O salário do professor
Máximo Luiz Veríssimo de Melo
Máximo Luiz Veríssimo de Melo Licenciado em História, especialista em História do Brasil-República, mestre e doutor em Ciências da Educação, professor da rede pública municipal e estadual em Alto do Rodrigues/RN
No meio da categoria formada pelos profissionais da Educação, e através da luta sindical, se fala muito da questão do professor quanto a salário, que é muito baixo, de que a profissão é desvalorizada etc. e tal. E assim, muitas pessoas, e inclusive professores mesmo, costumam desestimular um filho, um sobrinho, enfim, um parente ou até um conhecido seu a seguir a profissão. É comum até se ouvir que os baixos salários são uma das razões para a Educação do Brasil não caminhar tão bem. Não discordo totalmente disso tudo que é falado e ouvido, mas discordo totalmente de quem desestimula outras pessoas de seguir essa profissão, principalmente se essa pessoa que está desestimulando é um professor ou professora.
Quanto à questão salarial, defendo que realmente ela está muito longe de fazer jus ao trabalho que temos cotidianamente na atuação da profissão, lidando todos os dias com inúmeras crianças, jovens e adolescentes, sendo responsáveis por todo o seu processo de formação como pessoa, profissional e cidadão. O salário também não faz jus ao tempo que usamos de nossas vidas; primeiro na Educação Básica até a universidade, e após isso ainda há inúmeras horas extras de estudo em formações continuadas, especializações, mestrados e doutorado. Sem falar da quantidade de horas trabalhadas em casa em planejamentos de aula, correção de atividades, avaliações, diários de turma e leituras extras para o docente ampliar seu repertório e ter domínio dos conteúdos que vai trabalhar em sala de aula. Além disso, as estatísticas apontam que o salário médio de um professor ainda é inferior ao de outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade e tempo de serviços.
Contudo, além do salário pago em moeda corrente no país – que é o pago pela sua mão de obra e é aquele que vai servir para o sustento do professor e de sua família, sustento do corpo físico e de bens materiais e de outras necessidades culturais, como roupas, calçados, móveis, residências, transportes, viagens, etc. – o professor tem um outro salário que é pago a ele; esse outro salário também serve para o seu sustento, mas não o sustento do corpo físico e do lado do material e cultural, e sim da mente e do espírito. Sem esse salário, muitos profissionais da educação caem. É esse salário que mantém muitos de pé na profissão, não deixando que eles desanimem ou desistam da profissão.
Esse salário que mantém e sustenta a mente e o espírito do professor é exatamente aquele que é pago pelos alunos que o professor tem ao longo de seu percurso na profissão. Esse salário pode ser pago de modo direto e indireto. No entanto, não é um salário pago em forma de algo material, que um aluno tenha pedido aos pais para fazer um esforço e comprar para ele dar ao professor fulano de tal, porque ele gosta desse professor. Claro que esse tem também seu valor. Mas o salário a que me refiro aqui é um salário imaterial, abstrato, e que pode ser pago de mais uma de maneira.
Uma dessas maneiras como esse salário nos é pago é quando recebemos um aluno que é muito esforçado, aplicado, inteligente, que tem objetivos e alcança sucesso e progresso na vida pessoal e profissional. Quando sabemos que um ex-aluno nosso venceu na vida, se tornou um excelente profissional, em qualquer área, isso já é um enorme salário pago a nós professores.
Outra maneira de esse outro salário, que alimenta a mente e o espírito, ser pago ao professor é em forma de poucas palavras escritas em um pedaço de papel ou até no quadro branco da sala de aula. É muito comum professores receberem, principalmente no fim do ano, que é também o fim do ano letivo, ou até em algumas datas comemorativas, em forma de cartinhas (às vezes bastante coloridas e enfeitadas), ou simplesmente poucas palavras escritas em um pedaço de papel, palavras de agradecimentos ao professor. Essas palavras, às vezes contendo erros de português, possuem um enorme valor para o professor, servindo de estímulo para ele, se constituindo num enorme salário para a mente e o espírito.
