"Lili do Rio Roncador" na educação: uma resenha da obra de Lucília Junqueira de Almeida Prado

Tereza Maria da Silva Lucas

Mestranda (INFES/UFF)

Lucília Junqueira de Almeida Prado nasceu em São Paulo, porém passou grande parte de sua infância em uma fazenda localizada no Triângulo Mineiro. Fez cursos de francês, inglês e literatura. Com 19 anos, casou-se e foi morar em uma fazenda no interior paulista. Autora de dez livros de contos, além de 65 livros juvenis e infantis, coleciona mais de oito premiações, tendo recebido o prêmio do Pen Club Internacional e, em 1971, o Prêmio Jabuti.

Em seu livro Lili do Rio Roncador, conta a história da personagem Lili, uma franguinha ou pintainha que nasce em um galinheiro, mas perde-se de sua família, passando pelo terrível rio, indo parar em outro local, em uma saga em que, recebendo mentoria, desponta com uma importante missão. Ela é questionada sobre quem é, de fato, e qual seria o seu propósito. A obra é dividida em duas partes marcadas pela passagem da personagem principal, ainda pequena, no Rio Roncador, perdendo-se, assim, de sua mãe. A primeira possui dezessete seções e a segunda, vinte e duas.

O primeiro capítulo aborda o nascimento de Lili e suas irmãs, quebrando o ovo sob as penas de sua mãe. Ao nascer, a pintainha, palavra constante no livro, bica a casca das demais em nascimento, visando ajudá-las, e pergunta-se se esse serviço não caberia à sua mãe. Esse trecho é rico em onomatopeias e interjeições, manifestando riqueza vocabular. Similarmente, encoraja suas irmãs a sorrir para o mundo que as espera, apesar de ser confrontada com críticas, uma vez que ela não conhecia o lugar de habitação, já que acabara de nascer.

No segundo capítulo, os questionamentos prosseguem, pois a personagem indaga-se sobre o motivo de ter apenas duas irmãs, sabendo que era comum galinhas chocarem doze ovos. O texto é narrado em terceira pessoa, entretanto é a personagem recém-nascida quem traz as informações em suas falas. Há uma descrição detalhada e diálogos por todo o texto. As personagens interagem em conversas; além disso, algumas falas e pensamentos surgem destacados entre aspas quando expressos pelo narrador e suas características são marcadas: uma irmã dengosa, uma desconfiada e outra decidida. No final desse capítulo, as franguinhas unem-se para erguer as pernas de sua mãe e ver a claridade do dia.

No terceiro capítulo, elas passeiam pelo lugar. Quando Lili mostra-se conhecedora do ambiente, suas irmãs questionam-se acerca de como ela poderia já saber tanto sobre o mundo, momento em que o narrador explica que um galo da guarda, anjo culto, contrariando as regras, lhe contou histórias e lhe forneceu ensinamentos enquanto estava na casca do ovo. Mas o segredo segue oculto.

No quarto capítulo, outras galinhas, Gabriela e Dulcineia, chegam respectivamente com seus quinze e doze pintinhos, com o galo Dom Quixote. Elas noticiam o nascimento das filhas de Cleópatra, caracterizada por ser vaidosa, orgulhosa e desligada. As três pintinhas recém-nascidas ouvem a crítica sem sequer ter conhecido sua mãe. Lili as chama para subirem em um monte. De lá, veem e admiram sua matriarca. Cabe destacar que a ilustração disposta da galinha Cleópatra (p. 27) faz jus à beleza histórica da personagem em outros enredos.

