Oficinas de redação para estudantes do Ensino Médio (EJA) numa escola pública de Vilhena/RO

Marta Barbosa da Silva

Mestra em Letras (Unemat - Cáceres), especialista em Psicopedagogia Institucional (Celer - Cacoal), Licenciada em Letras (UNIR - Vilhena) e graduanda em Música (Uniasselvi)

Rosivaldo Rodrigues de Paiva

Licenciado em Letras

Descrição da atividade e público

Para realização do evento, iniciamos os planejamentos de 13 a 30 de setembro, período no qual pensamos sua estrutura e a recepção aos alunos, levando em consideração o sistema híbrido de ensino. De 18 a 29 de outubro, trabalhamos na divulgação, inscrição e organização do material a ser utilizado pelos discentes. De 3 a 16 de novembro realizamos o curso.

Figura 1: Cartaz de divulgação do curso

Planejamos essa atividade considerando a participação ativa de 50 alunos nas aulas regulares; todavia, recebemos apenas 25 inscrições, ainda que cada aluno tivesse conhecimento de que o projeto aconteceria nos mesmos dias e horários de aula, apenas com a sexta-feira online, valendo nota de participação em todas as disciplinas.

Sabendo-se que a tipologia dissertativo-argumentativa, no geral, é pedida na maioria das seleções para o nível superior, objetivamos oferecer condições para que cada cursista desenvolvesse habilidades e competências para realizar especificamente a redação do Enem e, por extensão, de outros vestibulares.

Metodologia

Não há receitas nos processos de ensino-aprendizagem, qualquer que seja a disciplina. E muito particularmente na produção de textos, uma atividade que não é governada por regras, mas pela imaginação e pela observação de como os outros puseram a funcionar os recursos expressivos para dizerem o que queriam dizer (Passarelli, 2018, p. 18).

Iniciamos os trabalhos da oficina com a contextualização do projeto (desenvolvido pela autora deste texto nos anos de 2009 a 2013, numa escola pública de Vilhena, quando orientou mais de 200 alunos do 3º ano do Ensino Médio para escreverem redações em vestibulares) e uma apresentação da cronologia do Enem (1998-2021). Ao falar sobre a proposta do curso para Educação de Jovens e Adultos, lembramos a figura do filósofo e educador Paulo Freire, autor que levou à revisão do modelo de educação para esse público-alvo, considerando a idade e as vivências para uma adequada organização da metodologia a ser trabalhada com o grupo.

Figura 2: Início do curso

No segundo encontro, apresentamos aos alunos o manual do candidato, um guia de redação para candidatos ao Enem que orienta quanto ao uso, às habilidades e às competências cobradas na prova de redação e apresenta as redações nota 1000. Numa abordagem mais direta da tipologia dissertativa, discorremos sobre as diferenças entre fato e opinião, destacando a importância de como argumentar – principal característica do texto dissertativo-argumentativo. Em atividade mais prática, solicitamos que os alunos argumentassem oralmente acerca do retorno presencial às aulas.

Para o terceiro encontro, realizado de forma online, pedimos aos alunos que pesquisassem edições do ENEM, observando atentamente a disposição da coletânea de textos presentes na prova, os chamados textos motivadores. Ressaltamos o uso das diversas materialidades textuais presentes no caderno, tais como as tiras, a reportagem, a notícia, os cartuns, o poema e a música, dentre outros, bem como a necessidade de realizar uma leitura acurada e considerar informações em favor do exercício argumentativo. O trabalho levou os cursistas a perceber a importância dos textos selecionados, tanto para a melhor compreensão do tema quanto para o auxílio à sustentação do processo argumentativo da redação.

No quarto encontro, lemos, debatemos e analisamos duas redações presentes na segunda edição do ENEM, cujo tema havia sido “Cidadania e participação social”. A partir desse encontro, passamos a detalhar as competências cobradas na redação.

No quinto encontro, trabalhamos especificamente com a competência 5 (elaborar uma proposta de intervenção com respeito aos direitos humanos), para a qual apresentamos situações problema em slides a fim de que, em dupla, criassem as intervenções devidas. Num segundo momento, cada dupla comentou sobre a sua intervenção.

Para o sexto encontro, elegemos a proposta de 2019 para ser discutida e produzida como dissertação. Com o tema “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”, organizamos os estudantes em dois grupos (um coordenado pela autora do projeto e o outro pelo professor da turma). Reunimo-nos em salas diferentes e passamos a auxiliá-los no processo. Lemos juntos a coletânea, contextualizamos o tema com a ajuda do professor de História e solicitamos que fizessem a introdução. O restante do trabalho ficou para aprimoramento extraclasse e envio por e-mail.

