A coordenação pedagógica no contexto brasileiro: da supervisão à coordenação pedagógica
Wilson Afonso Vilela
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (Cefet/MG)
Sabina Maura Silva
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (Cefet/MG - Campus Divinópolis)
O presente trabalho é parte integrante da pesquisa de mestrado profissional intitulada O papel da Coordenação Pedagógica na Educação Profissional e Tecnológica: desafios e possibilidades para uma formação humana integral, do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, da Profept, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG). Essa pesquisa tem como objeto de estudo a coordenação pedagógica na Educação Profissional e Tecnológica no Ensino Médio Integrado.
O texto aqui apresentado tem como objetivo conhecer os aspectos históricos e legais do acompanhamento pedagógico escolar no Brasil. Para tanto, o percurso de investigação constitui-se de uma revisão bibliográfica, de abordagem qualitativa e descritiva, fundamentada nos estudos de Alves e Duarte (2012), Anjos (1988), Lima (2013), Medina (2002), Santos (2012) e Saviani (2000), dentre outros.
Numa síntese histórica, a proposta discorre sobre a supervisão pedagógica, as identidades que o profissional de supervisão adquiriu ao longo dos anos e das legislações em vigor, até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que trouxe novos horizontes para a coordenação pedagógica no Brasil.
Da supervisão à coordenação pedagógica: aspectos históricos
Ao propor um estudo sobre a coordenação pedagógica, torna-se imprescindível revisitar a História e entender o contexto em que se deu o exercício desta função ao longo dos anos. Considerar o passado é importante, pois por meio dessa análise pode-se refletir e compreender o presente. Contextualizar historicamente um tema não é uma tarefa fácil, porém necessária, porque, conforme afirma Chauí (1981, p. 11), “uma ideia não pode desvincular-se da realidade histórica e social que a produziu”.
Com o desenvolvimento do processo de industrialização, a partir do século XVIII, desenvolve-se a atividade de supervisão cujo objetivo era o de melhorar quantitativa e qualitativamente a produção. Conforme Lima (2013),
a supervisão é fruto da necessidade de melhor adestramento de técnicas para a indústria e o comércio, estendendo-se posteriormente, aos demais campos: militar, esportivo, político, educacional e outros, com o objetivo de alcançar um bom resultado do trabalho em realização (Souza, 1974 apud Lima, 2013, p. 69).
Lima (2013) recorre a Niles e Lovell (1975) para esclarecer que a supervisão, durante o século XVIII e princípio do século XIX, manteve-se na perspectiva de inspecionar, reprimir, checar e monitorar. A autora aponta que até 1875 a supervisão estava direcionada essencialmente à verificação do trabalho docente. E prossegue, esclarecendo que,
no final do século XIX e início do século XX, a supervisão passou a se preocupar com o estabelecimento de padrões de comportamentos bem definidos e de critérios de aferição do rendimento escolar, visando à eficiência do ensino (Lima, 2013, p. 70).
A supervisão pedagógica é assumida no âmbito educacional, conforme aponta Lima (2013), no começo do século XX, quando se verificou a utilização dos conhecimentos científicos para a melhoria do ensino e para a medida dos resultados de aprendizagens dos alunos.
Entre 1925 e 1930, há a influência das ciências comportamentais na supervisão educacional, percebendo-se uma grande tendência de se introduzir princípios democráticos nas organizações escolares. Assim, confere-se ao supervisor o papel de líder democrático, que assume a liderança do esforço colaborativo para o alcance dos objetivos, com a valorização dos processos de grupo na tomada de decisões (Lima, 2013).
No Brasil, o primeiro registro legal sobre a atuação do supervisor escolar ocorreu em 1931, com a Reforma Francisco Campos, primeira reforma educacional de caráter nacional que, pelo Decreto-Lei nº 19.890, de 18 de abril de 1931, entre outras especificações, concebia a supervisão de forma diferente da qual se processava o acompanhamento educacional até o momento. Substitui-se o caráter fiscalizador pelo supervisor (Lima, 2013). A partir de então, os profissionais passaram a ser chamados de orientadores pedagógicos ou orientadores de escola, observando e orientando quanto à execução das normas prescritas pelos órgãos superiores, tendo a inspeção como função básica na gestão do trabalho escolar (Anjos, 1988).
