A importância do diálogo, numa perspectiva freiriana, na retomada da presencialidade depois do período remoto da covid-19

Fábio Veiga da Silva

Professor de Física, licenciando em Física (UPF)

Em 2020 houve o estopim daquela que viria mudar a estrutura de toda sociedade global: a pandemia da covid-19, responsável por diversas medidas preventivas que têm demonstrado impactos significativos nas esferas da sociedade econômica, social e culturalmente. Mesmo com certa flexibilização devido aos avanços proporcionados pela vacinação, as formas de prevenção da pandemia se refletem hoje na forma como a sociedade compreende novas formas de trabalhar, se relacionar, consumir, produzir e educar. Comparada ao que se vivia antes dela, as novas estruturas apresentadas têm seus prós e contras, mas certo é que muitos desses novos sistemas de ação serão implementados na sociedade após essa crise.

A pandemia salientou as diferenças sociais existentes no território brasileiro, num momento em que aqueles que vivem situações de maior vulnerabilidade social precisaram desenvolver novas estratégias para a preservação da vida e das necessidades básicas. Mesmo que os reflexos da pandemia tenham atingido a sociedade como um todo, sabe-se também que essas reverberações são os maiores empecilhos na vida daqueles que já têm dificuldade de viver (Gatti, 2020).

Grande parte da população do mundo não está em condições de seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde para nos defender do vírus porque vive em espaços exíguos ou altamente poluídos, porque são obrigados a trabalhar em condições de risco para alimentar as famílias, porque estão presos em prisões ou em campos de internamento, porque não têm sabão ou água potável, ou a pouca água disponível é para beber e cozinhar etc. (Santos, 2020, p. 23-24).

Quando se pensa em educação, têm-se reações que modificaram todos os níveis educacionais, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Impossibilitados de manter os alunos juntos em uma sala, as aulas tornaram-se remotas, o que fez com que estudantes e professores apreendessem uma nova forma de ensinar e aprender. Seja de forma síncrona ou assíncrona, docentes tiveram a difícil missão de transformar a aula antes oral em conteúdo digital para atender à demanda dos alunos, pois muitos não tinham disponibilidade de se fazer presentes de forma síncrona nas aulas devido aos limites de conexão.

Os estudos remotos demonstraram que, ao mesmo tempo que as aprovações foram mais efetivas, a aprendizagem passa por um déficit tendo em vista a dificuldade do discente em adequar-se à nova rotina, pois os alunos agiam como se estivessem de férias, devido à falta de um espaço específico de estudo, as comodidades e as distrações do ensino remoto (Alves, 2020). Com a volta ao presencial, certos hábitos podem ser vistos na nova posição dos alunos dentro de sala de aula: o desinteresse, a falta de foco, a precariedade de conhecimento prévio etc. As características apontadas já eram comuns em ambientes escolares; contudo, com a pandemia, houve um crescente em seus níveis, os alunos assumiram a ideia de que não é preciso tanta dedicação ou atenção nas aulas, pois acreditam que no fim eles serão aprovados de qualquer modo, tendo em vista as resoluções do continuum curricular, que flexibilizam a trajetória escolar admitido diferentes formas de segmentação anual, uma espécie de ciclo emergencial em que é possível a reordenação do currículo de um ano no outro (Brasil, 2020).

Como Santos (2020) aborda em sua obra, a pandemia teve grande mobilização mundial, envolvendo diversos meios, como a política e a mídia; entretanto, esses meios pouco se importam com os efeitos causados pela pandemia que podem vir a ser exponencialmente mais graves, como a crise educacional, que, devido à sua lenta progressão, parece não ser um alvo interessante de discussão política ou midiática. Uma lição que pode ser tirada da pandemia é a forma como a população é tratada num modelo econômico capitalista, principalmente na atual conjuntura, em que ele se apresenta neoliberal, pois põe à parte qualquer relação com o servir ao público, desapegado de qualquer lógica cidadã que priorize os direitos humanos.

Dessa maneira, repensar a forma como se faz educação num momento pós-pandemia é imprescindível para evitar uma pandemia agora em âmbito educacional, pois, como aponta Pimenta (2022), além de estar longe de o Estado tratar a educação como prioridade, o retorno à presencialidade demonstra um aluno mais fragilizado social e emocionalmente, o que acarreta maior dificuldade de aprendizado e um âmbito educacional não favorável ao ensino. Primeiro é preciso pensar se, de alguma maneira, será possível recuperar os atrasos que a conjectura remota de ensino causou; assim pode-se começar a ponderar os meios usados para fazer um processo educacional que vá ao encontro do estudante, que o alcance e o traga de volta, fazendo-o abandonar os maus hábitos adquiridos. Ao colocar isso em prática, pode-se iniciar a busca por aquele que é responsável pela ligação entre aluno e professor, esse mesmo que se perdeu no meio remoto: o diálogo.

