História da Matemática como dispositivo de aprendizagem: concepções de docentes da rede pública estadual de Minas Gerais

Raquel Lopes Pires

Mestra em Educação (PPGE/UFRJ)

Jordania de Cássia Souza Vieira

Licenciada em Matemática (IFMG), professora de Matemática (SEE/MG)

Joice Stella de Melo Rocha

Mestre em Matemática (Profmat/UFSJ), professora EBTT (IFMG)

A História da Matemática (HM) tem sido uma temática cada vez mais recorrente nos estudos sobre as relações entre os campos da História, da Matemática e da Educação. Pesquisadores como Gasperi e Pacheco (2007), Balestri e Cyrino (2010), Amaran e Batista (2013), Santos (2017), Silva (2018), Carvalho e Cavalari (2019), Fransolin e Souza (2019) e Santos e Sousa (2020) têm se dedicado a analisar algumas das contribuições de abordagem histórica para o Ensino da Matemática. Além deles, documentos oficiais, tais como, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), também enfatizam a inclusão desse conteúdo na Educação Básica, especialmente no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio.

Nosso objetivo é analisar as concepções de professores de Matemática acerca do uso da HM como dispositivo de aprendizagem em suas aulas na Educação Básica. Para tanto, compreendemos o conteúdo como importante e necessário, uma vez que se constitui como mais uma possibilidade de operar com os demais conteúdos que já são tratados no Ensino de Matemática, como disciplina curricular obrigatória. Percebemos que a temática também pode ser investigada como viabilidade para o incentivo à pesquisa, na tentativa de se formar estudantes pesquisadores, preparados para se dedicarem aos mais diversos estudos e conhecimentos, assim como utilizarem estratégias matemáticas na resolução de problemas e operações. Desse modo, a HM pode tornar-se uma ferramenta de preparo e estímulo ao hábito de pesquisar e, de igual modo, pode auxiliar outras atividades e disciplinas.

No presente estudo, realizamos uma investigação com professores de Matemática da rede pública estadual de Minas Gerais na tentativa de identificar as possíveis formas de uso da HM em suas aulas e as dificuldades que consideram encontrar no momento de relacioná-la aos componentes curriculares e aos conteúdos privilegiados. A partir das respostas desses professores, obtidas por meio da disponibilização de um questionário e embasadas nos referenciais teóricos mobilizados, procuramos analisar como e quando esses profissionais consideram relevante incluir a utilização de uma abordagem histórica em suas aulas na Educação Básica. No levantamento feito, percebemos que a inserção da HM no conteúdo programático contempla e enriquece as discussões que já perpassam o itinerário da disciplina Matemática no Ensino Fundamental II e Médio.

O artigo está organizado em duas seções. Na primeira, apresentamos um levantamento bibliográfico acerca da inserção e das contribuições da HM no Ensino da Matemática, corroborando com a afirmativa de Lüdke e André (1986, p. 1) de que “para se realizar uma pesquisa é preciso promover confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”. Na seção seguinte, discutimos os caminhos percorridos no decorrer da pesquisa, analisando aspectos das concepções dos professores de Matemática participantes quanto à inserção do uso da HM em suas respectivas aulas.

A HM na Educação Básica: concepções teóricas

Algumas das contribuições da HM no Ensino da Matemática já têm sido objeto de interesse e de estudo de diversos pesquisadores. Esses que têm dedicado esforços em tentativas várias de compreender alguns aspectos acerca da inserção dessa discussão nas aulas de Matemática. Os referenciais teóricos que subsidiam este estudo, indicam informações acerca das estratégias de aplicação e a importância do uso da HM por diferentes pontos de vista e iniciativas. Por isso, mergulhar “no conjunto de obras de outros pesquisadores que, igualmente, se detiveram sobre a temática selecionada para análise, torna-se imprescindível, sob a perspectiva de sensibilizar o olhar para aquilo que não nos é (ou não deveria ser) familiar” (Silva; Lemos, 2013, p. 62).

