Think Pair Share por meio de Ensino Remoto: práticas científicas sobre higienização das mãos no Ensino Fundamental

Maria Fernanda A. de Aguiar

Mestranda em Projetos Educacionais de Ciências (USP)

Wallace Santana da Silva

Mestrando em Projetos Educacionais de Ciências (USP)

Ana Cecília C. Firmo

Mestranda em Projetos Educacionais de Ciências (USP)

Kemberlly F. de O. Lopes

Mestranda em Projetos Educacionais de Ciências (USP)

Danilo A. Corrêa

Mestrando em Projetos Educacionais de Ciências (USP)

Maria Auxiliadora M. Barreto

Docente e pesquisadora do PPGPE, Doutora em Psicologia, Mestre em Educação

A Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, propõe competências gerais para a formação do indivíduo para o século XXI (Brasil, 2017). São dez competências que deverão perpassar todas as práticas pedagógicas das escolas. A competência oito, denominada “Autoconhecimento e Autocuidado”, trata da importância da construção do sujeito capaz de desenvolver práticas de cuidado com a sua própria saúde física e emocional.

O atual documento normativo salienta que a área de Ciências da Natureza deve garantir aos alunos do Ensino Fundamental o acesso à diversidade de conhecimentos científicos adquiridos na História e na aproximação a procedimentos, a práticas e a processos de investigação científica. O manual ressalta que o acesso aos métodos citados possibilita a construção de um novo olhar sobre o ambiente e sobre a sociedade, gerando uma tomada de decisões e de intervenções conscientes, baseadas na sustentabilidade e no bem comum (Brasil, 2013).

Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2008), “ter mãos limpas é um direito e um dever” e a escola é um espaço privilegiado para promover ações em saúde, ensinando hábitos de higiene por meio de ações educativas e práticas sociais de saúde. Concordando com essa afirmação, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, 2016) aponta que a lavagem das mãos com água e com sabão é a forma mais barata e eficaz a ser adotada na proteção do coronavírus, bem como contra muitas outras doenças infecciosas, como infecções respiratórias agudas e doenças diarreicas (Unicef, 2016).

Todos os anos, as doenças diarreicas e as infecções respiratórias agudas causam a morte de mais de 3,5 milhões de crianças menores de cinco anos no mundo. A maior parte dessas mortes poderia ser evitada com dois ingredientes simples: água e sabão. O hábito de lavar as mãos com sabão e com água, especialmente após usar o banheiro e antes de preparar os alimentos, ajuda a reduzir em mais de 42% os casos de doenças diarreicas e em quase 25% os casos de infecções respiratórias (Unicef, 2016).

Os riscos de doenças infectocontagiosas são maiores em ambientes escolares, fato explicado pela associação sobre as condições ambientais e os maus hábitos de higiene que, aliados à imaturidade do sistema imunológico e à vacinação atrasada, propiciam o contágio pelos mais variados tipos de microrganismos (Brasil, 2008).

De acordo com o Ministério da Saúde (2008), as enfermidades que se destacam e são mais recorrentes na infância são: otite média, diarreias, infecções por citomegalovírus (CMV), hepatite dos tipos A e B, meningites, varicela-zoster, gripes (principalmente causadas pelo H. influenza e tipo b), infecções cutâneas (escabiose, pediculose e impetigo) e respiratórias tanto da via superior como da via inferior, ou seja, resfriados, faringites, sinusites, bronquites, bronquiolites e pneumonias.

O Ministério da Saúde (2008) ainda aponta que várias ações podem evitar a proliferação e a disseminação dessas doenças como lavagem das mãos, a descarga com o sanitário tampado, a rotina de qualidade em banhos e a troca de roupas. Cabe ressaltar a relevância de práticas educativas voltadas para essa temática. Conforme Vieira et al. (2018, p. 140): “Ações educativas vinculadas à temática de cuidados básicos de higiene para prevenção de doenças e manutenção da saúde são de fácil execução e podem contribuir para redução de doenças infectocontagiosas”. Dessa forma, é essencial a aprendizagem de hábitos saudáveis, desde a primeira infância, com o objetivo de resguardar a criança de doenças e de debilidades que prejudiquem o seu desenvolvimento. A idade adulta é concebida como um enrijecimento progressivo contrapondo-se à plasticidade infantil, dado que ratifica o papel central da escola em estimular e estabelecer hábitos saudáveis (Rocha, 2003).