O quinto capítulo se inicia com as franguinhas tentando chamar a atenção da mãe aos gritos, o que Lili consegue recitando um poema de três versos, perguntando ao espelho se existe alguém mais formosa. É interessante notar os versos estruturados dentro da narrativa. Possivelmente pretendendo afirmar a caracterização de desligada para a mãe. Há a interjeição: “Ôôôôôô!”, seguida da fala: “Vocês já nasceram?“ (p. 29) ao avistar as filhas. Ali, ela concede-lhes os nomes: Lili, Lelé e Lalá, beijando cada uma e proferindo uma denominação por vez, o que certamente demonstra carinho. Contudo, a primeira coisa que a mãe faz ao certificar-se de que não era mais preciso chocar é ir ao penareiro (p. 29) cuidar de sua aparência. Tal palavra assemelha-se a cabeleireiro, apenas colocando penas em lugar de cabelos no vocábulo. Cleópatra ainda diz que no penareiro, suas pernas seriam lavadas e escovadas (p. 31). Ao perguntarem pelo pai, recebem dela a informação de que ele morreu, ensopado ao molho pardo.

O sexto capítulo consagra Lili como a decidida, Lelé como a desconfiada e Lalá como a dengosa. Traz cantigas de roda dispostas em versos dentro do texto: “Ciranda, cirandinha” e “O anel que tu me deste”. Também aparecem outros animais, tais como, perus-gigantes que estofavam (palavra escrita deste modo na página 35, evidenciando vocabulário diferenciado) o peito para gritar, gansos indo tomar banho no açude, bem como o franguinho Riobaldo, que cisca procurando bichinhos para Lili e as irmãs comerem.

No sétimo, o pintinho pergunta se elas são órfãs ou nascidas em máquina-de-chocar, trazendo para a narrativa uma variedade de elementos pertencentes a uma fazenda com galinheiro, alguns mais modernos, a exemplo de chocar artificialmente. Falam sobre o dia de Cleópatra, sobre o almoço com duques e jogar buraco com as primas, filhas do Conde Galo. O narrador traz a futilidade da vida social da mãe e a informação dada por Riobaldo sobre o título do Conde ser comprado, sendo, então, um conde-de-mentirinha (p. 38). As pintainhas são surpreendidas por pessoas vindo olhar as criações para escolher o frango do domingo. Uma passagem que pode ser tão trágica quanto cômica, pois Riobaldo teve dó de falar a verdade e encerra o assunto alegando que elas fazem perguntas demais. Não seriam algumas verdades ocultas ao público, mas vulneráveis da mesma maneira na vida real das pessoas? Outra crítica pode ser manifestada na menção de que a fazendeira virava o pescoço, com dificuldade, devido a gordura “que fazia dobras” (p. 39). Aqui, pode-se questionar tanto o excesso de consumo quanto o modo de retratar pessoas obesas. A mulher ainda informa que Cleópatra jogou para fora do ninho os outros ovos, torcendo para que as filhas da galinha fossem bonitas, porém boas poedeiras e chocadeiras. Quando ia continuar falando mal da mãe das pequenas, Riobaldo cacareja e é elogiado pelo fazendeiro como um futuro galo de briga. Ao perceber que os humanos falariam sobre ensopar um frango, Riobaldo, cacarejando, impede que as pintainhas ouçam o dito sobre o destino de sua espécie.

O oitavo capítulo mostra a pensativa Lili observando as árvores e pensando que não queria ser comida de fazendeiro. Ela viu uma estrada, que segundo Riobaldo culminaria no perigoso Rio Roncador. O franguinho a distrai, dizendo que sabia empinar papagaio tão bem que havia ganhado um concurso. Ela só pensa que gostaria de voar, deixando transparecer uma vontade de conhecer outros rumos.

No nono capítulo, pensam em empinar papagaio. Diante da questão acerca do que seria aquilo, a personagem principal informa sobre os perigos e o cansaço decorrente do processo para colocar o objeto em voo. Riobaldo ri da resposta de Lili para as irmãs alegando que o modo como ela as informa é assustador. Este momento permite pensar sobre as maneiras que se utiliza para ensinar em um processo cotidiano. Neste capítulo, similarmente, elas pensam sobre que animais terríveis podem existir dentro do oco da árvore que lhes fornecia sombra.

O décimo capítulo inicia com Riobaldo buscando o papagaio, dizendo que demorou, porque precisava da ajuda de vagalumes na iluminação do caminho. Fala nomes de times de futebol como São Paulo, Santos, Corinthians e Palmeiras, porque a pipa de Riobaldo era preta, branca e vermelha, cores do seu time. Saindo da sombra da peroba e indo para um campo plano, Lili só pensa no rio que escuta. Lala, não pretendendo ajudar com o papagaio, diz que será a primeira bailarina mesmo que a família seja contra.

