, 2014, p. 62).
Professor, aluno e as TIC
Com efeito, para que sejam traçados os caminhos da formação de professores é condição sine qua non que seja também levada em consideração a perpcepção dos alunos sobre a utlização das TIC em sala de aula e como eles recebem as informações e as utilizam para a produção do conhecimento.
Bannel et al. (2016, p. 121) asseveram que “a tecnologia digital já alterou os processos de aprendizagem extraescolares das jovens gerações. Para alterar o modelo de escola atual, ela deverá ser explorada a partir de novos pressupostos pedagógicos”. Os autores ressaltam ainda que novas formas de pensar a escola implicam novas formas da relação professor-aluno, especificamente no trabalho pedagógico, que deve ser um “trabalho colaborativo para a resolução de problemas, na aplicação de capacidades cognitivas a situações e desafios conhecidos e desconhecidos” (Bannel et al., 2016, p. 121).
Diante dessas considerações, a Tabela 2 elenca a permissão do uso de celulares em sala de aula e mostra que 91% dos alunos não podem utilizar e apenas 8% têm a permissão de utilizar o celular em sala de aula. Esse dado reflete o quanto o uso das TIC, em específico o celular, em sala de aula ainda é visto como ineficaz e com certo preconceito ou receio da parte dos professores sobre isso.
Tabela 2: Avaliação do uso de aparelhos eletrônicos (celular, tablet, ipod, entre outros) em sala de aula (em %)
8ª e 9ª séries |
2º ano |
|
Positivo |
8% |
13% |
Negativo |
92% |
87% |
Total |
100% |
100% |
Fonte: CGI.br/NIC.br, 2019.
Sob esse víés, Carvalho (2018) aponta que os disposítivos móveis conectados à internet possibilitam interação com familiares, amigos, informações em tempo recorde e, no contexto educativo, possibilita o mobile learning, fato que propicia a aprendizagem em qualquer espaço e temporalidade.
O autor ainda destaca que, para que aconteça a boa utilização dos dispositivos móveis em sala de aula, os professores devem estar preparados para uma utilização responsável; para isso, deve definir normas de utização em sala assim como aferir responsabilidades caso aconteça o descumprimento. O uso desses dispositivos permite, em tempo real, preencher formulários, realizar jogos sérios, responder e realizar pesquisas e fazer um mapa conceitual, entre outros recursos (Carvalho, 2018).
No momento por que passa a educação brasileira, muitas escolas viram a necessidade do ensino híbrido e das aulas remotas, com aulas presenciais em quantidade reduzida e rotatividade de alunos. Destacam-se nesse cenário, entretanto, as restrições e a falta de formação para a utilização de celulares em sala de aula, causando impacto negativo, pois a falta de formação e a falta de acesso de uma parte dos discentes as TIC podem apronfundar a histórica desigualdade na educação.
Para reafirmar a importância dos dispositivos móveis, a Unesco (2013) elenca em suas recomendações para a Educação do século XXI que os celulares não sejam proibidos em sala de aula, já que eles fazem parte do cotidiano das pessoas e se tornam acessório educacional de grande valia, se bem utilizados. A organização ainda salienta que uma formação sobre o uso de dispositivos móveis nos cursos de formação de professores serviria como estratégia para essa utilização.
Os desafios docentes frente ao ensino remoto exigido pela pandemia do novo coronavírus
Diante do contexto de isolamento das pessoas em suas casas como prevenção à contaminação pelo novo coronavírus, a escola precisou incrementar sua forma de ensinar, passando a utilizar sob caráter emergencial “práticas pedagógicas remotas”, mediante recursos educacionais digitais desenvolvidos por meio de plataformas. A sala de aula também acompanhou o professor no isolamento a que teve que se adaptar em tempo recorde às novas demandas da educação, às emoções causadas pelo medo do contágio, à falta de infraestrutura tecnológica dos alunos e das escolas e à urgência de adaptabilidade ao novo normal que se impunha (Andrade, 2020). Dentro desse cenário, os papéis de alunos e professores são diferentes da relação proposta pelo modelo de ensino tradicional e ganham outras configurações com as tecnologias digitais.
A Unesco (2020) informa que, anteriormente à crise, já existia mundialmente preocupação com a escassez de professores formados e qualificados. Estima-se a necessidade de 69 milhões de novos professores capazes de assistir a crescente demanda no alcance da “educação primária e secundária” mundial até 2030. Ou seja, com a crise houve a potencialização de um problema que já vem se arrastando durante décadas e que deve ser olhado com atenção para que desenvolvamos uma educação de qualidade para além das crises.
No Brasil, uma pesquisa do Instituto Península feita com 7.734 docentes de todo o país entre 13 de abril e 14 de maio de 2020 atesta que, com dois meses do fechamento das escolas, 83% dos professores brasileiros não se sentiam preparados para o ensino remoto e 88% revelaram ter dado naquele momento a primeira aula virtual após a pandemia. É possível observar a grande defasagem que existe na formação dos docentes em relação ao domínio das tecnologias pertinente à nova forma de ensinar, tão pertinente quanto é dizer que não é somente esse o problema, pois a pesquisa mostra ainda que 55% dos professores não receberam nenhum suporte ou capacitação.
