O brincar nas crianças autistas

Fabio José Antonio da Silva

Doutor em Educação Física (UEL), servidor da Prefeitura de Apucarana/PR

A infância é uma fase única, em que a criança adquire aprendizagens essenciais para seu desenvolvimento ao longo de toda a vida. Nessa fase tão importante e fundamental, o brincar é imprescindível, assim como todo o conhecimento que se adquire com ele. Pela brincadeira a criança percebe a si mesma, o outro e o mundo que a cerca; e desenvolve muitas habilidades.

Com base nessa premissa, o brincar é essencial para um desenvolvimento pleno do indivíduo. Mas como podemos desenvolver essas habilidades com as crianças autistas? Segundo a Classificação Internacional de Doenças - CID 10 (Organização Mundial da Saúde, 1993), o autismo é definido como um transtorno invasivo do desenvolvimento, identificado pelo surgimento antes dos três anos de idade e “pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo” (p. 247). O ato de brincar também é afetado pelas características gerais do transtorno, uma vez que a criança autista apresenta padrões de comportamento, interesses e atividades restritos, repetitivos e estereotipados, que dificultam a interação com o outro e seus padrões de brincadeira.

O DSM-V (American Psychiatric Association, 2011) afirma que indivíduos autistas em geral não apresentam brincadeiras imaginativas ou, se apresentam, têm prejuízo acentuado. Além disso, eles não costumam realizar jogos de imitação ou, se realizam, o fazem fora de contexto ou de forma mecânica, sem a real intenção de imitar.

Muitos estudiosos dos transtornos invasivos do desenvolvimento afirmam que as crianças autistas demonstram mais interesse nos objetos do que nas pessoas, o que dificulta a interação e o brincar compartilhado. Suas brincadeiras são, de modo geral, solitárias e repetitivas, com manipulações e movimentos estereotipados de brinquedos ou mesmo objetos diversos e vistos pelas pessoas próximas como algo sem sentido e sem intenção lúdica. Com esse olhar recorrente sobre o comportamento autista há pouco ou nenhum incentivo ao desenvolvimento do brincar, já que o processo depende, antes de mais nada, da interação da criança com o meio e com o outro e do desenvolvimento da imaginação e da ludicidade.

O presente trabalho se propõe a analisar o modo como se dá o brincar nas crianças com transtornos do espectro autista e quais as possibilidades de trabalho para auxiliar o desenvolvimento infantil dessas crianças por meio de brincadeiras e da ludicidade.

A metodologia utilizada na realização deste artigo é pesquisa bibliográfica, baseada em periódicos, artigos e livros, e bases teóricas fornecidas por autores estudiosos dos transtornos do espectro autista.

O brincar no desenvolvimento infantil

O ato de brincar é essencial ao desenvolvimento de toda criança, assim como se alimentar e descansar, pois pela brincadeira a criança descobre o mundo, se comunica e se relaciona com o outro. Brincar é tão importante na vida da criança que é um direito assegurado em lei.

A Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu Capítulo II, no Art. 16, inciso IV, afirma que as crianças têm direito a brincar, praticar esportes e divertir-se. O Capítulo I, no Art. 4, ressalta que esse direito deve ser garantido por sua família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo poder público.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI),

brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais (Brasil, 1998, p. 22).

Compreende-se assim que o brincar tem papel de grande importância na infância, pois através da brincadeira, criando situações e histórias, a criança reflete sua forma de agir e pensar, trazendo grandes benefícios tanto em seu desenvolvimento físico como intelectual, afetivo e social.

Negrine (1994, p. 19) afirma que

as contribuições das atividades lúdicas no desenvolvimento integral indicam que elas contribuem poderosamente no desenvolvimento global da criança e que todas as dimensões estão intrinsecamente vinculadas: a inteligência, a afetividade, a motricidade e a sociabilidade são inseparáveis, sendo a afetividade a que constitui a energia necessária para a progressão psíquica, moral, intelectual e motriz da criança.

Além disso, a brincadeira possibilita explorar o mundo de forma dinâmica, recriando suas vivências por via do lúdico e desenvolvendo suas capacidades cognitivas, afetivas e motora.

