Estudo do lúdico no ensino de Matemática: uma pesquisa bibliográfica exploratória

Christiano Henrique Rezende

Licenciado em Matemática e especialista em Ensino da Matemática (Faculdade Campos Elíseos)

Segundo Kishimoto (2010), o lúdico é relacionado ao ato de brincar; quando a criança brinca, ela relaciona a experiência vivida ao ato de se divertir. Os jogos, brinquedos e brincadeiras fazem parte da rotina da criança na escola, na rua, no parque, em casa ou em outros ambientes sociais. Portanto, essas atividades são tanto fonte de lazer como facilitadores no seu processo de aprendizagem nas mais diversas áreas do conhecimento.

São trazidos em pesquisas, estudo de análises qualitativas sobre a ludicidade do ensino de Geometria nos anos finais do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada foi a aplicação de formulários para o professor e para os alunos que participaram de uma oficina temática realizada em uma escola localizada na zona rural do município de Cristópolis/BA. Os alunos responderam um formulário antes e depois da oficina. Com as respostas obtidas utilizou-se uma abordagem exploratória para analisar as respostas. Como resultado, identificou-se a importância da ludicidade como alternativa metodológica para as aulas de Matemática. Pelas respostas dos alunos, percebeu-se que o interesse pelo assunto e o aprendizado são melhores quando se utilizam métodos lúdicos (Silva; Santos de Souza; Cruz, 2020).

Hiratsuka (2006) afirma que há deficiência no aprendizado de Geometria, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Aponta também que os próprios professores apresentam dificuldade no entendimento da Geometria e, dessa forma, não abordam ou abordam pouco esse conteúdo com os alunos. Parte dessa dificuldade se inicia na concepção tradicional da Matemática, que é uma ciência exata, formal e abstrata, o que conduz a um ensino tradicional e desprovido de significado para os alunos. Ao utilizar atividades lúdicas, em um primeiro momento os alunos vivenciam atividades relacionadas a experiências anteriores e providas de sentido; em um segundo momento, é realizado um trabalho de síntese coletiva para refletir sobre os ocorridos e relacionar aos conceitos geométricos, que agora possuem contexto e significado.

Kaminski et al. (2019) abordam o uso de tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) em dois contextos diferentes – em uma escola urbana e uma escola indígena. Foram apresentados jogos digitais para ensino de Matemática, que tiveram bom proveito dos alunos de ambas as escolas. Na escola urbana, houve domínio maior da atividade por conta da familiaridade com a tecnologia, enquanto na indígena os alunos apresentaram maior dificuldade com o uso dela. Apesar das dificuldades tecnológicas, as dificuldades com o conteúdo foram similares nos dois casos. Ficou evidente que a contextualização das atividades propostas com a realidade dos alunos é importante para que seja mais bem aproveitada, já que a ludicidade é baseada na experiência e familiaridade dos alunos, além das práticas multidisciplinares utilizadas no ensino de Artes e Matemática, em especial a Geometria Plana, em uma turma do 8º ano. Como temática, foram utilizados o Tangram e as obras de Maurits Cornelis Escher, auxiliados pelo software Geogebra (Silva; Gautério, 2019). Foi enfatizado que as atividades foram proveitosas justamente por serem carregadas de significado e por serem dinâmicas, fugindo dos moldes do ensino tradicional. A multidisciplinaridade torna-se vantajosa, pois um assunto consegue ser tratado utilizando abordagens diferentes ao mesmo tempo, despertando o interesse do aluno em superar os desafios propostos.

O objetivo do trabalho é traçar um panorama dos estudos de 2011 a 2021 sobre o tema “ludicidade no ensino da Matemática”, identificando características e tendências.

Metodologia

Neste trabalho foram analisados artigos publicados em periódicos nacionais de janeiro de 2011 até junho de 2021. O critério de seleção dos periódicos foi: Periódicos classificados como Qualis A1 e A2 na plataforma Sucupira (Capes) no quadriênio 2013-2016 na área de avaliação de Ensino, com título em português e possuindo o termo “Matemática”. Portanto, foram excluídos da análise as revistas, os periódicos de caráter internacional, latino-americanos e títulos em espanhol.

