Educação Inclusiva e suas repercussões

Norenir Oliveira Leite Mamedes

Mestranda em Educação (Amazônia University/EUA), professora da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I (SEMEC – Araputanga/MT)

Jeová Dias Mamedes

Pós-graduado em Psicopedagogia (UNIBF), professor do Ensino Fundamental

No Brasil, ações a favor da integração escolar de alunos com necessidades educacionais especiais vêm se concretizando, historicamente influenciadas por movimentos internacionais que direta ou indiretamente voltam-se aos indivíduos com alguma deficiência. É dever legal, político e moral do poder público garantir que os alunos ingressantes nas escolas regulares tenham condições necessárias de atingir o nível máximo nos seus estudos. Há uma nova alteração da lei em andamento. Nesse sentido, atender aos propósitos da integração escolar e social vai além da mera criação de recursos educacionais para os alunos com necessidades especiais. Isso dependerá de fatores como investimento na qualidade da Educação. É no ensino regular que os alunos passam a maior parte do tempo e quando devem ter assegurado o acesso ao conhecimento com condições para atingir o máximo de suas possibilidades na aprendizagem.

Uma das alternativas que podem trazer contribuições para a melhoria da qualidade do ensino e do atendimento oferecido aos alunos com deficiência intelectual, por exemplo, é a realização de estudos que analisem e avaliem as políticas públicas de atendimento educacional especializado (AEE). É um

processo que visa promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou de altas habilidades, e que abrange os diferentes níveis e graus do sistema de ensino. Fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu alunado. O processo deve ser integral, fluindo desde a estimulação essencial até os graus superiores de ensino. Sob o enfoque sistêmico, a Educação Especial integra o sistema educacional vigente, identificando-se com sua finalidade, que é a de formar cidadãos conscientes e participativos (Brasil, 1994, p. 17).

Portanto, entender a integração como um direito de todos é um trabalho contínuo e constante de reflexão sobre essas ações. A Educação Especial precisa ser concebida com os mesmos objetivos da educação geral, incluída em todos os níveis e modalidades de ensino da educação regular. Essa política inclusiva e integradora exige intensificação quantitativa e qualitativa na formação de recursos humanos com a garantia de recursos financeiros e de serviços públicos especializados que assegurem o desenvolvimento dos alunos.

A inclusão social historicamente

A escola é a instituição responsável pela passagem da vida familiar da criança para o domínio público, por meio do qual o conhecimento é produzido na escola e revestido de valores morais, éticos, políticos. Ainda que exerça um papel mais liberal através da sua gestão, a instituição não deixa de expressar a sua função social independentemente de ser comum ou especial.

A Educação Especial exercia a função de complementaridade ao ensino regular visando à democratização do ensino, entendendo os alunos especiais como incapazes de assumir o compromisso da escola comum.

A Educação Inclusiva é um marco na história da Educação Especial, embora, ao longo de todo o seu processo histórico-conceitual, verifique-se a ideia de uma educação escolar integrada aos sistemas regulares de ensino iniciado no primário.

As escolas deveriam acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras [...] incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados [...]; o termo “necessidades educacionais especiais” refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem” (Blattes, 2006, p. 330).

Acompanha-se rapidamente a evolução da inclusão social com alguns marcos legais, assim como relatos de profissionais do ensino que vivenciaram, na prática, parte desse processo educacional. Porém deve-se ressaltar que ela não é um dispositivo que se acione. Para que efetivamente aconteça, é necessária uma revisão dos conceitos e dos paradigmas com a mudança de posturas frente à sociedade atual.

Desse modo, há muito o que avançar para uma política verdadeiramente inclusiva, seja na avaliação das reais condições dos estabelecimentos de ensino, seja na garantia dos recursos financeiros como apoio pedagógico, seja na flexibilização curricular ou, ainda, na intensificação da formação dos profissionais participantes do processo.

Processos formativos

A fim de atingir os objetivos, a ideia é sugerir a elaboração e a aplicação de um programa flexível que atenda às necessidades de cada aluno situado sócio-historicamente em determinada realidade significativa, possibilitando assim a promoção da inclusão em seu sentido pleno.

Pretende-se direcionar o olhar para as mais diferentes culturas. Isso significa que não se trata apenas de focalizar uma educação voltada às crianças e aos jovens com necessidades educacionais especiais sob o ponto de vista das nossas próprias ideias pedagógicas quanto ao que seja ensinar, ao que seja aprender ou ao que seja a deficiência. Nesse sentido, concorda-se com Brandão (2007, p. 3) quando sugere que aprendamos com os alunos. Nas suas palavras, trata-se de “saber o que pensam do que nós pensamos, como classificam o que classificamos e como praticam o que praticamos, com ou sem o nome de educação”. Assim,

ao lermos um texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa socialização primária, isto é, o grupo social em que fomos criados (Kleiman, 1997, p. 10).

Ainda conforme Kleiman (1997, p. 3), a leitura como prática social implica, por sua vez, uma concepção de aula de leitura como um evento de letramento, compreendido como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita em contextos específicos para objetivos específicos”. No entanto, no contexto escolar, essa atividade geralmente tem sido abordada de maneira desvinculada das práticas sociais.