No âmbito da Reforma Francisco Campos, as tarefas atribuídas ao inspetor escolar, de acordo com Saviani, reduziam-se na prática “aos aspectos administrativos e de mera fiscalização, não se colocando a necessidade de que esse acompanhamento do processo pedagógico fosse feito por um agente específico no interior da unidade escolar” (Saviani, 2000, p. 29).
Conforme Lima (2013), em 1942, com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Secundário, por meio do Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, a orientação pedagógica é acrescentada aos aspectos administrativos e de inspeção. O Art. 75, § 1º do referido decreto prescrevia que “a inspeção far-se-á, não somente sob o ponto de vista administrativo, mas ainda com o caráter de orientação pedagógica”. De acordo com o referido decreto-lei, o trabalho do inspetor escolar consistia na execução de tarefas administrativas, devendo assegurar a ordem e a eficiência das instituições escolares, além de oferecer orientações à gestão do trabalho pedagógico.
Pelo Decreto-Lei nº 34.638, de 14 de novembro de 1953, foi criada a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, visando à melhoria da qualidade do ensino por meio de treinamento de recursos humanos, "oferecendo aos inspetores da época subsídios para a formação e a fundamentação de seu trabalho nas escolas, enfatizando, sempre o caráter pedagógico de sua área” (Lima, 2013, p. 70).
Na década de 1950, segundo Lima (2013, p. 71), resultante da política de aliança entre o Brasil e os Estados Unidos no cenário da Educação brasileira, a inspeção escolar foi modernizada “com a denominação de supervisão escolar, para garantir a efetivação de uma política desenvolvimentista, que trazia em seu bojo a concepção de educação como alavanca da transformação social”. Ainda nas palavras de Lima:
Essa supervisão se inicia no Brasil mediante cursos promovidos pelo Programa Americano-Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar (Pabaee), que formou a primeira leva de supervisores escolares para atuar no ensino elementar (primário) brasileiro, com vistas à modernização do ensino e ao preparo do professor leigo. A formação de tais supervisores se deu segundo o modelo de educação americano, que enfatizava os meios (métodos e técnicas) de ensino. O Pabaee expandiu-se no Brasil durante o período de 1957 a 1963, revestindo-se do caráter inovador na área pedagógica e preocupando-se, principalmente, com os meios que possibilitaram o reformismo educacional (Lima, 2013, p. 71).
O Programa Americano-Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar (Pabaee) treinava os educadores brasileiros a fim de garantir a execução de uma proposta pedagógica voltada para a educação de caráter tecnicista, conforme os modelos norte-americanos. Na pedagogia tecnicista, segundo Saviani,
o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando professor e aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção (Saviani, 1993, p. 24).
O Pabaee tinha como prioridades formar os professores do Ensino Normal, elaborar materiais didáticos e enviar aos Estados Unidos professores de Ensino Normal e Elementar para realizar curso de aperfeiçoamento (Paiva; Paixão, 2002). Os materiais didáticos elaborados pelos profissionais do programa eram utilizados para especialização e aprimoramento dos docentes da época.
Os técnicos do Pabaee admitiam, de início, que apenas a formação de professores, por meio dos Cursos Normais, era suficiente para a execução das práticas impostas pelo programa. Porém, posteriormente, eles perceberam que a qualificação do supervisor escolar, que se fundamentava em concepções tecnicistas, ofereceria maior eficiência para a execução das ações do programa, visto que esses profissionais poderiam, em sua atuação, influenciar diretamente nos conteúdos que seriam ensinados, assim como nas práticas pedagógicas e nos métodos de avaliação utilizados pelos docentes (Paiva; Paixão, 1997).