No capítulo 11, Lili pede para soltar pipa. Riobaldo permite com a condição de que suas irmãs segurem seus pés, já que ela é muito leve para segurar sozinha. Todavia, aparece um louva-a-deus. Assustadas, as duas soltam a irmã que sai voando. A imagem (p. 54) é dotada de movimento com a pipa no ar: Lili fora do chão, Riobaldo tentando segurá-la e suas irmãs com os pés no ar, como quem salta diante do inseto.

No capítulo 12, a personagem, pensando em alguma solução enquanto voava, lembrou-se de uma canção ensinada por seu anjo-galo a fim de chamá-lo. É um outro pequeno poema que aparece dentro do texto. Vem o arcanjo Rafael dos galos, o seu mentor e fala que ela nasceu para ser líder no Reino Galináceo.

Na continuação, posta no capítulo 13, a personagem principal lembra de mártires da história, citando Joana D'Arc e Madre Joana Angélica. Em conversa com seu anjo, ela fica sabendo de antemão que morrerá com bastante idade, mas não ouve a parte de que ficará caduca. Ela deverá livrar os galos de lutar em uma guerra. O mentor confirma que o aparecimento do louva-a-deus e a ventania que a pôs no ar foram acontecimentos gerados por ele. Quando Lili fala que continua pendurada e com asa doendo durante a conversa com o guia, ele diz que também pode falhar, ao que ela responde, em latim: "Errare humanun est, você sabe: Errar é humano" (p. 65). Ou seja, ela provavelmente teve aulas de outros idiomas.

O capítulo 14 segue com o diálogo entre os dois. Rafael passa a corda do papagaio que leva Lili de uma asa para a outra. Informa que ela está longe de casa, seguindo o curso do rio e que cairá na água. Ela manifesta preocupação por não saber nadar.

O capítulo 15 narra a descida da personagem dentro do rio, tendo sua asa puxada pelo papagaio. Ela reclama do frio e de ter sido jogada contra uma pedra grande. Por fim, segura a linha com o bico e recebe do guia um elogio por tomar boas decisões quando é preciso. Ele a instrui a cortar a corda. Nestas sequências, ela faz grandes críticas ao seu mentor, por exemplo, diz que ele se esquece de observar algumas coisas que poderiam resolver situações e fala que ele já tem bastante idade. As onomatopeias novamente ilustram o frio da pintainha e o barulho produzido pelo rio.

No capítulo 16, o anjo fala que providenciará um barco de folha com remo para Lili e a deixa com perguntas não respondidas. Ela bem que gostaria de saber mais sobre seu futuro, o que se depreende das questões apresentadas. O mentor apenas diz que precisa deixá-la, porque outro protegido o chamou, era Riobaldo. Ela aguarda, sentada em uma pedra, enquanto se seca ao sol.

No capítulo 17, o barco chega, ela sobe, pega os remos-de-picolé (p. 77) e pede ao anjo para ir ajudar Riobaldo. O guia compreende a afinidade entre os dois. Ela rema, cheia de pensamentos positivos, e observa os cenários descritos com pastos, bois, terras cultivadas e águas azuis. Apesar de conseguir ver muitas coisas legais no trajeto, fala: Já “que não tem remédio, devo encarar minha nova vida com otimismo” (p. 78), considerando ser um benefício sobreviver. 

Na segunda parte, a contagem dos capítulos se reinicia. Nesta etapa, surgem três crianças: Liliana, Pingo e Selepe ou Serelepe, que vem nadar e são filhos de um fazendeiro. Dizem a expressão “Ladies first, a mulher primeiro” (p. 85), trazendo uma outra língua para o texto. Com as crianças são inseridas gírias, a exemplo de “O papo é este” (p. 83). A menina encontra Lili afogando-se na correnteza.

