Imunização: um jogo didático para o ensino de imunologia no Ensino Fundamental

Patricia de Souza Ricardo Gonçalves

Mestre em Formação Científica para professores de Biologia, especialista em ensino de Ciências, professora da rede privada e estadual do Rio de Janeiro

A escola é um espaço privilegiado para a construção do conhecimento científico e a formação de cidadãos críticos. Porém, a forma como os conteúdos são abordados em muitas de nossas escolas ainda se baseia nas linhas pedagógicas tradicionais, nas quais o professor é o centro do processo, “um organizador dos conteúdos e estratégias de ensino e, portanto, o único responsável e condutor do processo educativo” (Pereira, 2003, p. 1.529). Desse modo, muitos conteúdos que para o aluno não fazem sentido são apenas decorados para uma avaliação e esquecidos em seguida, caracterizando o que Ausubel (apud Moreira, 1982) denomina como aprendizagem mecânica.

Nesse contexto, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias que tornem o processo mais atrativo para o aluno. De acordo com Gonçalves e Silva (2018, p. 64), “essas estratégias visam tornar o processo de ensino-aprendizagem mais ativo e o aluno, participante ativo nesse processo, buscando uma aprendizagem significativa. Nesse contexto, o jogo didático surge como possibilidade enriquecedora”.

A escolha do jogo didático como estratégia está baseada no fato de ser uma atividade lúdica, reconhecida como um meio de fornecer ao indivíduo um ambiente motivador e prazeroso, que possibilita a aprendizagem de várias habilidades (Pedroso, 2009, p. 3.183), além de desenvolver a iniciativa, a imaginação, o raciocínio, a memória e o interesse (Fortuna, 2003, p. 16), sendo um instrumento de grande valor no processo de ensino-aprendizagem para que ocorra, de fato, uma aprendizagem efetiva.

O tema imunidade, bem como os processos que geram imunidade ativa ou passiva e doenças que afetam o sistema imunológico são um assunto de extrema relevância no cenário atual, tendo em vista o crescimento de movimentos negacionistas, como os movimentos antivacina no país e no mundo.  Esses movimentos, que não são novos, defendem que vacinas causam danos à saúde das crianças, como surdez e casos de autismo, dentre outros. Shimizu (2018, p. 89) destaca que “o boato de que a vacina tríplice viral causa autismo perdura até hoje e é um dos discursos que circulam nos grupos antivacinas”.

De acordo com relatos históricos, esses movimentos antecedem a própria vacina. Shimizu também destaca que a Revolta da Vacina teria sido incitada por políticos e figuras públicas; “esses discursos defendiam o direito à liberdade de escolha do cidadão, criticavam a obrigatoriedade da vacinação e colocavam em dúvida sua segurança, chamando-a de injeção de ‘veneno’” (2018, p. 88). Atualmente, porém, se valem de redes sociais para disseminação de informações falsas sobre o assunto, lançando dúvida sobre a eficácia das vacinas.

Em tempos de excesso de informações e superficialidade de conteúdos, muitas pessoas em todo o mundo, principalmente na Europa, vêm aderindo a um movimento conhecido como antivacina, seja por questionar a segurança da vacina, por temer os efeitos colaterais ou por acreditar que não estão suscetíveis às doenças (Consensus, 2017, p. 24).

Recentemente, vivenciamos situações relacionadas aos questionamentos quanto à eficácia da vacinação contra a covid-19 em nosso país, inclusive enfrentando uma onda de falsas notícias, as fake news. Fake news são informações, notícias, postagens produzidas de forma inverossímil que, sem a devida averiguação, levam o leitor a pseudoinformações (Neto, 2020); durante a pandemia da covid-19, tiveram um papel que merece destaque na influência da população quanto às tomadas de decisão, uma vez que o discurso de autoridade muitas vezes punha em dúvida as orientações científicas e a eficácia da vacina. Neto (2020, p. 5) destaca que “o compartilhamento das fake news foi rápido na disseminação, quando as evidências científicas passaram a ser questionadas no campo da política por alguns governantes, o que expõe a população à propagação de condutas inadequadas”.

O Brasil sempre foi referência em vacinação, com o Programa Nacional de Imunização (PNI); no entanto, tem enfrentado queda no número das imunizações (Consensus, 2017).

Considerando esse cenário, vemos a crescente necessidade de estratégias que permitam ao estudante adquirir informações corretas sobre o tema e pensar criticamente sobre o assunto.

Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho foi desenvolver um jogo didático que auxilie alunos e professores do Ensino Fundamental na compreensão da fisiologia do sistema imunológico, bem como dos processos envolvidos na obtenção da imunidade e doenças associadas a esse sistema.

Kit do jogo

O jogo Imunização foi desenvolvido a partir da observação e da necessidade de um instrumento que tornasse o tema imunização e imunidade mais atrativo e de fácil compreensão para alunos do 8º ano do Ensino Fundamental.

O jogo Imunização é um jogo de tabuleiro constituído por uma trilha de 30 casas com marcações de perguntas, indicadas por pontos de interrogação e casas de ação, assinaladas no tabuleiro como (i) casas de castigo (marcadas como uma infecção), (ii) dia de vacinação, que bonifica o jogador com uma pergunta extra, (iii) casa vice-versa e (iv) casa pare.

O jogo possui 36 cartas, sendo 16 cartas de perguntas objetivas, 5 cartas de verdadeiro ou falso, 12 cartas de sorte/azar e 3 cartas de perguntas abertas.