Dentro dessa perspectiva, o supervisor escolar desempenhava um papel de multiplicador e inspecionava a execução das ideias impostas pelo programa. Esse profissional era considerado imprescindível para mediar a gestão do processo ensino-aprendizagem no espaço escolar. Assim, o Pabaee influenciou a educação brasileira e a função do supervisor escolar em todo o país.
Lima (2013) aponta que o Pabaee exporta à educação brasileira uma ideologia capitalista junto às novas gerações e passa aos brasileiros a percepção do amigo americano, por meio da ajuda oferecida pelos Estados Unidos. Segundo Lima,
a ação norte-americana no Brasil, estendida ao campo educacional por intermédio do Pabaee, ocupa todas as brechas possíveis para a disseminação da ideologia capitalista, promovendo cursos, encontros, produzindo vários tipos de material didático, difundindo obras da literatura americana, concedendo bolsas de estudos e custeando excursões para bolsistas aos Estados Unidos (Lima, 2013, p. 73).
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 4.024/61, conforme Lima (2013), os governos estaduais e municipais ficaram responsáveis por assumir os encargos de organização e efetivação dos serviços educacionais; ao Governo Federal, coube a definição de metas a serem alcançadas e ação supletiva às deficiências regionais, por meio de recurso financeiro e assistência técnica. Assim, essa lei previa setores especializados para coordenar as atividades pedagógicas nas escolas como forma de concretizar as políticas educacionais desejadas pelos Sistemas de Ensino.
A partir dos anos 1960, a ação supervisora voltou-se para o currículo. O país passou por radicais mudanças que afetaram a Educação. A política de governo posterior a 1964 tornou a Educação assunto de interesse econômico e de segurança nacional. Nesse sentido, a supervisão escolar passou a exercer, nos sistemas educacionais, a função de controlar a qualidade do ensino e de criar condições que promovessem sua real melhoria (Lima, 2013).
No final da década de 1960, segundo Saviani (2000), após o golpe militar de 1964, buscou-se adequar a educação à nova situação por meio de reformas no ensino. Assim, foi aprovado pelo Conselho Federal de Educação o Parecer nº 252, de 1969, que reformulou os cursos de Pedagogia. Para Saviani,
é com esse parecer que se dá a tentativa mais radical de se profissionalizar a função do supervisor educacional. Com efeito, embora desde pelo menos a década de 30 a ideia de supervisão tenha se encaminhado em direção à especificação das atribuições do supervisor sinalizando a sua profissionalização, permanecia, ainda, uma certa indefinição, de modo especial em relação às funções de inspeção (Saviani, 2000, p. 29).
Entretanto, a prática da supervisão escolar tornou-se uma função mediadora, com o objetivo de garantir a eficiência da tarefa educativa por meio do controle da produtividade do trabalho docente (Lima, 2013). Nessa perspectiva, aspirava-se para a supervisão características de serviço técnico, que atuasse de maneira neutra, com independência quanto a qualquer preferência política ou ideológica. No entanto, essa suposta
neutralidade técnica é uma força que busca camuflar, com a racionalidade das decisões técnicas, o fortalecimento de uma determinada estrutura de poder que procura, sob várias formas, substituir a participação social pela decisão de poucos (Romanelli, 1984, p. 231 apud Lima, 2013, p. 76).
Partindo dessa visão, Lima (2013) infere que a supervisão foi imposta à educação brasileira como necessidade de modernização e de assistência técnica, com a finalidade de garantir a qualidade do ensino e assegurar a hegemonia da classe dominante. Essa hegemonia se traduz na
capacidade de direção cultural e ideológica que é apropriada por uma classe exercida sobre o conjunto da sociedade civil, articulando, de tal forma, seus interesses particulares com os das demais classes, de modo que eles venham a se constituir em interesse geral (Cury, 1985, p. 53 apud Lima, 2013, p. 76).