De acordo com levantamento feito por Silva (2018), nas últimas cinco décadas, pelo menos, pesquisadores da História das Ciências, em particular da HM, têm considerado a importância deste conteúdo na tentativa de aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. Para o autor, tais estudos possibilitam compreendermos que as teorias que hoje são utilizadas, decorrem de diversos desafios e esforços enfrentados por sujeitos pertencentes a períodos remotos. Desse modo, contribui com a legitimação da Matemática criada pelo homem e surgida “a partir da busca de soluções para resolver problemas do cotidiano, conhecer as preocupações dos vários povos em diferentes momentos e estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do presente” (Silva, 2018, p. 20).

Devemos considerar, também, que, assim como sinalizam Baroni e Nobre (1999, p. 130), a HM é, na verdade, “uma área do conhecimento matemático, uma área de investigação científica, por isso é ingênuo considerá-la como um simples instrumento metodológico”. Nesse caminho, compreendemos que conhecer aspectos históricos pode auxiliar na apreensão de algumas das adversidades científicas e tecnológicas enfrentadas ao longo do tempo, assim como realça a importância da inclusão da HM no processo ensino-aprendizagem. Para Santos e Sousa (2020, p. 454), é relevante ponderar que “a Matemática se desenvolveu em diferentes ambientes e culturas, mas que tiveram os mesmos resultados, apesar dos seus desenvolvimentos ocorrerem em épocas diferentes”.

A partir de tais questões é possível concordar com Santos (2017), que afirma que a HM utilizada apenas como um possível motivador para o ensino da disciplina, pode não estar sendo empregada com sua real potência. Assim, destaca que “embora a apresentação de curiosidades históricas, [...] muitas vezes possa não contribuir para a aprendizagem de conceitos e conteúdos matemáticos, pode contribuir para a formação cultural dos estudantes” (Santos, 2017, p. 27). Para o autor, o contato com fotos e textos biográficos de matemáticos, por exemplo, talvez seja a primeira interação desses alunos com tais conteúdos e uma contribuição para seus aprendizados. A esse respeito, também convém considerar as contribuições de Gasperi e Pacheco (2007) por afirmarem que a HM pode estar incluída no cotidiano das aulas de Matemática de diferentes maneiras, tais como, "de forma lúdica com problemas curiosos, ‘os enigmas’, como fonte de pesquisa e conhecimento geral, como introdução de um conteúdo ou atividades complementares de leitura, trabalho em equipe e apresentação para o coletivo” (Gasperi; Pacheco, 2007, p. 3). Logo, o Ensino da Matemática pode ser mobilizado por iniciativas outras que não estejam focadas apenas na incursão por exercícios sequenciais e na memorização de esquemas e fórmulas.

Nos documentos oficiais que regem o sistema de ensino brasileiro atualmente, dos conhecimentos matemáticos previstos para os anos finais do ensino fundamental, conforme consta na BNCC, a HM é apresentada como mecanismo com materiais didáticos já existentes “como malhas quadriculadas, ábacos, jogos, calculadoras, planilhas eletrônicas e softwares de Geometria Dinâmica, [...] pode despertar interesse e representar um contexto significativo para aprender e ensinar Matemática” (Brasil, 2018, p. 298). Além disso, ressalta que para a aprendizagem dos conteúdos cotidianos é importante tratar do contexto que não precisa estar ligado somente aos aspectos cotidianos, mas, também, aos históricos, a fim incentivar sua apreensão relacionada aos significados contemporâneos.

Os PCN, por sua vez, em capítulo dedicado ao terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental para o Ensino da Matemática, concebe a HM como possibilidade diversa no processo de ensino-aprendizagem, que colabora com a discussão dos contextos e dos problemas, assim como com a construção de estratégias para suas soluções. Destaca que o uso desse conteúdo pode realçar a disciplina “como uma criação humana, ao mostrar necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do presente” (Brasil, 1998, p. 42). Assim, ainda segundo o documento, o professor pode tentar despertar atitudes e valores favoráveis ao conhecimento.

