O reendereçamento do filme "A ilha" como estratégia didática para o ensino de genética e bioética, no Ensino Médio

Mônica Strege Médici

Mestranda em Educação (UFT), bolsista Capes: PDPG/FAP

Kellen Cristhina Inácio Sousa

Doutora em Genética e Melhoramento de Plantas (Escola de Agronomia, UFG)

Milena Macaiewski Ferreira

Licencianda em Ciências Biológicas (Unemat - Câmpus de Alta Floresta/MT)

Everson Rodrigues Tatto

Mestrando (PPGHis/UFMT), especialista em Metodologias Ativas e História Regional, graduado em História, professor efetivo da Educação Básica na Escola Estadual 20 de Março, em Querência/MT

Algumas disciplinas são consideradas de difícil entendimento por parte dos alunos, principalmente quando se trata de disciplinas das áreas das Ciências da Natureza (Garcia; Lara; Antunes, 2021) nas quais a maior dificuldade apresentada pelos alunos é associar os conceitos ao dia a dia. Guimarães e Rezende Filho (2018) ressaltam que é imprescindível que os alunos aprendam e saibam discernir os conteúdos de Genética, a fim de que possam ter conhecimentos e opiniões sobre o desenrolar da vida que habita a Terra.

Na Educação Básica, estes estudos geralmente são apresentados aos estudantes no Ensino Médio. Moura et al. (2013) destacam que o conteúdo é descrito pelos estudantes como difícil, pois exige um determinado nível de abstração para tornar possível a sua compreensão. Portanto, ele precisa ser contextualizado para não se tornar uma mera repetição de conceitos.

Com isso, o ensino escolar deve possibilitar aos estudantes a produção de conhecimento e não apenas a sua repetição, porque “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 2003, p. 47). Portanto, a educação precisa aproximar a Ciência do estudante para que ele, ao se apropriar do conhecimento teórico, tenha condições de associá-lo à sua realidade. Para que isso se torne possível, a estratégia didática adotada pelos professores, em sala de aula, tem um papel preponderante na associação entre as duas partes.

Nas escolas brasileiras, no ensino da Genética, “os tópicos [...] fazem parte do conteúdo de Biologia ensinado na 3ª série do Ensino Médio. Porém, ela, enquanto disciplina, não é bem aceita pela maioria dos discentes do ensino público em função de sua complexidade” (Moura et al., 2013, p. 169). As dificuldades apontadas pelo autor podem ter inúmeras justificativas. Dentre elas, podemos ressaltar a adoção de determinada estratégia de ensino pelo professor, a abordagem do assunto, a falta de estrutura laboratorial para realizar aulas práticas, o conhecimento prévio do estudante e a motivação que o aluno apresenta durante a aula.

Buscar diferenciar as estratégias metodológicas tem sido uma preocupação dos professores. Dessa forma, neste trabalho, abordaremos o reendereçamento do filme A Ilha como estratégia metodológica para o ensino da Genética.

Reendereçamento refere-se “às adaptações e modificações que o educador insere na obra audiovisual, a partir dos elementos que ela já contém, para que ela seja vista de determinada maneira pelo educando” (Guimarães; Rezende Filho, 2018, p. 2). Ou seja, ao potencial pedagógico da obra previamente analisada pelo professor que poderá ser melhor explorado pelo estudante, possibilitando outras visões sobre o conteúdo apresentado pela ficção.

Quanto ao uso do cinema em sala de aula, Cipolini (2008) ressalta que “se fizermos uma retrospectiva em relação cinema-educação, podemos constatar que desde sua invenção é apontada como fonte de pesquisa” (Cipolini, 2008, p. 47). Desta forma, o uso de filmes nas aulas se constitui como uma importante ferramenta no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, por meio de uma abordagem diferenciada do conteúdo relacionado à ementa da disciplina.

Coelho e Viana (2010) compreendem que o filme possibilita um novo olhar sobre o conteúdo a ser estudado, facilitando que os estudantes compreendam melhor a teoria e os aspectos históricos que a envolvem. Como o filme é uma ferramenta lúdica é possível aliá-la ao cotidiano, possibilitando que o estudante compreenda as teorias que foram desenvolvidas a partir do avanço da Ciência pela Sétima Arte.

As aulas de Genética precisam priorizar o entendimento do assunto e a sua relação com seu contexto, ressaltando a importância de “um ensino de natureza reflexiva” (Sousa, 2014, p.18). Embora a Genética seja um assunto constantemente divulgado pela mídia, a abordagem da temática em sala de aula desperta a curiosidade dos estudantes. O desafio está em transformar o estudo do conteúdo em algo interessante.

