Professor da EJA: o sujeito da práxis pedagógica

Manoel Messias Gomes

Doutor em Ciências da Educação (EBWU – EUA)

A educação é uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea e, a cada dia, ela vai se impondo nesses tempos de grandes mudanças e inovações, possibilitando ao indivíduo retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades e confirmar competências adquiridas na educação extraescolar, possibilitando um nível técnico e profissional mais qualificado.

Dentro desse caráter ampliado, os termos “jovens” e “adultos” indicam que em todas as idades e em todas as épocas da vida é possível desenvolver habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais de escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito de direitos e oportunidades.

A formação docente em qualquer nível ou modalidade deve considerar, como meta, o disposto no Art. 22, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), n° 9.394/96, que estipula que “a Educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, seja para evitar discriminação ou para atender ao Art. 61 da mesma LDBEN, que é claro ao priorizar “a formação de profissionais da Educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando”. Pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA, deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer educador, aquelas relativas à complexidade própria da modalidade.

Assim, esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com essa parcela de estudantes, estabelecendo o exercício do diálogo. Para a Resolução CNE/CEB, nº 03/97, jamais um professor aligeirado, motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista, será um bom professor. Por isso, os docentes devem se preparar e se qualificar para a constituição de projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados, a fim de atender às peculiaridades dessa modalidade de educação, como disposto no Art. 67, II, que contempla o aperfeiçoamento profissional continuado dos docentes e, quando e onde couber, como disposto no Parecer n° 03/97.

A Resolução CNE/CP nº 01/99, que versa sobre os Institutos Superiores de Educação, inclui ainda os Cursos Normais de Formação de Professores, os quais formam docentes tanto para a Educação Infantil como para o Ensino Fundamental, compreendidos também como uma preparação específica para a EJA, equivalente aos anos iniciais do Ensino Fundamental (Art. 6º, § 1º, V).

Também a Resolução CEB/CEB nº 02/99, que versa sobre a formação dos professores na modalidade Normal Média, não se ausentou da EJA na Educação Básica. Assim, o § 2º do Art. 1º afirma que “implica o mesmo compromisso de propostas pedagógicas e sistemas de ensino com a educação escolar de qualidade para as crianças, os jovens e os adultos”.

O Art. 5º, no seu § 2º, assinala:

Os conteúdos curriculares destinados [...] aos anos iniciais do Ensino Fundamental serão tratados em níveis de abrangência e complexidade necessários à (res)significação de conhecimentos e valores, nas situações em que são (des)construídos/(re)construídos por crianças, jovens e adultos.

O Art. 9º, IV da mesma resolução determina que os Cursos Normais Médios devem preparar docentes para atuar na Educação de Jovens e Adultos. Cada vez mais se exige da formação docente um preparo para que se possibilite aos profissionais do magistério uma qualificação multidisciplinar e polivalente. Não se pode deixar de assinalar as exigências específicas e legais para o exercício da docência nas etapas da Educação Básica.

No entanto, o que se percebe é que a falta de formação inicial e/ou continuada dos docentes atuantes na EJA, trazem grandes prejuízos à aprendizagem dos alunos que frequentam essa modalidade de ensino.

A formação inicial do educador da EJA

As instituições de Ensino Superior, como espaços de formação e produção do conhecimento, podem ser pensadas como possibilidades de formação e produção do conhecimento especificamente aos docentes que trabalham com a realidade da EJA. No entanto, a questão está longe de representar uma realidade no Brasil; segundo o Boletim da Ação Educativa (2004), no ano de 2003, dos 1.306 cursos de Pedagogia existentes no país, somente dezesseis ofereciam habilitação em Educação de Jovens e Adultos (EJA) e apenas sete eram mantidos por instituições públicas de educação. Os demais, segundo Soares (2005, p. 54), eram mantidos por instituições privadas, reafirmando a importância de grupos de discussão sobre a demanda e a modalidade dentro das universidades.

Segundo Soares e de acordo com a Resolução n° 11/00,

as instituições que se ocupam da formação de professores são instadas a oferecer habilitação em seus processos seletivos. Para atender a essa finalidade, elas deverão buscar os melhores meios para satisfazer os estudantes matriculados. As licenciaturas e outras habilitações ligadas aos profissionais do ensino não podem deixar de considerar, em seus cursos, a realidade da EJA. Se muitas universidades, ao lado de Secretarias de Educação e outras instituições privadas sem fins lucrativos, já propõe programas de formação docente para a EJA, é preciso notar que se trata de um processo em vias de consolidação e depende de uma ação integrada de oferta dessa modalidade nos sistemas (Soares, 2005, p. 37).

As instituições de Ensino Superior devem repensar a organização de seus currículos, incluindo a Educação de Jovens e Adultos em todos os cursos de Pedagogia, para começarem a refletir sobre as formas de abordagem dessa realidade dentro das licenciaturas, pois esse profissional vai trabalhar com alunos cujas realidades precisam ser observadas com atenção. Docentes da EJA precisam atentar para as diferentes possibilidades de suas práticas educativas, a fim de melhorar os métodos de alfabetização e pós-alfabetização para esse público jovem e adulto.

Pode-se dizer que a preparação de um docente para atuar nas salas de aulas da EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade da modalidade de ensino. Assim, esse profissional do magistério deve preparar-se para interagir empaticamente com essa parcela de estudantes, estabelecendo um exercício pedagógico dialógico.