Nesse sentido, a alfabetização científica é um possível elo entre a prática de cuidados básicos de higiene das mãos e a escola, pois é por meio dela que o ensino de Ciências é capaz de fornecer aos alunos conceitos científicos e o “fazer ciência”, a partir de situações reais e concretas (Sasseron; Carvalho, 2008).

Tratando-se do processo de ensino-aprendizagem que favoreça, de fato, à formação do sujeito crítico e investigativo, a metodologia TPS possibilita o envolvimento ativo dos estudantes. Por meio da metodologia, os alunos trabalham em cooperação e interagem entre si, favorecendo o compartilhamento e a construção de conhecimento (Reis; Barreto, 2017).

A estratégia de ensino Think Pair Share (TPS) possibilita que o aluno pense, reflita e construa hipóteses em relação ao que lhe é apresentado. Corroborando essa ideia, Paulo Freire aponta que a educação contemporânea deve pressupor um aluno capaz de autogerenciar-se ou autogovernar-se no seu processo de formação. O aluno deve ser posicionado como autor da sua própria formação (Freire, 1996).

Reis e Barreto (2017) confirmam que a metodologia TPS com alunos do Ensino Fundamental I contribui para a autonomia dos estudantes bem como com o desenvolvimento da sua capacidade de argumentação e do respeito pelas opiniões contrárias às suas opiniões.

Considerando o contexto atual e as metodologias ativas, este trabalho objetiva facilitar a aprendizagem sobre os cuidados com a higienização das mãos como método de interrupção da cadeia de transmissão de doenças por meio da metodologia TPS, adaptada ao ensino remoto.

Os objetivos específicos do estudo compreendem facilitar a compreensão do processo correto de lavagem das mãos e sua importância; identificar as possíveis doenças que podem ser transmitidas a partir do contato das mãos com outras pessoas ou superfícies; despertar o interesse dos estudantes pelos conhecimentos científicos a partir de metodologia TPS no ensino remoto e, por último, verificar o impacto da proposta realizada na aprendizagem dos alunos.

Metodologia

Este estudo teve abordagem qualitativa sob um método de pesquisa aos moldes de um estudo de caso. De acordo com Rocha (2016), o estudo de caso é uma metodologia baseada na investigação da complexidade de um caso inusitado e singular, permitindo a compreensão da atividade dentro de situações importantes. Yin (2009) descreve que o estudo de caso é uma metodologia de pesquisa que usa dados qualitativos, arrecadados de eventos reais com o objetivo de explicar, explorar ou descrever situações atuais inseridas no próprio contexto.

Foi realizada uma revisão bibliográfica para embasar os estudos dos autores e para nortear a melhor estratégia de aplicação da metodologia ativa Think Pair Share (TPS), que inicialmente seria realizada de forma presencial. Após a obrigatoriedade de cumprimento de isolamento social e suspensão das aulas presenciais no Estado de São Paulo, conforme Decreto nº 64.862, de 13 de março de 2020 (São Paulo, 2020), modificou-se a proposta de presencial para a distância.

Baumesteir (1992) descreve que, para o desenvolvimento de TPS, os alunos devem trabalhar três fases para discussão de questões ou problemas apresentados:

  1. Think (Pensar): os alunos pensam sobre uma questão ou sobre um problema proposto pelo docente de forma independente, organizando as suas próprias ideias ou elucidações. Esta etapa permite ao aluno um tempo para reflexão;
  2. Pair (Parear): os alunos são reunidos em pares para discutir as suas reflexões. Esta fase possibilita que o aluno partilhe as suas ideias e, também, ouça as considerações do seu par;
  3. Share (Compartilhar): os pares compartilham suas ideias e conclusões com um grupo maior, podendo ser um grupo focal ou até mesmo toda a turma. Ocasionalmente, os alunos sentem-se mais confortáveis ao expor suas ideias a um grupo quando se têm o apoio de um parceiro.

Para a aplicação presencial, teríamos a participação de 22 alunos. Com a suspensão das aulas, alguns pais se recusaram a participar, pois consideraram que seria mais um trabalho para ser realizado. Assim, tivemos a cooperação de apenas 8 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Guaratinguetá/SP.

Com a devida autorização da direção da escola, os pesquisadores fizeram contato com os responsáveis pelos alunos por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp para orientações e solicitação de autorização com a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido para a adesão ao estudo.

