Leitura de imagem: a obra "Mulher chorando", de Pablo Picasso, uma abordagem da metodologia panofskiana

Fábio Pereira da Silva

Licenciando em Letras Português/Inglês, licenciado em Artes Visuais, mestre em Artes Visuais (UFPB), professor de Arte (SEME-Picos/PI)

Cláudio Pereira da Silva

Graduado em Letras e Artes Visuais, especialista em Libras (Uespi)

No mundo contemporâneo, as imagens estão cada vez mais presentes no cotidiano, principalmente, no ambiente virtual. Sempre estiveram presentes na humanidade, por isso, partindo deste pressuposto, estabelecemos certas competências para interpretá-las e reinterpretá-las, como sugerem alguns autores, realizando uma leitura de imagem mais detalhada.

Segundo Didi-Huberman, no modo como Warburg interpretava as imagens, elas não são um campo de saber fechado. Talvez, nem sequer sejam um campo de conhecimento como outros. É um movimento que requer todas as dimensões antropológicas do ser e do tempo (Didi-Huberman, 2013, p. 21).

Este artigo apresenta, como objetivo principal, a análise de uma imagem de Mulher chorando, de Pablo Picasso, de 1937, a partir do método de Panofsky. Para atender ao objetivo geral, definiram-se o seguinte objetivo específico: interpretar a imagem como texto que disponibiliza informações, elucidando dados, informações que fomentam o ato da leitura e da análise de imagens sobre as interpretações feitas sobre a obra.

A escolha deste tema surgiu da seguinte questão-problema: “Qual seria o método detalhado para analisar e fazer uma leitura de imagem mais aprofundada?”.

As hipóteses surgem de fontes diversas, principalmente da observação de imagens, de leituras de livros, de artigos científicos e de teorias já comprovadas por autores renomados. Pode-se entender que a leitura de imagens é uma necessidade de compreendermos e decodificarmos os signos difundidos na própria imagem. Assim, entendemos que a leitura de uma obra de arte é bem mais que decodificar palavras. É entender os códigos que fazem parte da nossa vida.

A partir desta experiência fenomenológica (estudo de fenômenos que se manifestam no tempo e no espaço ou matéria que estuda o fundamento das coisas e como as percebemos) podemos relacionar o eixo teórico com o pensamento de Manguel (2001), de Didi-Huberman (2013), de Panofsky (2007) e com as contribuições de outros autores. Podemos entender que este tipo de experiência sensível é um método que privilegia um estudo com abordagem fenomenológica. Como afirma Panofsky (2007, p. 34), as imagens são parte da cultura e, para serem compreendidas, é preciso adentrar na cultura.

Compreende-se que o processo de ler, partindo da abordagem fenomenológica, deve partir, muitas vezes, da percepção das imagens. Acreditamos, assim como Manguel (2001, p. 25), que, com o passar do tempo, podemos ver mais coisas em uma imagem, sondar mais fundo e descobrir mais detalhes. Conforme Manguel (2001, p. 27), quando lemos imagens de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas ou encenadas, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos o que é limitado por uma moldura para um antes e um depois, por meio da arte de narrar histórias.

A escolha de determinada obra, como a que aqui escolhemos, justifica-se por ser uma obra memorável do pintor espanhol, Pablo Picasso, em mais uma demonstração do seu talento em converter a realidade em criação. Por isso, podemos identificar nesta imagem, a representação da tristeza, da dor e da perda. A pintura representa e retrata a destruição, uma mulher vítima de algum tipo de violência.

A justificativa deste estudo se dá na leitura da própria imagem como um todo que desenvolve a possibilidade de uma experiência estética sensível, a habilidade de ver, julgar e interpretar o contexto histórico, social e cultural desta obra. Justifica-se, ainda, porque as imagens influenciam a cultura da sociedade. Um dos motivos pelos quais escolhi esse tema está fundamentado na leitura do livro, “A imagem no ensino de arte”, de Ana Mae Barbosa, que desenvolveu a Proposta Triangular, cujos componentes do ensino-aprendizagem são, a saber, a leitura da obra de arte, a contextualização e o fazer artístico. O ensino da Arte enfatiza a prática da leitura de imagens em todos os níveis de ensino. 