Em sentido contrário, Garcez afirma que “a escrita é uma construção social, coletiva, tanto na história humana como na história de cada indivíduo. O aprendiz precisa de outras pessoas para começar e para continuar escrevendo”.

Segundo Bunzen (2006, p. 149), a escrita como prática social é um processo no qual o escrevente assume-se como locutor. Dessa forma, a preocupação centra-se nos contextos de produção e de reprodução dos textos (quem está falando, com quem está falando, quais são os objetivos, de que forma se estabelecem etc.), sendo fundamental no processo da escrita:

1. ter o que dizer;
2. ter razões para dizer o que tem a dizer;
3. ter para quem dizer o que tem a dizer;
4. assumir como sujeito que diz o que diz para quem diz;
5. escolher estratégias para dizer (Bunzen, 2006, p. 149).

É importante lembrar que, conforme alerta Kleiman (1997), a leitura configura-se essencialmente como um processo social em que autor e leitor, situados socio-historicamente, constroem sentidos que refletem tanto o contexto imediato como o mundo social mais amplo. No entanto, percebe-se no contexto escolar, salvo raras exceções, que a leitura e a escrita são tratadas como questões individuais, o que leva à avaliação e à classificação das dificuldades dos alunos como “erros”, “desvios”, “distúrbios” que só os especialistas podem resolver, conforme argumentam alguns professores.

Precisamos de escolas de boa qualidade, acessíveis a todos, que estimulem e aumentem a participação e reduzam a exclusão de crianças, adolescentes, jovens e adultos das comunidades escolares, compreendendo a inclusão como um processo permanente e dependente de contínua capacitação dos educadores, levando-os a promover o desenvolvimento pedagógico e organizacional dentro das escolas regulares (Carvalho, 2004, p. 88).

Paulo Freire afirma que,

como professor [...], não posso esgotar minha prática discursando sobre a teoriada não extensão do conhecimento. Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da teoria. O meu discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos (Freire, 1996, p. 47-48).

A partir das palavras de Freire, é possível tecer um paralelo com o campo da inclusão educacional, mais especificamente no que diz respeito às questões da sua efetivação. Não basta falar de inclusão, é preciso tomar consciência da sua prática no cotidiano, exercitando e envolvendo a todos quantos forem necessários nesse processo de fazer-se e refazer-se, como ela exige.

Entretanto, o que se verifica é que, embora exista uma vasta legislação acerca de tais garantias, manifestam-se para a implementação dessa proposta, dentro da realidade educacional brasileira, contradições e dificuldades (Ferreira, 1998; Garcia, 2004; Laplane, 2006). Nesse sentido, há a necessidade de atentar às implicações, às perspectivas e aos questionamentos destacados por eles e outros autores.

Por tratar-se de uma construção, os valores, os conceitos e os preconceitos sofrem transformação a depender da História e da sociedade que lhes atribuem significados. Desse modo, os valores culturais da humanidade podem ser construídos e modificados, assim como repassados ou reproduzidos – um meio privilegiado para esse fim é o conhecimento “transportado” pela Educação.

Isso demonstra que a Educação é, por excelência, o recurso primordial por meio do qual o homem acessa o conhecimento e os equipamentos produzidos pela humanidade. Por essa razão, Paro (2001, p. 35-36) considera a ação pedagógica como um “trabalho especificamente humano, passível de avaliação como todo trabalho humano”, cujo produto mostra uma “natureza peculiar: [...] não é um objeto material ou um serviço, mas o ser humano educado, com toda a complexidade que isso encerra”.

É preciso considerar que a escola recebe influências sociais marcantes. A proposta educacional – como posta pela própria Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) – deve atender às demandas de uma sociedade em constante movimento, cujas relações modificam-se em função do desenvolvimento e da busca de maior inserção social para as pessoas no exercício de sua cidadania.

O reconhecimento e a valorização da diversidade como característica inerente a cada pessoa ou grupo social são princípios básicos que assinalam a necessidade de garantir o acesso e a participação de todos nas oportunidades oferecidas pela sociedade ao cidadão.

Como apresentado anteriormente, apesar de existirem diversos dispositivos legais que garantam o direito à educação e aos serviços disponibilizados por políticas públicas estabelecidas e ofertadas à população em geral, constata-se, na prática, que as metas ainda não foram atingidas. Diversas razões são identificadas para justificar ou explicar essas condições, constituindo um quadro complexo de relações interdependentes que precisam ser analisadas por todos os envolvidos no processo educacional.

Considerações finais

O presente trabalho – considerando conjugar teoria e prática fundamentadas dentro de uma perspectiva histórico-crítica a fim de contribuir para que cada educador consiga redimensionar o seu conhecimento e a sua práxis dimensionando e superando as dificuldades e as contradições detectadas no processo de implementação de inclusão educacional – possibilita a compreensão mais ampla acerca da formação docente, em caráter inicial ou continuado, tomando por base as experiências vivenciadas no processo de formação profissional, processo que não se desvincula da construção da subjetividade e, por conseguinte, encontra-se no entrelaçamento das relações sociais estabelecidas e mantidas em diferentes tempos e espaços.

Referências

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Publicado em 22 de fevereiro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

MAMEDES, Norenir Oliveira Leite; MAMEDES, Jeová Dias. Educação Inclusiva e suas repercussões. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 7, 22 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/7/educacao-inclusiva-e-suas-repercussoes

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