O trabalho é uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório (Gil, 2008), em que se buscaram nos periódicos selecionados os seguintes termos: lúdico, ludicidade, jogo, jogos, TIC, tecnologias digitais de informações e comunicação, tendo como finalidade delimitar o espaço amostral a artigos que possuam esses temas.

Em sequência os seguintes passos foram aplicados: 1) catalogação, 2) leitura, 3) filtragem dos dados, 4) agrupamento e 5) interpretação.

Na etapa de catalogação (1), foi utilizado o programa Excel, da Microsoft, versão para Microsoft 365, para coletar as seguintes informações dos artigos pesquisados: periódico, ano de publicação, autores, título, palavras-chave e endereço eletrônico. Na etapa de leitura (2), foi feita busca nos artigos catalogados para identificar dados como tipo de recurso abordado, conteúdo abordado e público-alvo, para serem inseridos no catálogo de artigos.

Na etapa de filtragem (3), foi delimitado o corpo da análise, que nesta pesquisa se baseou em recursos lúdicos utilizados no ensino da Matemática, e foram retirados do catálogo artigos cujos temas não se enquadravam na proposta.

Após a filtragem dos artigos, foram realizados agrupamentos (4) dos conteúdos abordados em áreas correlatas para melhor quantificação; para ter melhor visualização dos dados, gráficos e tabelas foram elaborados, o que auxiliou na interpretação (5).

Catalogação, leitura e filtragem

Os periódicos escolhidos como base de dados para esta pesquisa são os apresentados no Quadro 1.

Quadro 1: Periódicos utilizados

Nome

Abreviação

Qualis

Boletim de Educação Matemática

Bolema

A1

Educação Matemática em Revista

EMR

A2

Educação Matemática em Revista - RS

EMR-RS

A2

Educação Matemática Pesquisa

EMP

A2

Revista de Educação em Ciências e Matemática

Amazônia

A2

Revista de Educação, Ciências e Matemática

RECM

A2

Revista Eletrônica de Educação Matemática

Revemat

A2

Na primeira etapa de catalogação, foram coletados 185 artigos. Como o periódico Bolema possui duas plataformas de pesquisa de artigo, parte deles foi repetida, por serem comuns a ambas. Visando eliminar artigos duplicados, uma filtragem prévia foi realizada após a coleta inicial.

Em sequência, na etapa de leitura, foram identificados os seguintes dados adicionais para o banco de dados:

  • Tipo de recurso: qual o recurso utilizado nas atividades lúdicas, sendo categorizado inicialmente em recurso analógico e/ou digital e subcategorizado em material utilizado (por exemplo, jogo ou software digital).
  • Conteúdo abordado: qual o conteúdo que a atividade lúdica aborda. Quando o recurso abordou mais de um conteúdo, ele foi catalogado como “Diversos”.
  • Público-alvo: para qual público o recurso foi elaborado, sendo dividido pelos períodos escolares (Educação Infantil, anos iniciais ou finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior), formação de professores, Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou ferramenta de inclusão.

Durante as leituras, foi identificado que as pesquisas pelo termo “jogo” e “jogos” retornaram artigos de educação que abordavam o assunto ‘jogo de linguagem’ na Matemática, conteúdo filosófico tratado por Wittgenstein, como Maron explica:

Nas investigações filosóficas, Wittgenstein argumenta que a atribuição de significado às palavras se dá pelo uso que fazemos delas nos diferentes contextos sociais – os jogos de linguagem –, que para ele são os processos de denominação e de repetição da palavra pronunciada e também “a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem entrelaçada” (Wittgenstein, 2014 apud Maron, 2016).

Ao pesquisar por “TIC” ou “tecnologias digitais de informações e comunicação”, foi identificado outro grupo de artigos em que o assunto principal era a familiaridade dos docentes com o uso de TIC, enfatizando as vantagens do uso de tais recursos e da formação continuada de professores, porém eles não abordavam os aspectos lúdicos desses recursos.