A análise desses documentos e da literatura mobilizada nos possibilita reconhecer outra vertente presente nas discussões acerca da relação entre a HM e a Educação Matemática: a formação dos professores. Fransolin e Souza (2019), compreendem a HM como possibilidade de uma formação mais humana para os futuros profissionais. Segundo os autores, “a HM é uma fatia necessária para a formação humana, porém depende da abordagem envolvida no processo de formação dos futuros professores” (Fransolin; Sousa, 2019, p. 65). Tal iniciativa pode contribuir, também, para a instrução do alunado a partir do viés de uma concepção mais humanitária.

No mapeamento realizado por Balestri e Cyrino (2010, p. 105), a inclusão da HM como componente curricular data de 1904, todavia, “no Brasil, foi a partir da década de 1980 que ocorreu com maior intensidade a inclusão da história da matemática em textos direcionados à prática pedagógica de Matemática”. Considerando a importância da inserção de tais conhecimentos para a formação dos novos profissionais e a consequente relação que pode ser feita quando estiverem atuando em sala de aula, as autoras compreendem que “por meio da história da matemática, é possível criar condições que favoreçam a aprendizagem de conteúdos matemáticos” (Balestri; Cyrino, 2010, p. 107). Segundo Carvalho e Cavalari (2019), a HM é, ainda, pouco conhecida e estudada pelos alunos. Segundo as autoras, em pesquisa realizada com licenciandos do curso de Matemática de uma Universidade Federal localizada em Minas Gerais, “o fato de mais de 40% dos(as) participantes não terem tido contato com a HM fora das disciplinas com este enfoque, reforça a relevância da manutenção de tais disciplinas na graduação” (Carvalho; Cavalari, 2019, p. 10). Assim, podemos indicar que a limitada frequência da inserção da HM na Educação Básica também se deve à pouca oferta desse conhecimento já nos cursos de graduação dos futuros especialistas em Educação Matemática.

Com base no referencial mobilizado, compreendemos que a HM pode ser um importante componente do processo ensino-aprendizagem, a depender das diversas possibilidades com que é encarada ou mesmo inserida como parte do conteúdo escolar. Para tanto, carece de maior atenção e investimento desde a formação dos futuros profissionais. A presente investigação, então, tem como horizonte investigar opiniões de professores de Matemática da Educação Básica, Ensino Fundamental II e Médio, suas contribuições e alguns dos instrumentos utilizados por eles.

Os caminhos percorridos no desenvolvimento da pesquisa

Com o intuito de alcançar os objetivos que nos propomos neste estudo, a pesquisa realizada caracteriza-se como qualitativa. Segundo Minayo (2001, p. 22), esse tipo de trabalho dá foco a questões particulares, uma vez que se aplica ao “universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. É pautada em uma natureza descritiva, na qual o interesse maior está centrado no processo e não apenas nos resultados. Gomes (2009, p. 79) destaca que o foco da pesquisa qualitativa é “a exploração do conjunto de opiniões e representações sociais sobre o tema que se pretende investigar”.

Considerando o cenário da pandemia da covid-19 que vivemos desde o início do ano de 2020 e a consequente dificuldade de serem realizados trabalhos presenciais, nos dedicamos à construção de um questionário que foi elaborado a partir da plataforma Google Formse enviado de maneira onlineaos professores. Para Gil (1999, p. 128), esse instrumento pode ser definido como um artifício “de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas etc.”. Alguns cuidados também merecem atenção no processo de elaboração, conforme salientam Marconi e Lakatos (2003, p. 203):

O questionário deve ser limitado em extensão e em finalidade. Se for muito longo, causa fadiga e desinteresse; se curto demais, corre o risco de não oferecer suficientes informações. Deve conter de 20 a 30 perguntas e demorar cerca de 30 minutos para ser respondido. É claro que este número não é fixo: varia de acordo com o tipo de pesquisa e dos informantes.

Identificadas as questões, estas devem ser codificadas, a fim de facilitar, mais tarde, a tabulação.

