Um novo fenômeno esportivo: refletindo sobre apostas

Aurélio Cardoso Alcantara

Licenciado em Educação Física (UEG), especialista em Docência Universitária (FMB), mestrando em Educação Física Escolar (Proef/UFG), professor da rede pública e privada de Goiás

É uma sensação incrível torcer por seu time, viver a emoção do gol nos acréscimos contra seu rival; ainda mais se, após a vitória do seu time, você ainda ganha dinheiro; isso é extremamente sedutor. Ou ainda a ideia do dinheiro fácil, basta apostar no time grande, jogando em casa, contra o pequeno, para ter lucro, isso é fantástico.

Quando tratamos do esporte na escola, sempre buscamos relacioná-lo a outros assuntos que são inerentes ao fenômeno esportivo e que vão além do jogo em si, relacionando-os com a cultura e a sociedade. Frequentemente trazemos a discussão do preconceito com os atletas negros no Brasil no início da prática desse esporte; citamos a criação do drible como uma forma de defesa contra esse preconceito e como o racismo ainda acontece nos estádios; tratamos do papel importantíssimo que o rúgbi teve na África do Sul no fim do apartheid para a “união” da nação; tratamos da violência das torcidas; relacionamos esportes às mídias, falamos dos grandes eventos esportivos e de como a mídia influencia os esportes, podendo perceber até a interferência dela na alteração das regras do voleibol. Contudo, o fator que mais tem me chamado a atenção nos últimos tempos nas relações dos jovens e adolescentes com os esportes é a inserção deles no mundo das apostas esportivas.

No final de 2018, o Governo Federal sancionou a Lei nº 13.756/18, que autorizou o Ministério da Fazenda a criar regras de licenciamento e exploração de apostas esportivas de quota fixa; porém a lei que autoriza a criação dessas casas de apostas no Brasil nunca foi sancionada (existe a promessa de veto do atual presidente), mas, a partir desse marco, o mercado de apostas no Brasil cresceu vertiginosamente. Alguns estudos e pesquisas indicam que existem mais de 400 casas de apostas operando em território brasileiro sem regulamentação direta em um mercado que movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano, operando inteiramente com sites hospedados no exterior, haja vista que não há autorização para atuação no Brasil.

Prado (2021) afirma que é inegável que, quanto mais o governo brasileiro prorroga a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, maior é o ganho que ele deixa de ter. Dados apontam que as apostas esportivas online movimentam bilhões de dólares por ano, sendo esse valor totalmente remetido ao exterior.

As apostas não se restringem ao futebol; nesses sites é possível apostar em todos os esportes: MMA, basquete, corrida de cachorros, automobilismo etc.; se existe competição, é possível apostar.

Esses sites ou casas de apostas têm penetrado em todos os níveis esportivos e da sociedade em geral, mundialmente. Dos 20 times da Premier League (Liga Inglesa), o campeonato nacional mais rico do mundo, nove são patrocinados por casas de apostas (na Inglaterra as apostas são legais); no Brasil, dos 20 times da Série A, 19 são patrocinados por sites esportivos; esses sites patrocinam de grandes clubes a pequenos eventos nas cidades, shows e campeonatos municipais; e fornecem brindes, naturalizando-se como um tipo de comércio.

Essa relação das casas (sites) de apostas como financiadores dos seus objetos de lucro (times esportivos) tem gerado fortes debates sobre a legalidade, moralidade e ética dessa prática, e a Premier League já informou que irá proibir os clubes de serem patrocinados por casas de apostas.

Além dos grandes, é possível fazer apostas esportivas em pequenos sites, com cambistas (aquele que registra as apostas de outros) – que por vezes são nossos alunos principalmente do Ensino Médio – e em maquininhas, como as do jogo do bicho, espalhadas por diversos comércios, inclusive nos arredores das escolas.