A criança é, antes de tudo, um ser feito par brincar. O jogo, eis aí um artifício que a natureza encontrou para levar a criança a empregar uma atividade útil ao seu desenvolvimento físico e mental. Usemos um pouco mais esse artifício, coloquemos o ensino mais ao nível da criança, fazendo de seus instintos naturais aliados e não inimigos (Rosamilha, 1979, p. 77).

É pela fantasia que a criança revive seus momentos de alegria, trabalha seus medos e angústias, assimila valores, regras e costumes e cria uma relação com o outro. Segundo Silva (1999), a ludicidade pode ser entendida sob diversos pontos de vista:

  • Do ponto de vista filosófico, o brincar é abordado como um mecanismo para contrapor à racionalidade. A emoção deverá estar junto na ação humana tanto quanto a razão;
  • Do ponto de vista sociológico, o brincar tem sido visto como a forma mais pura de inserção da criança na sociedade. Brincando, a criança vai assimilando crenças, costumes, regras, leis e hábitos do meio em que vive;
  • Do ponto de vista psicológico, o brincar está presente em todo o desenvolvimento da criança nas diferentes formas de modificação de seu comportamento;
  • Do ponto de vista da criatividade, tanto o ato de brincar como o ato criativo estão centrados na busca do “eu”. É no brincar que se pode ser criativo, e é no criar que se brinca com as imagens e signos fazendo uso do próprio potencial;
  • Do ponto de vista pedagógico, o brincar tem-se revelado como uma estratégia poderosa para a criança aprender (Silva, 1999 apud Dellabona; Mendes, 2004, p. 108).

Vygotsky (1984) ressalta a importância do ato de brincar na constituição do pensamento infantil. É na brincadeira que a criança trabalha seu estado cognitivo, visual, auditivo, tátil, motor. Nesse momento lúdico a criança reproduz o discurso externo e o internaliza, construindo assim seu próprio pensamento.

Segundo Vygotsky (1984, p. 97),

a brincadeira cria para as crianças uma “zona de desenvolvimento proximal” que não é outra coisa senão a distância entre o nível atual de desenvolvimento determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema e o nível atual de desenvolvimento potencial determinado através da resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou com a colaboração de um companheiro mais capaz.

Com a brincadeira a criança se prepara parar as futuras atividades cotidianas, ampliando sua capacidade de concentração e atenção, estimulando sua autoestima e fortalecendo sua relação de confiança consigo e com os outros.

Nenhuma criança brinca só para passar o tempo, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não a entendemos (Gardnei apud Ferreira; Misse; Bonadio, 2004, p. 15).

Considera-se então que o lúdico é uma das ferramentas mais importantes no processo de aprendizagem da criança e um dos principais meios de socialização e integração do individuo com o meio e com os outros, pois pelo ato simbólico que cria ao brincar a criança recria comportamentos, posturas e conceitos diferentes de sua realidade.

É por meio do brinquedo que a criança se apropria do mundo real, domina conhecimentos, se relaciona e se integra culturalmente. Ao brincar e criar uma situação imaginária, a criança pode assumir diferentes papéis: ela pode se tornar um adulto, outra criança, um animal ou um herói televisivo; ela pode mudar o seu comportamento e agir e se comportar como se ela fosse mais velha do que realmente é, pois, ao representar o papel de “mãe”, ela irá seguir as regras de comportamento maternal, porque agora ela pode ser a “mãe” e ela procura agir como uma mãe age. É no brinquedo que a criança consegue ir além do seu comportamento habitual, atuando num nível superior àquele em que ela realmente se encontra (Vygotsky; Leontiev, 1998 apud Francisco, 2011, p. 2).

Piaget (1998) afirma que a atividade lúdica é indispensável no desenvolvimento da criança, pois ela é o berço obrigatório das atividades intelectuais do indivíduo. Segundo ele, o aspecto intelectual é inseparável do físico; assim, não é possível o aprendizado sem funcionamento total do organismo. Nesse ponto, a brincadeira e o jogo têm papel fundamental na vida de todos os seres humanos.

Quando brinca, a criança assimila o mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação com o objeto não depende da natureza do objeto, mas da função que a criança lhe atribui (Piaget, apud Kishimoto, 2010, p. 66).