A oralidade do aluno é baseada no contexto social em que ele vive; embora se procure ensinar a linguagem formal ao estudante, a escola atual está mais focada em um ensino quantitativo, pautada em um método tecnicista que busca a eficiência e a produtividade das coisas. Esqueceu-se do ensino qualitativo, em que a educação buscava dar ao aluno um olhar crítico às questões, como diria Rouanet, se desconsidera que “uma boa formação humanística prepara muito mais eficientemente para um mercado de trabalho em constante processo de mutação tecnológica que qualquer formação profissionalizante stricto sensu” (Rouanet, 1987, p. 323).

O que justifica, dá vida e sentido à escola, à relação pedagógica, ao trabalho de docentes e discentes, são o processo de formação humana que aí se realiza e a relação de professores e estudantes com a cultura, com o pensamento, com o saber vivo, instigante e que a cada momento se produz, se interroga e se recria (Coelho, 2009, p. 16).

Nesse contexto, no qual se evidencia importância do diálogo na relação educacional num momento pós-pandemia, surge a seguinte indagação, que constitui a pergunta de pesquisa deste estudo: “como o diálogo presente na relação pedagógica abordada no método de educação emancipatória de Freire auxilia a autonomia e a apropriação acadêmica do indivíduo?”.

Para tal análise, é preciso fazer observações sobre certos aspectos que serão elencados neste artigo, como a relação professor-aluno, o que é a educação humanista, como é sala de aula atual, bem como responder o que seria o conceito de autonomia, para no fim instigar a reflexão de como tais aspectos podem interferir numa relação que retome, de certa forma, a interação pedagógica cidadã.

Discussão teórica

O processo da Pedagogia da Autonomia, elaborado e debatido por Freire, nos é dado como uma ferramenta para que haja estreitamento entre a relação aluno-professor e o quanto essa relação auxilia na concepção e formação do indivíduo, porém, para que se consiga tal feito, temos que observar que o nó principal de tudo é o diálogo. “Mais do que instrumento de comunicação e expressão de ideias e conhecimentos, a língua põe em questão o real e o imaginário, os conceitos e argumentos, interroga seu sentido e gênese” (Coelho, 2009, p. 20).

Desde o início, somos ensinados a simplesmente absorver o conteúdo que nos é transmitido, muitas vezes decorando até com alguns macetes para que isso seja reproduzido em provas; além disso, nos é passado que nosso futuro depende do quanto estudarmos. A proposta de uma educação emancipatória foge dessa linha de pensamento, já que aborda temas pertinentes ao contexto dos indivíduos envolvidos no processo de educação, como explanado por muitos autores ao tratar a importância de um estudo pensado para o aluno e quais impactos isso tem na sua construção de conhecimento. Sobre isso, Silva (2004, p. 1) discorre:

Uma educação crítica e libertadora concebe o currículo como o conjunto de práticas socioculturais que – de forma explícita ou implícita, consciente, intencional, empírica ou incorporada inconscientemente – se inter-relacionam nas diferentes instâncias e momentos do espaço-tempo escolar. Assume-se a defesa de uma intervenção pedagógica crítica na prática educativa desumanizadora vigente, na perspectiva de um currículo responsável, comprometido com os socialmente excluídos, que parta das necessidades e dos conflitos vivenciados para tornar-se significativo, crítico, contextualizado, transformador e popular. [...] Toda prática escolar está arraigada a um contexto que se manifesta nas dimensões da realidade local, em seus sujeitos e processos de construção do real, ou seja, nas inter-relações entre culturas e saberes, comportamentos e posicionamentos éticos, práticas socioculturais da comunidade.

A educação humanista

Baseada em uma concepção de uma educação mais justa e igualitária, com noções de moral e ética que vão desde as filosofias gregas até a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Universal do Direito das Crianças da ONU, a teoria humanista da educação tem como princípio a formação para aprimoramento do desenvolvimento, bem-estar e dignidade. Para alcançar esse princípio, há três importantes passos: o filosófico, o sociopolítico e o pedagógico, pois é por meio deles que se chega à formação desejada: um cidadão ético, crítico e autônomo (Aloni, 2011).