Regras do jogo

O jogo pode ser jogado por 2, 3 ou 4 participantes/equipes, o que “promove maior interação entre os alunos que aprendem (indiretamente) sobre trabalho colaborativo e pensamento coletivo” (Costa et al., 2016, p. 12).

O professor atua como mediador do processo de ensino-aprendizagem, utilizando o jogo como ferramenta auxiliar no processo. Para ajudar no processo e na utilização, foi produzido um manual de regras que compõe o kit do jogo, bem como arquivo de dados e pinos, que poderá ser impresso pelo professor.

Figura 1: Regras do jogo

As regras são:

  1. Iniciando o jogo: as equipes/jogadores lançam o dado. A equipe/jogador que tirar o valor mais alto no dado começa a partida.
  2. Andamento do jogo: os jogadores movimentam seus pinos sobre o tabuleiro, de acordo com o número de pontos sorteados no dado, respondendo corretamente às questões e situações propostas no tabuleiro. As casas de situação podem ser casas de perguntas, nas quais o jogador/equipe tem direito a responder a uma pergunta sorteada no monte de cartas. Caso o jogador/equipe acerte a pergunta, avança uma casa; em caso de erro, fica uma rodada sem jogar. As casas de castigo, marcadas no tabuleiro com a imagem de um patógeno, indicam que o jogador/equipe foi infectado e perde a rodada. As casas assinaladas com a palavra Pare impedem que o jogador/equipe avance uma rodada. A casa marcada como Dia de Vacinação contempla o jogador/equipe com uma pergunta extra. Em caso de acerto, o jogador/equipe avança uma casa, em caso de erro, tem direito a uma segunda chance, se errar novamente, fica uma rodada sem jogar.
  3. Vitória: vence o jogo a equipe/jogador que atingir primeiro o ponto de chegada.

Figura 2: Folha de dados e pinos que compõem o kit do jogo

Figura 3: Tabuleiro do jogo Imunização

Figura 4: Cartas do jogo Imunização

Considerações finais

O ensino de Ciências e Biologia ainda é muito baseado em modelos de aquisição de conhecimentos que não consideram o aluno como agente ativo na construção do seu conhecimento. Essas estratégias, no entanto, apresentam as ciências como matérias desinteressantes, baseadas apenas na memorização de termos complicados para a realização de avaliações quantitativas.

Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é preciso “possibilitar que esses alunos tenham um novo olhar sobre o mundo que os cerca, como também façam escolhas e intervenções conscientes e pautadas nos princípios da sustentabilidade e do bem comum” (Brasil, 2017). Para que isso aconteça, “é imprescindível que eles sejam progressivamente estimulados e apoiados no planejamento e na realização cooperativa de atividades investigativas, bem como no compartilhamento dos resultados dessas investigações”.

Nesse sentido, o desenvolvimento de materiais como o jogo didático Imunização permite que tais objetivos sejam atingidos de forma leve, porém consistente e duradoura, proporcionando uma aprendizagem efetiva dos conteúdos trabalhados.

Referências

BRASIL. A queda da imunização no Brasil. Consensus, v. 25, out./dez. 2017. Disponível em: https://www.conass.org.br/consensus/queda-da-imunizacao-brasil/. Acesso em: 02 jan. 2022.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 02 jan. 2022.

COSTA, R. C. et al. Desenvolvimento e validação do jogo didático Desafio Ciências – Animais para utilização em aulas de ciências no Ensino Fundamental regular. Revista da SBenBio, nº 9, p. 9-20, 2016.

FORTUNA, T. R. Jogo em aula. Revista do Professor, Porto Alegre, v. 19, nº 75, p. 15-19, jul./set. 2003.

GONÇALVES, P. S. R; SILVA, N. L. da C.-e-. O jogo didático Invasores: uma ferramenta lúdica auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de protozooses. Debate e Reflexão das Novas Tendências da Biologia, Ponta Grossa, 62-69, 2018. DOI 10.22533/at.ed.2591909088.

MOREIRA, Marco A. Aprendizagem Significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.

NETO, M.; GOMES, T. de O.; PORTO, F. R.; RAFAEL, R. de M. R.; FONSECA, M. H. S.; NASCIMENTO, J. Fake news no cenário da pandemia de covid-19. Cogitare Enferm., v. 25, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.72627. Acesso em: 29 jul. 2022.

PEDROSO, C. V. Jogos didáticos no ensino de Biologia: uma proposta metodológica baseada no módulo didático. In: IX CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCERE. Paraná, p. 3.182-3.190, 2009.

PEREIRA, A. L. de F. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Caderno Saúde Pública, v. 19, p. 1.527-1.534, set./out. 2003.

SHIMIZU, N. R. Movimento antivacina: a memória funcionando no/pelo (per)curso dos sentidos e dos sujeitos na sociedade urbana. Revista do EDICC, v. 5, p. 87-97, out. 2018.

Publicado em 21 de março de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

GONÇALVES, Patricia de Souza Ricardo. Imunização: um jogo didático para o ensino de imunologia no Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 10, 21 de março de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/10/imunizacao-um-jogo-didatico-para-o-ensino-de-imunologia-no-ensino-fundamental

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1 Comentário sobre este artigo

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Carine Pereira Braga • 7 meses atrás

Oii, existe um email que eu possa entrar em contato com a Patricia?? Obrigada

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