Foram identificados, também, artigos de resenhas de dissertação e tese que, por mais que o assunto se enquadrasse no tema da pesquisa, não apresentam trabalho metodológico completo, então não podem ser considerados na base de dados da análise.

Portanto, durante essa nova etapa de filtragem, os artigos envolvendo assuntos fora do escopo da pesquisa foram suprimidos do banco de dados. Restaram, por fim, 79 artigos dos 185 inicialmente coletados, distribuídos nos periódicos conforme indicado no Quadro 2.

Quadro 2: Quantidade de artigos por periódico

Periódico

Quantidade de artigos

Revemat

18

EMR-RS

17

Bolema

12

EMR

11

EMP

10

RECM

10

Amazônia

1

Apesar de o periódico Amazônia possuir artigos de ensino da Matemática em seu escopo, durante as buscas pelos termos chave apenas um dos artigos exibidos era dessa área; os outros pertenciam à área de Ensino e Educação em Ciências.

Agrupamento e interpretação

Para auxiliar na análise dos dados, eles foram agrupados em áreas de análise: por tipo de recurso, por ano, por conteúdo abordado e por público-alvo.

Tipo de recurso

Os tipos de recurso inicialmente foram agrupados em analógicos ou digitais, identificando que a maioria dos artigos (45 a 57%) trata de recursos analógicos, conforme indicado na Figura 1, enquanto 30 artigos (38%) abordam recursos digitais. Finalmente, quatro artigos (5%) abordaram tanto recursos analógicos quanto digitais atuando em conjunto, o que não seria indicado agrupar nas categorias anteriores, sendo categorizados independentemente.

Figura 1: Grupos de recursos abordados nos artigos

Após definir os grupos de recursos em analógico, digital ou o conjunto de ambos, foi identificado qual o tipo do recurso utilizado em cada artigo. O resultado dessa quantificação é apresentado no Quadro 3.

Quadro 3: Tipo de recurso utilizado por grupo

Analógicos

Quant.

Jogo

37

Atividades

5

HQ

1

Problemas

1

Literatura

1

Total:

45

Digitais

Quant.

Jogo

14

Software

14

Filme

1

Problemas

1

   

Total:

30

Analógicos/

Digitais

Quant.

Jogo

3

Atividade

1

   
   
   

Total:

4

Como o lúdico é relativo ao jogo e à brincadeira, já era esperado que a maioria dos recursos abordados fosse de jogos; entretanto, no grupo de recursos digitais há um crescente uso de softwares que não são jogos no ensino lúdico da Matemática. Um destaque pode ser feito ao software Scratch, um software livre desenvolvido em 2007 pelo Lifelong Kindergarten Group, um grupo de pesquisa do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e constitui-se como linguagem de programação visual, permitindo ao usuário criar interativamente suas histórias, animações, jogos, simuladores e ambientes visuais de aprendizagem, entre outros.

Por ano

Na Figura 2, verifica-se a distribuição dos artigos publicados ao longo dos anos, além da distinção entre os grupos de recurso abordados. Há predominância dos artigos abordando recursos analógicos em todos os anos, com exceção de 2015 e 2019, em que os artigos abordando recursos digitais são maioria. Há oscilação ao longo dos anos na quantidade de artigos abordando a ludicidade no ensino da Matemática, porém a tendência aponta para crescimento na quantidade total de artigos; os picos ocorreram nos anos de 2018 e 2020.

Figura 2: Quantidade de artigos e tipos de recurso por ano

É válido assinalar que o ano de 2021 foi desconsiderado nesta análise, para evitar distorções numéricas.

Público-alvo

Ao agrupar os artigos por público-alvo do recurso de ensino, identifica-se que o grupo mais abordado pelos artigos foi o dos anos finais do Ensino Fundamental, como ilustra a Figura 3, seguido pelos anos iniciais do Ensino Fundamental e pelo Ensino Médio. Apesar de não ser uma faixa de ensino, quatro artigos abordaram o uso dos recursos lúdicos para o ensino do conteúdo de Matemática para alunos com algum tipo de deficiência.