A construção do questionário foi inspirada no trabalho desenvolvido por Santos (2017), levando em consideração, especialmente, o que defendem Marconi e Lakatos (1999, p. 100), ao destacarem ser valoroso não apenas elaborar perguntas, mas, também, enviar “uma nota ou carta explicando a natureza da pesquisa, sua importância e a necessidade de obter respostas, tentando despertar o interesse do recebedor para que ele preencha e devolva o questionário dentro de um prazo razoável”. Tais informações foram incluídas no documento.

O questionário foi composto por 20 questões abertas e fechadas, divididas em três seções. Na primeira, objetivamos conhecer o perfil desses profissionais. Em seguida, nosso foco se concentrou em analisar algumas das ferramentas empregadas no uso da HM em sala de aula. Por fim, dedicamo-nos a fazer um mapeamento das opiniões desses professores, verificando se, em diferentes níveis, concordavam ou discordavam com as formas de utilizar a HM nas suas respectivas aulas. A escolha por realizar a pesquisa com professores do Ensino Fundamental II e Médio justifica-se “uma vez que a partir desta fase os professores atuam em áreas específicas, exigindo-se, portanto, formação em cada área, enquanto até o 5º ano todas as disciplinas são, geralmente, ministradas por pedagogos” (Silva, 2018, p. 41). Participaram, ao todo, 24 professores da rede pública estadual de Minas Gerais, que atuam em diferentes municípios: Arcos, Belo Horizonte, Cláudio, Conselheiro Lafaiete, Florestal, Itapecerica, Itaúna, Japaraíba, Lagoa da Prata, Pará de Minas, Três pontas e Uberlândia. A esse respeito, convém concordar com a afirmação de Gil (1999, p. 128) sobre a aplicação do questionário, uma vez que, “possibilita atingir grande número de pessoas, mesmo que estejam dispersas numa área geográfica muito extensa, já que o questionário pode ser enviado pelo correio”, ou, conforme realizado neste estudo, via plataforma Google Forms.

Preservando o anonimato dos participantes, nós os identificamos como P01 a P24. Padilha et al. (2005, p. 101) asseveram que “isto pode fornecer uma relação mais descontraída e espontânea e, consequentemente, contribuir para a revelação de dados que poderiam comprometer [o professor] se a sua identidade não fosse protegida”. Na tentativa de relacionar empiria e teoria, nos dedicaremos, agora, a analisar as respostas obtidas.

Análise dos dados

A fim de caracterizar os participantes dessa investigação, incluímos algumas questões acerca de suas respectivas formações. Dos 24 professores, 83,3% afirmaram possuir licenciatura em Matemática, 12,5% indicaram que têm pós-graduação em Matemática e apenas um (4,2%) disse ter formação em Ciências. Os anos de atuação em sala de aula variaram: 37,5% têm de 20 a 30 anos no magistério, 37,5% de 10 a 20 anos, 16,7% de 5 a 10 anos e 8,3% menos de 05 anos. Os respondentes dão, em média, 23 horas/aula semanais. Por fim, salientamos que 91,7% tiveram contato com a HM na graduação e apenas 8,3% responderam que não.

Ainda que nem todos os professores participantes tenham relatado contato com a HM em seu período de formação, apenas um afirmou não concordar que deva ser utilizada na Educação Básica, no Ensino da Matemática. A esse respeito, convém ressaltar que 79,2% concordam que a HM pode ser trabalhada em todos os níveis de ensino, enquanto 20,8% concordam parcialmente. Das diferentes compreensões acerca da inclusão desse conhecimento, P02 destaca que “ela pode ser uma grande aliada quando precisamos ilustrar ou demonstrar para o aluno a evolução da matemática e o quão importante é essa ciência em nossas vidas”. Para ele, tal discussão auxilia o aluno na compreensão de aspectos do desenvolvimento do pensamento científico e de como foi progredindo socialmente, chegando aos resultados que conhecemos atualmente. Na perspectiva de Mendes (2006, p. 84), é

possível imprimir maior motivação e criatividade cognitiva às atividades de sala de aula durante nossa ação docente, pois esperamos que esse modo de encarar o ensino da matemática possa se constituir em um dos agentes provocadores de ruptura na prática tradicional educativa vivida até hoje nas aulas de Matemática.