Essa forma de brincar é definida por Piaget como jogo simbólico, que é quando a criança utiliza um objeto para representar outro, atribuindo novos significados. Esse jogo é formando por uma expressão de gestos acompanhados pela fala. Kishimoto (2010, p. 111) destaca o “faz de conta” como exemplo de jogo simbólico.

Nos jogos de papéis ou de faz de conta, a criança é livre para escolher papéis a desempenhar e definir suas regras. Seu funcionamento é o processo que tem um fim em si mesmo. A criança brinca e tem prazer de brincar. Nesses jogos, a criança toma iniciativa, organiza ações, enfim, planeja e substitui o significado dos objetos com o objetivo de reproduzir as relações e os fenômenos observados por ela.

Para Kishimoto (2006), a brincadeira também representa um desafio para a criança, pois ela cria situações que vão além de seu comportamento diário, busca compreender problemas, se sente estimulada e interage melhor com o mundo que a cerca; assim, "o lúdico possibilita o encontro de aprendizagens, é uma situação comportamental de forte potencial simbólico que pode ser fator de aprendizagem" (Brougére, 1998 apud Kishimoto, 2010, p. 10).

A brincadeira auxilia na ampla formação do indivíduo, pois possibilita, além da interação com o próximo e o meio, a formação da linguagem, o desenvolvimento da imaginação e o aprendizado cultural. Pelo brincar a criança se apropria de sua cultura e dos valores sociais. Scholze (2007 apud Borba, 2007, p. 35) afirma que

o brincar é uma atividade humana criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos. Tal concepção se afasta da visão predominante da brincadeira como atividade restrita à assimilação de códigos e papéis sociais e culturais, cuja função principal seria facilitar o processo de socialização da criança e sua integração à sociedade.

Com base na importância do ato de brincar, percebe-se a necessidade de promover a ludicidade na Educação Infantil, uma vez que por meio da brincadeira a criança constrói sua identidade, desenvolve sua comunicação, percebe o meio em que está inserida, representando as regras e papéis sociais. Segundo o RCNEI,

o fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais (Brasil, 1998, p. 22).

O autismo e a brincadeira

O transtorno do espectro autista é classificado como distúrbio global do desenvolvimento, em que há comprometimento de diversas áreas do comportamento e do psiquismo. O transtorno do espectro autista recebe o nome de espectro (spectrum) porque envolve situações e apresentações bastante diversas, numa graduação que se apresenta de leve a grave. Todas, porém, estão relacionadas, em maior ou menor grau, com dificuldades qualitativas de comunicação e nas relações sociais.

Devido a essas dificuldades, o ato de brincar da criança autista muitas vezes difere de uma criança considerada típica. O DSM-V (American Psychiatric Association, 2014) indica que o indivíduo autista apresenta

déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, da dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos à dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, à ausência de interesse por pares (DSM-V, 2014, p. 50).

Estudos com crianças autistas reiteram que elas não conseguem brincar com seus pares e fazer amigos, apresentam dificuldade no quesito criatividade e iniciativa; muitas não possuem empatia e dão preferência a objetos e não a pessoas. Soifer (1992, p. 231) descreve as brincadeiras das crianças autistas como “solitárias; consistem geralmente em fazer rodar um carro com as mãos (meninos) ou ter nos braços uma boneca (as meninas)”.

Geralmente o interesse dos indivíduos autistas é focado em objetos, que podem ser manipulados por longos períodos. Há comprometimento de muitas funções, entre elas o brincar simbólico, que se caracteriza por recriar as vivências da criança por meio da fantasia, favorecendo a interpretação e a ressignificação do mundo no qual ela vive. A brincadeira da criança autista está marcada por atividades repetitivas, estereotipadas e sem diversidade.

Segundo Gikovate (2009), a criança autista

apresenta interesses e manias pouco comuns. Mostra grande atração por objetos que rodam e escolhe como "brinquedo" preferido coisas incomuns como barbantes ou caixas de papelão. Manipula esses objetos de forma extremamente repetitiva, e assim pode permanecer por horas. [...] O brincar muitas vezes se mostra rígido e repetitivo, alinhando os objetos ou colocando e retirando algo de uma caixinha. A criança pode passar horas decorando mapas e lista telefônica (Gikovate, 2009, p. 17).