Assim, o professor da disciplina é desafiado a buscar metodologias adequadas no sentido de envolver os estudantes, e a contextualização é um fator importante para que esse docente demonstre ao discentes a relação entre o conteúdo e a atualidade, pois “cabe ao professor competente conduzir essa aprendizagem significativa” (Demo, 2011, p. 41). Nesse sentido, é fundamental que o professor esteja qualificado para que tenha condições de diversificar suas estratégias metodológicas, assim o assunto abordado em aula torna-se significativo para todos.

Para Cabrera (2015 p. 27), “o trabalho docente é trabalho intelectual e, também, trabalho prático e empírico”, um trabalho cujo papel é preponderante na construção social, pois é por meio dele que os estudantes constroem a aprendizagem. Ensinar é uma tarefa que exige uma formação inicial seguida de uma formação continuada que possibilite aprimorar o seu conhecimento no sentido de renovar as suas práticas constantemente.

Por ser a temática comumente explorada pelo cinema por seu potencial em despertar curiosidade e interesse na sociedade, ela pode ser utilizada como estratégia metodológica às aulas de Biologia, conforme apontam vários estudos sobre o uso de filmes como estratégia metodológica para o ensino da Genética. Dentre eles, podemos elencar Cipolini (2008); Machado (2012); Costa e Barros, (2014); Amaral e Comarú (2018) e Guimarães e Rezende Filho (2018). Nessa perspectiva, pretendemos apresentar a prática desenvolvida em sala, com estudantes de uma turma de 3º ano do Ensino Médio, da Escola Estadual Professora Maria Esther Peres, localizada no município de Vila Rica/MT.

Referencial teórico

A Educação Básica oferece ao estudante a oportunidade de ter o primeiro contato com os saberes científicos. Para Morin (2000, p. 21), “o desenvolvimento do conhecimento científico é um poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões”. Nesse sentido, a Biologia exerce importante papel no desenvolvimento de noções sobre o meio ambiente, a organização da vida e as relações entre os seres vivos. O estudo voltado à Biologia também permite compreender o universo sob o ponto de vista científico, dentro dos conteúdos abordados em Ciências da Natureza.

As estratégias de ensino usadas nessa relação entre a ficção e a sala de aula precisam ser adotadas pelos professores levando em conta o público e considerando o que irá despertar o interesse dos estudantes. A tarefa de ensinar não pode ser uma mera transmissão de informações, mas uma importante ferramenta para a construção de conhecimento relevante, como afirma Freire (2003), para que não fique um hiato entre a prática adotada e o que se deseja que os estudantes adquiram.

Tendo em vista que a disciplina de Biologia aborda diversos assuntos, entre eles a Genética, Guimarães e Rezende Filho (2018, p. 23) definem que a temática na disciplina é “essencial para a compreensão do processo de evolução dos seres vivos e da Biologia como um todo, porém é um campo caracterizado por uma substancial abstração”. Muitas vezes, ela é apresentada de forma abstrata, por isso se faz necessário diversificar as estratégias do ensino para uma melhor aceitação e para não causar estranhamentos ou outras interpretações, até mesmo pela comunidade escolar.

Nesse aspecto, os filmes são importantes aliados do professor quando corretamente inseridos e trabalhados, pois despertam o interesse e diversificam a rotina das aulas. Por meio deles é possível estabelecer uma conexão entre o ensino e a aprendizagem, pois trata-se de uma ferramenta lúdica de aproximação do estudante ao conteúdo. Cipolini (2008) considera que, historicamente, o filme sempre foi apontado como uma boa estratégia de ensino, constituindo-se importante fonte de pesquisa e permitindo a construção mental de diferentes objetos e épocas, como meio de estímulo à imaginação das pessoas.

Entretanto, a escolha e o uso de um filme como atividade educativa precisa ser feita de forma contextualizada, para que a sala de aula não seja vista como uma sala de cinema, no sentido de oferecer apenas entretenimento. Deste modo é importante que o professor conduza, por meio do reendereçamento do filme e em acordo prévio com os estudantes, como será desenvolvida a atividade pedagógica para que ambos possam dar o mesmo sentido à atividade.

É preciso pensar nesse processo de mediação exercido pelo professor como uma nova forma de endereçamento, pois pode levá-lo a construir um novo modo de leitura, muitas vezes não é pensado pelos produtores (sala de cinema), em que podem surgir novos significados para os alunos (Guimarães; Rezende Filho, 2018, p. 22).