Segundo Lima (2013), com essas características, a supervisão escolar desenvolveu uma prática direcionada aos aspectos tecnoburocráticos do ensino cujo controle era considerado a estratégia principal para assegurar seu papel reprodutor na sociedade capitalista brasileira. Segundo Medina,
numa linguagem figurada, pode-se dizer que a escola foi maquiada por uma ideologia; independentemente da dinâmica social em que se insere, o papel da escola era mudar a sociedade, e a presença do supervisor se justificava como garantia para esta mudança (Medina, 2002, p. 46).
Dentro desse contexto, a formação do supervisor tinha como foco o desenvolvimento de uma concepção de supervisão escolar funcionalista. Essa concepção “percebe a escola de modo passivo, na qual qualquer mudança é vista como um desequilíbrio no estado homeostático, negando-se, portanto, o caráter dinâmico e evolutivo da instituição-escola e da sociedade” (Medeiros, 1985, p. 24 apud Lima, 2013, p. 76).
A formação do supervisor baseada na concepção funcionalista, entre outros indicadores, tinha:
- a ênfase no processo de como fazer, ou seja, nos meios, sem a percepção dos fins, de quem está a serviço;
- o controle da ação pedagógica do docente, como meio de garantir a qualidade do ensino;
- a inculcação e a defesa da ideologia dominante, através de meios considerados neutros, tais como: livros didáticos, métodos e técnicas de ensino (Medeiros, 1985, p. 25 apud Lima, 2013, p. 77).
Assim, segundo Lima (2013), a concepção funcionalista previa a definição de papéis que seriam executados pelos supervisores e demais profissionais, no contexto das instituições escolares.
A Lei Federal nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que instituiu as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, determina, no capítulo V, Art. 33, que “a formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e demais especialistas de educação será feita em curso superior de graduação, com duração plena ou curta ou de pós-graduação”. Para Medina (2002), essa lei
institucionaliza a supervisão, ao referir-se à “formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e demais especialistas em educação”. A supervisão passa a introduzir modelos e técnicas pedagógicas atualizadas (para a época); o supervisor, contudo, não perde o vínculo com o poder administrativo das escolas. Agora o seu papel é o de assegurar o sucesso no exercício das atividades docentes por parte de seus colegas, professores, regentes de classe (Medina, 2002, p. 39).
A referida lei fortaleceu o papel do supervisor escolar como profissional da educação, concedendo-lhe poder de ação frente aos docentes e à proposta pedagógica da escola. Portanto, mesmo com a ampliação de funções, a atuação do supervisor permaneceu direcionada ao controle das práticas docentes, sem pôr em ação um trabalho integrado junto aos educadores. Sua atuação consistia em atender as exigências das secretarias de educação e das escolas na construção de materiais didáticos, relatórios, dentre outros. Os supervisores transmitiam aos professores a concepção de como a escola deveria ser, sem questionar como ela estava no momento presente. “A escola estava sempre distante do fazer pedagógico no plano do dever ser e, muito pouco, ou quase nada, voltada para sua realidade cotidiana” (Medina, 2002, p. 46).
Vasconcellos (2007), citando Urban (1985, p. 5), aponta que
a supervisão educacional foi criada num contexto de ditadura. A Lei nº 5.692/71 a instituiu como serviço específico da Escola de 1º e 2º graus (embora já existisse anteriormente). Sua função era, então, predominantemente tecnicista e controladora e, de certa forma, correspondia à militarização escolar. No contexto da Doutrina de Segurança Nacional adotada em 1967 e no espírito do AI-5 (Ato Institucional n. 5) de 1968, foi feita a reforma universitária. Nela situa-se a reformulação do curso de Pedagogia. Em 1969 era regulamentada a Reforma Universitária e aprovado o parecer reformulado do curso de Pedagogia. O mesmo prepara predominantemente, desde então, “generalistas”, com o título de especialistas da Educação, mas pouco prepara para a prática da educação.
