Em busca do pássaro azul: a importância da liberdade na educação

Adriana de Magalhães Chaves Martins

Licencianda em Pedagogia (UERJ/Cederj)

Thamy Lobo

Licencianda em Pedagogia (UERJ/Cederj)

Laís Borges Diniz

Licencianda em Pedagogia (UERJ/Cederj)

Arnaldo Francisco da Silva

Licenciando em Pedagogia (UERJ/Cederj)

Ao realizarmos a disciplina IV Seminário de Práticas Educativas, do curso de Licenciatura em Pedagogia (UERJ/Cederj), vimo-nos motivados a estudar o tema da liberdade na educação, a partir da leitura do texto Pinóquio às Avessas, de Rubem Alves, em que a curiosidade do personagem principal por aprender é progressivamente suprimida pela rigidez curricular e pedagógica durante a sua escolarização.

Em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, em um contexto em que o processo de ensino-aprendizagem esteve limitado por diversos momentos ao ambiente doméstico – em alguns casos ao meio virtual, com o uso de tecnologias digitais, essa situação nos trouxe alguns questionamentos. Como a restrição do espaço físico, do contato com outras crianças, do acesso a outros espaços de aprendizado, do contato com outras referências fora do círculo familiar, como a restrição da liberdade impacta o aprendizado?

Sendo assim, nosso objetivo foi estudar a importância da liberdade na educação, evidentemente sem a intenção esgotar o assunto, mas pensar sobre ele a partir de informações e referenciais teóricos e elaborar conhecimento a partir do interesse em uma temática que nos motiva, já que atinge a todos nesse momento histórico que vivemos.

No intuito de exercitar como o tema poderia ser tratado em diferentes disciplinas, seguimos uma abordagem multidisciplinar na busca de informações, a partir de material disponível na internet, de diversas áreas de conhecimento: Literatura; Filosofia; Educação; Artes e Economia, entre outros.

Desenvolvimento

Pinóquio às avessas é um conto infantojuvenil de Rubem Alves (2010) que trata da desumanização dos indivíduos durante um processo de aprendizagem acrítico, em que a falta de liberdade para escolher o objeto do aprendizado acaba anestesiando a vontade de aprender do personagem principal, tornando-o objeto do sistema de ensino que almeja formar trabalhadores para determinado mercado de trabalho, única opção para ser considerado gente, como vemos neste pequeno trecho: "o menino adormeceu repetindo o que o pai lhe dissera: 'É preciso ir à escola para não ficar burro, para ser gente de verdade'. E pensou: 'Ainda não fui à escola. Ainda não sou gente de verdade" (Alves, 2010, p. 11). Outro ponto interessante no trecho selecionado é o fato de que o sistema de ensino representado no conto desconsidera os saberes anteriores do personagem, que ainda não foi à escola e, portanto, não pode ser gente.

Nesse conto o personagem principal tem interesse em aves e quer aprender sobre um pássaro azul. Que pássaro azul seria esse? Poderia ser o azulão dos versos compostos por Manuel Bandeira para a melodia de Jayme Ovalle e que viraram referência da canção de câmara brasileira no país e no exterior, capazes de espelhar sentimentos ambíguos de esperança e de tristeza (Chantal, 2015)?

Azulão

Manuel Bandeira

Vai, Azulão, Azulão,
Companheiro, vai!
Vai ver minha ingrata.
Que sem ela o sertão não é mais sertão!
Ai! Voa, Azulão, vai contar,
Companheiro, vai!
(Chantal, 2015).

Outro livro infantojuvenil, O que é liberdade?, de Renata Bueno, também traz um pássaro que percorre diferentes lugares buscando saber o que é liberdade para cada pessoa, animal ou objeto que encontra. A diversidade de respostas encontradas no percurso demonstra que o conceito de liberdade é relativo. Segundo o filósofo Deleuze, os conceitos são por natureza subjetivos e por si sós não explicam nada; precisam ser explicados. Inclusive podem não existir palavras suficientes para explicar um fenômeno ou sentimento, como diz Clarice Lispector (1977) em seu livro Perto do Coração Selvagem: “Liberdade é pouco. [...] O que eu desejo ainda não tem nome”. Dessa forma, falar de liberdade e educação é entender e explicar que, assim como o pássaro, existem diversas respostas e caminhos possíveis.