A mediação do professor é importante, bem como o seu planejamento didático para auxiliar o estudante a explorar o potencial pedagógico do filme, ainda que já tenha sido assistido anteriormente. Para tanto, o ambiente da sala de aula precisa permitir que o filme seja assistido sem interferências ou interrupções.

O filme A ilha foi lançado em 2005 e, segundo Matoso (2012), a trama, passada em 2019, trata da clonagem humana, uma realidade já permitida à época. As pessoas podem encomendar clones de si mesmas para um eventual transplante, comercializando-os como apólices de seguro e submetidos diariamente a diversos exames para garantir a qualidade dos órgãos.

Ainda de acordo com Matoso (2019), os clones vivem em um ambiente subterrâneo, isolados e altamente vigiados. Acreditam que não exista nada fora dali e que são privilegiados por terem sidos salvos de uma contaminação, aguardando ansiosos por um sorteio para serem contemplados com uma ida e volta à ilha. O roteiro gira em torno da personagem Lincoln Six Echo, que, ao avistar um inseto, começa a desconfiar da existência da contaminação. Ele passa a ter sonhos com o ambiente externo e se aproxima de Jordan, o que não é permitido pelas normas locais. A personagem inicia uma investigação e percebe que há algo errado. Quando Jordan Two Delta é sorteada para ir para a ilha, os dois fogem do laboratório e passam a desvendar a realidade.

Dessa forma, ao abordar pedagogicamente o filme, aspectos como engenharia genética e bioética devem ser objeto de debate na sala de aula, no intuito de formar cidadãos críticos diante da tomada de decisões pertinentes ao avanço científico. O uso do filme possibilita exemplificar de forma clara os efeitos da influência da Ciência na sociedade, especialmente com o advento do século XXI e a chamada Revolução 4.0, tendo em vista as atuais descobertas científicas e o avanço que elas têm gerado no mundo, como um todo.

Metodologia

A presente pesquisa é de natureza básica e de abordagem qualitativa. Para Gil (2002), este tipo de pesquisa permite uma familiaridade com o objeto de estudo, pois desta forma possibilita a formulação de hipóteses, bem como permite considerar os mais variados aspectos pertinentes ao estudo.

Este trabalho foi desenvolvido na Escola Estadual Professora Maria Esther Peres, localizada no município de Vila Rica/MT, distante 1.300km da capital (Cuiabá). Sua realização ocorreu no segundo semestre de 2019, e o público-alvo foi constituído por 37 estudantes das turmas do 3º ano, A e B, do Ensino Médio, devidamente matriculados no turno matutino.

A intervenção pedagógica, inicialmente, contextualizou o conteúdo de Biotecnologia e Bioética, por meio da exibição do filme A ilha. Seu uso em sala de aula consistiu em uma estratégia metodológica de ensino alternativa, buscando estimular a capacidade argumentativa, a criticidade e a relação do conteúdo de Genética com o cotidiano dos estudantes.

O trabalho foi desenvolvido em seis aulas, sendo que nas duas primeiras houve a exposição do conteúdo com base no livro didático. As duas aulas seguintes foram destinadas à exibição do filme e, nas últimas duas aulas, foi realizado um debate, quando os estudantes puderam apresentar suas concepções acerca do tema e posicionarem-se a respeito.

Após a realização do debate, os estudantes receberam um questionário com seis perguntas abertas:

  1. Quais mudanças a Engenharia Genética pode promover na sociedade?
  2. Você acha correto haver limites para a Ciência? Justifique.
  3. Explique o que é Bioética? Qual a sua importância?
  4. Descreva a cena que chamou mais a sua atenção e explique quais os aspectos você considera mais relevantes relacionados ao estudo da Genética.
  5. O tema clonagem é amplamente polêmico. Que problema você identifica na clonagem de seres vivos?
  6. Você considera que o uso do filme A ilha tenha possibilitado a sua aprendizagem sobre Genética? Justifique.

Apresentados os objetivos da pesquisa à gestão da escola, foi autorizada a realização da pesquisa conforme descrito. Cabe ressaltar que todos os pais dos estudantes aceitaram e assinaram um termo no ato da matrícula, no qual emitem o consentimento para que seus filhos participem de atividades escolares, inclusive de pesquisas com finalidades educativas. O processo foi conduzido com ética no intuito de preservar o anonimato dos envolvidos e facilitar a apresentação dos resultados. As respostas foram analisadas e transcritas sem permitir a identificação do estudante participante. Para a apresentação dos resultados, usamos um código alfanumérico de forma sequencial: (E1): estudante número 1; (E2): estudante número 2; e assim sucessivamente, sendo os dados coletados e analisados à luz do referencial teórico.