Ao longo dos anos 1980, na luta por direitos sociais, defendendo a proposta de democratização da educação, os educadores brasileiros participaram de movimentos sociais, por meio de fóruns, debates, greves, discussões, manifestações públicas, contestando e reivindicando melhorias nas questões que diziam respeito ao momento vivido, à democratização da gestão e à qualidade da escola pública. Entre outras reivindicações, “os professores incluíram os itens relativos à questão educacional que havia surgido em seus debates, como, por exemplo, a eleição de diretores, a aplicação de recursos na educação, a democratização ao acesso e a permanência na escola” (Zientarski; Pereira, 2009, p. 162).
Segundo essas autoras,
as ações realizadas pelos grupos envolvidos em movimentos sociais culminaram com a aprovação no Congresso Nacional da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Esta lei, que é fruto das discussões, análises, lutas de interesses e de engajamento de setores da sociedade, após décadas de impossibilidade de exercer esta prática, por cerceamento da liberdade de manifestação decorrente dos mecanismos ditatoriais instaurados no Brasil nos anos 1960-1980, não atendeu todos os propósitos que os educadores buscavam, mas de uma ou outra forma, permitiu que, num anseio de participação, a comunidade educativa experimentasse uma prática democrática (Zientarski; Pereira, 2009, p. 156).
Dentro desse contexto reivindicatório, segundo Venas (2012), em meados dos anos 1980, mesmo estando amparada na Lei nº 5.692/71, a denominação “supervisor pedagógico” começa a ser substituída pela de “coordenador pedagógico”, visto que em um contexto mais democrático passaram a ser cada vez menos aceitas as práticas autoritárias. Conforme esse autor, a denominação “coordenação pedagógica” só foi definida de forma mais clara a partir dos anos 1990, com a promulgação da Lei nº 9.394/96.
No final da década de 1980 e início da de 1990, os trabalhos de autores como Paulo Freire (1975), Wagner Gonçalves Rossi (1982), Celestino Alves da Silva Junior (1984), Luiz Antônio de Carvalho Franco (1987), Mariano Fernandes Enguita (1989), Paul Willis (1981) entre outros, influenciaram na prática dos supervisores pedagógicos. Tais abordagens enfatizam a escola como local de trabalho e supera as antigas tradições pedagógicas, compreendendo o processo formador da escola como processo de produção e não como um processo de inculcação. Assim, o supervisor escolar é concebido como um elemento importante no processo de ensinar e aprender, com a especificidade de “trabalhar com o professor na identificação das necessidades, das satisfações, das perguntas, das respostas possíveis e das inúmeras dúvidas que vão surgindo no fazer diário, atuando em conjunto com o professor de sala de aula” (Medina, 2002, p. 50).
Com a Lei nº 9.394, a 3ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, emerge uma nova concepção da prática da supervisão pedagógica no contexto escolar. Segundo Alves e Duarte (2012, p. 6), a supervisão passou a ser entendida “como elemento de intermediação associada à ideia de mudança, preocupada em produzir novos conhecimentos e não apenas em transmiti-los, criando ambientes que favoreçam a construção de aprendizagens significativas”. Para Alves e Duarte,
as dimensões política, técnica e ética que perfazem a função do supervisor são necessariamente permeadas por princípios que norteiam o seu fazer pedagógico. Nesse sentido, a LDB/96 veio assegurar maior flexibilidade para os profissionais da supervisão, possibilitando novas práticas supervisadas, como assessoramento, apoio, colaboração, ajuda técnica e cooperação, fazendo‐se perceber como agente de mudanças e transformações dentro da comunidade escolar (Alves; Duarte, 2012, p. 6).
Nesse sentido, Lima (2013) esclarece que a supervisão é reconhecida como a capacidade de fazer uso da técnica sem a conotação do tecnicismo. Trata-se de uma supervisão contextualizada, inserida nos fundamentos e nos processos pedagógicos, auxiliando e promovendo a coordenação das atividades desse processo e sua atualização pelo estudo e pela coletividade dos professores.