No campo econômico e dos direitos individuais e coletivos, Amartya Sen (2000), em seu livro Desenvolvimento como Liberdade, aponta a existência de liberdades substantivas, que caracteriza como aquelas que levam ao enriquecimento da vida humana. São liberdades fundamentais, como saber ler e calcular; poder exercer a participação política; desfrutar da liberdade de expressão; ter a garantia do direito à vida e a não morrer prematuramente; ter garantia de não sofrer privações como a fome e a subnutrição, entre outros. Sem que essas liberdades substantivas estejam garantidas não há como se falar em liberdade nem em desenvolvimento, que, para esse autor, é uma expansão das liberdades substantivas nos âmbitos econômico, social e político.

No campo da educação, Paulo Freire eleva a questão da liberdade a um patamar histórico e social em que não há liberdade sem consciência crítica e inserção histórica com protagonismo social. A liberdade de que ele trata é a de ser sujeito e não objeto histórico, com capacidade de realizar uma autorreflexão crítica e de decidir sobre os rumos de sua vida, de defender sua dignidade humana, manifestar sua capacidade criadora, sua responsabilidade por seu tempo e por seu espaço, ser autor e não expectador de seu tempo. Mas Freire não se refere apenas aos indivíduos, mas às massas.

A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação. A opção, por isso, teria de ser também, entre uma “educação” para a “domesticação”, para a alienação, e uma educação para a liberdade. “Educação” para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito. [...] Que, necessariamente, implicaria uma sociedade também sujeito (Freire, 1967, p. 36).

A manutenção da alienação dos indivíduos, a distorção da realidade com finalidade de evitar o despertar das consciências, visando à sua domesticação, é a sombra que oprime as pessoas. “Expulsar essa sombra pela conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente liberadora e por isto respeitadora do homem como pessoa” (Freire, 1967, p. 37).

Ao ser humano a que se suprime a liberdade, a que se tolhe a característica inerentemente humana de participar, de discutir, suprime-se sua capacidade criadora. A acomodação é resultado de um ajustamento à não integração. É converter a pessoa humana a expectadora da sua vida. O gregarismo e o medo da solidão e da liberdade promovem a falta de afeto e o vínculo crítico necessário à cooperação e a uma convivência autêntica. Assim, “saliente-se a necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época” (Freire, 1967, p. 44).

Em relação ao uso de tecnologias na Educação, em Pedagogia da Tolerância Paulo Freire recomenda aos educadores que não neguem seu tempo e observem a tecnologia como instrumento de poder e objeto a ser apreendido. Ao mesmo tempo que não se deve negar a tecnologia, também não se deve encará-la ingenuamente (Freire, 2013). Assim, é importante analisar as possibilidades educacionais contidas nos meios digitais, observá-los como instrumentos para a prática educativa e não como fins em si. E o fundamental: utilizá-los para apoiar a compreensão consciente sobre o mundo, visando à atuação sobre ele.

Na atualidade vivemos inúmeras contradições. Apesar de vivermos em um mundo desterritorializado, sem barreiras de tempo e espaço que impeçam a comunicação e sendo o conhecimento um recurso fluido, a pandemia do novo coronavírus surge como um desafio à educação (Antunes Neto, 2020).

O que a tecnologia traz hoje é integração de todos os espaços e tempos. O ensinar e o aprender acontecem em uma interligação simbiótica, profunda e constante entre os chamados mundo físico e mundo digital. Não são dois mundos ou espaços, mas um espaço estendido, uma sala de aula ampliada, que se mescla, hibridiza constantemente. Por isso, a educação formal é cada vez mais blended, misturada, híbrida, porque não acontece só no espaço físico da sala de aula, mas nos múltiplos espaços do cotidiano, que incluem os digitais. O professor precisa seguir comunicando-se face a face com os alunos, mas também deve fazê-lo digitalmente, com as tecnologias móveis, equilibrando a interação com todos e com cada um (Moran, 2015, p. 56-57).