O procedimento metodológico utilizado neste estudo aconteceu por meio de uma análise de leitura de imagem baseada na proposta metodológica de Panofsky (2007), que dividia a sua análise em três etapas: pré–iconográfica (etapa de identificação de objetos, situações e de enumeração das formas reconhecidas como portadoras de significados com o tema primário ou natural); iconográfica (etapa do domínio daquilo que identificamos como imagem e histórias, “o ramo da história da Arte que trata do tema ou mensagem das obras de Arte em oposição a sua forma” (Panofsky, 2007, p. 47); e iconológica (etapa de estudo do significado do objeto, quando há a interpretação de um tema, por meio do estudo abrangente do contexto cultural e histórico da imagem).

A proposta de Panofsky reporta-se aos termos iconografia e iconologia. Enquanto a iconografia trata sobre o tema ou assunto, a iconologia é o estudo do significado do objeto.

Esta pesquisa, portanto, está em formato de artigo, estruturada com um resumo em Língua Portuguesa. Há, na introdução, os objetivos, em seguida, a questão-problema, a hipótese, o percurso metodológico e a justificativa da pesquisa com os seus resultados. O desenvolvimento traz a revisão de literatura, com citações de alguns autores, além de uma seção de análise e leitura de imagem, finalizando com a conclusão e as referências bibliográficas.

Desenvolvimento

Pode-se entender que as imagens fazem parte da nossa vida, constituem o nosso ser e estão presentes praticamente em quase todos os ambientes. Assim, destacamos que a leitura de imagem, voltada para o contexto educacional, pode ser feita principalmente nos componentes curriculares da área de linguagens (Português, Literatura e Arte). De acordo com Barbosa (1998, p. 44), a “reflexão sobre a imagem é algo que tem lugar em muitas poucas escolas e isso resulta em consequências nefastas não só para a compreensão da obra de arte, mas também para uma apreciação crítica da televisão”. Partindo dessa ideia, propomos neste estudo realizar uma análise aprofundada da obra Mulher chorando, de Pablo Picasso. 

Biografia de Pablo Ruiz Picasso

Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso foi pintor, escultor, ceramista, poeta e dramaturgo espanhol. Nasceu no dia 25 de outubro de 1881, em Málaga, e faleceu em 1973. Filho de Maria Picasso y López e José Ruiz Blasco, um professor de História da Arte apaixonado por pintura. Em 1896, sua família mudou-se para Barcelona e, em 1897, Pablo Picasso ingressou na Academia Real de San Fernando, em Madrid. Logo rejeitou as formas tradicionais da escola e voltou para Barcelona. Suas principais obras são: Guernica, Les demoiselles d'Avignon e Mulher chorando. Ele foi um dos fundadores do Cubismo.

Figura 1: Mulher chorando

Fonte: https://artrianon.com. Pertence à coleção da Tate Gallery, Londres.

Descrição pré-iconográfica

Artista: Pablo Picasso
Título: Mulher chorando
Dimensões: 60cm x 49cm
Material: Tinta a óleo
Criação: 1937
Local: Pertence à coleção da Tate Gallery, Londres.
Período: Cubismo analítico

Descrição iconográfica

Objeto dinâmico da obra retrata a figura Dora Maar, a quinta amante de Picasso, no curso de seu relacionamento, de 1936 a 1944. A pintura utiliza a técnica de óleo sobre tela, em um formato retrato; foi pintada no ano de 1937, mesmo ano de Guernica. Pertence à coleção da Tate Gallery desde 1987. Participou da exposição na Tate Modern, em Londres. A composição faz parte de uma fasedo pintor espanhol que tinha por hábito de pintar suas mulheres.

Trata-se de uma pintura bidimensional com o rosto em primeiro plano. Ao redor da mulher, podemos destacar as linhas retas que também encontramos em seu corpo. A obra nos proporciona, em um primeiro momento, certo estranhamento por ocasião da sua configuração. Esse estranhamento nos remete a sensações ligadas à angústia e ao desespero. Em suma, pode-se dizer que a imagem desperta reflexões ligadas aos desgostos da vida, à morte e às guerras. 