A educação humanista, derivada das teorias humanistas da Psicologia, existe desde muito tempo, tendo aparições em ideias de Platão, Sócrates e outros filósofos atenienses, de Rousseau no período do romantismo, de Nietzsche e Sartre, entre outros. Destacam-se neste trabalho as contribuições de Paulo Freire para o estudo da área, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Freire é um dos responsáveis por trazer as noções de que ao educar é preciso levar em consideração todo o meio no qual o aluno está inserido, tendo em vista as implicações que esse meio pode ter sobre o desenvolvimento físico, emocional e intelectual do indivíduo (Aloni, 2011).

Muito se discute em literatura o fato de que, mesmo que traga diversas melhorias para a qualidade de vida, a ciência e tecnologia (C&T) também é responsável pela desigualdade social, ou melhor, pelo agravamento dessas diferenças. Povos economicamente privilegiados acabam por ter um poderio maior sobre essas áreas e com elas exercem controle sobre sociedades mais vulneráveis (Fernandes; Gouvêa, 2020).

Reflexos da pandemia na sala de aula

Ao mesmo tempo que a escola é um ambiente de complementar a socialização dos estudantes, a aprendizagem se dá de diversas maneiras – através dos sentidos, sensações, proximidade; o estudante precisa significar aquilo que aprende com essas vivências (Colégio Planck, 2021), contudo, no período de ensino remoto os alunos perderam essa relação que tinham com a escola.

Como abordado na introdução, o ensino remoto impulsionou o relacionamento entre a escola e a tecnologia, já que professores e alunos precisaram se inserir totalmente no ambiente online para manter as atividades em dia. Entretanto, os fatores negativos dessa inserção tecnológica no ambiente escolar também são muito evidentes, pois foi necessário que os alunos desenvolvessem certa maturidade para fazer, de modo individual e autônomo, o que antes se realizava com acompanhamento especializado. A organização de rotina, ambiente e tempo gerou um desafio para o qual muitos pais e alunos não estavam prontos.

Tudo isso, aliado ao medo que se vivia devido às incertezas do momento, repercutiu numa constante sensação de que não se estava aprendendo de fato, gerando nos estudantes sentimentos de ansiedade, irritação e tristeza (Colégio Planck, 2021). Com isso, o retorno à presencialidade fica marcado por alunos com dificuldades ou, como relata Delboni (2021) em suas entrevistas, dispersos e catatônicos, retrato desse aluno que aprendeu sem aprender e chega à escola ainda no mesmo ritmo que se criou para as atividades de ensino remoto.

A distância entre professor e aluno e o diálogo

Na atual pedagogia, a relação entre docente e discente é a mesma que a observada na educação bancária, baseada em um sistema hierárquico que estabelece “regras” na relação pedagógica:

- o educador é o que educa; o educando, o que é educado;
- o educador é o que sabe; o educando, o que não sabe;
- o educador é o que pensa; o educando, o pensado;
- o educador é o que fala; o educando, o que escuta;
- o educador é o que disciplina; o educando, o disciplinado;
- o educador é o que opta; o educando, o que segue a opção;
- o educador é o que prescreve; o educando, o que segue a prescrição;
- o educador é o que escolhe o conteúdo; o educando, o que se acomoda a ele;
- o educador é o que atua; o educando, o que tem a ilusão de atuar;
- o educador é o sujeito do processo; o educando, mero objeto;
- o educador identifica a autoridade do saber com a autoridade funcional; o educando, o que deve adaptar-se, submeter-se (Moreira, 2011, p. 150).

Essas características criam uma fronteira simbólica entre educador e estudante; porém esse distanciamento, assim como esse modelo de ensino, minimiza a imaginação do educando, estimulando ingenuidade nele; essa concepção tende à criação de sujeitos passivos, que se adaptam aos modelos implantados sem expressar opinião.

Para a superação dessa fronteira, o diálogo é peça fundamental, tendo em vista que cria uma ligação entre o professor e o aluno que, fora de um ambiente dialógico, não existiria. Entretanto, os professores usam artifícios para simular uma falsa proximidade.