Segundo Moran (2015), híbrido significa mesclado, ou seja, uma mistura que combina diferentes tempos, espaços, metodologias, atividades e públicos na educação. Aliás, a educação sempre teve esse caráter híbrido, já que é possível ensinar e aprender de diversas formas, em vários momentos e em múltiplos espaços. A conectividade e a mobilidade tornaram esse fenômeno mais perceptível e amplo, abriu os espaços, modificou os tempos e possibilitou ampliar a criatividade nesse processo. Para esse autor, na educação formal algumas dimensões do ensino híbrido estão se tornando mais claras, mostrando o que tem sido positivo ou tem trazido mais resultado nesses processos educacionais que misturam tempos e espaços digitais e presenciais; é o

modelo híbrido, misturado, com foco em valores, competências amplas, projeto de vida, metodologias ativas, personalização e colaboração, com tecnologias digitais. O currículo é mais flexível, com tempos e espaços integrados, combinados, presenciais e virtuais, nos quais nos reunimos de várias formas, em grupos e momentos diferentes, de acordo com a necessidade, com muita flexibilidade, sem os horários rígidos e o planejamento engessado; metodologias ativas com tecnologias digitais: aprendemos melhor por meio de práticas, atividades, jogos, problemas e projetos relevantes do que da forma convencional, combinando colaboração (aprender juntos) e personalização (incentivar e gerenciar os percursos individuais). Cada aluno desenvolve um percurso mais individual e participa em determinados momentos de atividades de grupo. Nos cursos on-line, uma parte da orientação será via sistema (plataformas adaptativas com roteiros semiestruturados, que respondem às questões mais previsíveis), e a principal será feita por professores e tutores especialistas, que orientarão os alunos nas questões mais difíceis e profundas (Moran, 2015, p. 61).

O papel do professor é modificado: daquele que ensina para aquele que orienta. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem é focado no estudante. O professor orientador define o que é relevante ao aprendizado, selecionando informações e ajudando o aluno a encontrar o que é informação significativa em meio a tantas disponíveis. O professor curador cuida, apoia, valoriza, estimula, inspira os alunos (Moran, 2015).

Moran (2015) também aponta algumas propostas ou estratégias pedagógicas híbridas que têm sido utilizadas pelos professores para tornar mais significativo o aprendizado nos tempos atuais. Entre elas, a sala de aula invertida tem ganhado significativo destaque.

Um dos modelos mais interessantes para se fazer avanços dentro do modelo disciplinar é o de concentrar no ambiente virtual aquilo que é informação básica e deixar para a sala de aula as atividades mais criativas e supervisionadas. É o que se chama de aula invertida. Nela, o docente propõe o estudo de determinado tema e o aluno procura as informações básicas na internet, assiste a vídeos e animações e lê os textos que estão disponíveis na web ou na biblioteca da escola. O passo seguinte é fazer uma avaliação, pedindo que a turma responda a três ou quatro questões sobre o assunto para diagnosticar o que foi aprendido e os pontos que necessitam de ajuda. Em sala de aula, o professor orienta aqueles que ainda não adquiriram o básico para que possam avançar. Ao mesmo tempo, oferece problemas mais complexos a quem já domina o essencial; assim, os estudantes vão aplicando os conhecimentos e relacionando-os com a realidade. Um modelo um pouco mais complexo é partir direto de desafios, o que pode ocorrer em uma só disciplina ou juntando-se várias. Três ou quatro professores que trabalhem com a mesma turma podem propor um problema interessante, cuja resolução envolva diversas áreas do conhecimento. É importante que os projetos estejam ligados à vida dos alunos, às suas motivações profundas, bem como que o professor saiba gerenciar essas atividades, envolvendo os estudantes, negociando com eles as melhores formas de realizar a tarefa e valorizando cada etapa, principalmente a apresentação e a publicação em um lugar do ambiente virtual que seja visível para além do grupo e da classe (Moran, 2015, p. 58-59).

Antunes Neto (2020) sintetiza bem as necessidades atuais em relação ao ensino e salienta que herdaremos aprendizados desses processos pedagógicos, que, segundo ele, fundamentam-se na autonomia da aprendizagem.