Bagarollo (2005) afirma que, partindo da premissa vygotskiana, a brincadeira é um dos aspectos mais importantes no desenvolvimento infantil. Através de pesquisas, a autora concluiu que crianças autistas precisam de pares que incentivem o lúdico;

para haver tanto a possibilidade de inter-relação entre sujeitos autistas e as outras pessoas quanto a constituição do brincar e, consequentemente, das outras funções mentais, é necessário que o outro da relação proponha contato, insista, chame, faça-os perceber os outros e os objetos do mundo, sendo imprescindível então estabelecer a mediação necessária para haver instituição das relações sociais e a constituição do brincar (Bagarollo, 2005, p. 126).

Bagarollo (2005) revela que o não brincar da criança autista está ligado à escassez de experiências e do pouco acesso da criança a brinquedos e brincadeiras – e não somente a impedimentos orgânicos. Segundo a pesquisadora, muitas vezes são os indivíduos que convivem com a criança autista que desistem de tentar brincar ou mostrar-lhe os brinquedos, pois acreditam que ela não seja capaz de imaginar. Com isso, a criança fica privada do lúdico, o que acaba repercutindo negativamente em seu desenvolvimento. Ela identificou também, em suas pesquisas, que os movimentos estereotipados que geralmente as crianças autistas apresentam são ressignificados nos momentos lúdicos, brincadeiras e faz de conta, a partir da mediação do outro.

Considerando a tese do desenvolvimento social e cultural dos sujeitos abordado pela teoria histórico-cultural, na qual a constituição dos seres humanos se dá na medida em que estes se apropriam das atividades da cultura, sendo o brincar uma delas, e que isto ocorre na relação com os outros, a ideia de que as crianças autistas apresentam dificuldades inatas para o brincar não se sustenta integralmente. O que parece ocorrer é que as características ocasionadas pela condição orgânica da criança se entrelaçam ao estranhamento e paralisação dos outros frente a ela, levando a uma dificuldade de estabelecer interações com atividades de brincadeiras, provocando, então, a constituição de um brincar estereotipado (Bagarollo, 2005, p. 13).

Chiote (2015) também investiga qual o papel do outro na ressignificação do brincar para as crianças autistas. A pesquisadora acredita que é pelas relações com os adultos e/ou crianças que o autista aprende a brincar. Segundo Chiote, o ato de brincar é fundamental para o desenvolver das funções superiores das crianças com autismo, porque,

ao brincar, a criança imita situações reais, como cuidar de um bebê, dirigir um carro, interpretar papéis de adultos, mas não como uma reprodução mecânica daquilo que observam, pois, ao representar situações reais em plano imaginário, a criança emancipa-se da situação concreta, assimila suas experiências ao mesmo em tempo que as representa de forma criativa, operando com regras e valores sociais que, na realidade concreta, muitas vezes não seria possível operar (Chiote, 2015, p. 98).

Nesse contexto, percebe-se que é preciso uma compreensão ampla das características e peculiaridades cognitivas das crianças autistas. Entende-se que somente assim será possível elaborar estratégias específicas que auxiliam no desenvolvimento da criança, visando melhorar sua comunicação, seu comportamento, sua sociabilidade e, por fim, seu aprendizado escolar.

A interação da criança autista com o ambiente escolar e seus pares depende da iniciativa e da sensibilidade das pessoas que interagem com o autista e entendem a importância do ato de brincar. Segundo Silva, Dias, Martins e Tenório (2013),

a interação social é uma das principais habilidades não construídas e a primeira a ser pensada no desenvolvimento de crianças com autismo. Numa brincadeira o comemorar, o ajudar, o olhar, o falar, são de extrema importância no processo de interação, mas nem toda forma de brincar é interação, pois muitas vezes a criança só tolera a pessoa, para isso, torna-se necessário o afeto. Assim, deve-se fazer uma ponte entre a criança, a sociedade e o mundo; para isso, existe o facilitador educacional, que está diretamente ligado com essa criança buscando penetrar no seu mundo, conseguir um contato visual, trazer sempre o olhar do autista para a atividade que ele está fazendo, entreter-se com suas brincadeiras, criar hábitos agradáveis (Silva; Dias Martins; Tenório, 2013).