No capítulo dois, além de personificar os animais concedendo-lhes características humanas, a personagem Lili fala com Liliana, a humana que a salvou. Diz a menina que derrubou seu barco e a informa seu nome, como Lili do Rio Roncador, determinado assim, por causa do barulho do rio, semelhante a um ronco. As crianças ensinam que pintainha é o diminutivo correto para a fêmea do animal, pois pintinha é mais utilizado para marcas de nascença como aquelas que podem existir na pele das pessoas (p. 87-89), além de identificarem os seus traços delicados ao reconhecê-la como fêmea. Por este motivo, opta-se pela utilização dos termos pintainho e franguinho como sinônimos, ao longo desta resenha. As gírias seguem no vocabulário com a expressão “Que barato” (p. 89), dita por Pingo sobre o nome de Lili.

No capítulo três, as crianças levam Lili para casa. Interjeições e onomatopeias expressam o choro e o frio da pintainha. Liliana, dona das galinhas da fazenda, pede que chamem o doutor galo, Cristiano Bernardo. As crianças passam por um corredor formado por galináceos, de um lado galinhas e galos brancos do outro, galos e galinhas pretas suspeitavam que poderia haver uma guerra entre as duas raças. Liliana fala que não sabe mais como resolver a situação corriqueira das brigas (p. 93). Em resposta, seu irmão diz que ela precisa ser como o rei Salomão, em referência à história bíblica. A menina afirma que quer levar Lili para o seu quarto, afirmando que a ensinará hábitos de higiene.

No capítulo quatro, a passagem pela casa envolve a descrição do ambiente. A avó fala da horta e da lavoura, onde a mãe e o pai das crianças estão. Selepe leva o doutor galo à casa, dentro de um saco e com o bico amarrado, alegando que o médico foi contra a sua vontade, o que os irmãos classificam como um tratamento bárbaro. Ele se zanga com o menino, consulta a paciente e receita apenas bastante alimentação e descanso. A mãe consentiu em deixar Lili morar na casa por causa da sua fina raça, observável até na sua maneira de dormir.

O capítulo cinco conta a vida na casa e seus familiares. Igualmente, cita algumas ações como caçar passarinhos, nomeando sabiá, azulão, pintassilgo etc. (p. 100).

No capítulo seis, Lili e Liliana presenciam uma briga dentro do galinheiro. A menina manda chamar o doutor galo para tratar dos feridos, dentre os remédios receita-se mercurocromo (p. 105), tão logo o vocabulário presente na narrativa abrange a área médica. Liliana informa que se a abriga não se encerrar, todos ficarão um dia sem comer milho. Curiosamente, os galos que haviam brigado e estavam feridos chamam-se Alexandre, grande, Átila, de porte altivo, Júlio César, mencionado por outro frango como traiçoeiro, Napoleão, idealista, Hitler, racista como posto por outro galo e mais alguns guerreiros da história.

No capítulo sete, a menina deixa escapar que precisa de um líder inteligente para acabar com o ódio entre as raças dos galináceos. Logo, Lili entende que seria esta a sua missão. Precisava crescer, estudar e se fortalecer visando ter corpo e mente sã. Ela vinha assistindo as aulas de sua dona. Após uma destas, a família sai para andar a cavalo.

O capítulo oito traz a maior palavra da língua portuguesa (p. 114). É interessante como a autora mescla tantas informações e curiosidades ao longo da história. Fala por exemplo do grito de independência dado por Dom Pedro e menciona alguns nomes de animais em inglês tais como chicken (galinha), cock (galo) e turkey (peru) (p. 114). Aparecem diálogos entre as aulas. As crianças são, igualmente, caracterizadas sendo Pingo, o caçula, um homem de cultura, Selepe alguém que gosta de brincadeiras e Liliana, a fazendeira que pretende se casar e ter filhos. Possivelmente, o sonho da menina está atribuído à ideia existente na sociedade de que a mulher precisa formar uma família para ser feliz. Em outro ponto de vista, vale lembrar que a própria autora viveu em uma fazenda com uma família grande. É mencionado que Lili logo estaria pensando em se casar.