Análises e resultados

Ao serem questionados sobre quais mudanças a Engenharia Genética pode promover para a sociedade, a gama de respostas foi ampla, mas a maioria versou a respeito das mudanças ocasionadas na seleção de genes para tornar possível a escolha do sexo do bebê e a prevenção de doenças: “A manipulação genética permite a seleção de genes e a escolha do sexo de um bebê”, respondeu E36. “Por meio do mapeamento genético dos pais é possível identificar genes defeituosos e desta forma intervir. Evitando o nascimento de crianças com síndromes”, observou E27. “Tornar possível aos casais escolherem o sexo da criança”, ponderou E8.

As respostas coadunam com o objetivo da atividade, pois é perceptível a possibilidade de contextualizar os aspectos abordados pelo filme e o contexto social, confirmando o que nos diz Cipolini. Historicamente, o filme sempre foi uma importante fonte de pesquisa, porque a Arte nos aproxima das realidades mais distantes, possibilitando que a nossa criticidade seja provocada (Cipolini, 2008).

Outro aspecto, sobre a melhoria da qualidade de vida, foi levantado. Sobre isso os estudantes responderam: “Prevenção e curas de doenças que hoje a ciência ainda não tornou possível”, disse E32. “Auxilia a sociedade em relação à produção de medicamentos como no caso da produção de insulina humana, por meio da modificação de bactérias”, manifestou E15, e “Enfim, nenhuma criança precisa herdar a herança de doenças da família”, confirmou E18. Nas respostas, percebemos que houve assimilação do conteúdo ministrado e da ficção, demonstrando aproximações entre eles e o alcance dos objetivos da prática pedagógica, compactuando com o exposto por Morin (2000) ao considerar que o conhecimento científico desvelado aproxima o indivíduo da própria realidade e possibilita intervenções. Dessa forma, a educação tem papel preponderante no sentido de apresentar a Ciência e seus fundamentos aos estudantes, provocando-os a produzirem o conhecimento por meio dela.

Entre as respostas dadas e obtidas, observamos alguns traços eugenistas: “Enfim é permitido ao casal selecionar as características do filho. Assim poderá priorizar aspectos físicos e intelectuais”, disse E6. “Escolher o tom da pele da criança e, desta forma, eliminar o preconceito racial que historicamente assola este país” (E22) e “Com o auxílio da Genética podemos melhorar a espécie humana, eliminando traços indesejáveis”, de acordo com E16. São respostas que nos levam a evidenciar a importância de abordar, desde a Educação Básica, os princípios éticos como pilares científicos. Souza (2014) destaca a importância da educação reflexiva a fim de que possamos construir uma sociedade, de fato, crítica e consciente, principalmente sobre temáticas sensíveis como a manipulação genética de seres humanos.

Em seguida, os estudantes foram questionados sobre: “Você acha correto haver limites para a Ciência? Justifique”. Os respondentes ficaram divididos em suas opiniões. 20 disseram que sim, que deve haver limites para a Ciência, mas 11 responderam que não, enquanto seis estudantes responderam que concordavam parcialmente.

De acordo com os estudantes favoráveis aos limites da Ciência, temos justificativas de que o homem pode querer ir além do necessário e prejudicar outros indivíduos: “Infelizmente nem todos os cientistas são bem-intencionados. Se a Ciência não tiver limites, o mundo poderá sofrer consequências graves” (E20). Preocupações como a estratificação social foram apontadas: “Se a Ciência não tiver limite poderá produzir o homem perfeito e este escravizará os demais” (E29); e “Sim. É necessário que exista a ética” (E19). Machado (2012) destaca que o uso de filmes nas aulas, além de enriquecê-las, permite debates éticos, conforme podemos observar nas respostas dos participantes.

Aqueles que responderam não para a imposição de limites à Ciência apresentaram estas justificativas: “A Ciência não pode ter limite, pois a cada descoberta estamos mais perto da solução dos problemas vividos” (E32). “Impor limites é o mesmo que impedir a sua evolução” (E10); e “A ciência tem que ser livre para fazer suas descobertas” (E4). Tais argumentações são explicadas por Demo (2011) por destacarem que o ensino é parte do processo de formação, sendo ele de competência humana em seu desenvolvimento. Dessa forma, a educação deve provocar o pensamento e não moldar o indivíduo, oferecendo condições para que ele mesmo possa realizar os julgamentos pertinentes aos diversos temas que permeiam o cotidiano social.