A mulher chorando nos dá a ideia de uma mulher angustiada, soluçando, que segura um lenço e com suas mãos o leva até o rosto para enxugar as suas lágrimas. Os olhos são bem arredondados, com longos cílios. Fica nítido o sentimento de tristeza nos olhos da mulher que estão perdidos no espaço, como se estivessem seguindo a sua própria dor. Podemos ver duas faces, a face da direita, com uma cor amarelada e da esquerda, esverdeada. A boca é destacada em um tom de cor branco e preto. Destacam-se também as lágrimas que escorrem por sua face.

A sobrancelha do lado direito do rosto da mulher é bem volumosa. Já a sobrancelha do lado esquerdo é mais fina, porém se inclina na vertical para a esquerda do rosto. Nesse mesmo lado, há uma orelha dividida em duas partes por um ponto no meio. Na cabeça, há um chapéu vermelho com uma flor azul.

As cores predominantes na obra são o laranja, uma cor quente que nos remete à ideia de perigo, agressividade ou agitação sobre aquele período histórico. O preto, representando a escuridão e o espírito de insegurança ao horror da guerra. O vermelho, representando a violência e o verde-escuro, mostrando o frio, assim como as lágrimas de uma mulher. No rosto da mulher aparecem as cores amarela, tons de roxo e o verde.

Descrição iconológica

Conforme Panofsky (1991, p. 51), a “iconologia investiga a gênese e o significado das imagens figurativas, estuda, portanto, a “interação entre os diversos tipos; a influência das ideias filosóficas, teológicas e políticas”. Sendo assim é uma forma de interpretação que resulta em uma análise ou síntese, entendendo que a síntese de um quadro conceitual maior, um texto no qual a obra ou um grupo de obras está inserido. Para Panofsky, ao falar sobre iconografia, constata-se:

Devido às graves restrições que o uso corriqueiro, especialmente neste país (EUA), opõe à palavra “iconografia”, proponho reviver o velho e bom termo, “iconologia”, sempre que a iconografia for tirada de seu isolamento e integrada em qualquer outro método histórico, psicológico ou crítico, que tentemos usar para resolver o enigma da esfinge. Pois, se o sufixo “grafia” denota algo descritivo, assim também o sufixo “logia” – derivado de “logos”, que quer dizer pensamento, razão – denota algo interpretativo. [...] Assim, concebo a iconologia como uma iconografia que se torna interpretativa (Panofsky, 1991, p. 54).

O método iconológico de Panofsky é um método histórico. Voltando à imagem da Mulher chorando, o quadro foi pintado menos de dois anos antes da Segunda Guerra Mundial. Além de estender a obra à angústia coletiva já presente à época, também se estende ao rigor da lembrança da Guerra Civil Espanhola retratando o sofrimento de uma época importante do século XX.

Uma obra que fez parte do antigo cubismo analítico, caracterizado pelo uso de fragmentos angulosos e sobrepostos, como se a pintura tivesse sido realizada por diferentes ângulos, simultaneamente. Pode-se, então, destacar as características do cubismo presentes na obra Mulher chorando, tais como a decomposição, a fragmentação e a geometrização. Assim, vemos que os contrastes de cores e detalhes promovem ações de enriquecimento artístico e cultural, evidenciadas pelo cubismo.

Fica evidente que os amores de Picasso tiveram grande influência nas suas pinturas. A composição destaca a mais famosa amante, musa inspiradora de Pablo Picasso. Dora Maar é considerada uma figura extremamente significativa para ele. Também teria ajudado a pintar Guernica.

Durante o seu relacionamento com Dora Maar, Picasso a pintou de várias maneiras (alegre, sofrida ou ameaçadora). No entanto, Mulher chorando traduz a convivência complexa e sofrida de Picasso com Dora Maar, sua amante, uma fotógrafa de origem croata e sua modelo preferida.

De acordo com Manguel (2001, p. 209), a primeira vez que Picasso viu Dora Maar ela estava sentada à mesa de um restaurante francês, com as mãos fazendo uma brincadeira com canivete, tentando cravá-lo entre os dedos sem os tocar. Dias depois, Dora Maar foi apresentada a Picasso, quando se tornou sua amante. Maar ficava à sua disposição e quase não saía de casa. Um relacionamento cheio de conflitos, com muitas brigas.