No capítulo nove, a personagem Tatá conta a história do dilúvio com vocabulário característico: “Então, Noé entrô na Arca com seus fios, sua muié e as muiés dos seus fios” (p. 118), o que evidencia a variedade linguística presente nos espaços sendo trazida para dentro da história. Quando estavam indo dormir, ouviram um barulho vindo do galinheiro. As crianças correram e encontraram os animais lutando e muito feridos. Lili chegou primeiro em um voo rasante (p. 119). Emerge o clímax da história onde a personagem terá que cumprir sua missão.

No capítulo dez, Lili pensa em chamar seu anjo da guarda, mas imagina que ele poderia ajudar somente a ela e não a todo o galinheiro. Então, tem a brilhante ideia de tirar os cabeças da rebelião. Indica que as crianças retirem Hitler, Napoleão, Alexandre, Júlio César, Átila, Mussolini e Gêngis-Cã. Os cães também ajudaram a separar. Sem os chefes, a luta cessa. Os líderes são colocados em um quartinho, fora do galinheiro. Lili recomenda, ainda, que as galinhas brancas sejam enfermeiras dos galos pretos e vice-versa, pois de tal maneira uns estariam nas mãos dos outros.

O capítulo onze começa com todos acordando calmamente na manhã de domingo, quando Liliana teria o dia inteiro para resolver a situação. Chegam à conclusão de que o problema foi ter colocado o nome de conquistadores em frangos, o que a menina alega que não mais fará. Um galo de nome Roberto Carlos (como o cantor conhecido), cantava no galinheiro. Decidiram que os galos conquistadores seriam condenados, passando por julgamento, podendo ter advogados de defesa e o rapaz Luiz como promotor. Um ato procurando por justiça.

No capítulo doze, chegam ao quarto e encontram os galos guerreiros mortos. No galinheiro, as enfermeiras tratavam dos demais com dedicação, contudo sem nenhuma conversa ou sorriso. Lili começou a pensar em como fazer para que eles convivessem harmoniosamente. Os corpos foram enterrados no jardim, perto de sete palmeiras, para lembrar onde terminam as lutas.

No capítulo treze, Lili chama o galo Babe para tocar violão no galinheiro. Sua dona acha que ele é um playboy. A caracterização vem acompanhada com a representação da personagem utilizando blusa de couro, óculos escuros e uma moto. A família recebe a visita de um casal que pergunta se não querem criar galos de briga. O pai da menina informa que os galináceos pertencem a ela e diz-lhe que as lutas servem como uma distração, ironicamente, utilizando a expressão um agente pacificador (p. 137) bem como a gíria “esfriar a cuca” (p. 138).

O capítulo quatorze tem as crianças organizando alternativas de distração para os frangos. Montam um ringue no galinheiro, pensam em treinar galos de briga, organizam cantores para rádio, etc. Idealizam meios de unir os brancos e os negros, fazendo com que se enxergassem como iguais, por exemplo, não colocando negro contra branco no combate. Ou seja, na narrativa, não se reprova totalmente a luta entre os galos, mas se coloca condições para a prática. Em meio a tudo, Lili sente-se triste por ainda estar sozinha.

No capítulo quinze, Lili é reconhecida por ser uma grande líder. Mas o frango Babe, ao exibir-se para Lili, é reprovado pela menina. Ela diz que ele só sabe tocar, pois acorda tarde, não estuda e não trabalha. Aqui, Liliana representa a família que se diz preocupada sobre com quem sua protegida se casará, devendo o pretendente ser visto como trabalhador. Os estereótipos são bastante evidentes na história. Ambas ficam por um período de tempo sem se falar devido às divergências de opinião sobre Babe. Além disso, são citados nomes de cantores como Elis, Bethânia e Gal (p. 145).

No capítulo dezesseis, após um espetáculo, Liliana trata Lili como criança na frente do pretendente. A dona é aconselhada pela professora a não ser tão dura a fim de evitar confrontos. Sendo um livro infantojuvenil, este pode ser um modo de levar crianças e jovens a compreender o ponto de vista dos pais ao fornecer conselhos amorosos, já que coloca a menina como responsável por Lili, um jeito de assumir papéis.