Figura 3: Atividades de produção

No penúltimo encontro, realizado online, pedimos aos alunos que lessem seus textos para a classe. Juntamente com o professor, iríamos comentar as produções e tirar dúvidas. Não as aferimos conforme as cinco competências do manual disponibilizado, mas falamos principalmente sobre os aspectos de organização das ideias e argumentação. Combinamos que nos dias seguintes a esse encontro, à medida que fossem reescrevendo o texto e surgissem dificuldades, os alunos poderiam nos contatar por meio do WhatsApp, a fim de agilizar a produção final.

No último encontro, dia do encerramento do curso, preparamos uma programação diferenciada com músicas, mensagens declamadas, depoimento dos estudantes sobre o curso, avaliação por escrito e entrega de certificados. Por fim, recolhemos a versão definitiva das dissertações argumentativas produzidas por eles.

No refeitório, com um coquetel organizado pela direção e pelas merendeiras da escola, comemoramos a realização de mais um projeto direcionado aos estudantes do Ensino Médio.

Figura 4: Encerramento do projeto

Referencial teórico

A elaboração de textos na escola é uma tarefa desenvolvida por meio de diferentes dinâmicas de produção e depende em parte da metodologia utilizada pelo professor e do material didático escolhido por ele. Por isso, a dissertação está planejada para os anos finais do Ensino Médio, embora estudantes do Fundamental II também consigam elaborar esse tipo de texto, considerando seus conhecimentos e preparo.

Pensando a prática da escrita no ambiente escolar, Passarelli (2012, p. 46) considera que

a produção de textos na escola é uma atividade realizada como exercício para desenvolver a capacidade textual do sujeito. Por se tratar de um trabalho de reflexão individual e/ou coletiva que depende de uma série de habilidades, o papel da escola é criar situações interlocutivas propícias para que o estudante aprenda a escrever melhor seus textos.

Entendemos como condições propícias à elaboração de texto tanto situações comuns do dia a dia da sala de aula como momentos específicos em que tanto professores quanto alunos trabalhem com tempo e espaço suficientes para perseguir bons resultados em produção textual. 

Com base nisso, no projeto que desenvolvemos durante duas semanas, oferecemos aos estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) conhecimento e aprofundamento do tipo de texto dissertativo-argumentativo, desenvolvendo habilidades e competências pertinentes à sua prática específica com vistas à participação dos estudantes em processos seletivos para o ingresso no Ensino Superior.

Como nossa proposta de trabalho apontava para orientações aos estudantes para elaborarem redação no ENEM, lembramos, de acordo com Vieira (2013), que

a proposta de redação do ENEM consiste na elaboração de um texto dissertativo- argumentativo pelo participante, o qual deve conter entre sete e trinta linhas. Além de solicitar a defesa de um ponto de vista da parte deste, demonstrando capacidade de refletir sobre questões sociais, culturais e políticas atuais, solicita ainda que o candidato apresente uma proposta de intervenção na sociedade, com base em argumentos evidenciados ao longo do texto, levando em consideração o respeito aos direitos humanos – competência V (Vieira, 2013, p. 102).

O texto solicitado pelo exame e pela maioria das seleções para o Ensino Superior como demanda de conhecimento estrutural e de argumentação, uma vez que esse tipo de texto traz procedimento por meio do qual quem argumenta tem por objetivo levar o interlocutor a adotar uma posição diante da temática, conduzindo-o a aceitar o que é defendido (Passarelli, 2012, p. 240), uma prática que demanda bom tempo em aulas de Língua Portuguesa – o que, sobretudo na EJA, não acontece. Considerando esse quesito tempo e as necessidades desse nível de escolaridade, realizamos durante as oficinas práticas de leitura e de escrita de textos avaliando que “a argumentação é um conhecimento imprescindível na vida de todo e qualquer sujeito, sendo útil não apenas no caso do aprendizado da língua materna, mas também nos vários outros campos de saberes e na vida cotidiana de modo geral” (Lemes, 2013, p. 14).

A partir do que afirma a autora, entendemos que a elaboração de estratégias argumentativas contribui discursivamente não só para o desenvolvimento de habilidades escolares, mas também para o cotidiano de cada sujeito-aluno.

Nesse prisma, as oficinas de redação vêm ao encontro da necessidade dos estudantes de participar de práticas escolares que possam lhes garantir essa posição sujeito-autor. Para Lemes (2013), isso ocorre quando o sujeito consegue

assumir a posição de autor (e para isso) faz se necessário que ele seja levado a uma leitura crítica e polissêmica do texto, que ele possa também encontrar-se com outros textos para que, então, trabalhando a partir da intertextualidade e acessando o “arquivo”, ele esteja em condições de assumir sua função de autoria, inclusive argumentando sobre aquilo que lhe é apresentado (Lemes, 2013, p. 40).

No que tange à autoria na redação do ENEM, esclarecemos ao cursista que assumir a posição de sujeito-autor requer posicionamento e clareza frente à questão polêmica apresentada no caderno de redação, bem como a mobilização de argumentos diversos em prol dessa posição, como construir proposta de intervenção para a problemática levantada pelo tema. Nesse ponto é dado ao candidato a oportunidade de produzir uma redação com o conhecimento das mais diversas áreas.