A Lei nº 9.394/96 reconhece as mudanças na área educacional e traz ressignificação ao trabalho da coordenação pedagógica e às suas práticas dentro do espaço escolar, apontando, sobretudo, para a necessidade do trabalho pedagógico integrado com toda a comunidade escolar, pautando-se no princípio da gestão democrática. Para tal, de acordo com o Art. 12 dessa lei, os estabelecimentos de ensino têm a responsabilidade de
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; [...]
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
VI - articular com as famílias e a comunidade, criando processo de integração da sociedade com a escola (Brasil, 1996, Art. 12).
É importante ressaltar, também, as alterações ocorridas na formação dos pedagogos. A Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, Licenciatura, reconfigura o curso a partir da docência. O Art. 4º aponta que
o curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Brasil, 2006).
No que tange à formação do coordenador pedagógico, o Art. 14 diz que
a licenciatura em Pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP nº 5/2005 e nº 3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissionais da educação prevista no Art. 64, em conformidade com o inciso VIII do Art. 3º da Lei nº 9.394/96.
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós-graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os licenciados (Brasil, 2006, Art. 14).
Dessa forma, a partir da referida Resolução, o papel de especialista educacional passa a ser estendido a todas as licenciaturas. Assim, a função de coordenação pedagógica não se restringe mais apenas aos pedagogos formados nas antigas modalidades de coordenador e supervisor, mas passa a englobar os docentes de diferentes licenciaturas formados em cursos de pós-graduação.
Para Vasconcellos (2002), a função da coordenação pedagógica surge com a intenção de democratização da Educação e está estreitamente relacionada à supervisão escolar. Para ele, na coordenação pedagógica, a hierarquização, o controle e a vigilância dão lugar ao trabalho coletivo integrado e à mediação. O autor afirma que “a equipe de coordenação escolar tem por função articular todo o trabalho em torno da proposta geral da escola e não ser elemento de fiscalização, de controle formal e burocrático” (Vasconcellos, 2007, p. 160).
Nessa perspectiva, o trabalho da coordenação pedagógica “envolve questões de currículo, construção do conhecimento, aprendizagem, relações interpessoais, ética, disciplina, avaliação da aprendizagem, relacionamento com a comunidade, recursos didáticos, entre outros” (Vasconcellos, 2002, p. 85). Segundo Vasconcellos, o centro de sua atenção é o trabalho de formação tanto individual, quanto coletivo, pois, “deve contribuir com o aperfeiçoamento profissional de cada um dos professores e, ao mesmo tempo, ajudar a constituí-los enquanto grupo” (Vasconcellos, 2002, p. 88).
Considerando o processo histórico de constituição do acompanhamento pedagógico escolar no Brasil, marcado por políticas de implantação e execução de diretrizes governamentais e de fiscalização dessas diretrizes nas escolas, Alonso (2000) reforça que o trabalho da coordenação pedagógica vai além de um trabalho meramente técnico-pedagógico, pois requer uma ação planejada e organizada a partir de objetivos bem definidos, que devem ser assumidos por todo o pessoal escolar, tendo em vista o fortalecimento do grupo de trabalho e o seu posicionamento responsável frente ao projeto educativo da escola. Nesse sentido, a coordenação pedagógica “deixa de ser um recurso meramente técnico para se tornar um fator político, passando a se preocupar com o sentido e os efeitos da ação que desencadeia mais que com os resultados imediatos do trabalho escolar” (Alonso, 2000, p. 175).
Nesse panorama, destaca-se que, embora a atuação da supervisão pedagógica não esteja bem definida nas legislações educacionais dos anos 1960, 1970 e 1980, no cenário atual, os objetivos de sua atuação podem ser relacionados ao papel e aos desafios cotidianos que gestores escolares e coordenadores pedagógicos enfrentam no processo educativo escolar, tanto na tessitura conjunta do projeto político-pedagógico escolar, quanto na conjuntura da formação continuada dos docentes e em outras instâncias escolares (Santos, 2012).