O capítulo dezessete traz o futebol como forma de distração para os galináceos. Enfatiza-se o trabalho de equipe necessário ao esporte, contudo alegam que este seria um esporte mais voltado para os homens, assim as mulheres do galinheiro (p. 152) não teriam vez. Avisam que um galo de outro galinheiro chegará para lutar, disseram o nome de Riobaldo e Lili desmaiou.

O capítulo dezoito começa com a Lili desmaiada, recebendo cuidados como chá de alecrim e repouso. Riobaldo começa a lutar. Capitu e Carolina, apelidada de Moreninha, nomes advindos de outras histórias conhecidas, tentam falar com o frango. Lili acorda, percebe que a luta começou, se arruma e vai para o local do combate. Riobaldo a vê e se distrai, porém seu oponente espera ter novamente sua atenção para nocauteá-lo. Lili vai cuidar de Riobaldo que perdera a batalha. Uma sequência típica de um encontro romântico de um casal há tempos separado pelo destino. A página 158, traz uma ilustração que lembra Romeu e Julieta, com Riobaldo deitado.

No capítulo dezenove, a dona fala do comportamento de Lili, por ter subido ao tablado. Riobaldo acorda dizendo que a procurou desde o dia em que ela foi levada pelo papagaio e a pede em casamento. Os donos conversam e o dono de Riobaldo fala que o galo sempre cumpre suas obrigações. Justamente o pai de Liliana fala que ele seria egoísta se não a deixasse se casar.

No capítulo vinte, todos preparam a festa de casamento, encerando o chão e colocando bandeiras nos postes da barraca. Julieta questiona se farão o mesmo no dia do seu casamento com o galo Romeu, o qual procura meios de ir falar com a amada, entretanto o pai de Julieta a segura pela asa. Riobaldo, com cartola e fraque, informa que a mãe e as irmãs de Lili chegaram.

No capítulo vinte e um, a mãe de Lili não demonstra se importar com a aparência, porém quer abraçar a filha e chora ignorando a maquiagem, mesmo quando a outra filha a adverte de estar borrando a pintura dos olhos. Lalá, fala que foi convidada para o balé das frangas inglesas e Lelé continuava desconfiada. Enquanto arrumavam a noiva, Lili diz que apresentará Lelé a Babe, imaginando que ela se divertirá. Outra vez, a dona parece um pouco apreensiva, mas isto não impede o diálogo.

O capítulo vinte e dois conta o casamento, com o pai de Julieta e o médico entrando com Lili durante a marcha nupcial. A mãe e a dona da personagem principal arrumando o seu vestido, a família de Liliana tirando fotos e tocando a música na vitrola, o galo, padre Anchieta, na celebração, a dança dos noivos no baile e outros elementos importantes para a festividade. Personagens como Leopoldina, Carlota Joaquina e Pedro, da História do Brasil, nomeiam galináceos. Como em toda jornada do herói, ao final, Lili volta para sua casa após cumprir sua missão. Casada com Riobaldo, espera-se que ela tenha uma ninhada de filhos, novamente o papel dado à mulher pela sociedade, já que na história, a própria personagem não se sente feliz até se casar.

Embora a história seja marcada por uma jornada cujo roteiro é conhecido, a saga do herói, muitos elementos são incorporados ao texto. A própria idealização de uma personagem deslocada, que passa por uma situação desafiadora, recebe auxílio, se fortalece e desponta heroicamente, já mexe com o leitor fazendo com que este deseje o seu sucesso. Contudo, na história, é possível pensar sobre o papel da mulher no mundo. Apesar de ser uma grande líder, Lili é infeliz por ser solteira. Também, a noção de divertimento para o povo, se é ou não é errado lutar, além da temática do racismo, entre os animais divididos em brancos e negros e outros aspectos ideológicos a partir dos argumentos que constam nas falas das personagens, como a dona que se preocupa com parceiro com quem Lili se casará, o qual precisa trabalhar e não só se dedicar à música.