É muito gratificante para um professor receber esse outro tipo de salário. É algo que fortalece, inspira e dá forças para continuar, principalmente porque essa profissão é muito dura e árdua, como muitos falam – e com toda razão – e não é todo dia que esse salário que mantém de pé a mente e o espírito costuma ser pago a nós, professores. Mas, vez por outra, nós, professores, temos a alegria e o prazer de receber um pagamento desses.
No meu caso, quando chego a meus locais de trabalho, sempre sinto que está sendo pago a mim esse salário, pois neles divido não somente o mesmo espaço físico, mas a profissão com vários colegas que um dia tive no espaço físico das escolas, eu como professor e eles como meus alunos. E são hoje tremendos profissionais, super capacitados – talvez até mais que eu.
A respeito disso, desse tipo de salário que sustenta a mente e o espírito do professor, quero finalizar expondo uma história ocorrida na Escola Estadual Professora Maria Rodrigues Gonçalves no ano de 2006; uma aluna do Ensino Médio se intitulou “aluna rebelde”. Nessa escola, certo dia, ao chegar à sala de aula, me deparei com uma frase escrita no quadro-negro (nessa época ainda usávamos o giz de cal): “o professor de História vai morrer. Assina: uma aluna rebelde”. Pela letra, logo reconheci quem havia escrito.
Essa aluna, que se intitulou “aluna rebelde”, era uma aluna muito inteligente, esforçada, estudiosa, brincalhona etc. e que de malcomportada ou bagunceira e rebelde não tinha nada. Agora, era uma pessoa que não ficava (e não fica) calada em nenhuma situação. Sempre tinha uma resposta pronta para tudo. E ainda hoje é assim.
Em 2006, terminando o ano letivo, na última avaliação do ano, ao receber a folha de avaliação dessa aluna, logo abaixo estava escrito um texto de agradecimento, o que para mim se constituiu em um desses pagamentos de salário que sustentam a mente e o espírito, que servem para nos manter de pé e firmes na profissão, no que estamos fazendo. Essa aluna escreveu o seguinte bilhete:
Pouco tempo depois, em 2008, essa “aluna rebelde” já começou a trabalhar como professora estagiária nessa mesma escola. Ou seja, passamos a ser colegas de profissão e a trabalhar juntos, na mesma escola; hoje continuamos atuando juntos, mas em outra escola. Essa “aluna rebelde” é hoje uma excelente profissional da Educação.
Por fim, em 2017, já chegando ao fim do ano, quando ainda estava assumindo a função de diretor da Escola Municipal Francisco de Oliveira Melo, na cidade de Alto do Rodrigues/RN, e essa aluna era agora professora da escola, no turno da tarde, próximo do horário do fim do expediente, me encontrava na sala dos professores quando ela entra na sala e logo em seguida chega uma funcionária do apoio da escola e me chama para ir até uma das salas de aula, onde alguém tinha escrito algo no quadro e não era nada bom. Saí então para ver o que estava escrito no quadro, agora branco, da sala. E para minha surpresa, boa surpresa, o que estava escrito era o seguinte texto:
Esse foi o maior “salário” para a mente e o espírito que já recebi. Essas palavras são sempre uma inspiração para sempre permanecer na profissão e sempre buscando fazer ou dar o melhor de mim para meus alunos.
Creio que esse é um salário que todo professor já teve a oportunidade, a alegria e o prazer de ter recebido. E se, por algum motivo, não recebeu ainda, desejo que receba, pois este é um salário que todo professor é merecedor de receber.
A ex-aluna autorizou, por escrito, o uso da imagem com sua letra.
Publicado em 22 de fevereiro de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
MELO, Máximo Luiz Veríssimo de. O salário do professor. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 7, 22 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/7/o-salario-do-professor
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.