Considerações finais
O presente artigo procurou mostrar os aspectos históricos e legais que marcaram o acompanhamento pedagógico escolar no Brasil. Considera-se que o objetivo proposto tenha sido alcançado, ressaltando-se que o trabalho apresentado possui lacunas que devem ser preenchidas por meio de outras reflexões que tomem como objeto de estudo a coordenação pedagógica.
Historicamente, a coordenação pedagógica se desenvolveu linearmente ao longo dos anos, frente às reformas educacionais, restrita à execução das políticas educacionais prescritas pelos órgãos responsáveis pela educação no país. Na gestão do trabalho pedagógico, sua atuação limitava-se em fazer cumprir o que era estabelecido e em garantir que os docentes reproduzissem o modelo instituído.
No contexto dos anos 1980, em um cenário marcado pelo movimento de democratização da Educação, centrado nos processos de gestão e no trabalho do docente, a coordenação pedagógica passa a ser concebida como um elemento essencial para o desenvolvimento de uma educação de qualidade e para a superação de dicotomias existentes entre professor e gestor, entre teoria e prática, dentre outras. Nessa perspectiva, o papel da coordenação pedagógica na escola ganha outras dimensões, passando de controlador e fiscalizador para estimulador e integrador do trabalho docente. Dessa forma, compreendida a coordenação pedagógica, tornam-se evidentes as mudanças de paradigmas, que vão de ações normativas e prescritivas em direção a ações críticas, reflexivas e integradas aos docentes e demais profissionais da instituição escolar.
Nesse panorama, o caminho percorrido da supervisão escolar até chegar à coordenação pedagógica revela como a gestão do trabalho escolar evoluiu qualitativamente da orientação para o atendimento das diretivas governamentais e da fiscalização quanto a esse atendimento para um trabalho dedicado ao processo de ensino-aprendizagem, abrangendo o planejamento inicial quando da elaboração do Projeto Político Pedagógico, do planejamento das ações, das metodologias, dos recursos didáticos e pedagógicos e dos processos avaliativos.
Considera-se que a atuação da coordenação pedagógica deva ser pautada por um trabalho profissional cujo compromisso seja o de garantir o desenvolvimento integral do educando, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o mundo do trabalho. Dessa forma, na gestão do trabalho escolar democrático e coletivo, o coordenador pedagógico deve assegurar a qualidade do processo educativo, tendo em vista a formação humana integral.
Nessa perspectiva, para que os objetivos educacionais sejam alcançados, o coordenador, como gestor do trabalho pedagógico escolar, precisa dominar de forma sistemática e intencional as formas de organização do processo de formação no interior do espaço escolar.
A coordenação pedagógica, como integradora e articuladora do grupo de trabalho, deve promover um ambiente democrático e participativo, envolvendo todos os educadores no processo educativo com comprometimento e parceria. Assim, faz-se necessário criar condições no ambiente de trabalho para discutir ideias, buscar caminhos para os desafios encontrados, fortalecer o sentimento de pertencimento ao grupo, estimular e fortalecer lideranças, além de mediar e articular a formação continuada dos docentes.
Por fim, a coordenação pedagógica deve proporcionar aos docentes a possibilidade de ressignificação de suas práticas pedagógicas, o desenvolvimento da autonomia docente, incentivar a produção do conhecimento por todos que compõem o processo educativo e construir caminhos para o oferecimento de uma educação de qualidade por meio de uma gestão pedagógica integrada, crítica e reflexiva.
Referências
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Publicado em 15 de março de 2022
Como citar este artigo (ABNT)
VILELA, Wilson Afonso; SILVA, Sabina Maura. A coordenação pedagógica no contexto brasileiro: da supervisão à coordenação pedagógica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 9, 15 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/9/a-coordenacao-pedagogica-no-contexto-brasileiro-da-supervisao-a-coordenacao-pedagogica
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