A composição Mulher chorando, pode ser entendida como uma obra de grande relevância para a pintura espanhola e mundial. Podemos concluir que a imagem é o retrato de uma mulher angustiada, em diversas cores predominantes, tais como o vermelho (cor quente), o verde-escuro (retratando o frio e a umidade das lágrimas da mulher), o laranja (dando a ideia de perigo) e o preto (representando o seu sofrimento).

Os resultados deste estudo podem ser compreendidos como de suma importância para o processo de ensino-aprendizagem daqueles que usam o método no contexto educacional ou escolar. Nesse sentido, identifica-se a importância de construção de metodologias de ensino-aprendizagem sobre leitura de imagens, quando o docente ou mediador exerce papel de orientador ao discente, em um processo dialógico, dinâmico e enriquecedor para ambos.

De acordo com Rego (2013, p. 34), “reconhecemos imagens como signos com sentidos diferentes contextualizados a partir do repertório de cada sujeito, de acordo com suas representações construídas por meio da concepção que cada um possui de mundo, de cultura e religião". As imagens formais e informais fazem parte do cotidiano do contexto escolar, seja por meio de materiais didáticos ou por textos verbais e similares. Contudo, a leitura destes materiais é pouco explorada pela comunidade escolar.

Considerações finais

Neste estudo sobre leitura de imagem, partimos da metodologia de Panofsky, que possibilitou a identificação dos signos, do sensível e da interpretação fenomenológica pela percepção da obra Mulher chorando, de Pablo Picasso. Esperamos que este trabalho contribua como exemplo de análise e interpretação de imagem para aprimorar a construção do conhecimento de obras artísticas no contexto da sala de aula.

Esta análise proporcionou, em um primeiro momento, certo estranhamento quanto à sua configuração, mesmo sabendo que ela faz parte do estilo cubista. Esse estranhamento proporcionou sensações ligadas à imagem de angústia e desespero da mulher.

Em síntese, concluímos que a pintura desperta sensações e reflexões ligadas aos desgostos da vida de uma mulher. Isto posto, ler uma imagem é estabelecer com o olhar uma relação com o objeto estético e, assim, captar suas informações visuais em um processo de leitura da obra de arte, como uma ação que vai além da decodificação de signos, abrangendo a prática da experiência sensível, da imaginação, da crítica, da sensibilidade e da criação.

De acordo com Barbosa (1998, p. 40), a leitura de imagem é um processo que nos leva a refletir, a apreciar e a aprender, porque nos leva a questionamentos e a descobertas. É o despertar da capacidade crítica, quesito fundamental para o ensino da arte, principalmente no contexto da História da Arte.

Trazendo para o contexto escolar, ler uma imagem é constituir uma relação com o objeto estético, analisando as informações visuais. Entendemos, portanto, que este trabalho é de suma relevância para uma proposta didática de trabalho com a leitura de imagens, partindo do método de Panofsky, por meio de oficinas com docentes e alunos. Na escola, esta atividade nos possibilita mediar uma formação continuada, porque nos aproxima das obras de arte a partir dos seus contextos históricos.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 6023: informação e documentação: artigo em publicação periódica científica impressa: apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo, Perspectiva, 2007.

______. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 1998.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2013.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio.São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

______. Lendo imagens. São Paulo: Companhia da Letras, 2001.

MERLEAU-PONTY, M. O primado da percepção e suas consequências filosóficas. São Paulo: Papirus, 1990.

______. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. Trad. M. C. F. Keese e J. Guinsburg. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

______. Iconografia e iconologia: uma introdução ao estudo do renascimento. In: ______. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1991.

REGO, Sheila Cristina Ribeiro. Imagens fixas no ensino de Física: suas relações com o texto verbal em materiais didáticos e padrões de leitura de licenciando. Tese (Doutorado) – Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

______. Imagens na disciplina escolar Física: possibilidades de leitura. Revista Investigações em Ensino de Ciências, v. 18, n° 1, p.127-142, março 2013.

Publicado em 01 de novembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Fábio Pereira da; SILVA, Cláudio Pereira da. Leitura de imagem: a obra "Mulher chorando", de Pablo Picasso, uma abordagem da metodologia panofyskiana. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 41, 1 de novembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/41/leitura-de-imagem-a-obra-mulher-chorando-de-pablo-picasso-uma-abordagem-da-metodologia-panofskiana

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