Esses dados nos levam a entender que a maioria das escolas, principalmente as públicas, não assiste ao professor diante da sua formação. Subentende-se que muitos tiveram que se reinventar e buscar novas formas de aprendizado, num recorde de tempo de que dispunham para não interromper o exercício de sua profissão num formato totalmente inédito e brusco.
Da mesma forma, as instituições escolares não estavam aptas para oferecer ensino remoto. Isso exigiu delas muitas estratégias de adaptação. É o que se pode observar diante da pesquisa TIC Educação, que registra que apenas 14% das escolas públicas dispunham em 2019 de uma plataforma ou ambiente virtual de aprendizagem capaz de disponibilizar atividades para os alunos remotamente. Esse percentual era de 10% entre as escolas municipais. Ou seja, a existência de plataformas ou ambientes virtuais de aprendizagem era mais frequente na rede particular de ensino. Basta observar que, no período de 2016 a 2019, houve aumento no investimento nesses recursos da ordem de 44% para 64%. Isso mostra a falta de políticas públicas referentes à aquisição de tecnologias digitais nas escolas públicas brasileiras, deixando tanto professores quanto alunos em desvantagem de adaptação às novas formas de ensinar e de aprender.
As tecnologias digitais, para Bacich, Tanzi Neto e Trevisani (2015), são capazes de modificar o meio em que acontecem e podem transformar e criar novas formas de se relacionar os que se envolvem no processo de ensino-aprendizagem: docentes, discentes e temáticas. Porém, para Lima e Moura (2015),
em uma sociedade em mudança, em construção, contraditória, com profissionais em estágios desiguais de evolução cognitiva, emocional e moral, tudo é mais complexo e difícil. Uma escola imperfeita é a expressão de uma sociedade também imperfeita, híbrida, contraditória.
É importante assinalar que as ações do professor podem impactar diretamente a realidade da sala de aula, bem como trazer consequências ao aprendizado de alunos e alunas. Diante do exposto, ratificamos que é primordial o investimento em políticas públicas voltadas para a formação continuada de professores, pertinente ao uso eficiente das tecnologias digitais.
Franco (2012) ressalta que a prática docente não se estrutura espontaneamente; responde a um complexo denso de esquemas e multideterminações. Dessa forma,
as práticas pedagógicas já não podem ser generalizadas para qualquer situação. Na diversidade de usuários da escola, na multiplicidade de referências educativas, na perspectiva multicultural, essas práticas precisam dialogar com o diferente, com o único, com o momento, com o novo (Franco, 2012, p. 216).
Considerações finais
Este trabalho revelou alguns dos principais desafios que os professores sentem em relação ao uso das TIC em sala de aula, principalmente no cenário da pandemia de covid-19. As dificuldades apontadas pelos docentes revelam a urgência de reformas estruturais e curriculares no sistema educacional brasileiro, tanto nos cursos de licenciatura quanto na rede básica de ensino.
As demandas do século XXI já não permitem mais gestões escolares que não reflexionem, que não dialogam com os professores e com os discentes. O século XXI exige diálogo e colaboração forte entre gestão, professores e alunos, somente por meio da parceria e do diálogo a escola poderá alcançar o seu patamar de excelência.
Por sua vez, os discentes afirmam que a escola ainda não os entende como nativos digitais; eles “gritam” para ser escutados pelos professores, desejam aprender, mas de forma prazerosa, e que essa aprendizagem seja significativa. Assim, considera-se que o processo de aprendizagem é uma parceria entre tecnologias, gestão, professor e aluno, nessa ordem, pois as tecnologias se modificam todos os dias com o surgimento de novos softwares, aparelhos, aplicativos etc., e a gestão deve estar atenta às mudanças, passando aos professores as orientações necessárias, e estes devem se permitir aprender para que possam realizar um trabalho profícuo com os seus alunos.
Os cursos de licenciatura precisam de mecanismos para dialogar com a instabilidade e a urgência das circunstâncias que se apresentam à educação, à escola, aos professores. Com efeito, “precisa investir na formação de pessoas, na formação de diferentes olhares que interpretem a realidade, nas subjetividades presentes nos processos sociais, nas contradições inerentes à existência coletiva” (Franco, 2012, p. 216).
Ademais, o professor, como trabalhador social que “opta pela mudança, não teme a liberdade, não prescreve, não manipula, não foge da comunicação; pelo contrário, a procura e vive” (Freire, 2014, p. 67). Nesse sentido, o professor deve estar atento às mudanças sociais; contudo, deve agir de forma que, ao encontrar as contradições, possa agir para a transformação e não para a manutenção das desigualdades; isso implica utilizar as TIC de forma crítica.
Esse é apenas um dos muitos caminhos que podem ser trilhados para que se alcance uma educação pública de qualidade, atenta para a formação de bons professores, formação de cidadãos preparados para as demandas sociais e profissionais do século XXI.
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Publicado em 01 de fevereiro de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Maria Lúcia Ferreira da; CAMPELO, Calebe Lucas Feitosa; BORGES, Eli Linhares de Meneses. Tecnologias na Educação: perspectivas e desafios na formação de professores frente à pandemia do novo coronavírus. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 4, 1º de fevereiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/4/tecnologias-na-educacao-perspectivas-e-desafios-na-formacao-de-professores-frente-a-pandemia-do-novo-coronavirus
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