As tecnologias e o pensar científico nunca estiveram tão imbricados nesta nova perspectiva – e necessidade – de ensinar em tempos de reclusão. Talvez seja um dos aspectos positivos a ser herdado pós-pandemia: a reconexão e reafirmação do pensar em sala de aula sob a ótica da ciência e da informação, juntas e indissociáveis. Um modelo emergente de autonomia à aprendizagem (Antunes Neto, 2020, p. 29).

Considerações finais

Em tempos de pandemia e isolamento social, inúmeras contradições se manifestaram no campo educacional. O distanciamento e a redução do contato humano, da presença viva, do estar lado a lado coexistiram com a presença digital que atenuou essa ausência. Em relação aos afetos necessários à educação, é preciso dizer que temos que pensar em qualidade mais do que quantidade e que presença é estabelecer conexão, presencialmente ou de forma longínqua. Esse e é um campo importante a ser estudado.

Em termos de técnicas e métodos, têm sido implementadas, experimentadas, refletidas diversas abordagens pedagógicas para o ensino-aprendizado por meio digital a distância. É um campo que tende a crescer e que aponta para uma transformação na educação, que dificilmente voltará a ser como anteriormente à pandemia. Há muitos ganhos a serem incorporados no campo educacional.

Finalmente, fica claro que o principal elemento relativo à liberdade na educação que foi levantado é a liberdade substantiva de desenvolver consciência crítica para poder atuar como autor da própria vida e do próprio tempo. No processo desse despertar de consciência, os meios digitais podem auxiliar e colaborar, desde que sejam devidamente observados de forma crítica e não alienada pelos próprios educadores.

Dialogando com Manuel Bandeira, fechamos este trabalho com um pequeno poema que retrata a nossa busca pelo pássaro azul:

Voa, Azulão
Voa, pássaro azul,
Traz pra mim a minha amada (liberdade)...
Que sem ela o sertão é mais sertão!
Voa, pássaro azul,
Abre as asas com liberdade...
Que sem tu o sertão não é sertão!
Voa, pássaro azul,
Abre as asas, liberdade...
Que sem tu não há educação!
Voa, pássaro azul,
Traz pra mim a minha amada liberdade...
Que sem ela não há ser tão belo
como o fazer, em profícua comunhão!
(Adriana Martins)

Referências

ALVES, Rubem. Pinóquio às avessas. Il. Maurício de Souza. Campinas: Versus, 2010. Disponível em: https://pt.slideshare.net/edersonluissilveira/alves-r-sousa-m-pinoquioasavessas . Acesso em: 19 set. 2021.

ANTUNES NETO, Joaquim M. F. Sobre ensino, aprendizagem e a sociedade da tecnologia: por que se refletir em tempo de Pandemia? Revista Prospectus, v. 2, nº 1, p. 28-38, ago. 2019/fev. 2020.

CHANTAL, Mauro. O poema Azulão, de Manuel Bandeira, em duas canções de Mauro Chantal. Revista Música Hodie, Goiânia, v. 15, nº 1, p. 233, 2015. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/musica/article/view/39640/20214 . Acesso em: 15 set. 2021.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/09/5.-Educa%C3%A7%C3%A3o-como-Pr%C3%A1tica-da-Liberdade.pdf . Acesso em: 14 set. 2021.

______. Pedagogia da tolerância. Organização, apresentação e notas de Ana Maria Araújo Freire. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

MORAN, José. Educação híbrida: um conceito-chave para a educação hoje. In: BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. (orgs.). Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. [Recurso eletrônico]. Porto Alegre: Penso, 2015. p. 40-65. Disponível em: https://www2.ifal.edu.br/ensino-remoto/professor/apostilas-e-livros/ensino-hibrido.pdf/ . Acesso em: 16 set. 2021.

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. Rev. técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Publicado em 25 de outubro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

MARTINS, Andriana de Magalhães Chaves; LOBO, Thamy; DINIZ, Laís Borges; SILVA, Arnaldo Francisco da. Em busca do pássaro azul: a importância da liberdade na educação. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 40, 25 de outubro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/40/em-busca-do-passaro-azul-a-importancia-da-liberdade-na-educacao

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