A Matemática Escolar e a Matemática do Cotidiano: o caso dos produtores rurais de Uruçuca/BA

Mariana de Oliveira Santana

Estudante do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro, da Bahia

Rosangela Silva Santos

Estudante do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro, da Bahia

Emanuelly da Cruz Costa

Estudante do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro, da Bahia

Caio Oliveira

Licenciado em Matemática, mestre em Educação Matemática (UESC), docente da rede pública de ensino da Bahia

Djavan Silva Santos

Licenciado em Matemática, mestre em Matemática (UFBA), docente da rede pública de ensino da Bahia

Ao observar a História da Matemática no processo de desenvolvimento das civilizações, percebe-se que ela surgiu e foi sendo desenvolvida em função da necessidade de cada sociedade. Segundo Cândido (2006), essa necessidade humana em solucionar os desafios do dia a dia, ligados à sua subsistência, levou o homem a desenvolver o conhecimento matemático.

Nesse sentido, muito antes da existência de instituições de ensino, este conhecimento já era utilizado por cada povo em um contexto cultural próprio. De acordo com D’Ambrosio (2008), a principal característica da metodologia voltada para a Etnomatemática é a capacidade de observar e analisar as práticas de comunidades e populações diferenciadas.

Corroboramos Carraher, Carraher e Schliemann (2006, p. 12), no sentido de que “a Matemática não é apenas uma Ciência: é também uma forma de atividade humana”. De fato, nota-se que a Matemática está presente em nossas vidas de alguma forma. Mas será que esse conhecimento matemático que adquirimos e percebemos em nosso cotidiano é o mesmo que vemos no âmbito escolar? Qual seria a razão de muitos conseguirem utilizá-lo para solucionar problemas no seu dia a dia, mas possuírem baixo rendimento escolar?

De acordo com o Censo 2010 (IBGE, 2010), o município de Uruçuca conta com cerca de 79,64% de população urbana e 20,46% de população rural. Essa população rural, geralmente, sobrevive da agricultura familiar. Segundo Ney, Souza e Ponciano (2010), no Ensino Fundamental, a evasão escolar de estudantes desta população é muito mais rápida do que os da população urbana.

Diante desse cenário, emerge a questão de pesquisa: quais as relações existentes entre a Matemática Escolar e a Matemática do Cotidiano no âmbito de produtores rurais do município de Uruçuca/BA?

Procedimentos metodológicos

Neste estudo, buscamos investigar as relações existentes entre a Matemática Escolar e a Matemática do Cotidiano, no âmbito de produtores rurais. Considerando a disponibilidade e o interesse em participar do estudo, foram convidados dez produtores rurais do município de Uruçuca/BA.

Sendo assim, utilizamos a técnica de entrevista semiestruturada (Minayo, 2004), com um instrumento contendo quinze perguntas centradas em questões profissionais e cotidianas. Vale salientar que o instrumento foi elaborado com o intuito de identificarmos qual relevância que eles atribuem à Matemática, como a aplicam em seu cotidiano e quais métodos utilizam para este feito. Também, possibilitar a comparação entre o grau de escolaridade corresponde com o saber que possuem.

Para melhor compreensão, as entrevistas foram gravadas em áudio, com o auxílio de smartphones e transcritas em um editor de textos no computador.

Matemática Escolar X Matemática do Cotidiano

Para o presente estudo, assumimos as definições sobre Matemática Escolar e Matemática do Cotidiano, propostas por David, Moreira e Tomaz:

Matemática Escolar, vista como um conjunto de práticas e saberes associados ao desenvolvimento do processo de educação escolar em matemática (que não se restringem ao que se ensina aos alunos na escola, porque inclui também, por exemplo, os saberes profissionais vinculados ao trabalho docente nesse processo); […] Matemática do cotidiano, vista como um conjunto de ideias, saberes e práticas (frequentemente, mas nem sempre, com um correspondente na matemática escolar) utilizadas em situações do cotidiano (dia a dia, trabalho, etc.) fora da escola (David; Moreira; Tomaz, 2013, p. 45).

Resultados

Ao analisarmos as respostas dadas por cada entrevistado, observamos alguns dados significativos sobre a relação da Matemática na vida dos produtores rurais. Identificamos que 90% dos entrevistados consideram a Matemática importante em suas vidas e pelo menos 80% a utilizam e a relacionam com suas práticas diárias. Podemos verificar isso nas falas dos entrevistados E2 e E3:

P6: Você considera a Matemática importante em sua vida? Por quê?

E2: Sim. Porque com a Matemática eu decido a hora que eu desço pro trabalho, a hora que eu saio, quantas rumas tem, quantas arrobas vai dar o cacau, enfim. É nessa área aí, a Matemática serve.