Parcialmente: “Penso que deve haver limites quando se trata de manipulação de seres humanos”, considerou E16. “A ciência deve estar em nosso favor, sem infringir princípios religiosos e morais” (E8) e “Impor limites à ciência é impor retrocesso à sociedade” (E2). Essas respostas dadas pelos estudantes reforçam a importância da Educação Básica no sentido de estimular o pensamento crítico, como alerta Freire (2001). É impossível que o sujeito se perceba no mundo e ao mesmo tempo se torne alheio a ele. A educação é a problematizadora. É ela que nos permite refletir, irmos além daquilo que nos é ensinado com o propósito de irmos buscar a ampliação do nosso conhecimento.

Na sequência, perguntamos: “Explique o que é Bioética. Qual sua importância?”. Os alunos responderam: “É a área da Ciência que determina regras para a realização de procedimentos científicos” (E6). “É um conjunto de conceitos que estabelece regras que impõem limites aos experimentos científicos” (E8) e “As implicações morais da pesquisa” (E11). Essas respostas, obtidas por meio de questionamento, denotam que há entendimento, por parte dos estudantes entrevistados, sobre a definição do que seja a Bioética, embora alguns conceitos ainda precisem de esclarecimentos. Guimarães e Rezende Filho (2018) destacam que as aquisições do conhecimento acerca da Genética acontecem de forma gradativa e que, nesse sentido, é importante que seja de forma contextualizada, porque, ao elucidar os termos científicos, o estudante adquire domínio sobre o assunto, podendo posicionar-se diante da sociedade.

Como o filme despertou a atenção em diversos aspectos diferentes, foi solicitado que cada estudante descrevesse os aspectos mais relevantes relacionados ao estudo de Genética. “O que chamou minha atenção é o avanço da genética trazendo benefícios a sociedade”, respondeu E11. Para E7, “a cena mais interessante é quando explicam o motivo para criar os clones, relacionando a genética é possível perceber que ciência pode trazer benefícios e malefícios à sociedade”. “Percebi por meio deste filme a importância da bioética, senão em breve teremos laboratórios produzindo clones”, afirmou E5. Essas respostas ilustram que os estudantes conseguiram compreender o significado da Bioética e as suas implicações na sociedade. Dessa forma, vemos que a educação atingiu o seu objetivo, pois, de acordo com Amaral e Comarú (2018, p. 88), “o sujeito alfabetizado cientificamente não precisaria ter o domínio de todo o conhecimento científico, mas sim uma visão global, para tornar-se capacitado à leitura do mundo em que vive, bem como o agir consciente sobre ele”. Quando a educação cumpre seu papel, ela é capaz de emancipar o sujeito e somente dessa forma ele será capaz de construir os seus próprios argumentos.

Os estudantes também foram questionados sobre o tema clonagem, por ser amplamente polêmico e de pouco conhecimento da sociedade em geral. Perguntamos: “Quais problemas você vê na clonagem de seres vivos?” E as respostas obtidas versaram sobre os riscos do mau uso da Ciência, como evidenciado: “a clonagem humana é algo extremamente perverso. A situação relatada no filme demonstra que cientistas inescrupulosos podem criar o clone na realidade com finalidades financeiras”, disse E19. “Um clone é um ser vivo que nasce sem referências familiares, penso que não seja algo favorável” (E21) e “para mim a clonagem é um caminho sem volta para a destruição da humanidade” (E33). Dúvidas e preocupações ainda perpassam as mentes dos estudantes, acerca do tema e dos avanços científicos.

Associando as respostas dos alunos ao filme, percebemos que embora a situação seja fictícia, os estudantes a relacionaram com a realidade e demonstraram que ela trouxe elementos reflexivos para o espaço da escola, assim como para as suas vidas. De acordo com Freire (2003, p. 23),

uma das bonitezas da prática educativa está exatamente no reconhecimento e na assunção de sua politicidade que nos leva a viver o respeito real aos educandos ao não tratar, de forma sub-reptícia ou de forma grosseira, de impor-lhes nossos pontos de vista.

Sob a óptica da liberdade é importante criar possibilidades para que o estudante tenha o direito de dizer sua palavra e para que eles possam construir seus conceitos na busca pelo conhecimento e aguçando o saber para além dos muros da escola. 