Nesse sentido, diferentes são as maneiras que tal discussão pode estar presente nas aulas desses professores que atuam na Educação Básica. A estratégia utilizada por P22 consiste em: “toda sexta-feira, na apresentação de trabalhos, metade voltada para a aplicação da matemática e a outra metade à História da Matemática, incluindo especialmente as grandes mulheres da matemática”. Vemos, assim, que aqueles que se propõem a inserir a HM em suas aulas, têm a preocupação tanto em contextualizá-la como, até mesmo, em propor aos alunos maneiras de levantamento de debates, questionamentos e curiosidades, assim como ponderam Gasperi e Pacheco (2007). Posicionamentos que podem, até mesmo, auxiliar na proposta de articulações com outras disciplinas, visto que 87,5% concordam que uma abordagem histórica permite um trabalho interdisciplinar na escola, enquanto 12,5% concordam parcialmente. Para eles, a presença desse conhecimento em suas rotinas auxilia na apresentação de novos conteúdos, com exemplos práticos, mostrando, assim, a importância do desenvolvimento e aprendizado de determinado assunto.

Desse modo, a HM pode estar presente em diferentes momentos nas aulas de Matemática. Do levantamento realizado, 95,8% dos professores participantes relataram incluí-la logo na apresentação de conteúdo; 29, 2% no desenvolvimento dos conceitos; 16,7% durante os exercícios; e 20,8% nas atividades complementares. Além disso, 33,3% discordam que a HM serve apenas como forma de introdução para novos conteúdos; 29,2% concordam parcialmente; 20,8% discordam parcialmente; 8,3% concordaram; e 8,3% não concordam e nem discordam, conforme o gráfico 1.

Gráfico 1: Respostas obtidas na pergunta “A História da Matemática serve apenas como forma de introdução para novos conteúdos?”

Também vale destacar que 41,7% desses profissionais concordaram parcialmente que a apresentação de biografias dos grandes nomes da Matemática é a melhor forma de abordar a HM nas aulas. 25% discordam parcialmente, 16,7% concordam, 12,5% não concordam e nem discordam e 4,2% discordaram, como destacado no Gráfico 2.

Gráfico 2: Respostas obtidas na pergunta: “A apresentação de biografia de grandes nomes da Matemática é a melhor forma de abordar a História da Matemática durante as aulas?”

Sendo assim, percebemos que são variados os momentos em que a história e a Matemática são pensadas e trabalhadas juntas nas aulas desses profissionais. Assim, consideramos que os participantes se apropriam da HM, também, como um “encaminhamento didático dado ao processo de geração do conhecimento matemático, que provoca a criatividade e o espírito desafiador do aluno para encontrar respostas às suas indagações cognitivas e construir suas ideias sobre o que pretende aprender” (Mendes, 2009, p. 7).

Quando questionados a respeito dos conteúdos que consideram importantes para fazer uma abordagem histórica, a Geometria foi a resposta mais recorrente. Entretanto, na concepção de P04, “todo conteúdo que tiver um embasamento histórico seria importante trabalhar com os alunos”. Entender que a HM pode estar presente em diversas discussões relaciona-se com a percepção da importância dessa ciência como um processo evolutivo, que foi sendo desenvolvida em diferentes espaços, momentos e culturas, assim como pode ser associada a resolução de problemas quando pensamos nos aspectos sociais, no cotidiano popular. Para Sousa (2009), quando o professor de Matemática compreende que os conceitos foram/são construídos historicamente e, consequentemente, nunca estarão concluídos, passará a considerar os aspectos lógico-históricos. Ou seja, deixa de conceituar a HM apenas como ilustração e passa a percebê-la como instrumento de estruturação lógica do conhecimento em questão. Desse modo, enfatizamos que 83,3% dos profissionais participantes concordam que a utilização da HM em sala de aula pode contribuir para a aprendizagem dos conceitos, enquanto 16,7% concordam parcialmente. Ainda assim, 17 (71%) professores relataram dificuldades em utilizar a HM em suas aulas.