Outro hábito do professor, ao falar, é o uso do pronome “nós” quando fala com a classe. O programa silenciou os alunos e os afastou do professor, e assim o professor cria uma falsa camaradagem dizendo: “Nós vamos fazer um trabalho escrito para a semana que vem” ou “Amanhã veremos a Revolução Francesa”, quando o que ele realmente quer dizer é "eu estou dando um trabalho escrito como lição de casa”. O “nós” é puro verbalismo, uma democracia verbal, porque não há democracia de fato, ela é manipuladora. Os alunos ouvem, rotineiramente, que a pessoa solitária lá na frente da sala – o professor, um “eu” responsável por "nós”, um sujeito acima deles, os objetos – fala com eles como se já tivessem concordado com qualquer coisa que o “eu” tenha dito, quando, de fato, não se combinou nada sobre esse “nós”. O “nós” professoral é um modo pelo qual a pedagogia tradicional tenta ocultar seu autoritarismo (Shor; Freire, 1986, p. 91).

Nesse cenário opressor, é preciso união para que possa existir libertação, uma transformação na consciência do indivíduo, mostrando que ele tem direito à fala e à expressão. O diálogo em sala não se basta em palavras vãs ou verbalizações, tampouco em discussões e polêmicas, mas sim em algo maior, um ponto criador e transformador.

Com frequência, os alunos tendem a usar do idioma coloquial, enquanto os docentes têm uma formação pautada em uma linguagem culta, mas é preciso analisar que as pessoas se comunicam utilizando a linguagem referente à sua realidade; por isso, para aproximar o estudante do modo acadêmico de fala, não é necessário mudar o aluno, mas sim o ambiente onde ele se encontra, pois, como dito anteriormente, a classe dominante estabelece a sua linguagem como padrão. É necessário buscar a superação da diferença linguística da sala de aula; para isso, é fundamental entender que há um limite conceitual entre aluno e professor para não expor o aluno a uma situação de estranheza. Usar uma fala didática rebuscada limita a manifestação do aluno, que se sente incapaz de se comunicar por não conseguir usar a mesma linguagem que o educador.

O primeiro passo seria buscar compreender o modo linguístico do estudante ouvindo-o, conhecendo seus níveis de pensamento, aptidão e sentimento, porém essa conversa só será possível se o educador tratar o aluno como um igual, evitando os atos de reprovação linguística e silenciamento do aluno oriundos da ideia de que somente a língua portuguesa dos dicionários e da gramática é compatível com o ambiente escolar, reforçando um preconceito linguístico em que a fala do outro é tida como errada, feia, estropiada etc. (Bagno, 2007).

Um segundo passo seria mostrar que toda contribuição é importante, pois os alunos só participam do debate se acreditarem que seu comentário é relevante; para isso, o professor não deve continuar falando mesmo com alunos entediados, mas sim realizar uma troca de conhecimentos, tornar a sala um ambiente de diálogo crítico, em que o intercâmbio exista, em que todos tenham espaço de fala. Para que tal ambiente seja possível, o docente deve estimular o estudante, dando-lhe espaço para criar, mas ensinando como fazer essa criação. É vital que a aprendizagem seja realizada em conjunto, não sendo do professor a palavra final; assim se introduz o terceiro passo: o professor tem o péssimo hábito de dar as respostas às perguntas que ele mesmo fez; assim, o aluno não sente necessidade de se manifestar, pois ao se calar o professor lhe dará a resposta.

Outro ponto é o costume de “traduzir” a fala do aluno; quando isso é feito, o discente sente que toda sua explicação é errada e assim se cala; em vez disso, o educador precisa ensinar a ele a maneira correta de responder, usando uma linguagem simples, mas não simplista, pois o professor assim age como se seu ouvinte fosse inferior e incapaz de compreender, atuando de modo elitista. A forma simples tem seriedade e profundidade, mas é suficientemente fácil de compreender.

O último e quarto passo é o professor ser criativo e bem-humorado, um professor criativo estimula a criatividade dos alunos, mas é preciso ter cuidado ao ensinar, já que todo professor exprime suas opiniões no processo de ensinar; é preciso deixar nas mãos do aluno as escolhas a serem feitas e não o forçar ou induzi-lo a escolher o caminho que o professor indicou, porque o papel do professor não é colocar suas ideologias sobre seus alunos. O professor precisa andar junto do aluno para que ele se sinta capaz de crescer; ao usar o humor, o educador transforma o ambiente de sala de aula em um lugar de iguais, o humor deve ser usado para deixar as coisas mais leves, mais compreensíveis e não como uma autodefesa; porém deve haver cuidado, pois não se dá uma aula de formação de humoristas, por isso é preciso um limite, mas uma sala de aula sem emoção sabota a educação libertadora. Dessa forma, uma sala de aula em que a criatividade seja um ponto de apoio contínuo e desenvolva o lúdico e a autonomia é mais acessível, e isso torna mais fácil a chegada dessa educação libertadora. Como abordado em obras sobre a educação libertadora, o processo é regular e a criatividade é um meio de obtenção dessa sala de aula que alia o real e o imaginário, em que é possível a criação da autonomia, da liberdade, da humanidade, da sociedade, da liberdade e da justiça (Coelho, 2009).