Nesses termos é possível garantir o que prevê o Art. 4º, VI, da LDB, “a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando” e o inciso VII, sobre a “oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola”. Para o docente que atua nessa modalidade de ensino, espera-se que possua uma formação pedagógica que seja empática e condizente com os sujeitos, trabalhadores ou não, que carregam em si marcas e experiências vitais que não podem ser ignoradas. Seu acesso e permanência na escola devem se articular, portanto, aos conteúdos trabalhados de modo diferenciado, com os métodos e os tempos direcionados ao perfil desses alunos, em observância a um caráter curricular multi e pluridisciplinar.

Nesse sentido, Edite Maria da Silva de Faria (2009) comenta em seu artigo O processo formativo dos professores/formadores da EJA na contemporaneidade, sobre a formação docente para a EJA, que, “infelizmente, ainda falta investimento na formação específica dos educadores que atuam nessa modalidade de ensino, resultando numa transposição inadequada de modelo de escola consagrado no ensino fundamental de crianças e adolescentes” (Faria, 2009, p. 151).

A autora constata que as limitações de formação inicial e continuada sobre saberes específicos para a realidade de ensino-aprendizagem da EJA, têm trazido grandes prejuízos à aprendizagem significativa desses alunos. Para a autora, “formar professores num contexto de mudanças, requer prática reflexiva e visão crítica sobre aspectos que perpassam a educação” (Faria, 2009, p. 151).

Resultados e discussões

Dos professores pesquisados, 60% têm idade entre 21 e 30 anos, 30% têm entre 41 e 50 anos e somente 10%, idade superior a 50 anos, mostrando que a grande maioria dos professores é de jovens, com um longo caminho a percorrer na profissão. Nesse sentido, Ribas e Soares (2012), baseadas nas reflexões de Nóvoa (1992), esclarecem que “a alma de sua formação básica e permanente é aprender a aprender. A reflexão é o conceito mais utilizado por investigadores para se referirem à formação de professores” (Nóvoa, 1992 apud Ribas e Soares, 2012, p. 11).

Quanto ao nível de escolaridade, observou-se que 40% dos docentes entrevistados possuem graduação nas diferentes áreas do conhecimento e 60%, pós-graduação. Podemos perceber que a maioria dos docentes é preparada para ensinar na Educação Básica, porém esses mesmos professores não estão ou não se sentem preparados para atuar em turmas da EJA. Quanto ao tempo em que lecionam na modalidade, 20% estão há menos de dois anos na escola, pois são professores de contrato temporário, 20% lecionam na escola há 2 a 5 anos, chamados no último concurso realizado no estado, e 60% são professores que fazem parte do quadro permanente da escola.

Perguntados se os conteúdos ensinados em sala de aula têm a ver com a realidade de aluno, 30% dos pesquisados afirmaram que tais conteúdos não têm relação com a realidade de seus alunos e 70% afirmaram que os conteúdos não têm nada a ver com o contexto no qual os alunos estão inseridos, pois são conteúdos esfacelados e descontextualizados da sua realidade. Destacamos o depoimento de um dos professores pesquisados: “Acho que os conteúdos deveriam ser mais contextualizados e que nós, professores atuantes na EJA, deveríamos receber treinamentos e cursos de capacitação para melhor saber como adequar os conteúdos à realidade dos nossos alunos”.

Em relação ao nível de aprendizagem dos alunos, 20% dos professores pesquisados consideram-no médio. Porém a grande maioria, 80%, considera o nível de aprendizagem muito baixo. Segundo alguns professores, esses alunos enfrentam grandes dificuldades no aprendizado, principalmente nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa.

Quando perguntados se seria importante que as universidades oferecessem cursos de licenciatura voltados à formação de professores da EJA, tanto das séries iniciais quanto do Ensino Médio, como formações continuadas, os docentes foram unânimes em afirmar que seria o ideal para preparar os professores para atuar junto aos alunos dessa modalidade educativa.

Diante da realidade dos altos índices de analfabetismo no Brasil, principalmente na faixa etária da EJA, é imperioso que se pense em currículos que contemplem os sujeitos jovens e adultos. Esse currículo pode ser organizado utilizando-se elementos da cultura adulta. Os educadores, juntamente com seus alunos, devem trabalhar esses conhecimentos como meios para que o educando possa, a partir disso, entender e agir sobre a sua realidade, bem como compreender-se como sujeito histórico que também produz conhecimento.

Considerações finais

Miguel Arroyo (2005) afirma que a EJA, ao longo de sua trajetória, traz consigo uma delicada relação entre o que considera como saber popular, socialmente produzido, e o saber adquirido, aquele que o aluno ganha ao entrar na escola, acessando o conhecimento historicamente produzido pela humanidade. Nesse sentido, percebe-se a importância da teoria e da prática freirianas, pois promovem uma educação voltada à realidade do aluno, privilegiando a liberdade e o desenvolvimento de sua autonomia.

Assim, ações importantes que podem contribuir para a formação do educador de jovens e adultos, possibilitando uma prática que leve em conta a diversidade cultural existente no ambiente escolar são, entre outras, entender a dinâmica dos movimentos sociais nos quais os alunos estão inseridos, como movimentos do cotidiano desse educando, que produzem formas de pensar e entender o mundo em que vivem, além da possibilidade de organização de um currículo que gere acesso a um ensino efetivo, fortalecendo a sua permanência no sistema.

Assim, as informações obtidas dos diferentes agentes do fazer pedagógico, podem trazer contribuições para a efetivação de uma prática docente que pretenda desenvolver um trabalho crítico, possibilitando que esse grande grupo da população brasileira, outrora expulso dos bancos escolares e que ainda vive às margens do sistema educacional do nosso país, seja acolhido, retome os estudos e se qualifique.

Referências

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Publicado em 04 de abril de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

GOMES, Manoel Messias. Professor da EJA: o sujeito da práxis pedagógica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 12, 4 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/12/professor-da-eja-o-sujeito-da-praxis-pedagogica

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