O livro é dividido em duas partes, com cerca de quatro páginas cada capítulo. Não se pode dizer que um seja mais importante do que o outro, visto que a história é gradativa, tendo os fatos interligados em sequência. Mas é possível o leitor manifestar conexão pessoal com algumas partes específicas, conforme a temática retratada. Por exemplo, há mais passagens de luta nos capítulos 10 a 12 e mais romance no capítulo 18 em diante, ambos na segunda parte da trajetória.

São mencionadas personagens de outros autores, como Romeu e Julieta, de Shakespeare; o rio, denominado Macunaíma, remete ao livro de Mário de Andrade; os cantores como Roberto Carlos e Elis Regina etc. Acerca do contexto de produção, a história se passa em uma fazenda e sabe-se que a escritora também vivia em uma fazenda com sua família.

O estilo é objetivo, porém algumas referências só podem ser obtidas com conhecimento prévio da história, a exemplo de conhecer um pouco sobre os conquistadores mencionados, o que não prejudica a compreensão generalizada do texto. Também é um texto conciso, preciso, em linguagem clara e acessível, abrangendo explicações dos termos utilizados, quando necessário, por exemplo quando traduz palavras em outros idiomas. A coerência é apresentada até nas escolhas dos vocábulos, mesclados à trajetória, pois os conquistadores são guerreiros, os cantores denominam animais que cantam na história e até o nome da mãe de Lili, Cleópatra, evidenciam relação com o status das personagens. Alguns nomes são explicados, como as crianças chamadas Pingo, por ser o menor e Serelepe, o brincalhão. A linguagem apresentada é simples, palavras menos comuns são acompanhadas de explicações, a exemplo de expressões estrangeiras e gírias.

A forma apresentada é sistematizada, com acontecimentos gradativos. O texto é escrito em prosa, com narração em terceira pessoa, diálogo e inserção de alguns poemas e músicas, escritos em versos no meio da história. A história é ilustrada em algumas partes, tendo o desenho de algumas cenas em páginas inteiras em xilogravura. Não parece haver falha de edição, embora algumas gírias e expressões possam ser modernizadas em adaptações posteriores à edição analisada.

A história contribui com a inserção de elementos históricos, cultura geral e entretenimento na narrativa. As ideias são criativas e originais, provavelmente advindas do cotidiano da autora, que tinha contato com ambiente similar ao retratado no texto. Os saberes são tratados de forma inovadora, imersos ao longo da história de Lili. Não há propriamente argumentação, mas contação da história ligada à temática da fazenda.

A obra pode ser lida por um público geral, embora foque em crianças e adolescentes. Não é necessário ser especialista para compreender a história integral, entretanto alguns conhecimentos prévios facilitam a depreensão de algumas sutilezas a exemplo dos adjetivos que acompanham os nomes das personagens, bem como ideologias presentes nas posturas adotadas, como a menina que repreende Lili por andar com um galo que usa casaco de couro e anda de moto.

O texto é típico da literatura infantojuvenil. Contém a famosa jornada do herói, na qual uma personagem, aparentemente deslocada, mas com uma vida normal, gradativamente vai sendo confrontada com uma missão a cumprir, depois de sair do seu ambiente natural e é instruída por um mentor a descobrir o que pode fazer para contribuir com o coletivo. Vejo um paralelo com a descoberta de um indivíduo para a missão de ser um educador, em um processo, remando a cada dia por um árduo percurso, até chegar na sala de aula com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de outros indivíduos no mundo.

Referência

PRADO, Lucília Junqueira de Almeida. Lili do Rio Roncador. Ilustr. Sidnéia Tocchini. 9ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.

Publicado em 29 de novembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

LUCAS, Tereza Maria da Silva. "Lili do Rio Roncador" na educação: uma resenha da obra de Lucília Junqueira de Almeida Prado. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 44, 29 de novembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/44/lili-do-rio-roncador-na-educacao-uma-resenha-da-obra-de-lucilia-junqueira-de-almeida-prado

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