A aplicação das atividades foi nos moldes da metodologia TPS adaptada ao ensino remoto.  A comunicação e a aplicação do projeto deram-se por WhatsApp, levando em consideração a facilidade dos responsáveis em acessar a plataforma. As atividades foram enviadas no grupo da turma e subgrupos foram montados para as atividades entre os pares.

Para melhor compreensão dos alunos, possibilitando uma linguagem acessível, o projeto foi denominado “Higienização das Mãos: uma viagem por um mundo invisível”. Para a aplicação das atividades programadas, foram utilizados textos, vídeos, histórias, folders explicativos e uma exposição virtual das produções dos estudantes. Antes do início do projeto, os estudantes receberam um kit contendo lápis, canetas esferográficas, lápis de cor, canetas coloridas e fichas para registro das atividades. Para a realização da experiência, receberam tinta guache e uma venda.

Durante todas as etapas, os alunos foram estimulados a compartilhar seus conhecimentos, suas curiosidades e suas descobertas com seus pares. Em seguida, incentivados à socialização com os demais alunos participantes do projeto. As fases de aplicação estão descritas no Quadro 1.

Quadro 1: Sequência das atividades executadas em cada etapa

Etapas

Atividades executadas                     

1ª etapa

Vídeo de apresentação do projeto.

Questionário inicial com dez perguntas sobre lavagem das mãos e possíveis doenças causadas por bactérias. Compartilhamento de ideias em dupla.

Vídeo sobre as possíveis doenças causadas pela falta de higienização das mãos.

2ª etapa

Videoaula sobre as possíveis doenças causadas pela falta de higienização das mãos.

Trocas de mensagens entre as duplas sobre o vídeo.

Registro em forma de desenho.

Apresentação do vídeo com todos os desenhos.

3ª etapa

Vídeo explicativo.

Realização da experiência.

Vídeo da técnica correta da lavagem das mãos.

Registro no caderno.

Trocas de mensagens entre as duplas sobre a experiência.

Registro sobre a experiência.

4ª etapa

Pesquisa sobre a importância do sabão na lavagem das mãos.

Trocas de mensagens com a dupla sobre a pesquisa.

Registro: vídeo sobre a pesquisa realizada.

5ª etapa

Devolutiva dos mediadores.

Elaboração do manual.

Questionário pós-projeto com dez perguntas relacionadas às técnicas de lavagem das mãos, possíveis doenças causadas pelas bactérias e sobre compartilhar ideias em dupla.

6ª etapa

Registro: vídeo sobre o que foi aprendido no projeto pelos estudantes.

Exposição virtual do vídeo sobre as produções dos estudantes.

Resultados e discussão

A partir dos dados coletados e das argumentações dos alunos, ficou evidente que as duas questões iniciais, a saber, “lavar as mãos é importante para evitar a transmissão de doenças” e “estudar sobre a lavagem das mãos é importante”, proporcionaram reflexões relevantes sobre a importância da higienização das mãos e sobre a quebra da cadeia de transmissão de doenças, foco principal deste artigo.

As duas questões acima abordaram a importância da lavagem das mãos para interrupção da transmissão de doenças, havendo um aumento de 14 % nos acertos. Durante as trocas de áudios entre os participantes do projeto, foi citado como descoberta interessante, por mais de um aluno, o fato de um tempo mínimo de 20 segundos para a higienização das mãos. No item que alude a respeito da importância de estudar sobre a lavagem das mãos, 86% dos participantes discordaram acerca da importância. Porém, após a aplicação do projeto, 72% dos alunos passaram a concordar que estudar sobre a lavagem das mãos é imprescindível.

Na terceira e na quarta questão, a saber, “existem organismos que não conseguimos ver a olho nu” e “existem orientações sobre a forma correta de higienização das mãos”, ficou evidenciado um acréscimo de 29% acerca do conhecimento da existência de organismos que não conseguimos ver a olho nu e acerca da correta higienização das mãos. Na quinta questão, “lavagem é diferente de higienização”, no primeiro questionário, 72% dos participantes discordaram que a lavagem é diferente da higienização, enquanto que, no segundo questionário, essa mesma porcentagem concordou que há diferença entre lavagem e higienização das mãos.

Em relação à sexta questão, “trabalhar em dupla facilita para aprender” que diz respeito à utilização da metodologia TPS como estratégia didática, 57% disseram discordar que a metodologia facilitaria no processo de aquisição de novos conhecimentos. Já no segundo questionário, 57% concordaram que a TPS favoreceu à compreensão dos componentes curriculares abordados.