P7: Você utiliza a Matemática em suas tarefas do dia a dia? Se sim, cite exemplos.

E3: Sim. É... Em tudo que eu faço, né? No meu manejo de trabalho, no que eu vendo, tudo tem que contabilizar, pra ver o que é que tô fazendo, né? Se tô ganhando, se tô perdendo, se tô tendo lucro ou não.

Também observamos que os produtores lançam mão de distintos meios para medições de áreas, alguns fazendo uso de unidades de medidas conhecidas, outros utilizando alguma estimativa, cálculos mentais ou métodos rústicos, como medir "braçalmente" ou por meio de corda.

De fato, Matos e Brito (2012) afirmam que o cálculo de área, no meio rural, é muito utilizado, já que os produtores separam as terras para cultura do seu produto. Contudo, as unidades de medidas utilizadas por eles não são encontradas em livros didáticos de Matemática.

Algo muito interessante que notamos foi o fato de que a entrevistada E5 estudou até o 2° ano do Ensino Fundamental, contudo, em uma das suas respostas, citou a aplicação de porcentagem, conhecimento que provavelmente não chegou a adquirir na escola, levando em consideração o seu grau de escolaridade. Sendo assim, podemos presumir que isso foi algo que ela aprendeu devido a necessidade do uso de tal saber na sua prática cotidiana de trabalho.

Outra situação que nos chamou a atenção diz respeito ao entrevistado E8, que afirmou não utilizar a Matemática em suas tarefas do dia a dia. Ao perguntarmos sobre quais métodos utiliza quando precisa fazer cálculos, ele se expressa dizendo: “Eu mando as meninas anotar lá, faz o cálculo lá pra mim”. Todavia, ao responder sobre como ele sabe quantas mudas de cacau cabem em um terreno, evidenciamos uma noção de proporcionalidade em sua fala, ao apontar que: “É porque um saco de adubo é... são 1.000 pés de cacau, aí a gente tem que dividir. 2 sacos de adubo são o quê? 2.000 pés de cacau”. Esse resultado mostra que mesmo sem perceber o conhecimento formal este produtor emprega o seu saber matemático no cotidiano.

Considerações finais

A inspiração para o estudo ocorreu em função da economia atual do município de Uruçuca/BA, fortemente atrelada à agricultura. Notamos que a Matemática do Cotidiano é útil aos produtores, pois as estimativas realizadas por eles são bem aproximadas. Sendo assim, percebemos que as duas Matemáticas (Escolar e do Cotidiano) são importantes e se complementam. Desse modo, torna-se necessário refletir sobre outras Matemáticas para além da Matemática Escolar, mesmo no âmbito escolar, de maneira que possibilite uma Educação Matemática prática que auxilie na construção da cidadania.

Referências

CARRAHER, Terezinha. N.; CARRAHER, David. W.; SCHLIEMANN, Ana. D. Na vida dez, na escola zero. 14ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.

CÂNDIDO, Suzana L. A Matemática: uma construção da humanidade. In: MURRIE, Zuleika de Felice. Matemática e suas tecnologias: Livro do Estudante, Ensino Médio. Brasília: MEC/Inep, 2006.

D’AMBROSIO, Ubiratan. O programa Etnomatemática: uma síntese. Acta Scientiae, v. 10, nº 1, p. 7-16, 2008.

DAVID, Maria M.; MOREIRA, Plínio C.; TOMAZ, Vanessa S. Matemática escolar, Matemática acadêmica e Matemática do cotidiano: uma teia de relações sob investigação, 2013.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Resultado dos Dados do Censo 2010. Disponível em:  https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/urucuca. Acesso em: 19 set. 2019.

MATTOS, José R. L.; BRITO, Maria L. B. Agentes rurais e suas práticas profissionais: elo entre Matemática e Etnomatemática. Ciência & Educação, Bauru, v. 18, nº 4, p. 965-980, 2012.

MINAYO, María C. S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 2004.

NEY, Marlon G; SOUZA, Paulo M.; PONCIANO, Niraldo J. Desigualdade de acesso à educação e evasão escolar entre ricos e pobres no Brasil rural e urbano. InterSciencePlace, v. 1, nº 13, 2015.

Publicado em 06 de dezembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SANTANA, Mariana de Oliveira; SANTOS, Rosangela Silva; COSTA, Emanuelly da Cruz; OLIVEIRA, Caio; SANTOS, Djavan Silva. A Matemática Escolar e a Matemática do Cotidiano: o caso dos produtores rurais de Uruçuca/BA. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 45, 6 de dezembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/45/a-matematica-escolar-e-a-matematica-do-cotidiano-o-caso-dos-produtores-rurais-de-urucucaba

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