A possibilidade de lucro e a relação com a emoção que o esporte traz, por si só, têm arrebatado muitos de nossos alunos – e percebo que esse é talvez o maior fenômeno esportivo da atualidade. Constantemente alunos me relatam seus raros lucros, seus constantes prejuízos, por vezes suas grandes dívidas e até seu trabalho como cambistas, ganhando uma porcentagem sobre as apostas que registram; e se mostram maravilhados.

Assim, noto que muitas reflexões cabem sobre essa novíssima realidade: a legalidade dessa atividade no Brasil; a dependência psicológica dos apostadores; o lucro dessas casas de apostas, em detrimento do prejuízo dos pequenos apostadores; a relação ética entre clubes, atletas e as casas de apostas que os patrocinam; o baixíssimo salário da maioria dos atletas profissionais no Brasil; os atletas que recebem salários baixos e propostas tentadoras para manipular os resultados esportivos; ser cambista como atividade profissional; o acesso de menores de idade aos jogos de azar; o envolvimento das polícias nesse fenômeno... Há tantas outras e, conforme a agência I Trust Sport (2022) afirma, “os resultados combinados como forma de corrupção esportiva ligada aos jogos de azar são uma ameaça fundamental e universal ao futuro do esporte profissional. Embora o problema de manipulação de resultados seja reconhecido em todo o movimento esportivo e novos programas educativos e outras medidas tenham surgido, ainda há muito trabalho a ser feito”.

Outro importante aspecto é a possibilidade de atividade interdisciplinar do tema junto aos professores de Matemática, trabalhando estatísticas e probabilidades; com os professores de Filosofia, estudando ética; com os de Sociologia, no resgate de comportamentos em grupo que influenciam o indivíduo, e diversos outros segmentos.

Como manifestação tão nova, porém a cada dia mais massificada em toda a sociedade, principalmente nos jovens, acredito que caiba uma discussão mais aprofundada sobre os temas citados e outros que possam surgir dos próprios alunos relacionados ao tema.

Referências

COSTA, Jaqueline de Morais; PINHEIRO, Nilcélia Aparecida Maciel. O ensinamento por meio de temas geradores: a educação pensada de forma contextualizada, problematizada e interdisciplinar. Imagens da Educação, v. 3, nº 2, p. 37-44, 2013.

I TRUST SPORTS. Resultados combinados e corrupção em apostas e jogos de azar no esporte. 2022. Disponível em: https://www.itrustsport.com/pt/sports-governance/tackling-sports-corruption/match-fixing-betting-and-gambling-corruption-in-sport.

PRADO, F. R. A. et al. A regulamentação das apostas em e-sports no Brasil. Migalhas, 07 de abril de 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/343170/a-regulamentacao-das-apostas-em-e-sports-no-brasil.

Outros sites pesquisados

http://edicaodobrasil.com.br/2021/07/09/mais-da-metade-dos-jogadores-de-futebol-brasil-vivem-com-um-salario-minimo/

https://www.maisgoias.com.br/homem-oferece-dinheiro-para-facilitar-resultados-de-futebol-em-goias-e-e-preso/amp/

https://ge.globo.com/google/amp/negocios-do-esporte/noticia/proibicao-de-patrocinios-de-casas-apostas-acende-sinal-de-alerta-entre-clubes-de-futebol-ingleses.ghtml

https://www.em.com.br/app/noticia/empresas/2021/08/26/interna-empresas,1299654/sites-de-apostas-patrocinam-19-dos-20-clubes-da-serie-a-do-brasileirao.shtml

https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-diz-que-vetara-projeto-sobre-jogos-de-azar/

https://brasil.elpais.com/esportes/2021-09-25/casas-de-aposta-esportiva-tomam-o-brasil-mas-movimentam-seus-bilhoes-de-reais-fora-do-pais.html%3foutputtype%3damp

https://www.correiodopovo.com.br/especial/sem-conseguir-parar-1.636452

Publicado em 28 de março de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

ALCANTARA, Aurélio Cardoso. Um novo fenômeno esportivo: refletindo sobre apostas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 11, 28 de março de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/11/um-novo-fenomeno-esportivo-refletindo-sobre-apostas

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