De modo mais geral, autores como Miguel (1993; 1997), Silva (2018) e Santos (2017) concordam que a escassa literatura sobre a HM é um dos principais problemas enfrentados pelos professores. Como uma das dificuldades encaradas para incorporar esse conteúdo nas aulas, Miguel e Miorim (2004, p. 62) apresentam: “ausência de literatura adequada; natureza imprópria da literatura disponível; história como fator complicador e ausência de sentido de progresso histórico”. Em nossa pesquisa, quando questionados se consideram que as literaturas disponíveis sobre a HM são suficientes para atender as necessidades de sala de aula, 41,7% concordam parcialmente, 25% discordam, 12,5% discordam parcialmente, 12,5% não concordam e nem discordam e apenas 8,3% concordam, segundo consta no Gráfico 3.

Gráfico 3: Respostas obtidas na pergunta: “As literaturas disponíveis sobre História da Matemática são suficientes para atender as necessidades dos professores de Matemática?

Outros problemas sinalizados por eles foram:

A falta de materiais que abordem os conteúdos relacionados com a História da Matemática (P02).

O tempo, muito conteúdo para ser vencido ao longo do ano (P05).

A minha própria dificuldade na história. Tenho dificuldades em associar informações históricas (P09).

O interesse do aluno em querer conhecer (P20).

Os excertos de P09 e P20 podem estar de alguma forma relacionados quando consideramos que a dificuldade e a falta de conhecimentos a respeito da HM podem contribuir para a falta de interesse do aluno em conhecer tais discussões. Para tanto, conforme já discutido com base nos estudos de Carvalho e Cavalari (2019) é necessária uma formação já nos cursos de graduação para que esses profissionais consigam relacionar melhor os conteúdos em suas aulas. Nesse sentido, 79,2% concordam que a HM pode ser fonte de motivação para o Ensino de Matemática, enquanto 20,8% concordam parcialmente. Além disso, como relatado por P05, o tempo é um dos grandes fatores que levam esse grupo de professores da rede estadual de educação de Minas Gerais a darem “preferência” a outros conteúdos que consideram “mais importantes”, a fim de cumprirem o cronograma estipulado pelo sistema educacional mineiro. A esse respeito, os percentuais variam bastante, uma vez que 33,3% discordam parcialmente que o tempo que se gasta utilizando a HM poderia ser melhor aproveitado, 29,2% discordam, 12,5% não concordam e nem discordam, 12,5% concordam parcialmente e 12,5% concordam, conforme demonstrado no Gráfico 4.

Gráfico 4: Respostas obtidas na pergunta: “O tempo que se gasta utilizando a História da Matemática poderia ser mais bem aproveitado com outros métodos de ensino?”

A sinalização de P02, descrita na citação, contribui com as análises que nos propomos a fazer a respeito do uso dos livros didáticos com relação à HM. Dos respondentes, 75% concordam que os livros didáticos apresentam informações históricas sobre os conteúdos matemáticos, mas acreditam serem superficiais, enquanto 8,3% acham suficientes. Em contrapartida, 12,5% discordam de tal questão e afirmam que os livros didáticos que utilizam não apresentam informações históricas. No estudo de Pereira (2016), ao analisar seis coleções aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2015, foram identificadas 294 menções à HM. Nessas, assim como em nosso estudo, a Geometria apareceu como o conteúdo mais recorrente quando abordados os aspectos históricos. Para a autora, “a utilização da HM nos livros didáticos deve centrar-se mais nas funções que contribuem com a aprendizagem dos conteúdos matemáticos pelo aluno, e para uma mudança de percepção em relação à Matemática” (Pereira, 2016, p. 91).

Quando questionados se consideram importante trabalhar com as informações históricas contidas nos livros didáticos, apenas 1 professor afirmou que os utilizados por ele não têm essas informações. Ainda que julguem ser um instrumento mais acessível – dentro da escola – do que as tecnologias digitais, constatam que boa parte desse material dá maior destaque a alguns dos famosos matemáticos. Assim, P03 endossa que “faz falta uma exploração mais profunda e conectada entre as descobertas, a evolução da ciência, suas contribuições, os autores e épocas, e o que isso representa para nós atualmente” e completa afirmando que “os livros ainda abordam a história da matemática de forma superficial, com ‘pontas soltas’ e uma atenção maior apenas aos personagens e períodos”.