Multiculturalismo na sala de aula

Para Werneck (2008, p. 429), o multiculturalismo “pode consistir na justaposição ou presença de várias culturas em uma mesma sociedade e na relação entre elas”. Porém não se minimiza apenas uma sociedade composta por diferentes culturas e realidades, pode ser mais bem abordada como um jogo de diferenças, uma luta de classes sociais. Assim é a sala de aula: diferentes pessoas, que vivem diversas realidades, e é por esses motivos que um padrão único de ensino seria desvalorizar as peculiaridades de cada aluno.

Atualmente reconhece-se que o multiculturalismo tem trazido a necessidade de compreender a sociedade como constituída de identidades plurais, com base na diversidade de gênero, raças, classe social, padrões culturais e linguísticos e outros marcadores identitários inseridos em um contexto sócio-histórico (Canen; Oliveira, 2002).

O educador tem o papel de estabelecer um diálogo pautado em valores éticos, na preservação da vida e no respeito à existência do outro. A multiculturalidade deve estar presente nas ações pedagógicas para que seja possível detectar vozes silenciadas e agir para a inclusão de todos, respeitando suas alteridades.

Questões étnicas, de gênero, de sexualidade, de religiosidade, de repetência e evasão escolar deve ser objeto de análise dos educadores, considerando os processos discursivos marcados por relações de poder desiguais que participam da formação das identidades (Silva, 2012, s/p).

É preciso considerar que os docentes também emergem de um meio e, por estabelecerem um ambiente de respeito, não devem aceitar procedimentos inadequados ou desrespeitosos. A educação tem papel importante na formação dos valores de tolerância, de cidadania e de respeito à pluralidade cultural. Ao educador cabe o compromisso de transformar a sociedade, não apenas intelectualmente, mas socialmente também. Uma boa metáfora para exemplificar a atual sala de aula é a temática abordada na obra da educadora Rosangela Uhmann (2017), que concebe a sala como fios; eles são diferentes, é preciso perceber essas particularidades para que ao final seja possível trabalhar com todos; mesmo que seja um emaranhado de fios desiguais, suas diferenças não o tornarão um só, mas sim um aglomerado de diferenças, e esse aglomerado pode ser utilizado, mas é preciso alguém que aceite esse novelo constituído por fios distintos.

Definição de autonomia segundo Kant

Etimologicamente, a palavra autonomia tem origem grega, formada pelo adjetivo “autos”, que significa “o mesmo”, “ele mesmo”, “por si mesmo”, e pela palavra “nomos”, que significa “compartilhar”, “instituição”, “uso”, “lei”, “convenção”, “competência humana”, “dar-se nas suas próprias leis” (Castro, 2011, s/p); logo a definição da palavra seria agir segundo a sua própria lei. Para Kant (Reale; Antiseri, 2004, p. 383), a autonomia é um dos aspectos positivos da liberdade e significa “determinar para si mesmo sua própria lei”.

Como sabemos que a vida dos seres humanos é formada pela interação com diferentes instituições sociais (família, escola, comunidade), a elas cabe grande parte formadora da autonomia do indivíduo; são células que orientam a construção da personalidade e, assim, são imprescindíveis de serem observadas. A autonomia precisa que algo exista, algo que por si só não seja determinado, para que possamos exercer o poder de delimitá-las.

Como a autonomia é “condição”, como ela se dá no mundo e não apenas na consciência dos sujeitos, sua construção envolve dois aspectos: o poder de determinar a própria lei e também o poder ou capacidade de realizar. O primeiro aspecto está ligado à liberdade e ao poder de conceber, fantasiar, imaginar, decidir, e o segundo ao poder ou capacidade de fazer. Para que haja autonomia, os dois aspectos devem estar presentes, e o pensar autônomo precisa ser também fazer autônomo. O fazer não acontece fora do mundo, portanto está cerceado pelas leis naturais, pelas leis civis, pelas convenções sociais, pelos outros etc., ou seja, a autonomia é limitada por condicionamentos, não é absoluta. Dessa forma, autonomia jamais pode ser confundida com autossuficiência (Zatti, 2007, p. 12).