De acordo com Fiaes (2010), apesar de o consenso geral afirmar que as crianças autistas vivem em um mundo próprio e particular e não interagem com o meio, há evidências que apontam que elas são capazes de socializar. O autor aponta que os autistas

são capazes de socializar, que observam as atividades de seus colegas e que se interessam por temas vistos na mídia de forma semelhante às crianças com desenvolvimento típico. A investigação da brincadeira espontânea nos mostrou também que crianças autistas brincam mais quando têm oportunidade para isso e que ver e ser convidado para brincar por outras crianças aumenta a probabilidade de brincar. Uma atenção maior sobre as interações ao longo dos registros nos fez refletir sobre o papel ativo das crianças na iniciação de episódios de interação e na emissão de comportamentos de cuidado. Curiosamente, as crianças autistas foram as que mais iniciaram interações. Tal fato pode levar a uma mudança de visão sobre as possibilidades dessas crianças, para serem vistas não apenas como alvos de intervenções e de ajuda, mas também como parceiras no processo de socialização e como sujeitos brincantes (Fiaes, 2010, p. 152).

O desenvolvimento das crianças autistas é singular e precisa ser bem orientado. Para trabalhar com alunos com autismo precisa-se levar em conta as características da criança, suas limitações, suas vivências e seu relacionamento com o meio. Mediante esse processo é possível desenvolver práticas adequadas a cada criança especificamente, uma vez que, assim como qualquer ser humano, cada criança autista é única e apresenta características próprias.

Com isso, percebe-se que os mediadores do processo de ensino-aprendizagem têm papel relevante no desenvolvimento dessas crianças. Santana, Purificação, Teperino, Taceli e Pessoa (2016) ressaltam que o papel do mediador é possibilitar meios de estimular a criança autista.

Os mediadores no processo de ensino-aprendizagem devem possibilitar meios apropriados à sua estimulação, principalmente os voltados à sua interação social, que, nesta análise, teve no brincar um elemento relevante. Observa-se a brincadeira como uma prática social que é realizada também pela criança com autismo, e se o professor a colocar na posição de sujeito, poderá garantir seu lugar de participante da cultura. Assim, a brincadeira é uma possibilidade de desenvolvimento da criança nessa condição, sendo um instrumento estimulador de sua interação e inserção cultural e social. O brincar é fundamental para o desenvolvimento da criança no que se refere aos aspectos do crescimento, da saúde e socialização, além de ser uma forma de o sujeito se comunicar consigo e com os outros.

Trabalhar o brincar é um dos principais pontos da educação infantil, independente de ser uma criança autista ou com desenvolvimento típico. Quando o ato pedagógico é construído com base na ludicidade, ele desenvolve plenamente a criança, ampliando sua sociabilidade, sua imaginação, permitindo uma visão ampla do mundo e de suas regras e normas. A criança com autismo precisa ser estimulada para que tenha a possibilidade de desenvolver toda a sua potencialidade.

Conclusão

O desenvolvimento das crianças autistas tem suas particularidades e precisa de muito estímulo e atenção. O brincar é uma ferramenta poderosa nesse processo de aprendizagem. Quando a criança brinca, ela vivencia na brincadeira uma situação imaginária toda formulada no mundo que a cerca. É por meio desse faz de conta que ela compreende as relações sociais que vivencia, bem como busca compreender a realidade na qual está inserida.

A criança autista também precisa desse faz de conta para entender o mundo; para tanto, ela necessita da intervenção de seus pais, professores ou mesmo colegas. Na brincadeira a criança interage com o próximo e consegue desenvolver sua linguagem, fala e expressão, sua afetividade e seu entendimento das relações sociais que a cercam.

É no ato de brincar que a criança explora o mundo e compreende seu lugar. Sendo assim, o lúdico deve estar muito além do divertimento, sendo parte essencial do processo de ensino-aprendizagem; portanto, deveria estar sempre presente na prática pedagógica com crianças com autismo. É preciso que se veja além das singularidades da criança autista e auxiliá-la nesse mundo do faz de conta, essencial na vida de todos.

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Publicado em 08 de fevereiro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Fabio José Antonio da. O brincar nas crianças autistas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 5, 8 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/5/o-brincar-nas-criancas-autistas

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