Nos livros didáticos, na literatura ou nas exposições feitas pelos professores, a HM deve estar presente no Ensino de Matemática, sendo apoderada pelos discentes “na sua formação como cidadãos, vivendo em momento histórico, mas reflexo cultural de toda história construída durante séculos, de maneira participativa, conscientes de que eles também são construtores deste saber” (Ferreira, 1996, p. 6 apud Pereira, 2016, p. 17). Portanto, ainda que com as dificuldades relatadas para incluir tais discussões na rotina da sala de aula, a perspectiva histórica é interpretada, pela maior parte dos que responderam ao questionário, como um importante conteúdo que colabora para aperfeiçoar os conhecimentos, assim como a própria relação ensino-aprendizagem.

Considerações finais

A experiência de investigar algumas das concepções de professores de Matemática da rede pública de Minas Gerais acerca do uso da HM, como dispositivo de aprendizagem em suas aulas na Educação Básica, nos possibilitou compreender que, embora ainda careça de maiores aprendizados por parte desses profissionais, é um debate de grande importância para o processo ensino-aprendizagem. Ao mobilizarmos um referencial teórico com autores que já têm se dedicado a estudar as relações entre os campos da História e da Matemática, identificamos a abrangência que tais discussões vêm tomando em relação à presença da HM no Ensino da Matemática.

Por meio da HM é possível auxiliar os alunos na compreensão de que a Matemática utilizada atualmente percorreu uma longa e intensa trajetória enfrentando diferentes filosofias, problemas sociais, culturas, práticas, economia, contextos políticos, entre outros (Gasperi; Pacheco, 2007). Sendo assim, contribui não apenas para as explicações dos conteúdos, mas, também, para a formação de um cidadão interessado em investigar e se apropriar dos conhecimentos que cercam o espaço em que habita. A esse respeito, concordamos, ainda, com a afirmativa de Lara (2013, p. 61) de que a HM “deve ser abordada criando condições para que o estudante reflita sobre esse saber/fazer e o utilize de algum modo na elaboração do seu próprio saber/fazer, seja tomando-o como base, ou colocando-o sobre suspeita”.

Consideramos que os resultados apresentados em nossa investigação estão de acordo com as referências mobilizadas e o objetivo proposto. Desse modo, identificamos que dos 24 professores participantes, poucas são as divergências quanto ao recorrente uso da HM nas aulas. Em sua maioria, acreditam que com alguns ajustes na rotina escolar esse conteúdo pode contribuir positivamente no Ensino da Matemática e não apenas acerca das abordagens curriculares, mas, principalmente, quando pensamos no papel formativo que a escola tem quanto a um futuro cidadão e profissional. Entendemos, assim, que as respostas obtidas constituem um acervo que pode ser mobilizado por outros sujeitos interessados em estudar aspectos da HM na Educação Básica de diferentes regiões do país. Por fim, almejamos que a escrita desse trabalho possa contribuir com os interesses e as possíveis relações que possam ser estabelecidas entre os campos da História, da Matemática e da Educação.

Referências

ARAMAN, Eliane Maria de Oliveira. Contribuições da História da Matemática para a construção dos saberes do professor de Matemática. Bolema, v. 27, n° 45, p. 1-30, 2013.

BALESTRI, Rodrigo Dias; CYRINO, Márcia Cristina de Costa Trindade. A História da Matemática na formação inicial de professores de Matemática. Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, v. 3, n° 1, p. 103-120, 2010.

BARONI, Rosa Lúcia Sverzut; NOBRE, Sérgio Roberto. A pesquisa em história da matemática e suas relações com a Educação Matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (org.). Pesquisa em Educação Matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 1999. p. 129-136.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática. Ensino Fundamental. Terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf. Acesso em: 14 fev. 2022.

______. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 14 fev. 2022.

CARVALHO, Letícia Sousa; CAVALARI, Mariana Feiteiro. A História da Matemática na Educação Básica: concepção de licenciandos(as) em Matemática. Research, Society and Development, v. 8, n° 4, p. 1-30, 2019.

FRANSOLIN, Janine Barbosa Lima; SOUZA, Roberto Barcelos. A História da Matemática numa perspectiva para a formação humana dos futuros professores de Matemática. Hipátia – Revista Brasileira de História, Educação e Matemática, v. 4, n° 1, p. 62-83, 2019.

GASPERI, Wlasta; PACHECO, Edilson Roberto. A História da Matemática como instrumento para a interdisciplinaridade na Educação Básica. São Paulo: Globo, 2007.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.

GOMES, Romeu. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza et al. (orgs.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 79-108.

LARA, Isabel Cristina Machado de. O ensino da Matemática por meio da História da Matemática: possíveis articulações com a Etnomatemática. Vidya, v. 33, n° 2, p. 51-62, 2013.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1999.

______; ______. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003.

MENDES, Iran Abreu. A investigação histórica como agente da cognição matemática na sala de aula. In: MENDES, Iran Abreu; FOSSA, John; VALDÉS, Juan Nápoles (orgs.). A história como um agente de cognição na Educação Matemática. Porto Alegre: Sulina, 2006. p. 79-136.

______. Investigação histórica no ensino da Matemática. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2009.

MIGUEL, Antônio. Três estudos sobre História e Educação Matemática. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993.

______. As potencialidades pedagógicas da História da Matemática em questão: argumentos reforçadores e questionadores. Zetetiké, v. 5, n° 8, p. 73-105, 1997.

______; MIORIM, Maria Ângela. História na Educação Matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.

PADILHA, Maria Itayra Coelho de Souza et al. A responsabilidade do pesquisador ou sobre o que dizemos acerca da ética em pesquisa. Texto Contexto Enferm., v. 14, n° 1, p. 96-105, 2005.

PEREIRA, Elisângela Miranda. A História da Matemática nos livros didáticos de Matemática do Ensino Médio: conteúdos e abordagens. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências), Universidade Federal de Itajubá, Itajubá, 2016.

SANTOS, Andréia Nunes dos; SOUSA, Juciane de. A história da Matemática como instrumento de ensino e aprendizagem na Educação Básica. Boletim Cearense de Educação e História da Matemática, v. 7, n° 20, p. 451-458, 2020.

SANTOS, Marcos Roberto dos. Compreensões de professores do Ensino Médio acerca da utilização da História da Matemática no ensino de Matemática. Dissertação (Mestrado Profissional), Universidade Federal de Itajubá, Itajubá, 2017.

SILVA, Edimar Correa e. A História da Matemática na Educação Básica: contribuições à formação docente e à prática pedagógica. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências), Universidade Estadual de Goiás, Anápolis, 2018.

SILVA, José Cláudio Sooma; LEMOS, Daniel Cavalcanti de Albuquerque. A História da Educação e os desafios de investigar outros presentes: algumas aproximações. In: FERREIRA, Marcia Serra; XAVIER, Libania; CARVALHO, Fábio Garcez de (orgs.). História do Currículo e História da Educação: interfaces e diálogos. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj, 2013. p. 61-85.

SOUSA, Maria do Carmo de. Quando professores têm a oportunidade de elaborar atividades de ensino de Matemática na perspectiva lógico-histórica. Bolema, ano 22, n° 32, p. 83-99, 2009.

Publicado em 29 de novembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

PIRES, Raquel Lopes; VIEIRA, Jordania de Cássia Souza; ROCHA, Joice Stella de Melo. História da Matemática como dispositivo de aprendizagem: concepções de docentes da rede pública estadual de Minas Gerais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 44, 29 de novembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/44/historia-da-matematica-como-dispositivo-de-aprendizagem-concepcoes-de-docentes-da-rede-publica-estadual-de-minas-gerais

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.