"Letramento": um clássico sobre o ensino de línguas

Tiago Mendes de Oliveira

Doutorando em Estudos de Linguagens (Cefet/MG), licenciado em Pedagogia (CESG) e em Filosofia e Letras (Uninter)

Fonte: Editora Autêntica.

O debate sobre os letramentos e suas relações dialéticas com a alfabetização representa um importante viés teórico dos estudos sobre aprendizagem de línguas especialmente com foco no caráter social e histórico da linguagem. Entretanto, tal questão não passa ao largo de incompreensões e, mesmo, de questionamentos de cariz ideológico.

Nesse debate, Magda Soares se destaca como importante pesquisadora com dezenas de obras publicadas. A autora é graduada em Letras e doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, instituição na qual lecionou até se aposentar como professora titular. Além de diversos outros trabalhos, integra o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), da Faculdade de Educação da UFMG.

No livro Letramento: um tema em três gêneros (2009), Soares apresenta discussões ao mesmo tempo didáticas e profundas. Como se pode deduzir pelo título, são textos diferentes – um verbete, um didático e um ensaio – anteriormente publicados ou disponibilizados. Reunir textos em coletâneas sempre apresenta o risco de criar um livro desigual e até mesmo incoerente. Todavia, na obra em questão, os conteúdos conversam e convergem para uma visão de mundo baseada na ideia de que “o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita” (Soares, 2009, p. 40).

Na primeira parte, “O que é letramento?”, a autora reflete sobre o conceito, à época da primeira publicação do artigo (1996), recente no meio acadêmico brasileiro e que ainda causava estranheza. Por isso, a pesquisadora se dedica a conceituá-lo e diferenciá-lo da alfabetização. O uso do primeiro termo visa marcar uma mudança na maneira de se pensar o acesso à leitura e à escrita, que deixa de ser visto como “mera aquisição da tecnologia de ler e escrever” e passa a ser pensado como inserido nas práticas sociais. Assim, uma pessoa que saiba codificar e decodificar a escrita não necessariamente é letrada, pois, para tanto, é necessário que seja capaz de usar tais conhecimentos em contextos de interação pessoal e profissional.

No segundo momento, “O que é letramento e alfabetização”, a autora aprofunda as reflexões e traz um texto, de fato, didático, pois contém esquemas, atividades e exemplos de textos autênticos, como de jornais, por exemplo. Dentre as diversas questões levantadas, merece destaque a reflexão acerca dos chamados países desenvolvidos – de “primeiro mundo”, quando o texto foi escrito – onde praticamente não há analfabetismo, mas há “iletrismo”, isso é, os jovens e adultos “sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego – os níveis de letramento é que são baixos” (Soares, 2009, p. 57).

E, por fim, no terceiro texto, “Letramento: como definir, como avaliar, como medir” – o mais longo do livro, rotulado como ensaio, mas que se aproxima mais de uma monografia –, Soares se dedica a pensar sobre os processos para o levantamento de dados relativos aos níveis de letramento e os diversos problemas advindos destes, sobre questões de ordem técnica, conceitual, ideológica e política. A autora conclui que levantamentos censitários por autoavaliação e pelo número de pessoas formadas apresentam dados precários, sendo recomendado procedimentos de avaliação e medição por amostragem, permitindo, assim, investigar habilidades e práticas sociais de leitura e escrita.

Nessa perspectiva, portanto, Magda Soares (2009) informa que o conceito de letramento foi introduzido no Brasil, na década de 1980, e faz referência à aprendizagem da língua em suas convenções, mas também das práticas sociais e culturais relacionadas ao escrito. Assim, demanda o desenvolvimento de habilidades de compreensão e produção de textos em diversos gêneros, tipos e suportes, com interlocutores/as, objetivos e funções, também, diversas. Logo, um discurso adequado ao seu contexto. Letrar, portanto, é mais amplo e complexo que alfabetizar, já que este segundo termo está tradicionalmente associado ao domínio de regras alfabéticas e ortográficas.

A obra em tela apresenta discussões relevantes para diversas áreas do conhecimento, entre outras, para as ciências da educação, as ciências da linguagem e as ciências da sociedade, sobretudo para profissionais com interesse nas teorias e nas práticas do ensino de linguagens, em uma perspectiva que favoreça a compreensão da língua como fenômeno social, pois ser uma pessoa letrada ultrapassa o domínio das regras ortográficas e gramaticais. Como afirma Soares (2009, p. 16), está implícito ao conceito de letramento “a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la”. Recomenda-se, ademais, que a leitura prossiga por outros textos da autora, tais como Alfabetização e letramento (2021, edição revista) e Linguagem e escola: uma perspectiva social (2017).

Referências

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. Edição revista e ampliada. São Paulo: Contexto, 2021.

______. Letramento: um tema em três gêneros. 3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. (Linguagem e educação).

______. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Contexto, 2017.

Publicado em 08 de fevereiro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Tiago Mendes de. "Letramento": um clássico sobre o ensino de línguas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 5, 8 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/5/letramento-um-classico-sobre-o-ensino-de-linguas

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