Alguns estudantes também levantaram alguns aspectos que julgaram positivos sobre a reprodução, tais como: “a clonagem pode ser um meio alternativo para reprodução especialmente para aquelas pessoas que desejam ter uma reprodução independente” (E15). Ou “a clonagem humana de uma certa torna o homem imortal” (E5). E ainda "acredito que a clonagem pode trazer um grande avanço para a ciência, pois poderíamos clonar grandes gênios que revolucionaram o conhecimento” (E26). Ante esses posicionamentos, percebemos que o filme A ilha despertou interesse para o conhecimento, fazendo com que os alunos opinassem sobre o assunto, dentro de uma lógica científica, como a reprodução de nossa espécie, observando os aspectos evolucionistas referentes ao assunto, sem tocar na temática criacionista.

Instigar o pensamento por meio da problematização é fundamental para que o sujeito tenha elementos determinantes na formação de um conceito. Segundo Machado (2012), o uso do filme permite conduzir à reflexão sobre o percurso que a Engenharia Genética pode levar à sociedade, ressaltando as possíveis intervenções sociais e os aspectos éticos. Dessa forma, é importante observar que os estudantes são capazes de construir os próprios argumentos ao explorar o potencial pedagógico do filme.

Para concluir o questionário, os alunos foram indagados acerca do potencial pedagógico-metodológico do filme: “Você considera que o uso do filme A ilha tenha possibilitado a sua aprendizagem sobre Genética? Justifique”. Segundo os estudantes, o filme possibilitou um desabrochar do conteúdo e, consequentemente, abriu os seus olhos para novas perspectivas em relação ao ensino-aprendizado da temática.

Podemos afirmar esta perspectiva com as seguintes respostas: “antes de assistir ao filme não compreendia a implicação que o mau uso da ciência pode ter na sociedade” (E16). “Não gosto de filme e no início não me interessei pela história, mas aos poucos o filme me envolveu e entendi o motivo da escolha pela professora” (E14) e “penso que se não tivesse assistido ao filme eu não teria condições de opinar sobre clonagem” (E7).  As respostas dos alunos coadunam com a afirmação de que “o cinema pode muito bem servir como instrumento útil ao processo de ensino aprendizagem, pois educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar” (Coelho; Viana, 2010, p. 91). Portanto, as metodologias aplicadas ao ensino-aprendizagem dos alunos são múltiplas, cabendo ao professor a missão de buscar e selecionar aquelas que mais se adequarem ao conteúdo em questão, com o intuito de despertar-lhes o interesse em aprender.

Nesse sentido, podemos compreender que o papel do professor perpassa a transmissão de conteúdo para se tornar conhecimento. O professor é o mediador que incentiva e propicia aspectos de ressignificação do aprendizado no cotidiano do aluno. Deste modo é válido ressaltar sobre a importância do planejamento docente, selecionando metodologias adequadas às propostas trabalhadas em sala de aula. 

Considerações finais

Este estudo possibilitou compreender que, por meio do reendereçamento no uso do filme A ilha, foi possível acessar estratégias metodológicas capazes de despertar os olhares atentos dos alunos diante do conteúdo Genética. Sendo assim, podemos considerar que o uso de filmes em aula é uma metodologia eficiente no que se refere ao reendereçamento de conteúdos, possibilitando momentos significativos de discussão e problematizações sobre temas diversificados, mesmo na Educação Básica.

Os estudantes apontam que o uso do filme lhes despertou a atenção, provocando reflexões, instigando a curiosidade e aproximando o conteúdo do seu cotidiano, por meio das indagações que surgiram após assistirem ao filme.  Desta forma, gradativamente, a aula se mostra não como instrumento para a mera transmissão e repetição de conceitos, mas como um meio para que o diálogo, entre professores e estudantes, se construa e permeie todas as suas demais etapas.

Assim, temos possibilidades de adentrar em uma educação reflexiva e crítica, formando estudantes com a capacidade de se posicionarem em sociedade, frente aos mais diversos assuntos, quer pessoais quer profissionais.

Referências

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Publicado em 25 de outubro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

MÉDICI, Mônica Strege; SOUSA, Kellen Cristhina Inácio; FERREIRA, Milena Macaiewski; TATTO, Everson Rodrigues. O reendereçamento do filme "A Ilha" como estratégia didática para o ensino de genética e bioética, no Ensino Médio. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 40, 25 de outubro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/40/o-reenderecamento-do-filme-a-ilha-como-estrategia-didatica-para-o-ensino-de-genetica-e-bioetica-no-ensino-medio

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