Figura 3: Público-alvo dos recursos

Como tentou-se analisar todos os públicos em que os recursos seriam utilizados, em alguns artigos foram identificados grupos diferentes de público-alvo; portanto, o somatório dos valores das categorias é maior que o total de artigos.

Conteúdo abordado

Com relação ao conteúdo abordado, pôde-se verificar que 20 a 25% dos artigos exploraram recursos utilizados no ensino de diversos conteúdos simultaneamente, conforme ilustra a Figura 4.

Figura 4: Conteúdos abordados pelos recursos

Ao analisar os artigos explorando recursos lúdicos com conteúdos específicos, evidenciou-se que Aritmética foi o mais explorado, com 13 artigos (16%), seguida de Geometria, com 11 artigos (14%), e Probabilidade e Estatística, com 10 artigos (13%), indicando possíveis conteúdos com maiores dificuldades de aprendizado, o que indica necessidade de maior atenção pelos professores.

Considerações finais

Ao traçar este estudo bibliográfico exploratório, verificou-se a relevância do tema nos anos de 2011 a 2021 no âmbito dos periódicos classificados como Qualis A1 e A2 na plataforma Sucupira – Capes no quadriênio 2013-2016, na área de avaliação de Ensino, identificando tendência crescente de publicação ao logo dos anos, com pico em 2018 e 2020. Ao mapear as características dos artigos, verificou-se a predominância dos recursos lúdicos analógicos, quando analisado por grupo de recurso, e dos jogos, quando considerado o tipo deles. Os anos finais do Ensino Fundamental tiveram a maior quantidade de recursos produzidos, indicando tendência de área para o uso da ludicidade em Matemática.

Compreende-se que a área da ludicidade em Matemática está em constante desenvolvimento de pesquisas, principalmente no que tange ao segundo segmento do Ensino Fundamental. Entretanto, compreende-se a necessidade de uso da ludicidade para todos os segmentos escolares, uma vez que a proposta lúdica influencia diretamente o processo de aprendizagem do educando, auxiliando na concepção de conceitos e uso em sua vida cotidiana.

Por fim, estipula-se que a ludicidade e as pesquisas devem ser utilizadas para fins acadêmicos para observar possíveis pesquisas. Dessa forma, a compreensão qualitativa dos dados apresentados se configura como pesquisa inicial para estudos múltiplos futuros.

Referências

Gil, Antonio. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2010.

HIRATSUKA, Paulo I. O lúdico na superação de dificuldades no ensino de Geometria. Educação em Revista, v. 7, p. 55-66, dez. 2006.

KAMINSKI, Márcia R. et al. Uso de jogos digitais em práticas pedagógicas realizadas em distintos contextos escolares. 2019.

KISHIMOTO, Tizuko M. Brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil do Brasil. Cadernos de Educação de Infância, v. 90, p. 4-7, 2010.

MARON, Cristienne D. R. D. M. Modelagem matemática como jogo de linguagem. XX EBRAPEM. Anais... 2016.

SILVA, Américo J. N. da; SANTOS DE SOUZA, Ilvanete dos; CRUZ, Idelma S da. O ensino de Matemática nos anos finais e a ludicidade: o que pensam professora e alunos? Educação Matemática Debate, v. 4, p. e202018, maio 2020.

SILVA, Raquel S. D.; GAUTÉRIO, Vanda L. B. Práticas multidisciplinares: atividades lúdicas e tecnologia digital aliada ao estudo de Artes e Geometria. Relacult - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, v. 5, maio 2019.

Publicado em 13 de dezembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

REZENDE, Christiano Henrique. Estudo do lúdico no ensino de Matemática: uma pesquisa bibliográfica exploratória. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 46, 13 de dezembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/46/estudo-do-ludico-no-ensino-de-matematica-uma-pesquisa-bibliografica-exploratoria

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