Sendo assim, no percurso desse projeto buscamos orientar cada cursista para que tivesse condições de produzir seu texto, percebendo o quanto a argumentação está presente em seu cotidiano. O conhecimento sobre as outras áreas do saber nos ajuda nessa tarefa de persuasão, pois assim assumimos a posição de sujeito-autor. De todo modo, o que conta é a maneira como cada um mobiliza o conhecimento que adquiriu textualmente.

Considerações finais

Desenvolver práticas efetivas de elaboração de texto dissertativo no Ensino Médio é uma necessidade presente nas aulas de Língua Portuguesa. Ciente disso, o projeto de oficinas de redação procurou trazer à baila o que se espera de um candidato ao Ensino Superior, bem como os critérios utilizados para atribuir-lhe nota por meio da redação.

Em sua realização, oferecemos aos cursistas conhecimentos estruturais, trabalhando paulatinamente a introdução, o desenvolvimento e a conclusão textual, além das cinco competências cobradas pelo exame na correção. Nossa metodologia foi viabilizada em grande parte pelo uso do manual de redação do candidato ao ENEM.

Sabedores de que escrever demanda tempo e é um processo (Geraldi, 2018), os encontros destinados ao projeto não foram suficientes para que conseguíssemos explorar a leitura do caderno de redação, os apontamentos e a elaboração da dissertação argumentativa, mais a correção por meio das cinco competências cobradas pelo Exame.

Saímos desses encontros conscientes de que nossos estudantes apresentam muita dificuldade em argumentar, principalmente quando podem se valer das diversas áreas do conhecimento. Acreditamos que debates e outras atividades orais são capazes de ajudar no processo de desenvolvimento do repertório para uso na argumentação e que outra etapa desse projeto poderá mobilizar essas estratégias.

Por outro lado, percebemos o quanto avançaram os alunos que permaneceram conosco até o término do curso. Eles conseguiram, com base no que estudamos, conceituar o gênero estudado, falar sobre os tipos de argumento, saber das competências por meio das quais sua redação seria avaliada, pesquisar no manual do candidato dados específicos sobre a redação no exame, dentre outras informações.

Dessa forma, compreendemos que, como professores de Língua Portuguesa, cabe-nos a tarefa de criar estratégias didático-pedagógicas para assistir os estudantes em suas necessidades escolares. No caso dos discentes do Ensino Médio, dar condições para que apresentem as competências esperadas para o seu nível de escolaridade, escrevendo em situações específicas de interlocução e avançando rumo ao Ensino Superior.

Referências

ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. Cotia: Ateliê, 1999. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001387528. Acesso em: 15 jul. 2022.

CUNHA, H. C. M. A construção da argumentação no Ensino Médio: um trabalho técnico retórico. In: IV ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE LETRAS E ARTE (ENLETRARTE), 26 a 28 de agosto de 2009. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/enletrarte/issue/view/70. Acesso em: 18 jul. 2022.

GERALDI, J. W.  Enraizamento em tempos acelerados. In: PASSARELLI, L. G. Ensino e correção na produção de textos escolares. São Paulo: Telos, 2012.

LEMES, N. Argumentação, livro didático e discurso jornalístico: vozes que se cruzam na disputa pelo dizer e silenciar. Dissertação (Mestrado em Educação), Pontifícia Universidade Católica, Ribeirão Preto, 2013.  Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59140/tde-26092013-110842/pt-br.php. Acesso em: 18 jul. 2022.

PAIVA, Thaís. Alunos brasileiros não sabem argumentar, diz estudo. Carta Capital, 2014. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/argumentacao-%E2%80%A8ou-reproducao/. Acesso em: 18 jul. 2022.

PASSARELLI, L. G. Ensino e correção na produção de textos escolares. São Paulo: Telos, 2012.

VASQUES, C. C.; ANJOS, M. B. dos; SOUZA, V. L. de. Políticas públicas para Educação de Jovens e Adultos (EJA). Revista Educação Pública, v. 19, nº 16, 13 de agosto de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/. Acesso em: 09 maio 2022.

VIEIRA, S. M. A construção do argumento no Ensino Médio: uma investigação dos recursos argumentativos no gênero dissertativo-argumentativo escolar. Tese (Doutorado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. Disponível em: https://www.pgletras.com.br/_documentos/acervo/teses/2013/linguistica/Silvia_Maria_Vieira.pdf. Acesso em: 18 jul. 2022.

Publicado em 10 de janeiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Marta Barbosa da; PAIVA, Rosivaldo Rodrigues de. Oficinas de redação para estudantes do Ensino Médio (EJA) numa escola pública de Vilhena/RO. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 1, 10 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/47/oficinas-de-redacao-para-estudantes-do-ensino-medio-eja-numa-escola-publica-de-vilhenaro

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