Cury (2000), baseando-se em Vygotsky, diz que o aprendizado é, primeiro, social e, depois, individual, bem como o trabalho em dupla ou em pequenos grupos pode ser proveitoso, pois quando um aluno compartilha suas dúvidas e seus conhecimentos com um colega, ambos estão aprendendo. Isso faz considerar que se o projeto fosse presencial, talvez os participantes tivessem obtido um maior aproveitamento da metodologia TPS. Acredita-se que as dificuldades tecnológicas, como apontam Castro e Queiroz (2020), possam ter prejudicado na interação e no compartilhamento de ideias entre os pares.

A sétima questão, “é necessário conhecer as doenças transmitidas a partir do contato das mãos com outras pessoas e/ ou superfícies”, indaga se é necessário conhecer as doenças transmitidas a partir do contato das mãos. No primeiro questionário, 57% discordaram dessa necessidade e, no segundo, 71% concordaram que foi necessário conhecer essas doenças para que o aprendizado fosse eficaz. Em um dos áudios compartilhados entre as duplas, um aluno diz: “eu achei interessante, porque eu descobri duas novas doenças: SARS-Cov-2 e a gripe H1N1. E também aprendi como não contaminar as pessoas caso eu esteja doente”. Com isso, é possível observar a importância de ensinar mais sobre essas doenças e sobre as formas de transmissão e prevenção.

A oitava questão, “busco informações em fontes confiáveis (sites de universidades, prefeitura e Ministério da Saúde)”, abordou a pesquisa em fontes seguras e verificou que 71% diziam não buscar informações em fontes seguras no primeiro questionário e 71% responderam que passaram a buscar informações em fontes confiáveis. Estrella (2013) afirma que há a necessidade de ensinar ao aluno a processar qualitativamente a grande quantidade de informações disponibilizadas em rede. Além disso, é importante ensinar o aluno a desenvolver a sua própria capacidade de filtro, independente da grande quantidade de informações com as quais ele venha a se deparar em sua pesquisa.

Nas duas últimas questões, “realizar experimentos ajuda a entender melhor o que o professor ensina” e “produzir vídeos na aula ajuda para o aprendizado”, ficou evidenciada a mudança de análise dos alunos em relação às metodologias diferentes das tradicionais, sendo que 57% dos alunos passaram a concordar que a realização de experiências auxiliam no processo de aquisição de conhecimento e 53% dos alunos perceberam, após a realização do projeto, que a utilização de vídeos na sala de aula facilitam na concretização do conhecimento. Esses dados estão em consonância com os dizeres de Reis e Barreto (2017), que ressaltam a importância do professor no desenvolvimento de ações utilizando metodologias ativas para estimular o aluno a ser protagonista na construção do seu próprio conhecimento.

Conclusão

O trabalho permitiu concluir que houve evolução na aquisição de conhecimento dos alunos sobre os cuidados com a higienização das mãos como método de interrupção da cadeia de transmissão de doenças. Apesar da demasiada divulgação nos meios de comunicação sobre a importância da higienização das mãos para a prevenção de doenças, os alunos não mostraram uma compreensão científica sobre a importância da lavagem das mãos.

Os resultados obtidos também permitiram afirmar que a utilização adaptada da metodologia TPS, por meio do ensino remoto, demonstrou efetividade ao atingir os objetivos propostos, visto que os alunos participaram e envolveram-se com as diferentes atividades propostas. Isto é, a adaptação ao ensino remoto não prejudicou o aprendizado dos alunos.

O desenvolvimento das atividades nos moldes da TPS, por meio das ferramentas digitais, foi importante ao aprendizado dos alunos. As novas gerações nativas digitais já estão habituadas a utilizar, de forma muito natural, os recursos tecnológicos aliados à educação. Desse modo, a adaptação da TPS para o ensino remoto foi um desafio para os professores aplicadores, enquanto que para os alunos, foi um estímulo a mais, possibilitando a construção do conhecimento científico e a da interação de conhecimentos.

Referências

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Publicado em 08 de março de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

AGUIAR, Maria Fernanda A. de; SILVA, Wallace Santana da; FIRMO, Ana Cecília C.; LOPES, Kemberlly F. de O.; CORRÊA, Danilo A.; BARRETO, Maria Auxiliadora M. Think Pair Share por meio de Ensino Remoto: práticas científicas sobre higienização das mãos no Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 8, 8 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/8/think-pair-share-por-meio-de-ensino-remoto-praticas-cientificas-sobre-higienizacao-das-maos-no-ensino-fundamental

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