Muitos autores trabalharam o conceito de autonomia, mas Kant foi o responsável por dar força a essa discussão, já que ele se distanciou das antigas ideias de autonomia religiosa e moveu-se para uma visão moral do assunto. Essa visão moral faz com que a liberdade da autonomia siga alguns preceitos, pois, no momento em que você age pensando em determinado fim – a busca da felicidade, por exemplo –, você está sendo heterônomo, ou seja, está perdendo sua autonomia; para Kant, ao agir de forma ética, o homem deve levar em consideração, única e exclusivamente o dever, só assim ele seria “digno de felicidade”.

Portanto, a autonomia caracterizada por Kant assemelha-se bastante à visão que temos dela atualmente, exceto no que diz respeito ao dever; tendo em vista que se age sempre com um fim, as leis internas procuram saciar um desejo pessoal. Assim sendo, mesmo que se reproduza o modelo de autonomia kantiana, perderam-se alguns de seus pontos e hoje se tem um conceito de autonomia em que ela se baseia no simples fato de ter a capacidade de se governar segundo suas próprias leis.

Conclusão

Vivemos em um mundo marcado pelos avanços trazidos pelo desenvolvimento científico e tecnológico; esse progresso afeta instituições, organizações políticas, econômicas e sociais. É por isso que a educação funciona como a base da conquista da autonomia, porém ela precisa ser repensada para assumir seu verdadeiro papel de formação de uma consciência crítica, disseminando a autonomia como valor principal na defesa de uma vida com liberdade integral.

Entretanto, essa plena liberdade do ser e essa mudança na educação só serão possíveis com o auxílio do diálogo nas relações pedagógicas, visto que ele é capaz de criar uma nova educação e renovar as relações aluno-professor. O diálogo é essencial para levar os homens a práticas mais reflexivas e de caráter libertador. Mesmo que os homens tenham aumentado sua capacidade de manejar e criar instrumentos de tecnologia avançada, perderam a capacidade de se relacionar e conviver, prevalecendo sentimentos egoístas nas relações humanas.

As relações baseadas no diálogo são uma saída para que, na educação e na sociedade, se criem certos vínculos mais efetivos que possibilitam ações mais conscientes e voltadas ao bem coletivo; sendo assim, a presença do diálogo na educação impede que o ato educativo restrinja-se a uma função instrumental e passe a ser de caráter reflexivo e humano, típico das relações libertadoras; essa presença constrói espaços de desenvolvimento do conhecimento em foco na autonomia para que ela seja reforçada. A autonomia não deve ser tratada como autodeterminação, mas como uma necessidade sumária para o incremento da plena personalidade, visto que legitima as ações e opções; a obtenção da autonomia proporciona condições e aptidões para a vida. O apontamento final é que ela se torna necessária neste período para que possa acompanhar o desenvolvimento científico e a inserção digital sem ficar presa a ele e sem perder espaço para tal.

No fim, é importante ressaltar que a escola básica no Brasil não foi, em nenhum momento, pensada para acontecer de modo não presencial; isso acarreta nos profissionais em sala de aula desgaste e dificuldade, pois é preciso reformular todo um processo que já se tem estabelecido. Para o aluno, também é uma situação nova e diferente, sair de um ambiente controlado e com supervisão para um ambiente em que a autonomia das escolhas é muito maior e as distrações também; após adaptado a essa nova rotina, precisa novamente estar pronto a abdicar das autonomias individuais que tinha no remoto para se enquadrar de novo no ambiente escolar controlado e supervisionado.

Saindo de um momento como o pandêmico, em que o cenário é de muita insegurança, é preciso haver ação conjunta entre escola, família e sociedade para que os anseios do passado não reverberem no presente e no futuro, com uma interação com o intuito de desenvolver e incrementar novas formas de associar aprendizados e vivências, aproveitando diversas situações para aprender e ensinar.

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Publicado em 21 de março de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Fábio Veiga da. A importância do diálogo, numa perspectiva freiriana, na retomada da presencialidade depois do período remoto da covid-19. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 10, 21 de março de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/10/a-importancia-do-dialogo-numa-perspectiva-freiriana-na-retomada-da-presencialidade-depois-do-periodo-remoto-da-covid-19

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